Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 462/2020-T
Data da decisão: 2021-05-10  IMT  
Valor do pedido: € 4.315,57
Tema: IMT – Herança - Excesso quota-parte
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 15.12.2020, decide:

 

I.             RELATÓRIO

A…, casado, NIF …, residente na Rua …, … apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) nº …, pelo valor de € 4.315,57, sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

1.            O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 18 de setembro de 2020.

2.            O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 11 de novembro de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 15 de dezembro de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

3.            Em 15 de abril de 2020, por força da suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, a Requerida junta aos autos a sua resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido, que se dá por integralmente reproduzida. Juntou também processo administrativo (PA).

4.            O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IMT e a restituição do imposto pago em excesso, acrescido dos juros de mora (o Requerente usa a terminologia “juros de mora” que se tem por referência a juros indemnizatórios na medida em que estes são devidos, nos termos do artigo 24.º n.º 5 do RJAT e 43.º da Lei Geral Tributária, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido) vencidos desde a data do pagamento da liquidação impugnada e vincendos.

5.            A reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, foi dispensada.

 

II.            SANEAMENTO

6.            O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do nº 1 dos artigos 2.º e 5.º do RJAT).

7.            O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, contado a partir dos factos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

8.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

9.            Não há nulidades ou matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO

A.           Factos provados

10.          Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

a.            Por escritura pública outorgada no dia 29 de Maio de 2020 (cfr. cópia junta ao processo) procedeu-se à partilha da herança aberta por morte da Mãe do Requerente, …, sendo seus únicos herdeiros o cônjuge … e o Requerente.

b.            Que em pagamento do seu quinhão hereditário, foram adjudicados ao Requerente a nua propriedade de imóveis que perfizeram o valo global de € 321.471,68, valor superior ao seu direito em € 39.305,15.

c.            O que foi comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), e esta procedeu à emissão do documento de pagamento nº …, no montante de € 4.315,57, relativo ao IMT, que foi liquidado.

d.            Constando de tal documento, como facto tributário, o excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilhas.

e.            Tendo também sido emitido e liquidado o documento de pagamento nº …, no montante de € 932,13 (novecentos e trinta e dois euros e treze cêntimos), relativo ao Imposto do Selo.

B.            Factos não provados

11.          Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

C.            Fundamentação da decisão da matéria de facto

12.          Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

13.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).

14.          Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.

 

IV.          DO DIREITO E DO MÉRITO

15.          A questão a decidir prende-se com apreciação da legalidade da liquidação de IMT sindicada nos presentes autos, proveniente da partilha de bens imóveis por mortis causa, em que um dos herdeiros leva bens imóveis de valor superior à sua quota-parte, tendo o outro herdeiro prescindindo das tornas a que tinha direito, e verificar se se está perante uma transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis, sujeita a IMT, como defende a AT ou se, pelo contrário, se trata de uma transmissão gratuita, sujeita às regras do Imposto do Selo mas não a IMT, como pretende o Requerente.

 

D.           Os fundamentos da Requerente quanto à ilegalidade do ato de liquidação de IMT

16.          O Requerente entende que, no caso concreto, a partilha efetuada não configura uma transmissão onerosa de bens, nos termos do artigo 2º, nº 1 e nº 5, alínea c) do Código do IMT (“CIMT”), não estando, por isso, sujeita a tal imposto

17.          Embora resulte da operação de partilha que o Requerente leva bens imóveis a mais em relação à sua quota-parte, a verdade é que o outro herdeiro renunciou, a título gratuito, ao direito de receber a quantia a título de tornas que lhe era devida.

18.          O outro herdeiro efetuou atribuições patrimoniais ao Requerente sem qualquer contrapartida, o que configura uma doação, nos termos e para os efeitos do artigo 940º, nº 1, do Código Civil, por nessa adjudicação de bens ter havido mero espírito de liberalidade.

19.          Sendo-lhe aplicável o regime das transmissões gratuitas de bens e, consequentemente, sendo sujeita a Imposto do Selo, mas não a IMT.

E.            Os fundamentos da Requerida quanto à legalidade do ato de liquidação de IMT

20.          A Requerida alega que para que haja lugar a tributação em sede de IMT, é necessário que a alguns dos interessados seja adjudicado bens imóveis em valor que exceda a sua quota ideal nesses bens.

21.          Sendo que a quota ideal é determinada em função da totalidade dos bens imóveis a dividir ou a partilhar, nos termos estabelecidos na regra 11ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor tributável ao respetivo valor patrimonial tributário, ou, caso seja superior, ao valor que serviu de base à partilha.

22.          O facto tributário sujeito a IMT ocorre no momento em que o valor atribuído ao requerente, na partilha, excede a quota-parte a que teria direito.

23.          O sujeito passivo de imposto é, nos termos do disposto na alínea a) do art.º 4.º do mesmo Código, o adquirente dos bens imóveis.

24.          Prevendo igualmente o Código do IMT que é sujeito a imposto “o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas”.

25.          Fica, portanto, sujeito ao pagamento de IMT a parte que receber, no âmbito de uma partilha, bens imóveis que excedam a sua quota-parte no conjunto de bens imóveis objeto da partilha.

26.          Na verdade, o excesso da quota ideal constitui uma transmissão a título oneroso, consubstanciada na diferença entre a sua quota ideal e o valor que lhe foi atribuído na partilha dos bens imóveis comuns.

27.          Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte e, por via disso, a sujeição a IMT.

28.          E, nos termos da alínea c) do n.º 5 do art.º 2.º do CIMT que o IMT incide sobre o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas.

29.          Existe, pois, uma transmissão a título oneroso relativamente à diferença entre a quota do herdeiro, passível de imposto do selo das transmissões gratuitas, e o valor que a ele acabe por receber, na partilha, dos bens imóveis.

30.          Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte e a sujeitar a IMT.

31.          Não obstante os restantes herdeiros renunciarem às tornas, nos termos do n.º 2 do artigo 863.º do Código Civil, esse facto apenas tem relevância para a sujeição no âmbito do imposto do selo, em conformidade com o n.º 3 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, por se tratar de uma transmissão a título gratuito.

32.          Estamos assim perante dois factos tributários distintos: a) O excesso de quota-parte que leva a mais em resultado da partilha constitui um facto tributário sujeito a IMT; b) A renúncia a tornas constitui um outro facto tributário, sujeito a IS.

33.          Assim sendo, no caso de partilha por morte, em que um dos herdeiros ficou com um determinado bem imóvel, e relativamente ao excesso da sua quota-parte, estar-se-á perante uma transmissão de bens ou direitos, para efeito de incidência de IMT, pois que adquire do outro herdeiro o direito que este detinha sobre o bem imóvel, pagando-lhe uma parcela, em compensação, vulgarmente denominada "tornas", tal conclusão decorre, necessariamente, do disposto no art.º 1°, n.º 1, 2°, n.º 1, n.º 5, al. c) e 4°, al. a), todos do CIMT.

34.          Constitui facto assente que a escritura de partilha é, sem dúvida uma transmissão onerosa, pois foram adjudicados ao Requerente bens em valor que excedeu a sua quota ideal nesses bens.

35.          Ou seja, a partilha de bens imóveis gerará imposto na medida em que uma das partes fique com bens em valor superior ao da respetiva quota-parte na totalidade dos imóveis objeto da partilha.

36.          Por esse facto constitui-se o direito a tornas do outro herdeiro e assim fica imediatamente verificado o pressuposto constante da alínea c) do referido n.º5 do artigo 2º do CIMT por ocorrer excesso de quota-parte.

37.          E tal direito ficou constituído na escritura de partilhas que foi celebrada.

38.          Na verdade, a onerosidade da transmissão fundamenta-se na existência de contraprestação.

39.          E essa existência de contraprestação existe, mesmo que os restantes herdeiros venham a prescindir das referidas tornas.

40.          De tudo o que ficou exposto, forçoso é concluir que se tratou de um negócio sujeito a IMT, pelo que a liquidação impugnada nos autos é legal, razão por que deve ser mantida.

 

41.          Apreciação

42.          O Código do IMT, no n.º 1 do artigo 1.º, sob a epígrafe “Incidência geral”, estabelece que “O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem”.

43.          Por sua vez, sob a epígrafe “Incidência objetiva e territorial”, o n.º 1 do artigo 2.º, consagra o princípio basilar do imposto: “O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional”.

44.          Acresce que, para além da sujeição a imposto das transmissões onerosas de direitos de propriedade (ou figuras parcelares deste direito) tituladas por contratos de compra e venda, (nos termos do n.º 1 do artigo 2.º), o legislador tipificou outras situações que justificam a tributação em sede deste imposto.

45.          Situações essas elencadas no n.º 2 e 3 do artigo 2.º do Código do IMT, e que visam, segundo entendemos, abranger as situações em que, por atos ou contratos, o adquirente/beneficiário adquire um resultado equivalente ao do direito de propriedade apesar de o figurino contratual e jurídico não corresponder ao de uma transmissão de direitos reais de gozo.

46.          Aliás, como bem refere José Maria Fernandes Pires (em “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Almedina, 2010, p. 153) “O objecto da sujeição do imposto não é propriamente o acto ou o contrato que titulam a aquisição, mas sim o efeito desses actos ou contratos, ou seja, a transmissão da propriedade ou dos direitos correspondentes a esses imóveis”.

47.          De referir, contudo, que a onerosidade da transmissão é o requisito que se encontra sempre subjacente nas diversas operações contratuais tipificadas no Código do IMT.

48.          Ora, quanto à situação em análise neste caso, dispõe o n.º 5 do referido artigo 2.º do Código do IMT que:

“Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente: c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário”.

49.          Ora, analisando o corpo do preceito, ao referir “Em virtude do disposto no n.º 1”, as operações abrangidas compreendem exclusivamente as transmissões que tenham carácter oneroso.

50.          Entendimento que defendemos como inquestionável, já que o n.º 1 do artigo 2.º do Código do IMT, para o qual o n.º 5 remete, estipula que o IMT incide, também nestes casos, sobre transmissões “a título oneroso”.

51.          A este respeito veja-se o referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 348/2017, de 17 de novembro de 2017 que afirma que “para que haja sujeição a imposto, necessário se torna que a situação de facto configure não só uma transmissão do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional (abrangendo ainda, nos termos do artigo 2.º, n.º 5, alínea c), do Código do IMT, “O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário), mas também que essa transmissão seja efetuada a título oneroso, conforme o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMT”

52.          Assim, não existindo no Código do IMT um conceito de “transmissão onerosa”, o mesmo deverá ser preenchido de acordo com o n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), sendo assim necessário ter em consideração que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”,

53.          Para o efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

54.          Não existindo na lei a noção de “transmissão gratuita” ou de “transmissão onerosa”, a doutrina não deixa de nos guiar quanto ao entendimento a ter sobre contratos gratuitos e contratos onerosos, diferenciando-os “consoante originem, de acordo com a intenção das partes, vantagens para uma só delas ou para as duas” (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Almedina, 1991, pág. 295)

55.          Ora, defende a Requerida que constitui facto assente que a escritura de partilha é, sem dúvida, uma transmissão onerosa, pois foram adjudicados ao Requerente bens em valor que excedeu a sua quota ideal nesses bens.

56.          Ou seja, a partilha de bens imóveis gerará imposto na medida em que uma das partes fique com bens em valor superior ao da respetiva quota-parte na totalidade dos imóveis objeto da partilha.

57.          Por esse facto constitui-se o direito a tornas do outro herdeiro e assim fica imediatamente verificado o pressuposto constante da alínea c) do referido n.º5 do artigo 2º do Código do IMT por ocorrer excesso de quota-parte.

58.          E tal direito ficou constituído na escritura de partilha que foi celebrada.

59.          Para a requerida, a onerosidade da transmissão fundamenta-se na existência de (contra)prestação e essa (contra)prestação existe, mesmo que os restantes herdeiros venham a prescindir das referidas tornas.

60.          Contudo, não podemos concordar com tal entendimento, já que na situação sub-judice nunca se verificou a existência de uma (contra)prestação, mas sim de uma obrigação.

61.          Veja-se que nos termos do artigo 397.º, do Código Civil, “Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”, criando um direito na esfera da contraparte.

62.          E se, em regra, as obrigações se extinguem pelo cumprimento, isto é, pela realização da prestação, “muito diferente desse é o recorte funcional, quer da remissão (art. 863.º) (…) em que, embora com a aquiescência do devedor, “o direito de crédito não chega a funcionar; o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indireta ou potencialmente. A obrigação extingue-se sem chegar a haver prestação.” (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral – Vol. II, 7.ª Edição, Almedina, 1997, págs. 242 e ss)

63.          O que fundamenta o facto de o legislador ter admitido a natureza contratual da remissão, estabelecendo no n.º 2 do artigo 863.º do Código Civil que, quando a mesma quando tiver caráter de liberalidade, isto é, quando não houver vantagem para o remitente, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade com os artigos 940.º e seguintes, do Código Civil.

64.          Ora, tendo a declaração de renúncia a tornas por parte do outro herdeiro sido expressa na escritura pública de partilha, que o Requerente aceitou, deverá concluir-se que a mesma foi contratualmente estabelecida.

65.          Perante tal conclusão, e não havendo qualquer prova de que nessa renúncia tenha havido (contra)prestação, não se compreende como pode a AT considerar que o valor adjudicado ao Requerente, na parte excede a sua quota-parte, configura uma transmissão onerosa.

66.          No caso sub-judice, tendo o outro herdeiro renunciado expressamente às tornas e sido aceite na escritura de partilha, da qual não resulta que, com a renúncia, o outro herdeiro tenha pretendido eximir-se de qualquer encargo, era sobre a AT que recaía o ónus da prova da onerosidade da transmissão, pois, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º, da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

67.          Ora, não tendo sido efetuada prova da onerosidade da transmissão por parte da Requerida, como era sua obrigação, e apontando o exercício interpretativo no sentido de que a transmissão em causa foi realizada a título gratuito e, como tal, excluída da incidência de IMT, não poderá manter-se a liquidação impugnada, dado o erro sobre os pressupostos de direito em que assentou.

F.            Do pagamento de juros indemnizatórios

68.          Determina o n.º 5 do artigo 24.º, do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

69.          Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, e artigo 100.º, da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

70.          Determina ainda a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

71.          Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso do montante pago pelo Requerente, relativo ao IMT na parte em que a liquidação é anulada, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já referida.

72.          Assim, considerando o disposto no artigo 61.º, do CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante de IMT pago indevidamente, contabilizados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º, do CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do efetivo reembolso.

 

V.           DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IMT;

b)           Anular a liquidação impugnada, no valor de € 4.315,57;

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso do IMT acrescido de juros indemnizatórios e condenar a AT a pagar à Requerente a quantia de € 4.315,57, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até que ocorra o reembolso.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 4.315,57 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII.         CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 10 de maio de 2021

 

(Armando Oliveira)