DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 256/2014– T
Tema:
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RELATÓRIO
a) Em 11.03.2014, A..., NF …, residente na Rua …, Porto (a seguir designado por Requerente) entregou no CAAD um pedido, solicitando ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral Singular (TAS).
b) O pedido está assinado por advogado cuja procuração foi junta.
c) O Requerente peticiona a anulação das liquidações de IMI relativas aos anos de 2009 (Documento 2009 ...), de 2010 (Documento 2010 ...), de 2011 (Documento 2011 ...) e de 2012 (Documento 2012 ...), a que corresponde uma colecta global de 860,75 euros, resultante do facto de ser o proprietário inscrito no último dia dos respectivos anos, do prédio urbano sito na Rua …, inscrito na matriz predial da freguesia de ... – Porto sob o artigo ...º correspondente ao actual artigo ...º da União das Freguesias de …, …, … e ….
d) Alega que o acto tributário sob escrutínio padece de ilegalidade corporizada em errónea leitura da lei (a alínea n) do nº 1, alínea d) do nº 2 e nº 5 do artigo 44º do EBF) porque, por um lado, entende que se verificam os pressupostos da isenção automática de IMI e por outro “não tem o mínimo fundamento a decisão de fazer cessar a isenção de que vinha gozando o prédio” desde 2006.
e) Além do pedido de anulação dos actos de liquidação de IMI peticiona a condenação da AT no pagamento dos respectivos juros, uma vez que já pagou os valores liquidados.
DO TRIBUNAL ARBITRAL
f) O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 14.03.2014.
g) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 30.04.2014.
h) Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 19.05.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.
i) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do TAS com data de 19.05.2014 que aqui se dá por reproduzida.
j) Realizou-se no dia 05.09.2014 a reunião de partes a que se alude no artigo 18º do RJAT. Por consenso das partes quanto à produção de alegações por escrito, o TAS fixou o prazo de 10 dias para alegações escritas e sucessivas.
k) O Requerente juntou ao processo, em 23.09.2014, o documento que tinha protestado juntar e ainda uma reprodução mecânica da caderneta predial, tendo a AT sido notificada para exercer o contraditório.
l) Em 15.09.2014 o Requerente apresentou as alegações escritas e juntou o “fac-símile” comprovativo da sua notificação, nessa data, à AT.
m) Em 29.09.2014 a AT apresentou as alegações escritas e foi nessa data notificado o Requerente da sua apresentação.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
n) Capacidade, legitimidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.
o) Contraditório - a AT juntou ao processo, em 18.06.2014, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente. Juntou ainda o PA composto por 9 laudas. Todos os despachos do TAS e todos os requerimentos e documentos juntos pelas partes foram regularmente notificados à contraparte.
p) Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, tendo em conta o termo do prazo para o pagamento das notas de liquidação.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
Quanto à alegada ilegalidade das liquidações tendo como fundamento a errónea leitura da lei (a alínea n) do nº 1, alínea d) do nº 2 e nº 5 do artigo 44º do EBF)
q) Entende o Requerente que a desconformidade com a lei dos actos de liquidação resulta do facto de, no seu entendimento, a alteração da redacção da alínea n) do nº 1 do artigo 44º do EBF (actual redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29.12) aditando a expressão “individualmente”, face à redacção anterior do preceito, “nada … alterar o sentido, fim e razão de ser da isenção”.
r) E pela razão de que o prédio em causa “está classificado como imóvel, não só de interesse público, como de interesse nacional … desde logo por ele próprio fazer parte integrante do conjunto denominado Zona Histórica do Porto”, porque a “Zona sem prédios é uma entidade abstracta e meramente enunciadora ou delimitadora”.
s) E porque um outro prédio ao lado de que também é proprietário, com o artigo matricial ...º, igual em todos os detalhes ao objecto deste processo, obteve isenção fiscal em 12.10.2010.
t) Alude ao carácter automático da disposição legal isentiva – funcionamento “ope legis” – face à redacção do nº 5 do artigo 44º do EBF introduzida pela Lei 3-B/2010, de 28.04, (reproduzindo entendimento que refere ser da Procuradoria-Geral da República) no sentido de que a isenção em causa opera com a “classificação individualizada como imóvel de interesse público”.
u) Nas suas alegações o Requerente refere, aludindo ao prédio objecto deste processo e ao referido no inciso s) deste Relatório, que a “classificação dos dois prédios foi atribuída já no ano de 1997, pelo artigo 1º, alínea b) do Decreto 67/97, publicado no DR Série B nº 301 de 31.12.1997” e tal classificação dos dois imóveis como “imóveis de interesse público consta também do PDM da cidade do Porto, a páginas 818”.
v) Acrescenta que o que foi classificado não foi a “zona” mas os “imóveis” constantes do Anexo II desse Decreto” (reportando-se ao diploma citado no inciso anterior).
w) Juntou com o requerimento de 23.09.2014 uma certidão emitida pela Direcção-Regional da Cultura do Norte que refere que o imóvel em causa “está classificado como imóvel de interesse público (IIP) através do Decreto nº 67/97 – DR 301 de 31.12.1997”
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
Quanto ao âmbito das alegações apresentadas pelo Requerente e junção de documento relativo a artigo matricial de prédio contíguo ao artigo ...º correspondente ao actual artigo ...º da União das Freguesias de …, …, …, … e ….
x) A AT propugna no sentido de “que as Alegações apresentadas – pelo Requerente - sejam desentranhadas pois as mesmas referem-se indistintamente a ambos os prédios, juntando documentos que se referem ao prédio inscrito sob o artigo ....º extravasando o objecto dos presentes autos e lançando a confusão sobre os factos que estão verdadeiramente em causa na presente acção, o imóvel inscrito na matriz predial sob o n.º ....º “
Quanto à alegada ilegalidade das liquidações tendo como fundamento a errónea leitura da lei (a alínea n) do nº 1, alínea d) do nº 2 e nº 5 do artigo 44º do EBF)
y) A AT considera que o “objecto do pedido” consiste em apurar da “… legalidade das liquidações adicionais de IMI dos anos de 2009 a 2012 do prédio inscrito na matriz predial urbana com o artigo ....º da União das Freguesias da …, …, … e … no valor de 860,75 €”
z) E que esse desiderato se apura dirimindo, em primeiro lugar, se o imóvel que deu lugar às liquidações “que se situa no “Centro Histórico do Porto” pode beneficiar da isenção de IMI prevista no art.º 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
aa) E que, dada a junção pelo Requerente do documento referido no inciso w) deste Relatório, comprovativo de ter sido solicitada em 11.09.2014 à Direcção Regional de Cultura do Norte a certificação patrimonial do referido imóvel, o que veio a ocorrer em 19.09.2014, só a partir esta data é que a Direcção Regional de Cultura se pronunciou sobre o imóvel do Requerente e sobre a classificação patrimonial que sobre ele incide.
bb) Concluindo que “… à data em que foi proferido o despacho de cessação da isenção de IMI pela Autoridade Tributária: a 17.12.2013, este imóvel não estava certificado nem classificado em termos de património cultural pelas entidades competentes”, “pelo que não pode ser reconhecida ao imóvel do requerente a isenção de IMI no período de 2009 a 2012 nos termos da alínea n) do nº 1 do artigo 44.º do EBF uma vez que o mesmo não reúne os requisitos legalmente previstos”.
cc) Acrescentando ainda que “…à data da cessação da isenção o imóvel do requerente não estava individualmente classificado” e não o está actualmente, pela razão de que no Anexo II a que alude o artigo 2º do Decreto-Lei nº 67/87, e 31.12 (imóveis de interesse público), relativamente aos imóveis de interesse público do município do Porto, o diploma legal não os classifica de forma individualizada e especificamente, certificando apenas, no caso do imóvel do Requerente, que está integrado na Zona Histórica do Porto e que a Zona História está classificada como imóvel de interesse público.
dd) Rematando que como “… para efeitos de isenção de IMI é necessária essa classificação individualizada” e “… não estando individualmente classificado o imóvel de que o Requerente é proprietário, não pode beneficiar da isenção de IMI pois não reúne os requisitos legais expressamente estabelecidos na lei em vigor”.
ee) Esclarece a AT que do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei 309/2009, de 23.10 (procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural) resulta que a classificação individual de um imóvel não advém da sua integração num conjunto declarado de “interesse público”, podendo existir um procedimento de classificação individual, daqui retirando que “num conjunto classificado podem existir imóveis individualmente classificados e imóveis que não são individualmente classificados”, e que os “… que os que são individualmente classificados são apenas os imóveis que foram objecto de um acto de classificação individualizado e especificamente dirigido a um imóvel em concreto”.
ff) Refere ainda a AT que “em sede de classificação individual o interesse patrimonial é analisado naquele imóvel em concreto, para aquele imóvel em concreto e com base nos parâmetros consignados na lei portuguesa para a classificação do património imóvel (Decreto-Lei n.º 309/2009, artigo 21º, n.º 1), sendo os interesses patrimoniais previstos: o histórico, paleontológico, arqueológico, arquitectónico, artístico, etnológico, científico, social, industrial e técnico, sendo que devem estar evidenciados os valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou de exemplaridade.
gg) Defende a Requerida que, porque o imóvel do Requerente “não está individualmente classificado nos termos da legislação do património cultural” como aconteceu com o “Coliseu do Porto e o Palacete do Visconde de Vila Allen”, não lhe assiste o direito ao benefício fiscal e por isso ocorre a conformidade dos actos de liquidação face à lei, pelo que se devem manter-se na ordem jurídica tributária, por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
As questões que se colocam ao Tribunal, na essência, têm a ver apenas com a interpretação e aplicação de regras de direito.
Desentranhamento das alegações do Requerente e do documento que as acompanharam
A primeira questão a dirimir é a que resulta do facto AT, nas suas alegações, suscitar o desentranhamento das alegações apresentadas pelo Requerente na medida em que nelas se tecem considerações quanto ao prédio contíguo ao objecto deste processo, juntando documentos que se referem ao prédio inscrito sob o artigo ....º, extravasando claramente o objecto dos presentes autos.
De facto o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...º - Freguesia de ..., é alheio a estes autos, na medida em que nenhuma liquidação de imposto a ele atinente é aqui discutida. Mas, desentranhar uma peça processual apenas porque parcialmente versa sobre um imóvel que é contíguo, em que a alegação ou alegações surgem numa lógica de comparação (uma vez que se tratará de imóveis arquitectonicamente, pelo menos na fachada exterior, iguais), parece-nos um tanto excessivo, até porque as alegações versam, no seu segmento essencial, sobre o “thema decidendum”. A própria AT seguiu essa forma de defesa do seu ponto de vista, quando no inciso 14 das suas alegações, aduz duas situações, como elemento de comparação a que atrás aduzimos.
O mesmo se diga quanto ao documento junto pelo Requerente que diz respeito aos dois imóveis de que é proprietário. O documento também versa sobre o bem imóvel que integra artigo matricial gerador do IMI que está a ser discutido neste processo.
De qualquer forma, na medida em que as alegações ou o documento junto sejam alheios a esta lide, o TAS não tomará conhecimento.
Eventual ilegalidade das liquidações tendo como fundamento a errónea leitura da lei (a alínea n) do nº 1, alínea d) do nº 2 e nº 5 do artigo 44º do EBF)
O imóvel referido em c) deste Relatório beneficia de isenção de IMI desde 2006, conforme resulta da posição das partes e da lauda assinalada como nº 43 do PA.
A concessão do benefício fiscal com início em 2006
O facto interruptivo da tributação (a isenção) ora em dissídio, estava averbado na matriz e foi apreciado à luz da alínea n) do nº 1 do então artigo 40º do EBF (redacção dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30.12) que refere que “estão isentos de IMI:
“Os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável”.
Segundo a alínea d) do nº 2 do então artigo 40º do EBF, esta isenção inicia-se: “… no ano, inclusive, em que ocorra a classificação”. (alínea nova aditada pela Lei nº 109-B/01, de 27/12 - OE/2002)
E segundo o nº 5 do então artigo 40º do EBF “A isenção … é reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, a requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção” (redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro).
Foi este o ordenamento jurídico que conduziu ao acto expresso da AT de concessão do benefício fiscal que veio a ser averbado na matriz. Tratou-se de um benefício fiscal “dependente de reconhecimento” na dimensão do artigo 5º do EBF e que seguiu certamente o procedimento das normas actualmente contidas no artigo 54º nº 1 alínea d) da LGT e no artigo 65º do CPPT, ou das disposições legais que antecederam estes dispositivos.
O procedimento de cessação do benefício fiscal em 2013
Em Outubro de 2013 a AT decidiu encetar o procedimento da alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT e da actual alínea d) do nº 1 do artigo 44º do CPPT, com vista à cessação do benefício fiscal atrás referido, com base na actual redacção da alínea n) do nº 1 do artigo 44º do EBF, segundo o qual “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis:
“Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável” (Redacção que resulta do artigo 82º da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro - Orçamento do Estado para 2007)
E segundo a alínea d) do nº 2 do artigo 44º do EBF estas isenções iniciam-se “… no ano, inclusive, em que ocorra a classificação”.
Mas de acordo com o nº 5 do artigo 44º do EBF: “A isenção … é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos”. (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
Segundo o nº 6 do artigo 44º do EBF: “… os serviços do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P. e as câmaras municipais procedem à referida comunicação, relativamente aos imóveis já classificados à data da entrada em vigor da presente lei: (Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
a) Oficiosamente, no prazo de 60 dias; ou
b) A requerimento dos proprietários dos imóveis, no prazo de 30 dias a contar da data de entrada do requerimento nos respectivos serviços”.
Consigna-se ainda que este benefício fiscal, de acordo com a redacção que foi dada ao nº 5 do então artigo 40º do EBF, pelo artigo 82º da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007) já era automático deste 01.01.2007, em determinadas situações e dependente de reconhecimento noutras:
“A isenção … é de carácter automático no caso de prédio que tenha beneficiado da isenção prevista na alínea g) do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, devendo, nos restantes casos, ser reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, a requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção”.
Podemos então concluir que o benefício fiscal conferido em 2006, relativamente ao bem imobiliário em causa neste processo, era “dependente de reconhecimento” nos termos acima indicados.
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Em anotação do artigo 65º do CPPT anotado, de autoria de Jorge Lopes de Sousa, Volume I - 6ª Edição – ano de 2011, escreve-se o seguinte:
“Nestes casos de benefícios dependentes de reconhecimento, a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão de direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação”.
Naturalmente os meios de reacção jurisdicional dos contribuintes perante os actos da AT que lhes neguem benefícios fiscais (dependentes de reconhecimento meramente declarativo) serão os mesmos, e, acrescente-se, com o mesmo regime, aplicáveis aos actos da AT que os revoguem, rectifiquem, reformem ou convertam (usando as adjectivações da alínea d) do nº 1 do artigo 44º do CPPT). É o que resulta da simples leitura do artigo 54º nº 1 alínea d) da LGT e do artigo 60º nº 1 alínea c), também da LGT.
Ou seja, a esta actividade administrativa (que em substância é de controlo das isenções fiscais) da AT, os contribuintes só têm um meio jurisdicional ao seu dispôr: agir perante os tribunais judiciais através da respectiva acção administrativa especial, na medida em que os tribunais arbitrais, por força da delimitação de competência que resulta do nº 1 do artigo 2º do RJAT, não podem solucionar este tipo de questões específicas.
Quer isto significar que este TAS não vai pronunciar-se, nem, aliás, isso lhe está expressamente peticionado, sobre o acto de cessação do benefício fiscal a que se alude, de forma instrumental, nas peças processuais das partes. O que aqui está em causa é tão-só apurar sobre a legalidade das liquidações de IMI, assumindo a verificação da existência ou não do benefício fiscal em si, um mero pressuposto factual da tributação, do iter tributário.
Mas afigura-se-nos que o TAS tem o poder/dever de apreciar da legalidade das liquidações de IMI, apurando – por via do “direito constituído” ex vi nº 2 do artigo 2º do RJAT - se a isenção de IMI que foi conferida ao Requerente, em 2006, quanto ao prédio gerador do tributo, se mantém ou não na ordem jurídica portuguesa, independentemente do procedimento ocorrido em 2013, levado à prática pela AT, que aqui não cumpre sindicar expressamente, mormente ao abrigo do nº 4 do artigo 14º do EBF (e artigo 141º do CPA ex vi artigo 2º do CPPT e nomeadamente o acórdão do STJ de 15-05-2013 – processo 0566/12 – 2ª Secção, Relator Dulce Neto) cujo meio jurisdicional de reacção do contribuinte é autónomo deste processo.
Pelo que a questão chave a que o TAS deverá responder é a seguinte:
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O benefício fiscal conferido pela AT com início em 2006, com base na alínea n) do nº 1 do então artigo 40º do EBF então vigente, quanto ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ...º correspondente ao actual artigo ...º da União das Freguesias de …, …, … e … a, face ao “direito constituído”, mantém-se ou não em vigor na ordem jurídica tributária?
Da resposta que se der a esta questão resultará a sorte da procedência ou improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:
Factos provados
1) O Requerente consta como titular da propriedade plena do prédio urbano sito na Rua … nºs 69 a 71, inscrito na matriz predial da freguesia de ... – Porto sob o artigo ...º correspondente ao actual artigo ...º da União das Freguesias de …, …, … e … – Folhas assinaladas com os números 43 a 45 do PA junto pela AT com a resposta (Detalhe de histórico de prédio urbano e detalhe de prédio urbano);
2) Em data não concretamente determinada foi o Requerente notificado de liquidações de IMI relativas ao ano de 2009 (Documento 2009 ...), relativa ao ano de 2010 (Documento 2010 ...), relativa ao ano de 2011 (Documento 2011 ...) e relativa ao ano de 2012 (Documento 2012 ...), geradoras de uma colecta global de 860,75 euros, cuja data limite de pagamento ocorreu em 31-01-2014 – folha assinalada com o número 37 do PA junto pela AT com a resposta;
3) Foi inscrito no “detalhe de histórico de prédio urbano”, com início em 2006, a isenção permanente de IMI quanto ao valor patrimonial tributário do prédio indicado em 1), ao abrigo da alínea n) do nº 1 do artigo 40º do EBF em vigor em 2006 - folha assinalada com o número 37 do PA junto pela AT com a resposta;
4) A AT encetou em finais de 2013 o procedimento previsto no artigo 54º nº 1 alínea d) da LGT e no artigo 60º nº 1 alínea c), também da LGT, com vista à extinção do benefício fiscal indicado no inciso anterior, tem culminado com a notificação da decisão final ao Requerente, com data de 17.12.2013 – Números 6 a 7 da resposta da AT e números e 1 e 2 do pedido de pronúncia;
5) O Requerente pagou o valor de 860,75 euros referido em 1) – Parte final do pedido de pronúncia e não contestação da AT na resposta;
6) A Direcção Regional de Cultura do Norte emitiu certificação para “instrução de processo de obtenção de benefícios fiscais (isenção de IMI – nº 6 do artigo 31º do DL nº 287/2003 e alínea n) do nº 1 do artigo 40º do DL nº 215/89, de 1 de Julho – isenção de IMT – alínea g) do artigo 6º do CIMT, constante do Anexo II do DL nº 287/2003)”, expressando quanto ao imóvel identificado no inciso 1): “certifico que o imóvel identificado em … está classificado como imóvel de interesse público (IIP) através do Decreto 67/97, DR 301 de 1997.12.31”, documento assinado pelo Director Regional, contendo a menção de técnico, que expressa: “O Técnico que verificou … em 2014.09.11” – Documento junto com o requerimento do Requerente de 23.09.2014 e não impugnação especificada da sua força probatória pela Autoridade Tributária.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual, tal como aqui a configuramos. Não colocaram as partes em causa a valoração probatória dos documentos que serviram para fixar a matéria de facto e que acima se expressam.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
Sem perder de vista o que acima se referiu quanto à matéria que ao TAS não cumpre (não pode) conhecer, afigura-se-nos que a questão de fundo assume alguma simplicidade.
O cerne do dissídio parte da alteração da redacção da alínea n) do nº 1 do então artigo 40º do EBF ocorrida em 2007, em vigor desde 01.01.2007 (Lei nº 53-A/2006 de 29.12), hoje alínea n) do nº 1 do artigo 44º do EBF.
A AT propugna que, com base na nova redacção da actual alínea n) do nº 1 do artigo 44º do EBF (disposição, percute-se, que sucedeu ao anterior artigo 40º do EBF) o Requerente não tem direito ao benefício fiscal e por isso levou à prática o procedimento expresso no inciso 4) da matéria de facto provada. Questão que, como se disse, ao TAS, não cumpre expressamente sindicar.
Questão diversa é apurar se a AT seguiu um procedimento para extinguir o benefício fiscal, quando deveria ter seguido outro, com outro prazo, porque a lei assim o impunha. Este evento, este facto, parece lícito ao TAS conhecer (porque está obrigado a decidir segundo o “direito constituído”), tendo em vista apurar os pressupostos da tributação, enquanto mero facto do iter tributário: incidência – isenção – determinação da matéria colectável – liquidação – cobrança – pagamento.
Se numa determinada operação de tributação fiscal, uma determinada isenção, enquanto facto interruptivo da tributação, existe (porque v.g. eventualmente não cessou pelo meio legal adequado, não se cumpriu o prazo legal ou o procedimento adoptado não foi válido), face ao “direito constituído”, as demais operações do iter tributário, subsequentes, a serem realizadas, estarão em desconformidade com a legalidade.
Ora, vejamos o que a lei refere a propósito do procedimento a ser adoptado pela AT face à alteração da redacção da alínea n) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF (então alínea n) do nº 1 do artigo 40º) que ocorreu a contar de 01.01.2007.
Segundo a alínea c) do artigo 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento do Estado para 2007):
"A administração fiscal notifica, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei, todos os sujeitos passivos, que se encontrem a beneficiar da isenção referida na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, da cessação deste benefício por alteração dos seus pressupostos"
A alínea d) do artigo 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento do estado para 2007) refere o seguinte:
“Os sujeitos passivos referidos na alínea anterior podem, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação, requerer a isenção a que se refere o artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais se reunirem todos os requisitos aí referidos e se para o mesmo prédio ainda não tiverem beneficiado deste regime”
O artigo 42º do EBF, na redacção então em vigor aludia aos “prédios urbanos construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso destinados a habitação”.
Ora, neste processo de impugnação de liquidações de IMI não se demonstrou, nem tão-pouco se alegou, que a AT tenha seguido o procedimento específico previsto ma alínea c) do artigo 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento do estado para 2007) tendo em vista a cessação deste concreto benefício por alteração dos seus pressupostos, no prazo indicado na lei.
Sendo este um procedimento específico para uma situação jurídica em concreto, seria o único meio legal para revogar, rectificar, reformar ou converter este tipo em concreto de isenções fiscais, conferidas com base na redacção anterior à actual alínea n) do nº 1 do artigo 44º do EBF, dentro do prazo específico conferido pela lei.
Constatado este facto, só pode concluir-se, face ao “direito constituído” a que o TAS está subordinado, que o benefício fiscal atribuído ao Requerente em 2006 pela AT – inciso 3 da matéria de facto provada – continua em vigor, porque não foi extinto por revogação, rectificação, reforma ou conversão, pelo meio legal específico direccionado a esse objectivo, uma vez que a atribuição e cessação de benefícios fiscais está sujeita ao princípio da legalidade (resultante da reserva relativa de lei da AR), neste caso, dentro de um prazo fixado.
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Como consequência do acima exposto haverá que julgar-se procedente o pedido formulado pelo Requerente perante o TAS, uma vez que as liquidações de IMI foram levadas a efeito pela AT, sem ter em conta a existência da isenção de IMI de que beneficia o VPT do prédio em causa (um facto interruptivo da tributação) que resulta directamente da lei, uma vez que não foi extinta a isenção pelo meio legalmente ao dispor e no prazo fixado na lei.
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Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28.04, refere-se que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Embora as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não façam referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Pelo que pode ser aqui proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
O artigo 43º da LGT “não faz senão estabelecer um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão (…)” Acórdão do STA de 2-11-2006, processo 604/06, disponível in www.dgsi.pt”
No caso em apreço, o Requerente alegou que já pagou o valor das liquidações de IMI, somando um valor total de 860,75 euros. A AT não colocou em crise esse facto que, por isso, foi levado à matéria de facto provada (inciso 5 da matéria de facto assente), pelo que tem direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento, total ou parcial, das liquidações de imposto ora anuladas até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente:
a) O pedido visando a anulação das liquidações de IMI relativas ao ano de 2009 (Documento 2009 ...), a relativa ao ano de 2010 (Documento 2010 ...), a relativa ao ano de 2011 (Documento 2011 ...) e a relativa ao ano de 2012 (Documento 2012 ...), a que corresponde uma colecta global de 860,75 euros, anulando-se os actos tribuários expressos nestes documentos, por estarem em desconformidade com a alínea n) do nº 1 do artigo 40º do EBF (redacção vigente em 31.12.2006) e com a alínea c) do artigo 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento do Estado para 2007;
b) O pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da (s) prestação (ões) tributária (s), até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 860,75 €.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 06 de Outubro de 2014
O Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira
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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.