SUMÁRIO
I – Tendo sido detetada, no âmbito de um procedimento inspetivo, uma irregularidade contabilística que foi regularizada como adiantamentos por conta dos lucros, o facto tributário que justifica a sujeição a imposto não é imputável ao período de tributação sobre que incidiu a ação inspetiva, nem à data da diligência de investigação que permitiu revelar essa irregularidade, mas ao momento em que os rendimentos são colocados à disposição dos titulares;
II – Tendo sido efetuada a liquidação do imposto com base no saldo contabilístico tido como discrepante, e não sendo possível precisar as datas e os montantes dos adiantamentos por conta dos lucros, existe uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o que conduz à anulação do ato impugnado nos termos previstos no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
a) Em 11 de Maio de 2020, a Requerente, A... LDA, NIPC ..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Porto, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a legalidade “da decisão de indeferimento expresso do procedimento tributário de reclamação graciosa que correu termos junto da Direção de Finanças do Porto sob o n.º ...2019..., ... procedimento esse que visou contestar a legalidade do ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) subjacente à “Declaração de Retenções na Fonte IRS/IRC e Imposto do Selo”, titulada sob a guia n.º..., apresentada a 8 de maio de 2019, através da qual a Requerente procedeu à declaração e pagamento de uma importância sob o código 115 – “IRS – Outros Rendimentos de capitais sujeitos às taxas previstas no artigo 71.º do CIRS”, no valor de € 233.608,95 ... referente ao período de 2015/12, bem como ... a legalidade da liquidação de juros compensatórios efetuada pela AT e identificada sob o n.º 2019..., no valor de € 30.823,58 (trinta mil oitocentos e vinte e três euros e cinquenta oito cêntimos), tudo no montante global de € 264.432,53”.
b) É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;
c) O Requerente termina o pedido de pronúncia arbitral (PPA) pedindo ao Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) que proceda “à anulação do despacho de indeferimento do procedimento tributário de reclamação graciosa que correu termos junto da AT sob o n.º ...2019..., bem como, em termos mediatos, à anulação do ato de retenção na fonte de “IRS – Outros Rendimentos de capitais sujeitos às taxas previstas no artigo 71.º do CIRS”, no valor de € 233.608,95 (duzentos e trinta e três mil euros seiscentos e oito euros e noventa e cinco cêntimos), referente ao período de 2015/dezembro, titulada sob a guia n.º..., bem como à anulação da liquidação de juros compensatórios identificada sob o n.º 2019..., no valor de € 30.823,58 (trinta mil oitocentos e vinte e três euros e cinquenta oito cêntimos), em virtude dos vícios de violação de lei de que padecem, e, em sequência, que determinem a devolução à Requerente do valor pago indevidamente a título de retenção na fonte, bem como a título de juros compensatórios, a que deverão acrescer os juros indemnizatórios peticionados, à taxa legal aplicável, sobre o montante indevidamente cobrado, a liquidar a final, no momento do reembolso do imposto e juros compensatórios pagos indevidamente”.
d) O pedido de constituição do TAC foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 11-05-2020.
e) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 07.07.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
f) O Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) encontra-se, desde 06 de Agosto de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
g) A fundamentar o pedido, a Requerente alega o seguinte:
i Quanto aos factos refere que a: “... situação tributária que merece divergência entre a Requerente e a AT, e que ... é impugnada, reporta-se ao saldo evidenciado na contabilidade da Requerente, mormente ao saldo inscrito na conta 12 – Bancos, e, em particular, ao valor inscrito na subconta 122 designada por “Conta E”. Deste modo, foi já no ano de 2010, que por decisão dos sócios da Requerente, motivada também por uma renovação geracional implementada na gestão da empresa, com maior envolvência da segunda geração, que a referida subconta “122 – Conta E” foi relevada contabilisticamente pelo valor de € 839.317,67”.
ii E acrescenta que “o registo contabilístico desse valor encontra-se sustentado em decisão tomada em assembleia geral de sócios da Requerente, ocorrida em 31 de março de 2010, conforme ata n.º 23, na qual se refere, a propósito do saldo contabilístico das contas de bancos e resultados transitados, que: “o facto daquelas contas apresentarem os erros referidos, derivava, fundamentalmente, de, ao longos anos, sempre ter existido liberdade para os sócios efetuarem levantamentos de acordo com as suas necessidades, e tendo as disponibilidades da empresa, movimentos que nunca foram relevados contabilisticamente. (…) No entanto, foi concluído ser conveniente que a contabilidade passe a dar evidência dos saldos corretos, remetendo-se o valor respeitante aos erros para contas separadas, com vista a que no futuro seja possível que a análise dos balanços e demonstração de resultados não seja prejudicada pelos saldos que não correspondem à realidade.”.
iii E pela razão de que “as disponibilidades financeiras relevadas na sobredita subconta “122 – Conta E” não existiam no ano de 2010, por idêntica razão, não existiam também no ano de 2015”, acrescendo que “este saldo da subconta “122 – Conta E” permaneceu absolutamente inalterável desde dessa data (i.e. 2010) e ao longo dos anos seguintes”.
iv Reconhece “que durante vários anos, com especial incidência nas décadas de 80 e 90, mas nunca para além de 2010, existiram utilizações de verbas da Requerente pelos seus sócios e para fins pessoais destes”, “utilizações que ocorreram, grosso modo, mediante levantamentos bancários de fundos depositado na única conta bancária titulada pela Requerente e que é detida junto do B...”, sendo que “em razão do tempo já decorrido desde essas utilizações, bem como em razão da incompletude dos registos contabilísticos da Requerente, não é possível identificar com toda a precisão os momentos, montantes e beneficiários concretos dessas utilizações”, mas “não obstante essa situação, ... procedeu voluntariamente, com o comprometimento dos sócios, tal como decorre da deliberação social subjacente à ata identificada, a um trabalho de reconciliação de saldos para evidenciar contabilisticamente a diferença apurada em bancos”.
v Chama a atenção para o facto de “ao efetuar o registo na subconta “122 – Conta E”, designação que só por si permite constatar que não se estava a ocultar aquele valor com a indicação de um qualquer nome de um banco da praça, a Requerente pretendeu antes ajustar os saldos relativos à conta bancos aos saldos ínsitos nos respetivos extratos bancários e relevar naquela específica subconta “122 – Conta E” as disponibilidades de que os sócios haviam beneficiado em tempos passados”, daqui resultando que a Requerente “não procurou ocultar os factos, antes assumiu, conforme a própria ata demonstra, a causa dos erros passados e cuidou de separar na sua contabilidade os saldos reais de bancos do saldo contabilístico respetivo”, “tendo para tal creditado a subconta “121 – Conta B...” e debitado a subconta “122 – Conta E”, que incorporava em exclusivo os sobreditos erros acumulados ao longo de vários anos” , uma vez que “em 2015, quando a Requerente foi fiscalizada pela AT mantinha-se evidenciado na subconta “122 – Conta E” o valor da diferença entre aquilo que estava nos bancos e aquilo que estava registado na sua contabilidade”.
vi Pelo que “em 2015, a Requerente procedeu a uma regularização voluntária como “adiantamento por conta de lucros” da diferença que, com referência à conta de caixa, e face a uma reconciliação feita que se viria a revelar em falta e sem justificação”, “que ... visou apenas a diferença apurada na reconciliação do caixa, não tendo no seu âmbito o valor lançado na subconta “122 – Conta E”, que se mantinha inalterável”.
vii Sendo certo que “no decurso do procedimento de inspeção tributária que originou o ato de retenção aqui impugnado, a AT identificou cheques emitidos, anteriormente a 2010, em benefício dos sócios da Requerente, e em valor de € 185.135,69, o que contribui para a demonstração da veracidade dos factos que constam da referida ata e que justificam a contabilização efetuada, bem como o período de tempo a que se referem as utilizações pelos sócios, isto é, sempre atinentes a anos anteriores a 2010 - prova documental que foi junta pela Requerente como anexos “A”, “B” e “C” ao direito de audição apresentado no seguimento da notificação do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária”.
viii E conclui: “perante as evidências que resultam da sua contabilidade, dos extratos bancários, da ata que apoia o registo na subconta “122 – Conta E” e dos cheques que comprovam o alegado, está a Requerente convicta de que outra conclusão não se poderá adotar, do que aquela que reconhece que os “adiantamentos por conta de lucros” ocorreram até ao ano de 2010”, acrescendo que a própria AT “veio a “promover” a regularização voluntária da Requerente como “adiantamento por conta de lucros”, considerando que os sócios tinham confessado que se tinham “apropriado”, em 2015, do valor do saldo da subconta “122 – Conta E”” resultando que a AT confunde a figura do “facto tributário” com a do “facto detetado”, considerando que “o momento da deteção é o momento da ocorrência do facto tributário”.
ix Acrescendo que “a mais simples lógica e experiência comum remetem-nos para a conclusão de que, ao invés do preconizado pela AT, os “adiantamentos por conta de lucros” foram antes ocorrendo à medida que foram sendo gerados os excedentes líquidos de disponibilidades, isto é, ao longo dos diversos anos e mesmo décadas de prossecução da atividade comercial pela Requerente. E não concentradamente em dezembro de 2015, como a AT sustenta”.
x E foi provado que “do ponto de vista contabilístico, e tal como resulta dos balancetes, a subconta “122 – Conta E” foi criada na contabilidade da Requerente em 2010, tendo o seu valor de € 834.317,67 permanecido inalterado ao longos dos anos”, sendo uma “realidade existente na Requerente desde há bastantes anos”, pois que “apesar de ter sido em 2010 que a subconta “122 – Conta E” foi criada na contabilidade da Requerente para “isolar” o desfasamento de valores, esta já advinha de há vários anos e mesmo décadas, pelo que a haver um facto tributário inerente a “adiantamentos por conta de lucros”, o mesmo só poderia ser afeto a anos anteriores a esse. Ademais, sustentar que o facto tributário ocorreu em dezembro de 2015, porquanto foi nessa altura que ocorreu uma contagem física do caixa, é confundir, ressalvando o devido respeito, as duas realidades – i.e. a conta do caixa e a conta bancos”, muito embora “ambas pertencem à mesma classe de ativos – i.e. classe 1 – meios financeiros líquidos em SNC e disponibilidades em POC -, mas são realidades e contabilizações diferentes”.
xi E a título conclusivo questiona: “ademais, é crível que a Requerente tivesse mais de um milhão de euros em caixa? E que no dia anterior à contagem física do caixa tivessem sido levantados pelos sócios?”
xii Quanto ao direito aplicável refere o seguinte: Considera a Requerente que o fundo da questão, face aos factos expostos, está nas normas do artigo 5.º, nº 1 e nº 2, alínea h) do Código do IRS e em termos conexos no nº1 e a subalínea 2) da alínea a) do nº 3 do artigo 7.º do mesmo Código, com a epígrafe “momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos da categoria E”, onde, à semelhança do referido artigo 5.º, nº 2, alínea h), estipula-se que estes rendimentos ficam sujeitos a tributação em IRS desde o momento em que ocorre a colocação à disposição do seu titular.
xiii Extrai a conclusão de que “hoje, tal como no passado, a “colocação à disposição do seu beneficiário” é o momento em que se considera verificado o facto tributário inerente aos “adiantamentos por conta de lucros””.
xiv E acrescenta: “não se pode confundir, sob pena de um vício de violação de lei, o momento que legalmente está fixado como sendo aquele que é o da verificação do facto tributário, com o momento em que a AT tem conhecimento desse mesmo facto tributário”, uma vez que “no nosso sistema tributário, os factos tributários baseiam-se em juízos de legalidade, não se compadecendo, pelo menos no quadro vigente atual, bem como no passado, com interpretações normativas que erguem o facto declarado como sendo o facto tributário, numa lógica declarativa-constitutiva. Isto é, o facto tributário é o “facto da vida” que preenche uma determinada norma de incidência tributária”.
xv “Em síntese, mesmo que possa ter havido uma distribuição de lucros “informal”, e nesse sentido, juridicamente desconforme, a tributação teria que operar na altura dessa distribuição”.
xvi E termina referindo: “conforme extensa prova documental junta a esta ação arbitral, ... o rendimento tributável subjacente ao caso concreto não foi manifestamente obtido pelos sócios no ano de 2015, mas antes, mesmo que não se consiga precisar os anos e valores concretamente desafetos da Requerente, em períodos ocorridos até 2010, o ato de retenção na fonte aqui impugnado está ferido de um vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de facto e de direito”, pelo que “não poderá ser outra a decisão final que não seja agora a de se anular o ato de retenção na fonte aqui impugnado, com as inerentes consequências legais e fiscais aplicáveis, e em harmonia com o artigo 163.º, n.1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ex vi artigo 29.º, n.1, alínea d), do RJAT, na sequência do qual a Requerente terá direito à restituição da quantia indevidamente paga a título de retenção na fonte e de juros compensatórios, conforme decorre dos artigos 24.º, n.1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT”.
xvii Invoca ainda a caducidade do direito de liquidação de IRC nos termos do artigo 92º-1 do CIRS, artigos 45º-1-4 da LGT, “considerando que o momento do facto tributário, a retenção na fonte aqui impugnada, ocorreu para além do prazo de caducidade aplicável, pelo que, também, por este motivo, e por consubstanciar um vício de violação de lei, deverá ser anulada”.
xviii Considera que não ocorreu “confissão” da Requerente que permitisse a AT proceder à inflexão da posição que inicialmente assumiu no procedimento de inspecção referindo que “a AT nega por completo os princípios da legalidade e igualdade tributárias. Nesta ótica, a tributação seria moldável à vontade das Partes, independentemente do preceituado na Lei”, além de que “de acordo com o artigo 354.º, alínea b), do Código Civil: “A confissão não faz prova contra o confitente: (…) b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis”.
xix Discorda do facto da AT considerar que há uma relação subsidiária da conta do Caixa (11) face à conta Bancos (12), porquanto tal ponto de vista não está em conformidade com o direito da contabilidade, uma vez que se trata de contas distintas, ainda que da mesma classe, referindo: “dentro desta classe, repartem-se, entre outras contas, a conta 11 – caixa, que compreende o dinheiro em caixa, tais como notas de banco e moedas metálicas de curso legal, nacionais ou estrangeiros e a conta 12 – depósitos à ordem, que respeita aos meios financeiros disponíveis em contas à ordem nas instituições financeiras”.
xx Além de que “o valor a débito de € 834.317,67 que respeita à subconta “122 – Conta E”, derivou, em exclusivo, e numa única vez, de um lançamento a crédito no mesmo montante da conta “121 –B...”. “Por outras palavras, a divergência subjacente subconta “122 – Conta E” resultou em exclusivo de uma divergência detetada num âmbito dos procedimentos realizados pela Requerente de reconciliação bancária. Ao invés, a divergência que houve na conta do caixa foi regularizada pela Requerente no início de 2016, no seguimento da inspeção tributária ocorrida em dezembro de 2015. Pelo que, e em suma, nenhum sentido faz, com o devido respeito, esta fundamentação da AT”
xxi Quanto à apreciação das atas juntas no procedimento de inspecção discorda do facto da AT levantar “de forma pouco rigorosa, algumas questões conexas com as formalidades inerentes à organização das atas pela Requerente, para com isto extrapolar, sem mais, existirem “dúvidas sobre a autenticidade” e o “momento da sua elaboração”, o que lhes retiraria “confiança enquanto documentos de prova.””
xxii Considera que “sobre este aspeto importa prima facie referir que a Requerente tem cumprido com a sua obrigação de prestação de contas anuais, como se constata da informação ínsita na certidão permanente acessível mediante o código ... . Depois, por outro lado, a AT tem objetivo conhecimento que houve um primeiro livro de atas encadernados, de escrituração manual, cuja ata n.º 1 é de 31 de março de 1988, e com selagem cumprida em 10 de fevereiro de 1987, e que, entretanto, foi totalmente utilizado. Em seguida, com termo de abertura datado de 1 de fevereiro de 2006, bem como com termo de encerramento aposto, foi iniciado um segundo livro de atas, de escrituração por sistema informático, e com folhas soltas numeradas sequencialmente e rubricadas pela gerência, bem como os termos, tal como o artigo 31.º, n.2, do Código Comercial permite”.
xxiii E conclui: “ao contrário do enunciado pela Inspeção Tributária, este livro já não necessitava de ser legalizado, porquanto de acordo com o que era estabelecido no artigo 59.º do Código do Imposto do Selo (disposição revogada com a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), com epígrafe “Legalização dos livros”: “Não podem ser legalizados os livros sujeitos a imposto do selo enquanto não for liquidado o respetivo imposto nem efetuada a menção a que obriga o nº.24.”. Acrescendo “que a Requerente nunca disponibilizou cópias diferentes das atas, porquanto o que existe é um método de atas avulsas, que depois são passadas ao livro de atas (também avulsas) já com o timbre da sociedade inserido, e com folhas rubricadas e numeradas, mas sendo o teor das mesmas rigorosamente igual”.
xxiv Termina referindo: “se numa situação de “falta de ata”, a deliberação continua a ser factual e juridicamente existente e eficaz, quanto mais numa situação de “existência de ata””
h) Notificada a AT, respondeu em 30.09.2020 e juntou o PA.
i) A AT, em impugnação do PPA, refere o seguinte:
i Começa por referir que “o Requerente foi alvo de procedimento de inspeção externo credenciada pela ordem de serviço n.º OI2016..., de âmbito parcial, em sede de IVA, IRC e IRS-retenções na fonte, com incidência no exercício de 2015, tendo como fins a comprovação e verificação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo, na sequência de diferença de menos € 44.030,88 entre o valor da conta caixa do balancete do razão e o de caixa contado em 2015-12-02, ao abrigo do despacho externo DI2015..., assim como de inconsistências entre o saldo contabilístico da conta bancos e o evidenciado em extrato bancário” tendo os serviços de inspeção tributária (SIT) concluído que, “dado ter-se confirmado em 2015/12/02, da inexistência dos valores físicos expressos na conta 122 - Conta e de Depósitos à ordem, no valor de € 834.317,67, facto reconhecido pelo sujeito passivo como saldo contabilístico não verificável e sem correspondência, e não tendo sido justificado de forma verificável e comprovada aquele saldo, é de qualificar esta discrepância como despesa não documentada nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC”.
ii Todavia “no decurso da ação inspetiva, o Requerente procedeu à entrega em 2019/05/08, de declaração de retenções na fonte de IRS/IRC e Imposto do selo, identificada com o n.º..., relativa ao período de 2015/12, mencionando com o código 115 – IRS - Outros rendimentos de capitais sujeitos às taxas do art.º 71.º do CIRS, a importância a pagar de € 233.608,95, com o argumento de que a regularização que pretende efetuar deve obedecer ao enquadramento como adiantamentos por conta de lucros, ou seja, assume que o saldo bancário da Conta E (€ 834.317,67) foi apropriado pelos sócios, pelo que a tributação deverá realizar-se como adiantamento por conta de lucros e não nos termos propostos no projeto de relatório de inspeção notificado, como despesa não documentada”, uma vez que “mediante requerimento apresentado no exercício do direito de audição, o representante legal do Requerente vem invocar e apresentar um conjunto de solicitações, nomeadamente, que o saldo bancário da Conta E (€ 834.317,67) foi apropriado pelos sócios, pelo que a tributação deverá realizar-se como adiantamento por conta de lucros e não nos termos propostos no projeto de relatório de inspeção”.
iii Aconteceu que “a AT compilou os elementos demonstrativos da quantificação da correção, não tendo reunido ... informação que permitisse identificar de forma cabal os efetivos beneficiários dos montantes quantificados, o que conduziria à tributação autónoma nos moldes propostos”, mas “assumindo o representante legal da sociedade que os beneficiários foram os sócios, os SIT consideraram que se estava perante uma confissão válida, que conduz a uma efetiva alteração do enquadramento jurídico-tributário da operação, isto porque, se os sócios assumem e a sociedade declara que os valores em falta na contagem do caixa ocorrida em 2015 foram entregues aos sócios, na forma de adiantamentos por conta de lucros, sendo, assim, legítima a pretensão da sua tributação com o correspondente enquadramento tributário”.
iv Sendo certo que “em consequência da regularização voluntária, a própria pertinência de exercício do direito de audição desaparece, por força do previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT, na medida em que o contribuinte se conformou com a quantificação proposta, promovendo a liquidação dos tributos com base na declaração por si entregue”, pelo que “a inspeção tributária propôs que fosse aceite a confissão que conduziu ao enquadramento dos valores apurados como adiantamentos por conta de lucros, não promovendo oficiosamente qualquer liquidação, atenta a regularização voluntária efetuada”.
v Relativamente referido pela Requerente sobre o “Adiantamento por Conta de Lucros e o Momento da sua Sujeição Tributária” começa por recordar “que a declaração de retenções na fonte de IRS/IRC e Imposto do Selo, identificada com o n.º..., relativa ao período de 2015/12, foi submetida pelo próprio Requerente no decurso do procedimento de inspeção, com a finalidade de regularizar a sua situação tributária, nos termos do artigo 58.º do RCPITA. Significa, portanto, que a declaração de retenções na fonte que se pretende anular não teve origem em correções efetuadas pela Administração Tributária no decurso do procedimento inspetivo que a requerente foi alvo, mas antes, nas regularizações efetuadas pelo Requerente no decurso do procedimento, mediante a entrega da declaração em causa”.
vi E acrescenta que “se presumem verdadeiros e de boa-fé os dados constantes da declaração e a atuação do contribuinte, nos termos do n.º 2 do artigo 59.º e do nº 1 do artigo 75º da LGT. Isto porque, se os sócios assumem e a sociedade declara que os valores em falta na contagem do caixa ocorrida em 2015 foram entregues aos sócios, na forma de adiantamentos por conta de lucros, é legítima a pretensão da sua tributação com o correspondente enquadramento tributário. Ou seja, a regularização da situação tributária pelo Requerente, nos termos do artigo 58.º do RCPITA, efetuada através da apresentação da declaração de retenções na fonte com os valores propostos pela AT, com o enquadramento jurídico-tributário dado à operação, foi aceite pelas partes, que se conformaram com as mesmas”.
vii E conclui: “assim, perante o exposto, cabe ao Requerente, nos termos do nº 1 do artigo 74.º da LGT, provar os factos alegados, ou seja, que facto tributário se deu em anos anteriores à data que se deu como não verificável o ativo evidenciado como disponibilidades na conta ‘122 - Conta E’, ou seja, em 2015/12/02”, sendo certo que “foi a própria Requerente aquando do exercício do direito de audição no procedimento de inspeção, que alegou que “deverá ser considerado que, dos € 834.317,67, o montante de € 185.135,69 deverá ser imputado a exercícios anteriores a 2010 e, assim, não sujeito a tributação”, acrescendo que “dos elementos apresentados, não resulta provado que essa quantia (€ 185.135,69) foi posta à disposição dos sócios em exercícios anteriores a 2010, uma vez que os elementos apresentados não eram suscetíveis de confirmação por parte da AT, por força das insuficiências da contabilidade do contribuinte para os anos alegadamente em causa, conforme demonstrado na auditoria contabilística/fiscal decorrente do procedimento de inspeção, bem como a declaração/assunção pelo legal representante da entidade inspecionada da inverosimilhança do saldo devedor revelado pela conta de depósitos à ordem ‘122 – Conta E’, vêm confirmar que as demonstrações financeiras apresentadas à AT (até ao período de tributação de 2014) e o saldo transitado nessa conta para 2015/01/01 - para além de evidenciar um ativo inexistente no exercício económico de 2015 (período da contagem física do caixa) - também não relevam em períodos anteriores por via de qualquer regularização do ponto de vista contabilístico ou fiscal (retenção na fonte em sede de IRS) quanto ao momento em que ocorreram os adiantamentos por conta de lucros”.
viii Quanto à invocada caducidade do direito à liquidação refere a Requerida que “no caso em apreço, tendo a declaração de retenções na fonte de IRS/IRC e I. do selo, identificada com o n.º..., relativa ao período de 2015/12, sido entregue em 2019/05/08, e tendo o facto tributário relevante para tributação ocorrido em 2015, não se verifica a alegada caducidade do direito à liquidação, uma vez que esta apenas ocorreria em 2019/12/31” e conclui “assim sendo, não assiste razão ao Requerente, não se verificando, pois, a alegada caducidade do direito à liquidação”.
ix Quanto à alegada “confissão” do Requerente como causa da inflexão entre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e o Relatório da Inspeção Tributária, refere que “o Requerente entregou declaração de retenções na fonte de IRS/IRC e I. do Selo, identificada com o n.º ..., relativa ao período de 2015/12, no decurso do procedimento de inspeção, com a finalidade de regularizar a sua situação tributária, nos termos do artigo 58.º do RCPITA, pelo que, se presumem verdadeiros e de boa-fé os dados constantes da declaração e a atuação do contribuinte, nos termos do nº 2 do artigo 59º e do nº 1 do artigo 75º da LGT”, pelo que “é por demais evidente, que a regularização efetuada no decurso do procedimento de inspeção obteve a concordância das partes, nomeadamente, quanto à qualificação dos rendimentos, e que a requerente se confortou com a mesma, e graças ao cumprimento voluntário, quis beneficiar do direito à redução de coima, mediante a apresentação do pedido autónomo dirigido ao Serviço de Finanças”.
x E continua a referir que “neste contexto, não tendo reunido os SIT, tal como ficou explícito no relatório de inspeção, informação que permitisse identificar de forma cabal os efetivos beneficiários dos montantes quantificados, o que conduziria à tributação autónoma nos moldes propostos, mas assumindo o representante legal da sociedade que os beneficiários foram os sócios, estamos, repita-se, perante uma confissão válida que conduz a uma efetiva alteração do enquadramento jurídico-tributário da operação. Isto porque, se os sócios assumem e a sociedade declara que os valores em falta na contagem do caixa ocorrida em 2015 foram entregues aos sócios, na forma de adiantamentos por conta de lucros, é legítima a pretensão da sua tributação com o correspondente enquadramento tributário por força destas declarações”.
xi Quanto à alegada relação subsidiária da conta do Caixa (11) face à conta Bancos (12), sustentada nas afirmações constantes no relatório de inspeção, a saber: “se o mesmo não se mostra depositado em contas de depósitos bancários conhecida só poderá existir em numerário em Caixa.”, bem como, “E consequentemente, como já foi referido, se o dinheiro não está em Depósitos à ordem por saldo não conciliado, de acordo com a contabilidade só pode estar em Caixa”, refere que “estas afirmações não têm qualquer relevância para a causa em apreço, e considera-se que estas afirmações vão no sentido de que pertencendo as duas contas em questão (conta 11-Caixa, e conta 12- Bancos) à classe 1” meios financeiros líquidos”, e sendo o saldo da conta de depósitos à ordem divergente dos extratos bancários desde 2003, significa que, se o dinheiro não está em Depósitos à ordem por saldo não conciliado, de acordo com a contabilidade só pode estar em Caixa”.
xii Quanto ao alegado sobre as atas refere que o alegado pela Requerente “consiste, sinteticamente, que possa ter havido, aqui ou ali, alguma insuficiência formal na elaboração das atas, fruto também de ser uma pequena sociedade familiar, mas nunca nada se lhe pode apontar no tocante à substância e à exatidão das mesmas, e que o relevo da ata n.º 23 deve manter estas características de existência e eficácia, a que acrescerá a sua função certificadora da deliberação social de criação da conta E no ano de 2010”.
xiii A este respeito conclui: “da análise às situações referidas: alegadas cópias de “Livros de atas” diferentes, não regulares e/ou legalizados, incongruências quanto à numeração, inscrições relativas à firma que constam de certas atas e de outras não e a não alusão ao contabilista responsável pela contabilidade, resultam dúvidas sobre a sua autenticidade e o momento da sua elaboração, retirando-lhes qualquer credibilidade enquanto documento de prova. Por mera cautela e dever se patrocínio sempre se dirá, que de qualquer forma não constam das alegadas atas entre 1999 e 2015 (das que foram exibidas), deliberações dos sócios no sentido da distribuição de resultados. Nos termos expostos, face às inconsistências relatadas as atas não servem de suporte ao alegado pelo Requerente, improcedendo, assim, também por este motivo, tudo o por si alegado”.
xiv Pugna pela improcedência do PPA, quer quanto à questão de fundo, quer quanto ao pedido de juros indemnizatórios.
j) A Requerente apresentou alegações escritas em 27-10-2020 reiterando o que já havia afirmado em sede de PPA.
k) A Requerida também apresentou alegações escritas em 27.10.2020 e manteve o que já havia referido em sede de resposta ao PPA.
II – SANEAMENTO
a) As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
b) Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 11 de Maio de 2020. A Requerente impugna imediatamente o indeferimento expresso da reclamação graciosa que correu termos junto da Direção de Finanças do Porto sob o n.º ...2019..., que lhe foi notificado por ofício de 05.05.2020 (documento nº 1 junto com o PPA).
c) A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do PPA. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.
d) O processo arbitral não padece de nulidades.
Cumpre apreciar.
III - MÉRITO
III-1- MATÉRIA DE FACTO
Factos considerados provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente é uma Sociedade por quotas, registada em 1987-03-30, com sede na rua de ..., nº ..., ..., Porto, com o objeto social de "atividade de confeitaria, fabricante e retalhista e café à chávena", e capital social atual de € 24.939,891, sendo a sua estrutura de capital distribuído pelos sócios e quotas como se apresenta:
- conforme página 8 do RIT Parte 1 junto com o PA pela AT com a resposta;
b) Quanto ao exercício económico do ano de 2015, a Requerente foi alvo de inspecção tributária mediante credenciação assente na Ordem de Serviço n.º OI2016..., tendo como objectivo a “comprovação e verificação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo, na sequência de diferença de menos € 44.030,88 entre o valor da conta caixa do balancete do razão e o de caixa contado em 2015-12-02, ao abrigo do despacho externo DI..., assim como de inconsistências entre o saldo contabilístico da conta bancos e o evidenciado em extrato bancário”, e iniciou-se com um âmbito “parcial”, nos termos previstos na alínea b) do n.1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), visando inspecionar o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e por despacho datado de 3 de maio de 2019, e já após o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária ter sido notificado à Requerente, foi alterado o âmbito da mesma, passando esta a incluir também sobre “retenções na fonte de IRS - RFIRS” – conforme artigos 5º a 9º do PPA, artigos 1º e 2º da Resposta da AT e PA junto pela Requerida;
c) A Requerente foi notificada em 2019-03-29 pelo ofício com o nº 2019..., da Direção de Finanças do Porto do projeto de relatório de inspeção tributária (RIT), elaborado nos termos e para os efeitos mencionados no artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e através de resposta com entrada registada em 2019-04-11, com o nº 2019..., solicitou que a AT comunicasse a decisão sobre o exposto dentro do prazo notificado para o exercício do direito de audição e, caso tal não fosse possível, autorizasse a prorrogação do prazo por mais dez dias, pretensão que foi acolhida, conforme previsto no nº 6 do artigo 60º da LGT – conforme página 42 do RIT e artigo 10º do PPA;
d) Na resposta da Requerente, a título de audição prévia, consta o seguinte: “no presente documento, mais do que estabelecer censura ao enquadramento tributário que consta do projeto notificado, pretende o exponente efetuar regularização voluntária da sua situação fiscal, aproveitando, designadamente, da redução das coimas previstas na alínea c) do nº 1 do artigo 29º do Regime Geral das Infrações Tributárias - RGIT. Para tal, não pode o exponente deixar de considerar, por um lado, a posição que os técnicos da AT sempre lhe foram comunicando ao longo dos cerca de 8 meses do procedimento de inspeção, bem como, por outro, as justificações por si apresentadas e que se encontravam sustentadas nas atas da Assembleia Geral de sócios. Temos, então, que sempre existiu sintonia de posições a conotarem o saldo da conta "12.2 - Conta E" 1 no montante de € 834.317,67, com verbas recebidas pelos sócios, sendo que as divergências só se situavam ao nível do momento em que os levantamentos pelos sócios deveriam ser considerados e quanto aos respetivos montantes. Aliás, obedece à mais simples lógica concluir pela impossibilidade da empresa, durante o ano de 2015 e face ao volume de negócios que desenvolveu, poder ter suportado despesas (de sua conta) naquele valor. Já a disponibilização do montante em causa aos sócios não se apresenta inverosímil ou ferida de racionalidade, porquanto o levantamento de numerário ou de depósitos consiste numa operação simples e não dependente da ocorrência de efetivas despesas que respeitem à empresa e ao seu negócio. Como elemento comprovativo desta factualidade (levantamento de valores pelos sócios), apresenta-se relação de cheques, apoiada nas respetivas cópias e extratos bancários, a qual demonstra que ao longo dos anos os sócios foram aproveitando das disponibilidades da empresa. Por tudo isto, entende o exponente que a regularização que pretende efetuar deve obedecer ao enquadramento como adiantamentos por conta de lucros”.
- conforme folhas 42 e 43 do RIT junto pela AT com a resposta ao PPA;
e) Consta de folhas 44 a 46 do RIT a resposta da AT, face ao requerido pela Requerente, conforme alínea anterior, nos seguintes termos: “mediante o referido requerimento, veio o representante legal do contribuinte, invocando no assunto o exercício de audição prévia, apresentar um conjunto solicitações que se sintetiza:
1 Pede a redução das coimas nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 29º do RGIT;
2 Assume que o saldo bancário da Conta E (€ 834.317,67) foi apropriado pelos sócios, pelo que a tributação deverá realizar-se como adiantamento por conta de lucros e não nos termos propostos no projeto de relatório de inspeção notificado;
3 Pretende deduzir ao valor de € 834.317,67 o montante de € 185.135,69, porque, em seu entender, reuniu documentação que aponta no sentido de ser imputado a anos anteriores a 2010;
4 Considera que a regularização voluntária destes valores depende da prévia pronúncia da Inspeção Tributária quanto ao enquadramento e montante da mesma; e
5 Solicita a prorrogação do prazo para o direito de audição.
Respondendo de forma segmentada ao requerido, e tendo presente que, entretanto, no dia 2019-05-08, além das restantes correções propostas no projeto de relatório de inspeção tributária o contribuinte procedeu à regularização voluntária, através de adiantamento por conta de lucros, do valor de € 834.317,67, cumpre referir:
1. Face à conduta adotada de regularização e o cumprimento de obrigações tributárias em falta, com a apresentação do pedido autónomo dirigido ao Serviço de Finanças, a inspeção tributária prestará a informação sucinta com vista à instrução do pedido de redução de colma.
2. Considerando as circunstâncias descritas no projeto de relatório, a AT compilou os elementos demonstrativos da quantificação da correção, não tendo reunido, tal como ficou explícito, informação que permitisse identificar de forma cabal os efetivos beneficiários dos montantes quantificados, o que conduziria à tributação autónoma nos moldes propostos.
3. Assumindo o representante legal da sociedade que os beneficiários foram os sócios, estamos perante uma confissão válida do ponto de vista jurídico que conduz a uma efetiva alteração do enquadramento jurídico-tributário da operação, isto porque,
4. Se os sócios assumem e a sociedade declara que os valores em falta na contagem do caixa ocorrida em 2015 foram entregues aos sócios, na forma de adiantamentos por conta de lucros, é legítima a pretensão da sua tributação com o correspondente enquadramento tributário.
5. Importa esclarecer cabalmente que, embora seja assumido neste requerimento que havia um conjunto de irregularidades contabilísticas envolvendo as contas de disponibilidades, o certo é que a quantificação da correção proposta e regularizada pelo sujeito passivo decorre do saldo de uma conta bancária ficcionada.
6. Acresce que, as atas, com todas as vicissitudes descritas, não podem ser aceites como prova válida no contexto procedimental, nem quanto ao momento, nem quanto ao seu teor; ademais, não foram acompanhadas da sua regularização contabilística.
7. Uma vez que a regularização voluntária contemplou o valor de € 834.317,67, perde utilidade o requerimento em deduzir ao valor de € 834.317,67 0 montante de € 185.135,69.
8. Sempre se diga que os elementos apresentados não eram suscetíveis de confirmação por parte da AT, por força das insuficiências da contabilidade do contribuinte para os anos alegadamente em causa, o que conduziria à não aceitação do proposto neste item (que se sintetizou como ponto 3 do solicitado).
9. No que respeita a uma pronúncia prévia da inspeção tributária perante uma proposta de regularização voluntária parcial do contribuinte, tal não constitui uma fase processual prevista no RCPITA, pelo que a mesma não teve lugar.
10. De todo o modo, e em coerência com a conduta de colaboração e informação pela qual se pautou a inspeção ao longo de todo o procedimento de inspeção, esta explicação foi dada aos representantes legais do contribuinte, Srs. C... e E..., no dia 2019-05-06, em contacto pessoal conexo com o esclarecimento processual necessário à eventual regularização.
11. De facto, em consequência da regularização voluntária, a própria pertinência de exercício do direito de audição desaparece, por força do previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 60º da LCT, na medida em que o contribuinte se conformou com a quantificação proposta, promovendo a liquidação dos tributos com base na declaração por si entregue.
12. Perante a análise desta declaração, a inspeção tributária propõe que seja aceite a confissão que conduz ao enquadramento dos valores apurados como adiantamentos por conta de lucros, não promovendo oficiosamente qualquer liquidação”.
Conforme folhas 44 a 46 do RIT junto pela AT com a resposta ao PPA;
f) No decurso do procedimento inspetivo, mais concretamente, no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, o Requerente, regularizou voluntariamente a sua situação tributária, de acordo com todas as correções propostas pelos SIT (em sede de IRC, IRS e IVA), no dia 2019-05-08, procedendo à entrega da declaração de retenção na fonte de IRS, com referência ao mês de Dezembro de 2015, no montante de € 233.608,95, uma vez ter sido assumido adiantamentos por conta de lucros, no valor de € 834.317,67, tendo procedido ao pagamento nos cofres do Estado do montante da referida retenção – conforme artigos 5º e 6º da Resposta da AT e artigo 12º do PPA;
g) O Relatório de Inspecção Tributária (RIT) foi notificado à Requerente pelo ofício de 21.05.2019, registo dos CTT RF...PT – conforme folhas 149 a 151 do RIT Parte 4 junto pela AT com a resposta;
h) Em 2019-10-08 a Requerente apresentou uma reclamação graciosa que correu termos junto da Direção de Finanças do Porto sob o n.º ...2019..., pedindo a anulação da guia de retenção na fonte - IRS – Capitais, guia n.º..., referente ao período de 2015112, no valor de € 233.608,95 e do pagamento dos respetivos juros compensatórios, no valor de € 30.823,58, uma vez que considera ser um pagamento feito indevidamente, no âmbito do processo inspetivo nº..., por tal retenção na fonte padecer de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que a sustentam – conforme documento nº 1 junto pela Requerente com o PPA e PA junto pela Requerida com a resposta;
i) A reclamação graciosa atrás referida, onde a requerente não exerceu o direito de audição prévia, foi indeferida e notificada a decisão por ofício de 05.05.2020, constando na sua fundamentação o seguinte: “(1) o reclamante foi sujeito a uma ação inspetiva, em cumprimento da ordem de serviço n.º ..., de 2018-07-20, da qual resultaram correções (entre outras) em sede de IRS — retenções na fonte — Capitais do exercício de 2015, no montante de € 233.608,95, (2) relativamente à questão peticionada, o reclamante apenas não concorda com a questão de os adiantamentos por conta de lucros terem sido considerados em 2015, isto é, não concorda com a determinação feita pelos SI T, do momento da ocorrência do facto tributário, alegando que o mesmo ocorreu antes de 2010. (3) No entanto, esta questão foi devidamente analisada no âmbito do RIT, nomeadamente no seu extenso ponto 111.2.2.1 , tendo inclusive, em sede de audição prévia, o representante legal da sociedade, assumido que os beneficiários dos montantes quantificados foram os sócios, e a sociedade ter declarado que, os valores em falta na contagem do caixa ocorrida em 2015, foram entregues aos sócios, nessa data, na forma de adiantamentos por conta de lucros, como tal, é legítima a pretensão da sua tributação com o correspondente enquadramento tributário, o que vem contrariar o peticionado pelo reclamante. (4) em sede de reclamação graciosa, o reclamante não apresentou factos nem documentos diferentes dos obtidos pelos SIT, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 74º da LGT ... o que não se verifica no caso em apreço, ficando, assim, demonstrado a existência de erros ou inexatidões, suscetíveis de correção fiscal. (5) Quanto ao pedido de pagamento de juros, também não assiste razão ao reclamante. De facto, a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária depende da existência de culpa por parte do contribuinte, seja a título de dolo ou de negligência. (6) É de salientar que, no decurso do procedimento inspetivo, mais concretamente, no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, o reclamante, regularizou voluntariamente a sua situação tributária, de acordo com todas as correções propostas pelos SIT (em sede de IRC, IRS e IVA), no dia 2019-05-08, nomeadamente, procedeu à entrega da declaração de retenção na fonte de IRS, com referência ao mês de dezembro de 2015, no montante de € 233.608,95, uma vez ter sido assumido, pelos representantes legais da sociedade, conforme explanação e fundamentos a apresentados no Capítulo IX — Direito de audição, adiantamentos por conta de lucros, no valor de € 834.317,67, tendo procedido ao pagamento nos cofres do Estado do montante da referida retenção na fonte. (7) Face ao exposto é de manter a liquidação proposta pelos SIT”.
- conforme documento nº 1 em anexo ao PPA e PA junto pela AT com a resposta;
j) Em 30 de Março de 2010 reuniu-se a Assembleia Geral da Requerente, estando presentes ou representados os quotistas detentores de 100% do capital social, tendo sido elaborada a acta nº 23 relativa à mesma, onde consta: “o sócio E..., tendo assumido responsabilidades acrescidas na gestão, tomou a palavra para colocar a questão que embora não decorra da ordem de trabalhos, considera da maior importância para que todos os sócios tomem consciência da realidade patrimonial da empresa. Por isso mesmo, solicitou a presença do responsável da contabilidade, já que o esclarecimento a efectuar depende da explicação dos saldos contabilísticos, designadamente das contas bancárias e resultados transitados, as quais apresentam saldos avultadíssimos quando é do conhecimento de todos que não existem disponibilidades desses montantes. Nesse sentido, esclareceu que o facto daquelas contas apresentarem os erros referidos, derivava, fundamentalmente, de, ao longo dos anos, sempre ter existido liberdade para os sócios efectuarem levantamentos de acordo com as suas necessidades, e tendo em atenção as disponibilidades da empresa, movimentos que nunca foram relevados contabilisticamente. O Sr. H..., confirmou esta explicação e todos os sócios afirmaram ter conhecimento dessa realidade e que não iriam colocar qualquer problema relativamente a esta questão. No entanto, foi concluído ser conveniente que a contabilidade passe a dar evidência dos saldos correctos, remetendo-se o valor respeitante aos erros para contas separadas, com vista a que no futuro seja possível que a análise dos balanços e demonstração de resultados não seja prejudicada pelos saldos que não correspondem à realidade” – conforme artigo 112º do PPA e documento nº 11 em anexo ao PPA;
k) Na sequência do decidido pela Assembleia Geral da Requerente nos termos da alínea anterior, no ano de 2010, a subconta “122 – Conta E” foi relevada contabilisticamente pelo valor de € 839.317,67, saldo que permaneceu inalterável desde dessa data e ao longo dos anos seguintes – conforme artigos 111º e 114º do PPA;
l) No decurso do procedimento de inspeção tributária que originou o ato de retenção aqui impugnado, a AT identificou alguns cheques emitidos, anteriormente a 2010, em benefício dos sócios da Requerente, em valor de € 185.135,69, prova documental que foi junta pela Requerente como anexos “A”, “B” e “C” ao direito de audição apresentado no seguimento da notificação do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária – conforme artigo 127º do PPA e RIT PARTE 1 – páginas 202 a 218; RIT PARTE 2 - páginas 8 a 87; RIT PARTE 3 – páginas 1 a 107 e RIT PARTE 4 – páginas1 a 38 (ANEXOS A, B e C) juntos pela AT com a Resposta ao PPA;
m) De acordo com as IES dos anos de 2009 a 2015, a evolução da realidade contabilística das disponibilidades da Requerente desde o ano de 2009 foi a seguinte:
- conforme artigo 135º do PPA e documentos nºs 13 a 19 juntos com o PPA;
n) De acordo com os balancetes da Requerente a evolução específica da conta bancos desde o ano de 2009 foi a seguinte:
- conforme artigo 137º do PPA e documentos nºs 20 a 26 juntos com o PPA;
o) Segundo a informação resultante dos extratos bancários referentes ao final de cada ano, foi a seguinte a evolução ocorrida desde o ano de 2009:
E a divergência entre a contabilidade da Requerente e o que resulta dos extratos bancários foi a seguinte:
- conforme artigos 139º a 141º do PPA e documentos nºs 27 a 33 juntos com o PPA;
p) Em 11.05.2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).
Factos considerados não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.
III-2- DO DIREITO
2.1. A questão que se discute, num primeiro momento, é a de saber se a regularização do imposto em falta a título de adiantamento por conta dos lucros, em aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 1, e n.º 2, alínea h), do Código do IRS, efetuada no âmbito de um procedimento inspetivo, corresponde a um facto tributário que ocorre no período de tributação que é objeto de indagação.
Para melhor compreensão dos contornos da questão que vem colocada, importa ter presente alguns dados factuais de enquadramento, conforme resulta da matéria de facto dada como assente.
A ação inspetiva incidente sobre o exercício de 2015 teve por objeto a verificação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo na sequência de divergências detetadas numa diligência de inspeção, realizada em 2 de dezembro de 2015, entre o valor da conta caixa do balancete do razão e o de caixa contado nessa data, no montante de € 44.030,88, e bem assim entre o saldo contabilístico da conta bancos e o evidenciado em extrato bancário, no valor de € 834.317,67.
Relativamente ao saldo divergente verificado na contagem dos valores do caixa, o sujeito passivo assumiu que respeitava a rendimentos de capitais e regularizou a situação, em 8 de janeiro de 2016, através de um pagamento ao Estado, no montante de € 12.328,65, a título de retenção na fonte. Quanto à discrepância apontada à conta 122-E depósitos à ordem, no valor de € 834.317,67, o projeto de inspeção tributária qualificou-a como despesa não documentada, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do Código do IRS, e propôs a correção aritmética à matéria coletável, no montante de € 417.158,84, a título de tributação autónoma.
No exercício no direito de audição, em 11 de abril de 2019, a Requerente veio dizer que pretendia regularizar a situação fiscal através do enquadramento do montante de € 834.317,67 como adiantamentos aos sócios por conta dos lucros e, em 8 de maio seguinte, procedeu à entrega de declaração de retenções na fonte de IRS, relativa ao período de 2015, no montante de € 233.608,95, mencionando o código 115 – IRS - Outros rendimentos de capitais sujeitos às taxas do art.º 71.º do CIRS.
Nessa sequência, os serviços inspetivos, no relatório final referem o seguinte: “[A]ssumindo o representante legal que os beneficiários foram os sócios, estamos perante uma confissão válida do ponto de vista jurídico que conduz a uma efetiva alteração do enquadramento jurídico-tributário da operação, isto porque, se os sócios assumem e a sociedade declara que os valores em falta na contagem do caixa ocorrida em 2015 foram entregues aos sócios, na forma de adiantamentos por conta de lucros, é legítima a pretensão da sua tributação com o correspondente enquadramento tributário.”
Consequentemente, propõe-se, no mesmo Relatório, que seja aceite a confissão que conduziu ao enquadramento dos valores apurados como adiantamentos por conta de lucros e, atenta a regularização voluntária já efetuada, se não promova qualquer liquidação.
Entretanto, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação efetuada através de retenção na fonte, invocando que os adiantamentos por conta dos lucros foram efetuados ao longo dos anos, à medida em que foram sendo gerados os excedentes de tesouraria, e anteriormente a 2010, e não concentradamente em 2015, quando foi detetada a divergência de saldo.
A reclamação graciosa foi indeferida por se ter considerado que a Requerente não efectuou a prova, que lhe incumbia, de que os adiantamentos por conta dos lucros ocorreram em momento anterior a 2015.
Para dirimir o litígio, o ponto fulcral reside em saber quando se constitui o facto tributário que origina a liquidação de imposto.
2.2. A Administração concluiu que o facto tributário relevante que permite considerar que a contabilidade exprimia uma situação patrimonial não verificável ou comprovável ocorreu no período de tributação de 2015, partindo do princípio de que a inspeção tributária incidiu sobre esse período de tributação e a diligência inspetiva que detetou uma divergência do saldo realizou-se em 2 de dezembro de 2015.
Não é esse, no entanto, o conceito comum de facto tributário. A lei determina que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário (artigo 36.º, n.º 1, da LGT) e o facto tributário corresponde à situação de facto concreta que se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. São as normas tributárias de incidência real que definem os elementos objetivos da tributação que, no que se refere ao IRS se consubstanciam na perceção do rendimento (cfr. acórdão do TCA Sul de 30 de novembro de 2017, Processo n.º 712/13).
No que se refere aos rendimentos de capitais, o artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS, inclui nessa categoria de rendimentos “os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros”, e o artigo 7.º, n.º 3, alínea a), subalínea 2, especifica que estes rendimentos ficam sujeitos a tributação em IRS desde o momento em que ocorre a colocação à disposição do seu titular.
Sendo o saldo da conta 122-E tributado como adiantamentos aos sócios por conta dos lucros, o facto tributário ocorre no momento em que os rendimentos são colocados à disposição dos titulares e não por referência ao período durante o qual decorreu a inspeção tributária ou à data em que se realizou a diligência inspetiva que detetou a irregularidade suscetível de originar a sujeição a tributação.
O procedimento de inspeção tributária é um processo informativo que visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias, e que prossegue os seus objetivos, em obediência aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação, por diversos meios, incluindo a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos, a indagação de factos tributários não declarados e a realização de perícias ou exames técnicos (cfr. artigo 2.º do RCPITA). Havendo de distinguir-se entre o procedimento inspetivo enquanto sucessão ordenada de atos procedimentais e os atos materiais de averiguação ou indagação da situação do visado que se realizem no decurso do procedimento.
Torna-se claro que, tendo sido detetado, no âmbito de um procedimento inspetivo, e por efeito de um exame aos registos contabilísticos, um facto tributário não declarado pelo sujeito passivo, daí não decorre que o facto tributário tenha ocorrido no intervalo de tempo em que se desenrolou a ação inspetiva ou na data em que se realizou a diligência de investigação que permitiu revelar essa irregularidade. Isso porque, como se deixou dito, o facto tributário encontra-se associado à perceção do rendimento e, no caso, de rendimentos de capitais, ocorre quando os rendimentos são colocados à disposição dos titulares.
2.3. A segunda questão que se coloca respeita a saber se os levantamentos efetuados pelos sócios a título de adiantamentos por conta foram anteriores a 2015 ou, como se alega, anteriores a 2010, quando foi constituída a conta 122-E, no valor de € 834.317,67.
A este propósito, importa começar por referir que a Requerente, no decurso do procedimento inspetivo, em 15 de agosto de 2018, em resposta ao pedido de esclarecimentos dos serviços inspetivos, deu nota que a discrepância existente entre o saldo contabilístico e os extratos emitidos pelas entidades bancárias se ficou a dever à omissão de registo de movimentos financeiros de saídas a favor dos sócios, que, nas datas em que ocorreram, deveriam ter sido levados à contabilidade como adiantamentos por contas dos lucros.
A Requerente fez ainda entrega, em 3 de outubro de 2018, de cópias das atas da Assembleia Geral realizadas entre 2006 e 2014, e, designadamente, da ata n.º 23, de 31 de março de 2010, em que se refere que os saldos excedentários das contas bancárias derivam fundamentalmente de, ao longo dos anos, sempre ter existido liberdade para os sócios de efetuarem levantamentos de acordo com as suas necessidades, e tendo em atenção as disponibilidades da empresa, movimentos que nunca foram relevados contabilisticamente.
No exercício do direito de audição relativamente ao projeto de inspeção tributária, em 11 de abril de 2019, a Requerente veio dizer que o saldo contabilístico, no montante de € 834.317,67, se justifica por via de levantamentos efetuados pelos sócios ao longo dos anos e que seria impossível que a empresa, face ao seu volume de negócios, pudesse disponibilizar aquele montante apenas durante o ano de 2015. Requereu ainda a regularização da situação fiscal mediante o enquadramento do défice da contabilidade como adiantamentos por conta dos lucros e, como prova do levantamento de valores pelos sócios, apresentou uma relação de cheques e de extratos bancários, que visavam demonstrar que, ao longo do tempo, os sócios foram aproveitando a disponibilidade da empresa.
Analisando a resposta da Requerente, os serviços inspetivos, no Relatório de Inspeção Tributária, concluem, em síntese, nos seguintes termos: (a) assumindo o representante legal da sociedade que os beneficiários foram os sócios, estamos perante uma confissão válida do ponto de vista jurídico que conduz a uma efetiva alteração do enquadramento jurídico-tributário da operação, (b) acresce que as atas, com todas as vicissitudes descritas, não podem ser aceites como prova válida no contexto procedimental, nem quanto ao momento, nem quanto ao seu teor e, ademais, não foram acompanhadas da sua regularização contabilística.
Em consequência, os serviços inspetivos propõem que seja aceite a confissão, que conduz ao enquadramento dos valores apurados como adiantamentos por conta de lucros e se não promova oficiosamente qualquer liquidação, e concluem que o facto tributário relevante para efeito da tributação como adiantamentos por conta dos lucros ocorre em 2015.
2.4. Deve começar por dizer-se que não tem qualquer relevo para o caso a caracterização como confissão da proposta feita pela Requerente em vista à regularização da situação fiscal através de tributação como adiantamento por conta dos lucros.
A confissão é um meio de prova que, como tal, se encontra regulado no Código Civil, podendo ser judicial, quando é feita em juízo, podendo sê-lo nos articulados ou qualquer outro ato do processo ou em declarações de parte, ou extrajudicial, quando é feita em escritura pública ou escrito particular. Poderá ainda ser expressa ou tácita, como sucede quando resulta de certos comportamentos processuais omissivos da parte a que a lei atribui o efeito de admissão dos factos alegados pela parte contrária (artigos 567.º, n.º 1, e 574.º, n.º 2, do CPC).
Naturalmente que a confissão não tem aplicação prática no procedimento tributário, em que a Administração se encontra vinculada ao princípio do inquisitório e da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade.
Um afloramento destes princípios surge no artigo 58.º da LGT, onde se refere que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. Mas consta também do artigo 6.º do RCPITA onde se diz que “o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo”.
Importa ainda reter que os órgãos da Administração Tributária e os contribuintes estão sujeitos a um princípio de cooperação recíproca, cumprindo aos serviços, em estreita colaboração, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações, e aos particulares esclarecerem de modo completo e verdadeiro os factos de que tenham conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenham acesso. Princípio esse igualmente consagrado nos artigos 59.º da LGT e 48.º do CPPT.
No procedimento inspetivo em causa, a proposta do contribuinte, formulada no exercício do direito de audição, em vista à regularização da situação fiscal através da tributação a título de adiantamento por conta dos lucros não pode deixar de ser entendida no quadro do seu dever de colaboração, nada obstando a que a Administração pudesse recusar esse enquadramento jurídico caso dispusesse de outros elementos que revelassem, com suficiência, que a irregularidade contabilística verificada era subsumível a diferente norma tributária.
O que sucede, no caso vertente, é que a Autoridade Tributária, tendo optado por seguir o entendimento expresso pelo contribuinte quanto à qualificação jurídica, situou incorretamente o facto tributário no período de tributação de 2015, quando é certo que, tratando-se de adiantamentos por conta dos lucros, o facto tributário está necessariamente relacionado com o momento em que os rendimentos são colocados à disposição do interessado.
O que se constata, por outro lado, é que os serviços inspetivos ignoraram os esclarecimentos prestados pelo contribuinte, desconsideraram o valor probatório dos documentos por ele juntos, tal como a ata da assembleia geral de 30 de março de 2010 e a relação de cheques emitidos a favor dos sócios anteriormente a 2010, e não relevaram a conexão temporal entre aquela assembleia geral e a constituição da conta 122 - E, no de € 839.317,67, que justamente se destinou a regularizar a contabilidade.
Acresce que a Administração, apesar da junção desses novos elementos, não realizou quaisquer novas diligências que permitissem verificar a veracidade da informação prestada pelo contribuinte e limitou-se a considerar que os adiantamentos por conta dos lucros ocorreram em 2015, quando não existem quaisquer indicadores de que tenha sido nesse ano que os rendimentos foram colocados à disposição dos sócios, nem seria verosímil que uma pequena empresa familiar pudesse disponibilizar a favor dos acionistas, num mesmo momento ou num curto período temporal, uma tão elevada importância.
De resto, como se deixou dito, a Administração não imputa os rendimentos ao exercício de 2015 por convicção de que tenha sido nesse ano que foram efetuados os levantamentos, mas com base no erróneo entendimento de que foi nesse ano que ocorreu o facto tributário, incorrendo assim em manifesto erro nos pressupostos de direito.
Em todo este contexto e face a tudo o que anteriormente se expôs, não sendo possível fixar com precisão as datas em que tiveram lugar os adiantamentos por conta dos lucros e os montantes que estiveram em causa – o que apenas é imputável ao incumprimento do dever de diligência instrutória da Autoridade Tributária -, existe uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o que conduz à anulação do ato impugnado nos termos previstos no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
Vícios de conhecimento prejudicado
Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento do vício de caducidade do direito à liquidação.
Juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMT, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de retenção na fonte em IRS, titulado pela a guia n.º..., apresentada a 8 de maio de 2019, no valor de € 233.608,95 e o ato de liquidação de juros compensatórios, no valor de € 30.823,58, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
b) Condenar a Autoridade Tributária a pagar juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
V - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 264 432,53, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI – CUSTAS
Custas de € 4 896,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2021
Tribunal Arbitral Colectivo,
Presidente
Carlos Alberto Fernandes Cadilha
Vogal
Augusto Vieira
Vogal
Álvaro Caneira