Sumário
I - A necessidade de escolha pelo contribuinte não residente do regime de tributação aplicável para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em território português não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, opõe-se ao artigo 63.º do TFUE lido em conjugação com o artigo 65.º, conforme Acórdão do TJUE, de 18 de março de 2021, proferido no Processo C-388/19.
II - Não são, pois, compatíveis com o Direito da União as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e dos atuais n.ºs 13.º e 14 do artigo 72.º do mesmo Código, o que é fundamento de anulação de uma liquidação de imposto, por vício de que tenha sido efetuada em conformidade com elas, aplicando a taxa de 28% à totalidade das mais-valias realizadas e não apenas a 50%.
III - Sendo o ato tributário divisível por natureza e definição, impõe-se a sua anulação parcial para suprimento da ilegalidade cometida e que não contamina a matéria coletável deixada incólume.
DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
1. A…, com o número de identificação fiscal … e residente fiscal no Reino Unido, veio, em 21/09/2020, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e de juros compensatórios, efetuada em 2019 e relativa ao ano de 2018.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) em 22 de setembro de 2020.
3. O Requerente pediu a nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º.1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
4. O Requerente e a Requerida foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. O Tribunal foi declarado constituído em 17 de dezembro de 2020.
6. A AT apresentou a sua resposta em 07 de janeiro de 2021.
7. Em 19 de janeiro de 2021 foi proferido despacho a solicitar à Requerida o envio do Processo Administrativo.
8. A Requerida veio dizer aos autos, em 21 de janeiro de 2021, que não existe processo administrativo (PA).
9. Em 21 de janeiro de 2021 foi proferido despacho para que a Requerente se pronunciasse, querendo, sobre a resposta da Requerida.
10. Em 2 de fevereiro de 2021 foi proferido despacho arbitral a considerar o despacho pronto para decisão, fixando igualmente a data de 30 de abril como termo para a prolação da decisão arbitral
11. O Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
a. O Requerente, residente em 2019 no Reino Unido, obteve em território português rendimentos sujeitos a IRS, resultantes, por um lado, da alienação de um bem imóvel e, por outro, de contrato de arrendamento.
b. Por esse motivo, o Requerente apresentou oportunamente a declaração mod. 3 de IRS, onde fez constar a obtenção dos rendimentos antes referidos.
c. Na sequência, e quando foi notificado da liquidação, verificou que, a taxa de 28% foi aplicada sobre a totalidade das mais-valias apuradas na alienação do imóvel.
d. Ora, os sujeitos passivos não residentes em território português apenas estão sujeitos a tributação em sede de IRS em Portugal relativamente aos rendimentos de fonte portuguesa, conforme resulta do n.º 2 do artigo 15.º do Código do IRS (CIRS);
e. Nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRS, consideram-se rendimentos de fonte portuguesa, designadamente, os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão – pelo que serão sempre sujeitos a imposto em Portugal, até porque a convenção para evitar a dupla tributação assinada entre Portugal e Espanha atribui ao país onde se encontra localizado o imóvel o poder para tributar as referidas mais-valias;
f. No que respeita à tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóveis, os sujeitos passivos residentes em território português estão sujeitos às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º do CIRS, estando os sujeitos passivos não residentes sujeitos a tributação à taxa especial de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS;
g. Acresce que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano é, no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, apenas considerado em 50% do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS;
h. Já os não residentes, no entendimento da AT, são tributados sobre a totalidade das mais-valias auferidas, exceto se optarem pelas taxas progressivas e cumprirem as demais condições;
i. Ora, constitui entendimento consolidado e amplamente replicado na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a proibição de um tratamento discriminatório entre os sujeitos passivos residentes num Estado-Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado-Membro.
j. Ou seja, tal interpretação no sentido de aplicar dois regimes distintos, para residentes e não residentes em Portugal, é absolutamente contrária às normas de direito europeu, e à jurisprudência do TJUE e dos tribunais internos que sobre o assunto se pronunciou.
k. Pelo que se conclui que a presente liquidação adicional de IRS é ilegal, por não tributar apenas metade da mais-valia realizada pela Requerente aquando da venda do imóvel, e deve ser anulada, sendo restituídos à Requerente os valores indevidamente pagos.
12. Por seu lado, a Requerida na sua Resposta, corrigindo, e bem, o número de liquidação identificado pelo Requerente, que confundira o número de demonstração da liquidação com o número de liquidação, defendeu a improcedência do pedido da Requerente, também em síntese, nos termos seguintes:
a. A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal nem residente num Estado Membro da União Europeia (ou seja, residente num país terceiro) violar o Direito Comunitário.
b. Ou seja, entende a Requerente que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS se aplica aos não residentes em Portugal (tanto residentes num Estado Membro da União Europeia como residentes de Estados terceiros).
c. Ora, na sequência da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, operou-se a alteração do artigo 72.º do CIRS no sentido dos não residentes que obtenham mais-valias valias imobiliárias em território poderem ser tributados por apenas 50% desses ganhos se optarem pela sua tributação por englobamento, o que significa tributação por taxas progressivas.
d. Devendo, consequentemente, ser declarados todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português, tal como está consagrado para os residentes.
e. Consultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome da Requerente (relativa ao ano fiscal de 2018), verifica-se que no quadro 8B foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime aplicável aos não residentes).
f. Posto isto, a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.
g. Assim, as alegações da Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 13) e 8 (atual n.º 14).
h. O n.º 8 (atual n.º 14) do artigo 72° do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).
II - Saneamento
13. De modo resumido:
a. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido - cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT;
b. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas - artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março;
c. O pedido é tempestivo;
d. O processo não enferma de nulidades.
III - Matéria de Facto
III.1 - Factos provados
14. Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a. Durante o ano de 2019, o Requerente, residente para efeitos fiscais no Reino Unido, auferiu rendimentos considerados obtidos em Portugal para efeitos de tributação em IRS, nomeadamente mais-valias provenientes da venda de imóveis localizados em Portugal, - cfr. liquidação a liquidação n.º 2020 …, referente ao ano de 2019, junta como Documento n.º 1.
b. Durante o ano de 2019, nomeadamente em Setembro, o Requerente alienou um imóvel sito em Portugal, de sua propriedade na proporção de 50%, correspondente à fracção … do prédio urbano inscrito na matriz predial da Freguesia … – …, concelho de Lisboa sob o artigo …, por si adquirido em 2013.
c. O valor total de alienação da fracção …, em 09/2019, foi de € 148.500,00, o valor de aquisição, em 07/2013, foi € 53.001,00, tendo as despesas e encargos relacionados com a aquisição, alienação e beneficiações ascendido a € 57,30.
d. O Requerente obteve, no ano de 2019, outros rendimentos em território nacional, os quais se referem a rendas de outros imóveis de que é proprietário, no valor total de € 2.575,00.
e. Assim, no que se refere ao ano de 2019, o Requerente declarou, pela submissão da modelo 3 de 2019, acompanhada do respetivo Anexo G, e na qualidade de sujeito passivo não residente em Portugal, a alienação onerosa da fracção … do referido prédio urbano (conforme cópia da declaração de IRS Modelo 3 submetida, referente a 2019, junta como Documento n.o 3), da qual resultou uma mais-valia de € 95.499,00.
f. Da liquidação de imposto efetuada pela AT resultou valor a pagar de € 26.568,21, em 2019, tendo o imposto liquidado incidido sobre o valor total das mais-valias realizadas.
g. No anexo G à declaração modelo 2 de IRS relativa a 2019 apresentada pelo Requerente
III.2 - Factos não provados
15. Admite-se a existência de um facto, com a natureza de facto essencial, provado, aliás, pela presunção de verdade de que beneficiam as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos legais, como sucedeu, a saber: a declaração de reinvestimento do valor de realização, suscetível de constituir condição suspensiva da liquidação do imposto nos termos do n.º 5, e suas alíneas, do artigo 10.º do CIRS, mas que a Requerente não alegou e a Requerida ignorou, embora tendo compulsado a declaração do sujeito passivo, pelo que não cabe ao Tribunal considerá-lo, subordinado como está às alegações das partes e ao pedido, estando-lhe, pois, impedido colmatar a inércia ou a falta de diligência das partes, sob pena se lhes substituir no cumprimento daquilo que é sua exclusiva competência.
16. Como já se decidiu em processo tributário - Cfr. Acórdão do TCAS, de 25-03-2021, Proc.º 372/10.9BESNT -:
I - No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório (artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, o que significa que o juiz não só pode, como também deve, ordenar ou realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
II - Este princípio (e dever) deve observar não serve, porém, para colmatar a inércia ou falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe
17. A fixação da matéria de facto baseia-se, assim, nos documentos juntos pelo Requerente ao PDA, na aplicação informática do CAAD, sublinhando-se que, de acordo com a informação prestada pela Requerida nos autos, "não existe processo administrativo".
18. Não há controvérsia sobre a matéria de facto, uma vez que tendo a Requerida "compulsado" a declaração apresentada pelo Requerente (cfr. artigo 16.º da Resposta), é totalmente omissa relativamente ao tratamento que na liquidação impugnada foi dada sobre a questão da intenção de reinvestimento declarada.
III.3 - Motivação
19. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta (m) o pedido formulado pela Requerente [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e declarar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
20. Em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não prevalece na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
21. Acrescendo a todos os antes enunciados o parâmetro delimitado pelo facto relevante de a AT não ter junto o PA, por não existir, o que, conjugando o disposto nos artigos 110.º, n.º 4, e 111.º, n.º 1, ambos do CPPT, com o disposto no artigo 84.º, n.º 6, do CPTA, conduz a que devam ser considerados provados todos os factos alegados pelo Requerente, como sublinha JORGE LOPES DE SOUSA na anotação n.º 13 ao artigo 110.º do CPPT : A falta de envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento do processo e determina que os factos alegados pelo impugnante se considerem provados, se aquela falta se tiver tornado impossível ou de considerável dificuldade.
22. Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, nomeadamente na declaração de rendimentos mod. 3, bem como nas posições assumidas pelas partes nos seus requerimentos.
IV - Matéria de direito
23. São duas as questões de direito que constituem objeto deste processo:
a. A primeira consiste em saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes;
b. A segunda questão, se a resposta à primeira for negativa, é a de saber se o regime atualmente consagrado nos n.ºs 13 e 14.º do artigo 72.º CIRS (opção pelo englobamento) é compatível com o direito da União;
24. Assim, após a apreciação da posição das partes em matéria de fundamentação de direito, deve, o Tribunal deve decidir as seguintes questões, caso o conhecimento de uma não implique a inutilidade da apreciação de outras:
a. A compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes;
b. O reenvio prejudicial ao TJUE;
c. A (i)legalidade parcial da liquidação impugnada;
d. O pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
IV.1 - Posições das Partes
25. Os artigos 10.º, 43.º e 72.º do CIRC, com a redação vigente em 2019, estabelecem o seguinte, no que à decisão interessa:
Artigo 10.º
Mais-valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(...)
Artigo 43.º
Mais-valias
1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.
(...)
Artigo 72.º
Taxas especiais
1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:
a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;
(...)
9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
(...)
26. O Requerente era residente no Reino Unido, à data dos factos, em 2019, ainda membro da União Europeia e não formulou a opção prevista nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, pelo que as mais-valias que obteve, provenientes da venda de um imóvel, foram tributadas, em 2019, à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor, em conformidade com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do CIRS.
27. A Requerente defende, em suma, que o regime que resulta destas normas, ao circunscrever aos sujeitos passivos residentes em Portugal a redução a 50% do saldo das mais-valias relevantes para tributação, prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redação vigente em 2018, viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se reconduzir a tratamento discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros, pelo que deve ser-lhes aplicado o regime previsto para os residentes.
28. Quanto à referida opção consagrada nos citados n.ºs 8 e 9 (atuais n.ºs 13 e 14) do artigo 72.º do CIRS, o Requerente defende que a suscetibilidade de opção não afasta em si a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado membro da União Europeia, explícita no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.
29. A Administração Tributária defende, por sua vez, a legalidade da liquidação efetuada, alegando que a incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS com o Direito da União é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 9 e 10 (atuais n.ºs 13 e 14) do artigo 72.º do mesmo Código
30. E adianta que, e, em caso de dúvida, deve suspender-se a instância arbitral até que seja emitida pronúncia no processo no Processo C-388/19 , MK contra Autoridade Tributária e Aduaneira.
IV.2 - A questão da compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes
31. Não obstante as inúmeras decisões jurisprudências que se pronunciaram sobre esta questão, quer pelo STA, quer pelo CAAD, a grande maioria delas adotou a posição adotada na Decisão Arbitral de 23 de outubro de 2020, Processo 310/2020-T, para a qual se remete, sem necessidade, consequentemente, de aqui se aludir a toda a jurisprudência interna e do TJUE que naquela exaustivamente se refere.
32. Sucede, porém, que a questão prejudicial submetida ao TJUE sobre o objeto deste PDA foi decidida por Acórdão de 18 de março de 2021, proferido no Processo C-388/19, pelo Tribunal de Justiça (Primeira Secção), já disponível em curia.europa.eu, que se pronunciou nos termos seguintes:
O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.
33. Assim se concluindo, definitivamente, como, aliás, já era jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, designadamente do STA (cfr. Acórdão de 9 de dezembro de 2020, Processo n.º 064/20-0BALSB), e recorrente no CAAD (ver, por todas, a Decisão Arbitral de 10-11-2020, proferida no Processo 334/2020-T), pela incompatibilidade do regime instituído pelo legislador nacional após a sua condenação por Acórdão do TJUE de 11 de dezembro de 2007, no Processo C-443/06.
34. Pelo exposto, a necessidade de escolha pelo contribuinte não residente do regime de tributação aplicável para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em território português não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, opõe-se ao artigo 63.º do TFUE lido em conjugação com o artigo 65.º do TFUE.
35. Sãopois incompatíveis com o Direito da União, não só a disposição do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS na exata medida em que limita a redução em 50% das mais-valias realizadas por residentes, mas também o regime de opção consagrado nos atuais n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do mesmo Código.
36. Nos termos expostos, em face da supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, deve ser aplicado sem aquela limitação a residentes e sem dependência da opção prevista no atual n.º 13 do artigo 72.º do mesmo Código.
37. Consequentemente, a liquidação impugnada, ao não aplicar aos Requerentes a redução em 50% prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enferma de vício de violação de lei.
38. Este vício afeta também a liquidação de juros compensatórios, que tem a respetiva liquidação de IRS como pressuposto, pelo que também se justifica a sua anulação.
IV.4 - Do reenvio prejudicial
39. O reenvio prejudicial que é sugerido pela AT está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do TFUE, mas, neste caso e face aos desenvolvimentos recentes, está, obviamente, prejudicado.
IV.5 - Da anulação parcial ou total
40. Estando, pois, a liquidação impugnada inquinada de vício de violação de lei, é de anular, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
41. O Requerente pede a anulação do valor de 13.284,11 € que, deve se retificado em abono do rigor, pois nem sequer corresponde exatamente ao pedido, ou seja, da anulação do imposto correspondente a 50% das mais-valias realizadas. Com efeito,
42. A Demonstração de Liquidação do IRS junta aos autos é de leitura difícil, pelos seguintes motivos:
a. Na declaração mod. 3 junta aos autos, são declarados rendimentos prediais, Categoria F, no montante de 2.575,00 €, retenção de IRS na fonte no valor de 431,25 € incidente sobre os rendimentos prediais declarados e a operação de alienação onerosa de imóvel;
b. O apuramento das mais-valias (categoria G), de harmonia com as normas legais aplicáveis, realizadas na operação de alienação onerosa de imóvel traduz-se no montante de 93.851,67 €;
c. O rendimento global (linha 1 da Demonstração de liquidação) é, pois de 2.575,00 + 93.851,67 = 96.426,67;
d. Os rendimentos de ambas as categorias são tributados, por opção do Requerente, à taxa especial de 28%, prevista no artigo 72.º do CIRS.
e. O Imposto correspondente aos rendimentos prediais é, pois, de €721,00 €;
f. O Imposto correspondente a 50% das mais valias apuradas na operação é de €13.139,23
g. São, assim, os €721,00 € relativos aos rendimentos prediais que, numa demonstração de liquidação que devia ser mais compreensível, justificam a diferença de valores entre as linhas 17 e 18 da demonstração da liquidação;
h. O montante deduzido a título de retenção na fonte, por ser um pagamento antecipado de imposto, não deve ser considerado para efeitos da determinação do montante a anular.
43. Nestes termos, há de anular-se parcialmente a liquidação que vem impugnada, anulando-se em 50% o imposto correspondente às mais-valias, mantendo-se, porém, integralmente, o imposto correspondente aos rendimentos prediais cuja liquidação não padece de qualquer ilegalidade
a. Imposto a anular: €13.139,23;
b. Imposto que se mantém: 721,00, correspondendo-lhe o crédito de imposto das retenções que sobre os correspondentes rendimentos prediais, no montante de 431,25 €
44. O tribunal decide, pois, no sentido da anulação parcial da liquidação impugnada, com a fundamentação que antecede
IV.6 - Pagamento de juros indemnizatórios
45. O Requerente pede que lhe sejam pagos juros indemnizatórios.
46. O Requerente encontra-se a pagar a dívida resultante da liquidação ao abrigo de um plano prestacional, em 36 prestações.
47. Concluindo-se que há erro na liquidação imputável aos serviços da administração tributária, são devidos juros indemnizatórios ao Requerente mas apenas pelo imposto já pago, nos termos do artigo 43.º da LGT.
48. Os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data em que ocorreu o pagamento de cada uma das prestações do imposto ora anulado até ao seu reembolso integral ao Requerente, à taxa legal supletiva nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
V – Decisão
Nestes termos este Tribunal Arbitral decide:
A. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, por ilegalidade decorrente de vício de violação de lei.
B. Anular parcialmente a liquidação de IRS relativa ao ano de 2019 a favor da requerente Requerente, condenando a Requerida a restituir-lhe o montante de imposto e juros pagos em excesso conforme determinado supra (n.º 47).
C. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto 48. da presente Decisão Arbitral
VI - Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento corrige-se o valor do processo para €13.129,23 correspondente ao benefício efetivo do Requerente
VII - Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 27-04-2021
O Tribunal Arbitral Singular
(Manuel Faustino)