Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 550/2020-T
Data da decisão: 2021-04-08  IRS  
Valor do pedido: € 2.000,00
Tema: IRS – Incompetência material do Tribunal em razão da matéria.
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SUMÁRIO:

O CAAD é materialmente incompetente para apreciar a legalidade do acto que procedeu à correcção do grau de incapacidade da Requerente, bem como para decretar o reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sua capacidade definitiva de 60%.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

A..., contribuinte fiscal n.º..., casada, residente na Rua ..., n.º..., em ...,  ..., apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), tendo em vista ser declarado nulo e inaplicável o acto que procedeu à correcção do grau de incapacidade da Requerente, bem como o reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira da incapacidade definitiva da Requerente de 60%. Peticiona ainda o reembolso de todas as quantias que foram, ou vierem a ser despendidas, em virtude da revogação dos benefícios fiscais em apreço.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 16.10.2020 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 19.10.2020. Foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26.10.2020. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 10.12.2020, a ora signatária como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 13.01.2021, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro. No mesmo dia foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

Em 12.02.2021, a Requerida AT veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida. Juntou também o processo administrativo.

Em 20.03.2021, foi proferido nos autos despacho arbitral, cuja fundamentação se dá por integralmente reproduzida, a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dada a ausência de matéria de facto controvertida e a evidência da natureza das questões suscitadas pelas partes, que se configuram como questões exclusivamente de direito. Por outro lado, foi facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas.

Indicou-se o dia 15-05-2021 para prolação da decisão arbitral.

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

O processo não padece de vícios que o invalidem.

A Requerida, na sua resposta veio invocar duas excepções: a incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, e a extemporaneidade do pedido arbitral.

Da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria

O Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) procedeu à introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-

Com efeito, a arbitragem em matéria tributária fixa “com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral. Assim, encontram-se abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamento por conta, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais e, bem assim, a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida”, tal como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

A competência dos tribunais arbitrais está prevista no artigo 2.º do referido diploma legal, que refere que:

«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

 

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

c) (Revogada.)

2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.»

O âmbito da jurisdição arbitral tributária, como refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 669/2015-T, «ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).»

Significa isto que, o tribunal arbitral apenas tem competência, ao abrigo do RJAT, para apreciar a declaração de ilegalidade de:

a) Liquidação de tributos;

b) Autoliquidação;

c) Retenção na fonte;

d) Pagamento por conta;

e) De actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;

f) De actos de determinação da matéria colectável e

g) de actos de fixação de valores patrimoniais.

Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20-04, ficaram vinculados os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15-12, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade.

Na referida portaria estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

Os autores Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em Cadernos de Justiça Tributária n.º 00, Abril/Junho de 2013, no artigo “O âmbito material da arbitragem tributária”, referem que “nos termos da alínea a) do n.º 1, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar as pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta. O âmbito material da arbitragem tributária, recortado por esta alínea, corresponde ao previsto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estando-se perante questões que podem simultaneamente ser objecto de arbitragem e impugnação judicial. De facto, pode ler-se neste preceito do CPPT que o processo judicial tributário compreende “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.

Assim, a competência dos tribunais arbitrais prevista no RJAT é taxativa, razão pela qual é o mesmo competente para decidir questões relacionadas apenas com a ilegalidade dos actos acima indicados.

Ora, o pedido formulado pelo Requerente prende-se com a nulidade e inaplicabilidade do acto que procedeu à correcção do grau de incapacidade da Requerente, e o reconhecimento da sua capacidade definitiva de 60%, e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer acto tributário previsto no artigo 2.º do RJAT.

Face ao exposto, conclui-se que a apreciação da legalidade do acto que procedeu à correcção do grau de incapacidade da Requerente e a condenação da Requerida ao reconhecimento da sua capacidade definitiva de 60% não cabem na competência dos tribunais arbitrais.

Em conclusão, é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

Procedendo a excepção da incompetência absoluta em razão da matéria deste Tribunal Arbitral, fica prejudicado o conhecimento das demais questões que se suscitam nos presentes autos.

 

III. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral quanto à apreciação da legalidade do acto que procedeu à correcção do grau de incapacidade da Requerente e o reconhecimento da sua capacidade definitiva de 60%, absolvendo-se a Requerida da instância;

b)           Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

IV - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 2.000,00 (dois mil euros), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V - CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 8 de Abril de 2021

 

O Árbitro,

Cristina Aragão Seia