Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 241/2019-T
Data da decisão: 2021-04-19  IRS  
Valor do pedido: € 31.000,00
Tema: IRS – Mais – Valias – Residente em Estado Membro da EU – Decisão de Reenvio prejudicial (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1             A..., NIF ..., com residência declarada na ..., ..., ..., França, veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT , apresentar um pedido de constituição de Tribunal Arbitral e consequente pronúncia, contra a ilegalidade da liquidação de IRS  com o nº 2018..., no montante de € 30 762,04, respeitante ao ano de 2017, ato praticado pela Requerida a ATA , que a Requerente considera ilegal por desrespeitar o direito comunitário e violar simultaneamente o princípio do primado que o mesmo goza, por força do disposto no nº 2 do artigo 8º da CRP .

2             O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro e tendo em conta o valor económico em causa e não estando, por isso, reunidas as condições previstas no nº 3 e suas alíneas do artigo 5º do RJAT, veio a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD , em 04/04/2019, notificado à ATA na mesma data, e a funcionar como Tribunal Singular.

3             Nos termos e para efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º e da alínea a) do artigo 11º, ambos do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 29/05/2019 designado árbitro o licenciado Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

4             As partes foram notificadas dessa designação não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 19/06/2019, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5             Com o seu pedido, visa a Requerente a anulação da aludida liquidação por desrespeito ao Direito Comunitário, e a sua substituição por outra que tenha em conta para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas.

6             Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no entendimento de que sendo um não residente no ano de 2017, domiciliado num Estado-membro da União Europeia, mais concretamente na República Francesa, fez constar no anexo G da declaração modelo 3 como único rendimento obtido em território português no aludido ano de 2017, mais-valias imobiliárias obtidas com a alienação de imóveis que geraram um rendimento líquido de € 109 864,05.

7             A Requerente não declarou a obtenção de qualquer outro rendimento em território português passível de IRS no aludido ano de 2017.

8             Pela ATA foi emitida a já identificada liquidação no montante de € 30 762.04 que teve por base o rendimento liquido declarado.

9             Entende que este procedimento da ATA desrespeita e viola o direito comunitário, constituindo uma discriminação injustificada, relativamente aos contribuintes residentes que são tributados apenas por 50% das mais-valias obtidas, conforme artigo 43º nº 2 do CIRS .

10           Refere ainda algumas decisões Arbitrais que vão no sentido por si propugnado, terminando pedindo a anulação da liquidação aqui em causa e a sua substituição por outra que apenas considere 50% do saldo apurado.

11           Por sua vez a ATA e também síntese, considera que o presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser declarado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida, com as devidas e legais consequências.

12           Suporta o seu ponto de vista no facto do legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, Lei do Orçamento de Estado para 2008, harmonizou o direito interno com o comunitário.

13           E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do CIRS e consultada a respetiva declaração do Requerente, verifica-se que no quadro 8 B foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

14           Tendo declarado pretender a tributação pelo regime geral, foi esta aplicada à Requerente, motivo pelo qual não foram tidos em conta apenas 50% da mais-valia apurada com a alienação do imóvel mencionado no quadro 4 do anexo G da respetiva declaração modelo 3, mas sua totalidade aplicando a  taxa autónoma de 28% sobre o valor dessa mesma mais-valia, nos termos previstos no regime geral de tributação em IRS, pelo qual a Requerente expressamente declarou pretender ser tributada, conforme estipula a alínea a) do n.º 1 do artigo72.º do CIRS.

15           O quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do TJCE , tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

16           Por último refere que o artigo que a Requerente pretende que lhe seja aplicado (43°,n.º2,do CIRS) está incluso no capítulo II do Código que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável", mas para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do CIRS, pedindo a suspensão dos autos até prolação de decisão do TJUE  sobre a mesma questão de direito que num processo do CAAD lhe foi submetida pela via do reenvio prejudicial.

 

II - SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2º nº 1 alínea a) e artigo 5º nº 1 e 2, ambos do RJAT e após a junção da resposta da ATA, proferiu em 12/09/2019 o seguinte despacho: “Notifique-se a requerente para, em 5 dias, querendo, se pronunciar sobre o pedido de suspensão da instância deduzido pela requerida”.

 

Em 02/10/2019, o Tribunal proferiu novo despacho: “Face ao pedido formalizado pela requerida, na sua resposta, relativamente à suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte da TJUE no processo 598/2018 do CAAD, que versa sobre situação semelhante à dos presentes autos, tendo sido notificada a requerente para se pronunciar sobre este pedido e que, dentro do prazo concedido, nada disse, o Tribunal defere o pedido de suspensão, ficando a requerida obrigada a informar a decisão proferida pelo TJUE no processo 598/2018, no prazo de 5 dias, a contar do seu conhecimento”.

 

 Em 22/03/2021 foi enviado ao Tribunal pelos serviços do CAAD o Acórdão do TJUE referente ao processo 598/2018 referido no despacho de 02/10/2019, proferindo o Tribunal, em 25/03/2021, o seguinte despacho: “Estão os autos suspensos, ao abrigo do Despacho de 02/10/2019, aguardando decisão do TJUE sobre matéria idêntica à constante nos presentes autos. Tendo o TJUE proferido decisão ( conforme Pº C-388/19, publicado no dia 18 de março de 2021 e disponível para consulta pública em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=239005&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=7019302) , decreta-se o fim da suspensão dos autos e dispensa-se a junção aos mesmos, por parte da Requerida, da respetiva cópia.

Considerando desnecessárias outras diligências, nomeadamente a reunião do artigo 18º do RJAT e a produção de alegações, consideramos reunidas as condições para proferir decisão, designando-se o dia 19 de abril próximo para a sua prolação, devendo a Requerente, até essa data, fazer prova junto do CAAD do pagamento da taxa de justiça subsequente”.

 

Em 30 de Março de 2021, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Após uma análise mais detalhada dos autos, com vista à elaboração da decisão, constatámos o seguinte:

1) A Requerente na sua petição, não atribuiu o valor económico à causa e pede a constituição de Tribunal coletivo, admite-se que tenha considerado o valor de € 109 864,05 sobre o qual a ATA aplicou a taxa de 28% no apuramento do imposto;

2) Por sua vez a Requerida na sua resposta no ponto III.1 - Questão Prévia, vem dizer que face à ausência de indicação do valor da causa, que o seu valor seja fixado em € 30 762,04, nos termos do artigo 97º-A nº 1 alínea a) do CPPT, ex vi artigo 29º nº 1 alínea a) do RJAT- valor que corresponde ao montante do imposto apurado;

3) O diferendo entre as partes situa-se de forma imediata, no âmbito da matéria coletável, isto é, o Tribunal tem de decidir se o rendimento deverá ser o considerado pela Requerida para cálculo do imposto, no montante de € 109 864,05, ou apenas 50% deste valor como pretende a requerente e que corresponde ao montante de € 54 932,03.

Face a este circunstancialismo, entende o Tribunal, que o valor da causa tem que ser apurado nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 97º-A do CPPT, ex vi nº 2 do artigo

 3º do RCPAT, fixando-se o seu montante em € 54 932,03 que corresponde ao valor contestado pela Requerente, devendo a taxa de justiça inicial ser atualizada para o valor de € 1 071,00 e a subsequente de igual montante, e a Requerente fazer prova junto do CAAD quer da atualização quer do pagamento da taxa subsequente até 19 de abril próximo data prevista para a prolação da decisão”.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representada, de harmonia com os artigos 4º e 10º nº.2, ambos do RJAT, assim, não enfermando o processo de nulidades e a questão prévia suscitada pela Requerida quanto ao valor económico da causa já foi decidida conforme despacho de 30 de Março de 2021, consideram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1             – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

O Tribunal tem que decidir se, a liquidação posta em crise deverá ser anulada e substituída por outra que tenha em conta para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, nos termos aduzidos pela Requerente, ou, se pelo contrário, deverá ser mantida na ordem jurídica, por não sofrer de qualquer ilegalidade, como pretende a Requerida.

 

2             - Matéria de Facto

 

a)            A Requerente, no ano de 2017, conforme declara, é uma cidadã portuguesa, com residência na República Francesa.

b)           Relativa ao referido exercício, apresentou a declaração modelo 3 de IRS com o anexo G, no qual declarou os únicos rendimentos obtidos em território português, respeitante a mais–valias imobiliárias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”(quadro4) na percentagem de 50% sobre o imóvel sito na freguesia com o código..., tipo “U”, artigo “...”, fração “D”, adquirido a 04-2011 pelo valor de € 393,55 e alienado a 08-2017 pelo montante de € 117.500,00, apurando-se o saldo a tributar de € 109 864,05 .

c)            Na referida declaração foi declarada a sua condição de não residente em território Português.

d)           Em consequência a ATA emitiu a liquidação de IRS n.º 2018..., com o montante a pagar de € 30 762,04, resultante da aplicação da taxa autónoma de 28% prevista no nº 1 do artigo 72º do CIRS sobre o saldo apurado de € 109864,05.

e)           Inconformada com a referida liquidação a Requerente apresentou reclamação graciosa que veio a ser indeferida, conforme despacho de 22-01-2019, da Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ... .

f)            Para cobrança do imposto, foi instaurado o PEF  ...2018..., no qual foi oferecido como garantia, com vista à sua suspensão, a hipoteca voluntária do imóvel inscrito na matriz de ... sob o artigo..., com o VPT  de € 45 636,48.

Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou, considerou provada, e pertinente para a decisão da causa face ao artigo 75º da LGT , aos elementos juntos aos autos pelas partes e por elas aceites.

Não se mostra provado nos autos que o imposto tenha sido pago e, para além deste, não consideramos a existência de outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como não provados.

 

3- Matéria de Direito

 

Da legalidade da liquidação

 

Como já se viu o dissenso entre as partes situa-se no valor a tributar, cabendo ao Tribunal apreciar e decidir, se o procedimento da ATA, tributando, como mais-valia, a totalidade do saldo apurado, pela taxa autónoma de 28%, prevista no artigo 72º do CIRS, é ou não violador do direito da União Europeia ou, como pretende a Requerente, deverá ser apenas tributado 50% do saldo apurado e, consequentemente, declarar ou não ilegal a liquidação aqui posta em crise.

Resulta da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem, entre outros, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. O nº 4 do mesmo normativo estipula que o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição sendo que este é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel, conforme artigos 50.º e 51.º do CIRS.

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, estipulando o seu nº 2, alínea b) que esse saldo é apenas considerado em 50% do seu valor, no caso de transmissões efetuadas por residentes.

Ainda quanto a estes, sobre esse valor, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do CIRS.

Diferente é a situação para os não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias, podendo o Requerente optar pelo regime previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º o que, no caso concreto, não fez essa opção.

 

O artigo 63.º do TFUE  estabelece a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais e pagamentos entre Estado Membros e entre estes e países terceiros, conforme redação que se transcreve: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movi¬mentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos paga-mentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

 

A quase totalidade das decisões dos Tribunais Arbitrais, mesmo após a nova redação do artigo 72º do CIRS introduzida pela Lei 67-A de 2007 tem sido no sentido de considerar o procedimento seguido pela ATA, desrespeitador do direito da União Europeia, que constitucionalmente se impõe ao direito interno.

 A ATA vinha invocando a decisão proferida no processo 539/18-T que acolheu e decidiu favoravelmente ao seu ponto de vista, considerando que o atual regime opcional permitia aos sujeitos passivos fazer a opção e nessa perspetiva se adequava ao direito da União Europeia.

Embora tenhamos sempre acompanhado a jurisprudência maioritária do CAAD, nomeadamente nos Pº 55/2019 e 438/2020, seguindo de perto o decidido no Pº 600/2018, nos presentes autos, foi suscitada, pela Requerida, a sua suspensão, uma vez que questão idêntica havia sido apresentada ao TJUE, por via de reenvio prejudicial no processo n.º 598/2018-T e até à prolação da decisão do TJUE, seria de optar pela suspensão da presente instância.

Notificada a Requerente desta pretensão da Requerida, nada disse, tendo o Tribunal optado pela suspensão dos autos nos termos requeridos.

Por mail, de 22 de Março último, o CAAD informou o Tribunal que o TJUE havia proferido decisão sobre a matéria disponível, para consulta pública, em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=239005&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=7019302.

 

Após consulta e análise do referido Acórdão, foi por Despacho de 25 de Março último decretado o final da suspensão dos presentes, prosseguindo os mesmos para decisão final

Do referido Acórdão do TJUE, extrai-se que o mesmo sufraga a jurisprudência que vinha sendo seguida, quase na totalidade, pelos Tribunais Arbitrais do CAAD que acompanhámos, nomeadamente nos Pº 55/2019 e 438/2020, transcrevendo- se a sua conclusão: “O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável “.

Assim, fica patente que o procedimento da Requerida é discriminatório para os sujeitos passivos não residentes, relativamente aos residentes, mesmo quando é dada a possibilidade do seu afastamento, usando a opção do regime previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do CIRS, pelo que o Tribunal entende que a matéria tributável considerada no apuramento do IRS em causa nos presentes autos deverá ser reduzida a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias e a respetiva liquidação ser substituída por outra que tenha isso em conta.

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto, o tribunal decide:

 

a)            Declarar o pedido de pronúncia arbitral procedente nos termos requeridos, com a consequente redução da matéria tributável de IRS, respeitante ao exercício de 2017, a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias e, em consequência, substituir a liquidação 2018..., por outra que tenha isso em conta.

b)           Fixar o valor do Processo em € 54 932,03, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1e 4 do CPC , 97-A nº 1 alínea b) do CPPT  e 3º nº 2 do RCPAT .

c)            Fixar as custas, no montante de € 2 142,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, a cargo da Requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de abril de 2021

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

O Árbitro,

Arlindo Francisco

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

1             A..., NIF .., com domicílio na ... ..., ..., ... França, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral e consequente pronúncia, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT , sendo requerida a ATA , contra a liquidação de IRS  n.º 2018..., datada de 05.07.2018, no valor de € 30 762.04, relativa ao ano de 2017, emitida pelo ... Serviço de Finanças de Lisboa, que o requerente considera ilegal, solicitando a sua anulação nos termos e fundamentos constantes na respetiva petição.

2             O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD , em 04/04/2019, notificado à ATA na mesma data.

3             Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 alínea a) do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi em 15/04/2019, designado árbitro o licenciado Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

4             O Tribunal foi constituído em 19/06/2019, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5             Com o seu pedido, visa a requerente a anulação da liquidação já referida e a sua substituição por outra que tenha em conta para efeitos de determinação da matéria coletável de IRS do ano de 2017, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, no aludido ano.

6             Suporta o seu ponto de vista, em síntese; no entendimento de que sendo uma cidadã portuguesa, residente num Estado- Membro da EU, mais precisamente em França, foi tributada com uma carga fiscal superior àquela que é aplicada aos sujeitos passivo residentes (que beneficiam da limitação prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS ), encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.

7             Ao proceder assim a ATA violou o Direito da União Europeia, em particular, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE , constituindo uma discriminação injustificada, sendo, nesta medida, ilegal a liquidação em causa.

8             Entende que a ATA, ao escudar-se no regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do CIRS não elimina o carater discriminatório do n.º 2 do artigo 43.º do mesmo Código, nem a ilegalidade da referida liquidação, na verdade a referida opção apenas permite a um contribuinte não residente, escolher um regime fiscal menos discriminatório, mas que não deixa de o ser.

 

9             Cita jurisprudência do TJUE , do STA  e dos Tribunais constituídos no âmbito do CAAD, cujas decisões vão no sentido, por si propugnado, da liquidação em causa violar o direito europeu, termina a pedir que a ATA, seja condenada a anular a liquidação aqui posta em crise e substituí-la por outra que respeite a determinação da matéria coletável do IRS para o ano em questão, isto é, com a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias realizadas. XXX

10           Por sua vez a ATA, e também síntese, considera que o pedido não pode obter provimento, face à alteração do artigo 72.º do CIRS, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10).

11           Na verdade, o quadro legal aplicável aos rendimentos em questão no ano de 2015, bem como a obrigação declarativa, diverge daquele que existia à data do Acórdão C-443/06 do TJUE, invocado pelo requerente, uma vez que o legislador nacional, como já se viu, operou à adaptação do direito nacional ao direito europeu.

12           Salienta, que por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do CIRS e, consultada a declaração Modelo 3 de IRS entregue em nome do Requerente (relativa ao ano fiscal de 2015), verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

13           Para que pudesse ser tributado pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) o que não fez e assim não lhe é aplicável o nº 2 do artigo 43° do CIRS.

14           Por último considera que em face da jurisprudência por si invocada, não há suporte para aceitar o entendimento do Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados, suspendendo-se a instância até à sua decisão a estabelecer a interpretação vinculante sobre a matéria.

 

II - SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Junta a resposta da requerida, o Tribunal proferiu, em 20/05/2019, o seguinte despacho: ” Na resposta da requerida é manifestada a desnecessidade da inquirição de testemunhas e da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, pelo que o Tribunal decide que a requerente se pronuncie, em 10 dias, querendo, sobre as referidas propostas. Notifique”

O requerente apresentou requerimento em 30/05/2019 no qual não se opunha à dispensa da produção da prova testemunhal e admitindo como possível também a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, exerceu o seu direito de contraditório ao pedido de reenvio prejudicial ao TJUE.

Na mesma data o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Vistos os autos:

- Acolhe-se a unanimidade das partes quanto à dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT;

- Considerando clara a lei comunitária que, conjuntamente com a jurisprudência do TJUE sobre matéria, se dispensa a necessidade de reenvio prejudicial;

- Os autos prosseguem com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, iniciando-se, com a notificação do presente despacho, o prazo para alegações do requerente e com a notificação da apresentação das mesmas, o prazo para alegações da requerida;

-Indica-se o dia 10/07/2019 para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data o requerente fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente.

Notifique”.

A requerente produziu alegações escritas, conforme requerimento de 12 de Junho último que se limita a repetir e sustentar o ponto de vista constante na petição.

A requerida, em requerimento de 17 do referido mês de junho, apresentou as suas alegações, remetendo para a resposta oportunamente apresentada, por concluir que o requerente, nas alegações produzidas, manteve o sentido e argumentação da petição.

Não havendo outras formalidades a cumprir e não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

3             – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

O tribunal tem que decidir se, a liquidação posta em crise deverá ser anulada parcialmente por ilegal nos termos aduzidos pelo requerente com o consequente pagamento de juros indemnizatórios, ou, se pelo contrário, deverá ser mantida na ordem jurídica, por não sofrer de qualquer ilegalidade, como pretende a requerida.

 

4             - Matéria de Facto

 

a)            O ato tributário em causa respeita à tributação de rendimentos de Mais-Valias obtidos em Portugal, conforme liquidação de IRS nº 2018..., datada de 14.09.2018, referente ao período de 2015, emitida pela ATA, no valor global de € 11.691,56, sendo € 10 713,55 de imposto e € 978,01 de juros compensatórios, valor pago em 23/10/2018.

b)           O requerente tinha, ao tempo, residência fiscal em França, em concreto na Rue ..., ..., ... .

c)            A mais- valia apurada resultou da alienação do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo urbano nº ... da União de freguesias de ..., ... e ..., concelho de Braga, conforme escritura de 03 de Dezembro de 2015, por ele adquirido pelo preço de € 12.469,95 no ano de 1 990.

d)           A mais – valia foi de € 38 262,68, apurada como se segue:  

Aquisição            Coeficiente de correção, calculado nos termos da Portaria 400/2015       Valor corrigido  Venda                Encargos              Mais-Valia Fiscal

12.469,95 €        2,22        € 27.683,28         € 75.000,00         9.054,03 €           38.262,68 €

 

e)           Esta mais-valia foi o único rendimento declarado em Portugal, após notificação da requerida para apresentar a respetiva declaração modelo 3 de IRS, sendo os restantes rendimentos do requerente obtidos e declarados em França.

f)            O apuramento do imposto foi sobre a totalidade da Mais-valia apurada, sem ter em conta o regime de exclusão de tributação de 50% previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, apurando-se o imposto e juros compensatórios já referidos, no valor global de € 11 691,56 pago em 23/10/2018.

g)            O Requerente optou pela tributação autónoma dos rendimentos da categoria G, uma vez que não exerceu a opção pelo englobamento dos mesmos, tendo no quadro 8 B do Modelo 3 assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes.

Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou, considerou provada e pertinente para a decisão da causa que resulta dos elementos juntos aos autos pelas partes e por elas aceites, tendo a requerida declarado que a não junção do Processo Administrativo se deve ao facto de não existir.

Não consideramos a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como não provados.

 

3- Matéria de Direito

 

3.1 – Da legalidade da liquidação

 

Resulta da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem, entre outros, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. O nº 4 do mesmo normativo estipula que o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição sendo que este é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel, conforme artigos 50.º e 51.º do CIRS.

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, estipulando o seu nº 2 que esse saldo é apenas considerado em 50% do seu valor, no caso de transmissões efetuadas por residentes (redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).

Ainda quanto a estes, sobre esse valor, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do CIRS. Diferente é a situação para os não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias.

O artigo 63.º do TFUE estabelece a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais e pagamentos entre Estado Membros e entre estes e países terceiros, conforme redação que se transcreve: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movi¬mentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos paga¬mentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

 

Ao abrigo desta disposição o TJUE considerou incompatível com o Direito da União Europeia, o regime instituído pelo nº 1 do artigo 72º do CIRS, na redação anterior à Lei nº 67-A/2007 de 31 de Dezembro, por o considerar contrário à livre circulação de capitais, conforme Acórdão C - 443/06.

Já vimos, ainda que sucintamente a posição das partes, tendo a requerida suscitado a questão do reenvio prejudicial e a suspensão dos autos até decisão, tendo o requerente considerado desnecessário o reenvio prejudicial, uma vez que a jurisprudência do TJUE é clara no sentido de considerar discriminatório o tratamento dado aos não residentes, em relação aos residentes no que concerne a esta matéria. O Tribunal, no saneador, também entendeu ser clara a lei comunitária que, conjuntamente com a jurisprudência do TJUE sobre a matéria, considerou dispensável o reenvio prejudicial.

Vamos apreciar a questão do reenvio suscitado pela requerida aderindo ao decidido no Processo 600/2018 do CAAD, que, com a devida vénia, transcrevemos, na parte que consideramos aplicável à situação em apreço.

Transcrição:

“O TJUE considerou incompatível o com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento. Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel». Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia». No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redacção do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109 B/2001,de 27 de Dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007.Assim, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não há jurisprudência específica do TJUE sobre a compatibilidade do regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, nos n.ºs 7 e 8 do CIRS com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. No entanto, o TJUE entendeu naquele acórdão do processo C-443/06, que o essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir «um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável» (§ 54).Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua». Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado. O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo. (…)

Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado. Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado nas liquidações impugnadas. O facto de actualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes. Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação» .No mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:62Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation,C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28defevereiro de 2013, Beker,C-168/11,EU:C:2013:117, n.º62 e jurisprudência referida). É à luz desta jurisprudência que há que apreciar a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira de reenvio prejudicial. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro). No caso em apreço, conclui-se com segurança da reiterada jurisprudência do TJUE que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanada pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial. Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência da Lei n.º 67-A/2007”.

Como se verifica do Acórdão a que aderimos e da jurisprudência do TJUE sobre esta matéria, concluímos que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não fica sanada pela possibilidade que é dada para o seu afastamento, sendo essa constatação evidente para o Tribunal que considerou desnecessário o reenvio prejudicial.

Nesta perspetiva consideramos parcialmente ilegal a liquidação aqui posta em crise por violação do direito comunitário, na parte em que afasta os não residentes, domiciliados num Estado Membro, da possibilidade de usufruírem das disposições contidas no nº 2 do artigo 43º do CIRS, considerando-se indevidamente cobrado o valor de IRS € 5 356,77.

 Os juros compensatórios a devolver no montante de € 489,00, correspondem ao montante do valor do IRS indevidamente cobrado e não à sua totalidade como pretende o requerente, cifrando-se assim o valor global a devolver ao requerente de € 5 845,77 (€ 5 356,77 de IRS e € 489,00 de Juros compensatórios).

 

3.2 – Do pagamento de juros indemnizatórios

 

  O requerente pede o reembolso do valor indevidamente pago de € 6 334,78, acrescido de juros indemnizatórios, valor que o Tribunal reduziu para € 5 845,77, pelos motivos antes expostos.

Tendo em conta as disposições contidas na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT, o que está em sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, está a ATA obrigada a repor a legalidade que compreende o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

Nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

Considerando que o nº 5 do artigo 24º do RJAT, dispõe que é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT, leva-nos a concluir que se permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, enfermando a liquidação de vício de violação de lei, facto que é imputável à ATA que a efetuou, tem o requerente direito ao reembolso do IRS e juros compensatórios indevidamente pagos, no montante de € 5 845,77, e também de juros indemnizatórios calculados à taxa legal sobre o referido valor, contados desde a data do pagamento, até à data do seu reembolso.

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto, o tribunal decide:

 

d)           Declarar o pedido de pronúncia arbitral parcialmente procedente com a consequentemente devolução do IRS e juros compensatórios correspondentes no valor global de € 5 845,77 acrescido do montante de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento até à data do reembolso.

e)           Fixar o valor do Processo em € 6.334,78, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 do CPC , 97-A do CPPT e 3º nº 2 do RCPAT .

f)            Fixar as custas, no montante de € 612,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, sendo € 564,76 a cargo da requerida e € 47,24 a cargo do requerente, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT.

 

Notifique.

Lisboa, 10 de Julho de 2019

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

O Árbitro,

Arlindo Francisco