Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 241/2013-T
Data da decisão: 2014-04-24  Selo  
Valor do pedido: € 10.848,52
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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Requerentes: A..., S.A.

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. Em 29 de outubro de 2013, a sociedade A..., S.A., titular do NIPC  …, com sede social na Rua …, no … requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 29 de outubro de 2013, e foi notificado imediatamente à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”).

 

3. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto do Selo, ao abrigo da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (a seguir apenas designada por “TGIS”), referentes ao ano de 2012, com data de 21 de março de 2013, subjacente aos documentos de cobrança da segunda e da terceira prestação no montante global de € 10.848,52 (dez mil oitocentos e quarenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos).

 

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

 

5. As partes foram notificadas, em 11 de dezembro de 2013, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 27 de dezembro de 2013.

 

7. Em 14 de fevereiro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta.

 

8. No dia 10 de março de 2014, pelas 15h, nas instalações do CAAD realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo comparecido o Árbitro designado e a representante da Requerente. Os representantes da Requerida, designados por despacho do Diretor-Geral da AT, de 1 de março de 2014, não compareceram na reunião, conforme consta da respetiva ata, que se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.

 

9. Na reunião referida no ponto anterior a representante da Requerente declarou prescindir de alegações. Devido à falta de comparência da representante da Requerida, o Tribunal determinou a notificação da Requerida para, no prazo de 5 dias, declarar se pretendia realizar alegações. A Requerida nada declarou.

 

10. O pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente, de harmonia com o disposto na petição, pode ser sintetizado nos seguintes termos:

 

                10.1. A Requerente começa por sustentar que foi notificada de vários documentos para pagamento identificados com diferentes números, verificando-se a falta de indicação do número da liquidação que se lhes encontra subjacente. Esta ausência de fundamentação legal constitui um vício que inquina o ato de ilegalidade, de acordo com o artigo 99.º, alínea c) do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

               

10.2. A Requerente considera que o ato de liquidação está também inquinado por erro sobre os pressupostos de Direito nos seguintes termos: no terreno para construção não existe ainda, pela sua própria natureza elementar, qualquer prédio suscetível de ser utilizado para fins habitacionais, comerciais, serviços, etc, havendo apenas uma mera expectativa potencial ou meramente virtual de tal vir a acontecer. Assim, o terreno para construção ainda não é um prédio afeto à habitação. Na realidade, quando a Verba 28 da TGIS refere “afetação habitacional” isso pressupõe uma abordagem funcional, devendo ser visto como um prédio direcionado para a habitação, não sendo, pois um terreno para construção, per si, um prédio habitável.

               

10.3. Se os terrenos para construção cabem na definição de prédio urbano, de acordo com o estatuído no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), já a respetiva afetação pode ou não vir a ser a habitação. Assim, um terreno para construção não é, nem pode ser, considerado um prédio afeto à habitação, uma vez que não constitui nem tem as características de um prédio habitável.

               

10.4. No alvará de construção e alvará de loteamento consta que o destino dos lotes é para “habitação e comércio”, não se podendo concluir, que este terreno para construção será utilizado exclusivamente para fins meramente habitacionais. Daí que não se considere estar em conformidade com a Lei a atribuição de coeficientes de afetação aos terrenos para construção e muito menos se aceita que este coeficiente utilizado para a avaliação do VPT, seja utilizado para a delimitação da base tributável objetiva para efeitos da liquidação do Imposto do Selo.

               

10.5. Daqui resulta claro que a AT não pode exigir, sem incorrer em flagrante ilegalidade, Imposto do Selo, com base na Verba n.º 28 do TGIS, a um titular de um terreno para construção.

 

10.6. Os terrenos para construção são anualmente tributados pelo Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI), tendo em consideração o valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos prédios. Para a mesma realidade (a propriedade de um prédio com valor patrimonial atribuído) incidem dois impostos diferentes – Imposto do Selo e IMI – ou seja a mesma realidade é tributada duas vezes. Neste sentido a Requerente considera estar perante uma dupla tributação, colocando em causa os princípios da justiça e da proporcionalidade.

 

11. A Requerida na resposta afirma, em síntese abreviada, o seguinte:

 

                11.1. Para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.

 

                11.2. A afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção. A própria Verba 28 TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional” apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI.

 

                11.3. Apesar da Requerente contestar agora a liquidação de Imposto do Selo, o que está verdadeiramente em análise são as regras da avaliação feita em sede de IMI. Se tal valor não era considerado correto deveria a Requerente ter requerido segunda avaliação e, se ainda assim a pretensão não fosse atendida, apresentaria impugnação judicial nos termos do artigo 77.º do CIMI. Não o tendo feito este não é o meio próprio para contestar as regras de avaliação que determinam as liquidações ora sindicadas.

 

                11.4. A Requerida entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional” para efeitos do disposto na Verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma. O legislador não refere “prédios destinados a habitação” tendo optado pela noção “afetação habitacional”. Esta expressão é diferente e mais ampla cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI. Assim, para a Requerida muito antes da efetiva edificação do prédio é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção.

 

                11.5. A Requerida defende que a previsão da Verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstrata aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito. A diferente aptidão dos imóveis sustenta diferente tratamento valorado pelo legislador de forma e com efeitos diferenciados e, por isso, não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do artigo 13.º da CRP. Por outro lado, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objetivo a atingir e não viola o princípio da proporcionalidade,

               

11.6. Quanto às liquidações impugnadas, a AT limitou-se a aplicar o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e notificou a Requerente tendo cumprido na íntegra os trâmites legais, não tendo existido qualquer erro imputável aos serviços na emissão das liquidações em causa

 

 

II – SANEAMENTO

 

12. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º n.º 1 do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

Nestes termos, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

13. Factos provados

 

13.1. Com base nos elementos que constam do processo consideram-se provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano sito na ..., em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo U-....

 

B) Na caderneta predial urbana o prédio, identificado na alínea anterior, é descrito como “terreno para construção”.

 

C) O referido prédio urbano não tem qualquer edifício ou construção erigida sobre o seu solo.

 

D) A Câmara Municipal de … emitiu o alvará de loteamento n.º ... no qual é autorizado, no terreno em causa, que o destino do lote seja “habitação coletiva e comércio”.

 

E) O prédio, identificado na alínea A), foi objeto de avaliação, ao abrigo das normas do CIMI, efetuada pela AT, em 20 de novembro de 2008, tendo sido determinado o valor patrimonial tributário (VPT) de € 1.627.280,00.

 

F) Na determinação do VPT, referido na alínea anterior, foi considerado um tipo de coeficiente de localização correspondente à utilização habitacional dos prédios a construir.

 

G) Considerando o VPT, constante da alínea E), e o coeficiente referido na alínea anterior, a AT entendeu estarem verificados os pressupostos de incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS, operando a correspondente liquidação.

 

H) A Requerente foi notificada da liquidação do Imposto do Selo, datada de 21 de março de 2013, referente ao ano de 2012, tendo por base uma coleta de € 16.272,80.

 

13.2. Os factos enunciados no n.º anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

 

14. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

15. Em face do exposto, nos números anteriores, a questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se os terrenos para construção estão abrangidos pelo âmbito de incidência do Imposto do Selo a que se refere Verba 28.1 da TGIS.

 

16. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 13) e vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 15).

 

17. A jurisprudência arbitral, através das Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 49/2013-T, 53/2013-T, 42/2013-T, 48/2013-T, 75/2013-T, 144/2013-T e 158/2013-T, tem convergido no entendimento de julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo ao abrigo da Verba 28 da TGIS respeitantes a prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas.

 

18. A Verba 28 foi aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e tem a redação seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 –   Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”

O artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro estabeleceu, nas disposições transitórias, as regras relativas à liquidação do imposto previsto naquela verba, nos termos seguintes:

“1- Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a)       O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b)       O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c)       O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d)       A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e)       O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f)        As taxas aplicáveis são as seguintes:

i)Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%;

ii)Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii)Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças:7,5%;

2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

3- A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.”

 

19. A Verba 28.1 da TGIS, introduzida pela Lei n. 55-A/2012, de 29 de outubro, utiliza um conceito “prédio com afetação habitacional” que não consta do Código do Imposto do Selo, do CIMI,  nem de qualquer legislação tributária.

 

20. De acordo com o nº 1 do artigo  11.º da Lei Geral Tributária na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de direito. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

A Lei n. 55-A/2012, de 29 de outubro surge num contexto de austeridade marcado pela necessidade de implementar normas de agravamento fiscal destinadas a obter receita para fazer aos problemas decorrentes da execução orçamental.  

A referida lei não tem preâmbulo, daí que não é possível retirar a intenção do legislador. Esta lei teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito apenas que “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento.” Nessa exposição de motivos é ainda referido que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Em suma, é inequívoco que no espírito da Proposta da Lei que originou a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro não era incluída a tributação dos terrenos para construção e não existe, por outro lado, qualquer evidência em sentido contrário.

 

21. De acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, os terrenos para construção são expressamente excluídos do conceito de prédios rústicos constituindo uma espécie autónoma de prédios urbanos. Um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias que indiciem a intenção de nele se construir.

 

Se o legislador tivesse querido incluir na verba 28, n.º 1, da TGIS os terrenos para construção certamente que o teria dito expressamente , já que se trata de uma espécie de prédios urbanos também há muito sedimentada na lei. 

 

 

22. Torna-se imprescindível esclarecer quando é que um prédio está afetado a fim habitacional. Basta que esse destino seja fixado num ato de licenciamento ou é necessário que a efetiva atribuição desse destino seja concretizada.

A este respeito concordamos integralmente com o teor da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T quando afirma:

“(...) o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afetação efetiva.

Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional.

Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de “prédios habitacionais”, que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, “prédio com afetação habitacional”, não poderá ser um prédio apenas licenciado ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.

Que é este o sentido da expressão “afetação”, no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que “estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas”, que evidencia que a afetação é concreta, efetiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afeto a ela, o que evidencia que a afetação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante.” [1]

 

23. A Requerida conclui que a consideração de um coeficiente de afetação na determinação do VPT será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS. As razões apresentadas pela Requerida não procedem, porque a aplicação de um coeficiente de afetação reporta-se a um dos elementos a considerar na avaliação do terreno, mas não determina qualquer alteração na classificação desse terreno para efeitos tributários.

 

24. De acordo com o exposto nos pontos anteriores o Tribunal considera inequívoco  que os terenos para construção devem considerar-se fora da previsão da verba 28, n.º 1, da TGIS.

Atendendo à  factualidade objeto dos presentes autos arbitrais (vd., supra n.º 13.1.) e em face do exposto, é manifesto que as liquidação em causa enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, porque o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo, ao abrigo da verba 28.1 é um terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção não podendo ser considerado um prédio com afetação habitacional.

 

25. Atendendo ao disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, e devido à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação objeto do presente processo, por erro sobre os pressupostos de direito, fica prejudicada o conhecimento dos restantes vícios  invocados pela Requerente.

 

 

V – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral, em 24 de Abri de 2014, julgar totalmente procedente o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto do Selo, de 21/03/2013, referentes ao ano de 2012, ao abrigo da verba 28 da TGIS.

 

Fixa-se o valor do processo em € 10.848,52 (dez mil oitocentos e quarenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC, do  artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, calculadas nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) em função do valor do pedido, a cargo da Requerida em € 918,00 (novecentos e dezoito euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 24 de abril de 2014

 

O árbitro

 

Olívio Mota Amador  

 

 



[1] Vd. Decisão Arbitral, Proc. n.º 53/2013-T, pp. 19, impresso a partir da página Internet do CAAD em:  www.caad.org.pt