Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 540/2020-T
Data da decisão: 2021-04-30  IMI  
Valor do pedido: € 65.396,16
Tema: Revisão do acto tributário. IMI. Impugnação do valor patrimonial tributário
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso e Dr. A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-01-2021, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

               

A… , S.A com sede social na …, titular do número de identificação fiscal … (doravante a “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou e a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2015 … relativo ao período de tributação de 2015, que daquele pedido foi objecto.

A Requerente pede ainda o reembolso do imposto a considera indevidamente pago (€ 65.396,16) acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16-10-2020.

Em 10-12-2020, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 13-01-2021.

A AT apresentou resposta em que suscitou as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o «ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa» e da caducidade e defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 16-04-2021 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, prosseguindo o processo com possibilidade de a Requerente responder às excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pronunciou-se sobre as excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e da caducidade do direito de acção suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

                Consideram-se provados os seguintes factos:

A.           A Requerente é proprietária de diversos prédios urbanos, designadamente, terrenos para construção, os quais se encontram inscritos na matriz predial urbana da freguesia de …;

B.            A Requerente recebeu, em 2016, a nota de liquidação de IMI referente ao ano de 2015, com o n.º 2015 …, datada de 26-02-2016, a qual definia uma colecta total de imposto no montante de € 154.675,75, apurado de nos termos da tabela que segue: (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C.            A Requerente pagou em três prestações a quantia liquidada (documento n.º 2);

D.           O apuramento da colecta do IMI liquidado por referência ao ano de 2015 consta da seguinte tabela-resumo:

 

E.            A Requerente entendeu que liquidação do IMI de 2015 teve por base um valor patrimonial tributário (VPT) incorrectamente determinado relativamente aos diversos terrenos para construção e o imposto liquidado foi superior ao legalmente devido no montante de € 65.396,16, pelo que, em 19-03-2020, requereu a revisão do acto tributário de liquidação do IMI, nos termos que constam dos documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

F.            O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 15-10-2020, data em que a  Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

 

3. Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

Para além da apreciação direta da legalidade de actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «actos susceptíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. (   )

Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, em de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários». (   ) (   )

No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais. (   )

Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico, subsequente a indeferimento expresso de reclamação graciosa, pois este não tem por objecto directo um acto de liquidação, mas sim um anterior acto de indeferimento da impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa). Se o acto expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade de acto de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o acto anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta. (   )

Com efeito, nos casos de recurso hierárquico, em que é impugnado um anterior acto expresso, existe já um anterior acto impugnável, pelo que, no caso de indeferimento tácito do recurso hierárquico, é esse anterior acto expresso e não o indeferimento tácito o objecto da impugnação, como resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT: o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, conferem ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão». Assim, o acto do subalterno, que se presume confirmado tacitamente no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, é o relevante para aferir a idoneidade do meio processual. É neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu: «Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de acto de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objecto a legalidade do acto de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.»

Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de acto expresso, é à face do conteúdo deste acto recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade de acto de liquidação.

De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo actos de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de actos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»;

– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».

 

Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

Nestes termos, improcede a excepção invocada.

 

4. Excepção da caducidade

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a caducidade do pedido de pronúncia arbitral por o acto de liquidação de IMI impugnado ser de 2015 e o pedido ter sido apresentado em 2020, para além do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.

Nesta norma estabelece-se o seguinte:

 

1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

 

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

 

Como se vê, nesta norma prevêem-se, por remissão para o artigo 102.º do CPPT, vários termos iniciais do prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.

Na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, prevê-se como termo inicial desse prazo a «formação da presunção de indeferimento tácito».

No caso em apreço, em que são impugnados actos de liquidação na sequência de indeferimento tácito, é da sua formação que se conta o prazo para apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.

O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 19-03-2020, sendo de 4 meses o prazo necessário para a formação de indeferimento tácito, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

Por isso, o indeferimento tácito formou-se em 19-07-2020.

A Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral em 15-10-2020, antes de decorridos 90 dias sobre a data da formação de indeferimento tácito.

Por isso, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado tempestivamente.

Assim, improcede a excepção da caducidade.

 

5. Matéria de direito

 

A Requerente vem impugnar actos de liquidação de IMI com fundamento em erros dos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre que incidiu o imposto.

Como diz a Requerente, «no âmbito de uma revisão interna às liquidações do IMI que recebeu em anos anteriores, designadamente a liquidação de IMI do ano de 2015, a Requerente verificou que, a mesma enferma de ilegalidade, na medida em que, a mesma estipulou um valor a pagar consideravelmente superior àquele que seria exigido, caso as normas tributárias tivessem sido corretamente aplicadas».

 

5.1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento e vícios de actos de fixação de valores patrimoniais

 

Antes de mais, é necessário esclarecer se os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– nos presentes autos, a Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vicio  específico da  liquidação  de IMI, questionando, apenas, o VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação  contenciosa, do procedimento de liquidação  de IMI;

– estabelece o n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, avaliação é directa;

–  o n.º 1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação directa é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa, consignado também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade. 

– os actos de fixação dos valores patrimoniais, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, nos termos do artigo 86,º, n.º 1, da LGT e do artigo 134,º do CPPT;

– na medida em que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa, os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo;

– não haverá assim possibilidade de apreciação da correcção  do acto de fixação do VPT na impugnação do acto de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação. 

 

Afigura-se correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT e, que se estabelece que:

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:

 

– de 30-06-1999, processo n.º 023160 (   ):

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 (   )

– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;:

– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que  não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação da liquidação de IMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral.

Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da justiça, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa-fé da igualdade e da legalidade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais.

Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, actos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Por isso, a liquidação de IMI não pode ser anulada com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

 

5.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa da liquidação

 

A Requerente invoca com fundamento de revisão oficiosa a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 115.º

 

Revisão oficiosa da liquidação e anulação

 

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas: 

 (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; 

 

Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e não a actos de avaliação de valores patrimoniais.

Para além disso, como estas normas especiais são aplicáveis «sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária», a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efectuada se existir erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, os actos de liquidação de IMI não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI  «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita».

Assim, tendo a liquidação sido efectuada com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31-12-2015, não há erro da Administração Tributária ao efectuar a liquidação e, por isso, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade.

Por outro lado, a liquidação de IMI foi emitida em 26-02-2016 e a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 19-03-2020, mais de quatro anos após a liquidação, pelo que não foi observado o prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode efetuar a revisão oficiosa.

Por isso, é manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia deferir o pedido.

 

5.3. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores patrimoniais

 

A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI.

Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão.

O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:

 

Artigo 78.º

 

Revisão dos actos tributários

 

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

 

 Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a actos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais. 

Por isso, só dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se pode aventar a possibilidade revisão oficiosa.

No entanto, é manifesto que não foi observado pela Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.

Na verdade, todas a liquidações de IMI se baseiam nos valores inscritos as respectivas matrizes em 31-12-2015, pelo que todos os actos de fixação de valores patrimoniais são anteriores a essa data.

Por isso, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, em 19-03-2020, há muito que havia expirado o prazo em que podia ser autorizada a revisão dos actos de fixação de valores patrimoniais.

Pelo exposto, por intempestividade está afastada esta possibilidade de revisão oficiosa.

 

5.4. Conclusão

 

Pelo exposto, a liquidação de IMI impugnada não pode ser anulada, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral de anulação do indeferimento tácito e daquela liquidação.

Improcedendo o pedido de anulação, mantém-se na ordem jurídica a liquidação impugnada, pelo que improcedem necessariamente os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios que têm como pressuposto a sua anulação.

 

                6. Decisão          

 

                De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e à anulação da liquidação de IMI respeitante ao período de tributação de 2015;

b)           Julgar improcedentes os pedidos de reembolso da quantia de € 65.396,16 e de juros indemnizatórios;

c)            Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos referidos.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 65.396,16.

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 30-04-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)

(A. Sérgio de Matos)