Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 157/2013-T
Data da decisão: 2014-05-19  IRC  
Valor do pedido: € 13.245,61
Tema: IRC - Derrama municipal - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS)
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Processo 157/2013-T

Decisão Arbitral

A - Relatório

1.    A..., S.A., com o NIPC … e sede na Rua …, … (doravante a Requerente), sociedade dominante de um grupo empresarial sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69º e ss. do Código do IRC, apresentou em 4 de Julho de 2013, requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), constante do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

2.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 4 de Setembro de 2013 para apreciar e decidir o presente processo, conforme consta da respectiva acta junta aos autos.

3.    No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente declarou não pretender proceder à designação de árbitro, pelo que a constituição do Tribunal Arbitral se processou em conformidade com o disposto no nº1 do artigo 6º e no nº1 do artigo 11º do RJAT, mediante decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, foi a ora signatária designada árbitro.

4.     A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral, consiste na declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação da Derrama Municipal do Grupo dominado pela Requerente, relativa a 2010, na sua consequente anulação e reembolso do imposto indevidamente entregue ao Estado no valor de 13.245,61€ acrescidos de juros indemnizatórios.

5.     Sustenta a Requerente, em síntese a sua pretensão no seguinte:

5.1         A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo que se encontra abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos dos artigos 69º e ss. do Código do IRC;

5.2         A Requerente apurou e procedeu ao pagamento, a título de Derrama, do montante de 18.867,24€, correspondente à soma algébrica das Derramas calculadas individualmente por cada uma das sociedades que compõem o seu perímetro;

5.3         A Requerente seguiu esse entendimento em obediência ao Ofício Circulado nº ..., de 14 de Abril de 2008;

5.4         É, no entanto, opinião da Requerente que a Derrama deverá ser apurada sobre o lucro tributável do Grupo, e não sobre os lucros individuais das sociedades que compõem o Grupo;

5.5         Razão pela qual apresentou Reclamação Graciosa contra a autoliquidação da Derrama, a qual veio a ser expressamente indeferida por notificação recebida em 4 de Junho de 2013;

5.6         Segundo a Requerente, com a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais 2/2007, de 14 de Janeiro, a Derrama passou a ser calculada sobre o valor do lucro tributável sujeito e não isento de IRC, em alternativa à colecta;

5.7         E devido à omissão da Lei das Finanças Locais deverá entender-se que a base de incidência da Derrama é determinada de acordo com as regras do IRC em vigor para o RTEGS constantes do artigo 70º do Código do IRC (redacção à data dos factos);

5.8         Com efeito, entende a Requerente que, sendo a Derrama um imposto acessório do IRC, deverá a derrama nos grupos de sociedades ser calculada de forma agregada, como se de um só imposto se tratasse;

5.9         Ainda segundo a Requerente, a Derrama deverá ser determinada em função do lucro tributável do grupo, apurado pela sociedade dominante, correspondente à soma algébrica dos resultados fiscais de cada da uma das sociedades que o compõem, e não através da soma algébrica das Derramas apuradas em função do lucro tributável de cada uma das sociedades que compõem o grupo;

5.10     Considera, por isso, a Requerente ter direito à restituição da Derrama indevidamente paga relativamente ao exercício de 2010, no valor de 13.245,61€, e ainda dos respectivos juros indemnizatórios.

6.    Ao abrigo do artigo 17º do RJAT a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ora Requerida, apresentou a sua Resposta, onde, além de se defender por impugnação, suscitou as seguintes excepções:

6.1         A incompetência do Tribunal Arbitral para decidir a presente questão, uma vez que os sujeitos activos da Derrama são os Municípios, os quais não se encontram vinculados à jurisdição arbitral;

6.2         A necessidade de intervenção provocada do Município, arguindo a ilegitimidade da AT para estar presente em juízo como única demandada, pois face à natureza da Derrama Municipal a legitimidade passiva para intervir no litígio seria igualmente do Município enquanto sujeito passivo do imposto, o qual deveria ser representados em juízo pelo Representante da Fazenda Pública e não pela AT, nos termos do artigo 54º do ETAF;

6.3         Por impugnação a AT vem dizer que a Derrama é hoje um imposto autónomo do IRC que apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para efeitos de apuramento do lucro tributável, pelo que as especificidades de tributação em sede de IRC não são legalmente acolhidas para efeitos de sujeição à Derrama;

6.4         Efectivamente, o artigo 14º da LFL, ao se referir "ao rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território", imporia que a Derrama fosse imputada a cada um dos sujeitos passivos por parte dos Municípios em que estes gerariam rendimentos e não genericamente a todo o Grupo, uma vez que cada uma das sociedades que o integram é sujeito passivo de IRC;

6.5         Foi aliás, na opinião da Requerida, esta a justificação que esteve na base da alteração do artigo 14º da LFL pela Lei 64-B/2011, a qual passou a consagrar expressamente que "quando seja aplicável o regime especial da tributação dos grupos de sociedades, a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC", considerando a AT que esta alteração reveste carácter interpretativo – e não inovador – da legislação anterior.

7.    Em 17 de Janeiro de 2014 veio a Requerida solicitar ao Tribunal a extinção da instância, com fundamento em inutilidade superveniente da lide, estribando a sua pretensão no conteúdo do Ofício n.º ... da Direcção de Serviços do IRC, o qual veiculou novo entendimento sancionado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre o método de apuramento da Derrama Municipal no exercício em crise, bem como no despacho do Senhor Director Geral dos Impostos a determinar que “seja deferido o pedido formulado pela Requerente em Reclamação Graciosa e reiterado em sede arbitral, revogando-se o acto expresso de indeferimento prolactado naquele procedimento gracioso”.

8.    Observadas as regras do contraditório, este Tribunal concedeu prazo à Autoridade Tributária para vir esclarecer a existência e o conteúdo do eventual acto de revisão ou revogação, bem como para dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 20º do RJAT, tudo conforme Acta da Primeira Reunião do Tribunal Arbitral.

9.    A Autoridade tributária veio, em resposta, reiterar o seu pedido, juntando aos autos novo Despacho no qual se clarifica que, no presente caso, o direito aos juros indemnizatório da Requerente não é discutível.

10.                        O Tribunal, atentos os interesses em presença e o direito aplicável, determinou que a instância prosseguisse a sua tramitação normal, proferindo o seguinte despacho:

“i) A Autoridade Tributária pode, nos termos do artigo 13º do RJAT, proceder à revogação do acto impugnado, contanto que respeito o prazo estabelecido no respectivo n.º 1;

ii) A prática de novos actos sobre a questão objecto do litígio, uma vez ultrapassado aquele prazo, depende da ocorrência de factos novos;

iii) Na presente circunstância não se conhece a ocorrência de nenhum facto susceptível de alterar a posição que a Autoridade Tributária reiteradamente manifestou no procedimento administrativo que está na origem do presente processo;

iv) Assim sendo, ainda que estivéssemos perante uma revogação implícita do acto impugnado, ela sempre seria, à luz das normas aplicáveis, extemporânea;

v) Não resulta igualmente inequívoco, do requerimento ou dos documentos juntos pela Autoridade Tributária, que tenha sido praticado um acto de revisão do acto de liquidação impugnado nos termos previstos no artigo 78º da LGT, porquanto tal acto sempre teria de ser expressamente praticado, devidamente fundamentado e expressamente notificado ao contribuinte, sob pena de não poder produzir o pretendido efeito externo;

vi) Do que vem dito conclui-se que não ocorreu na ordem jurídica nenhum facto novo susceptível de eliminar em definitivo o interesse da Requerente na apreciação da sua pretensão, pois que nenhum direito entretanto se constituiu passível de ser potestativamente exercido;

vii) Sempre se dirá,  de resto, que ainda que estivéssemos perante um acto de revisão oficiosa por iniciativa da Autoridade Tributária, tal acto, na medida em que ele próprio fosse também passível de revogação, sempre seria insuficiente para determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”.

11.                        Foi concedido a ambas as partes a possibilidade de produzirem alegações orais, conforme resulta da Acta da Reunião do Tribunal Arbitral de 24 de Fevereiro de 2014.

12.                        Tendo em conta o atraso na tramitação processual verificado em consequência do pedido de extinção da instância apresentado pela AT com fundamento em inutilidade superveniente da lide, entretanto indeferido, decidiu o Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, prorrogar por dois meses do prazo de prolação de decisão arbitral.

 

B – Questões Prévias

13.                        As excepções dilatórias suscitadas pela Requerida, cumpre pronunciarmo-nos em primeiro lugar sobre a questão da competência deste tribunal arbitral, por ser de conhecimento prioritário à luz do disposto no artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui aplicável por força da alínea c) do nº1 do artigo 29º do RJAT. No entanto, a questão da incompetência do tribunal é suscitada pela Requerida em estreita ligação com a questão da sua ilegitimidade para estar por si só, em juízo. Na opinião da Requerida, sendo a AT mera “cobradora” da Derrama, caberia aos Municípios, enquanto sujeitos activos da relação jurídica tributária, a legitimidade passiva no presente pleito. Sucede que – invoca a Requerida – os Municípios não se encontram vinculados à jurisdição arbitral, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º, do RJAT, o que, na sua opinião, importaria a incompetência deste Tribunal.

14.                        Não cremos que assista razão à Requerida. De resto, a questão da legitimidade da AT em processos de anulação de Derramas, bem como a da própria competência dos Tribunais Arbitrais, foi já objecto de diversas decisões deste CAAD, designadamente nos processos n.ºs 18/2001-T; 82/2012-T e 112/2013-T, cuja fundamentação se segue de perto. Em primeiro lugar, importa salientar que este tribunal arbitral é competente em razão de matéria, já o que aqui se discute é a legalidade de um acto tributário dos previstos na alínea a) do nº1 do artigo 2º do RJAT (acto de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta). Por outro lado, o artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que estabelece o âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu à Direcção Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo nas respectivas atribuições) aos Tribunais Arbitrais do CAAD, determina expressamente que as decisões que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT a vinculam, contanto que, como sucede no presente caso, a pronúncia arbitral tenha sido precedida do recurso à via administrativa sempre que esteja em causa a legalidade de autoliquidações, retenções na fonte ou pagamentos por conta.

15.                        Posto isto, a apreciação da questão da legitimidade passiva da AT reconduz-se em exclusivo à questão de saber se a Derrama, não obstante se tratar indiscutivelmente de um tributo de receita Municipal, é ou não um imposto cuja administração esteja cometida à AT. Ora, de acordo com a Lei das Finanças Locais então vigente é aos Municípios que cabe exclusivamente: deliberar anualmente o lançamento da Derrama, fixando a respectiva taxa até ao limite legal; comunicar tempestivamente a sua deliberação à Autoridade Tributária e Aduaneira; receber o produto da sua cobrança, líquido dos encargos de administração, suportados pela Autoridade Tributária e Aduaneira; e aceder a informação actualizada sobre a mesma. Os Municípios não possuem, portanto, qualquer competência na administração do imposto, já que cabe exclusivamente à AT conduzir os respectivos procedimentos tributários. Por outro lado, a titularidade da posição de credor tributário dos Municípios não lhes atribui, segundo as normas aplicáveis, legitimidade processual ou procedimental. De resto, isso mesmo resulta do facto de ter sido a Autoridade Tributária, a se e sem necessidade de qualquer intervenção do Município, a julgar improcedente a reclamação graciosa deduzida pela Requerente, nos termos aliás do artigo 9º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

16.                        Ora, não tendo os Municípios competência para intervir no procedimento de liquidação e cobrança do imposto; não impendendo sobre eles – mas sobre a AT, conforme dispõe o artigo 100º da Lei Geral Tributária – a responsabilidade, perante o contribuinte, de restituir o imposto que se julgue ilegalmente cobrado; e não cabendo os Municípios no âmbito da vinculação à jurisdição aos Tribunais Arbitrais do CAAD, conforme resulta da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, fica demonstrada a legitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo ut singuli. Com base nesta conclusão, considera-se prejudicada a necessidade de aprofundar a questão prévia da intervenção provocada dos Municípios.

C – SANEAMENTO

17.                        O Tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são partes legítimas e a Requerente está regularmente representada por Advogado. O processo não enferma de vícios que o invalidem e todas as questões prévias suscitadas foram apreciadas, pelo que se impõem conhecer do mérito da questão.

D – FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS

18.                        Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos, os quais resultam, essencialmente, da prova documental produzida e do acordo entre as partes:

18.1      A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado segundo o regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), da qual fazem ainda parte as sociedades B..., S.A e C... S.A.

18.2     Em 1 de Janeiro de 2010 a Requerente detinha, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital social das sociedades dominadas, conferindo-lhe aquelas participações mais de 50% dos votos.

18.3     O grupo apurou, por referência ao exercício de 2010, um lucro fiscal de 374.775,63 €, resultante da soma algébrica dos resultados fiscais apurados pelas sociedades que integram o grupo,

18.4     Sendo que a Requerente, individualmente considerada, apurou um resultado fiscal positivo de 1.101.110,20 €, a B..., S.A apurou um resultado fiscal positivo de 156.706,09 € e a C... S.A um resultado fiscal negativo de 883.040,66 €.

18.5     No prazo legal, a Requerente submeteu electronicamente a sua Declaração periódica de Rendimentos (modelo 22 do IRC), tendo para o efeito, em conformidade com as orientações genéricas publicadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Ofício Circulado n.º 20131 de 14 de Abril de 2008, autoliquidado Derrama no valor de 18.867,20€.

18.6     Em 31 de Maio de 2011 procedeu ao pagamento do imposto apurado.

18.7     A Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a referida autoliquidação em 18 de Fevereiro de 2013, a qual foi expressamente indeferida por notificação recebida em 4 de Junho de 2013.

19.  Não houve factos não provados.

E – DIREITO

20.                       Segue-se de perto a abundante e pacífica jurisprudência quer do STA quer deste CAAD, em especial a da decisão proferida no processo n.º 22/11- T, quanto ao método de apuramento da Derrama Municipal antes da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012). Como resulta do Relatório, o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber como se determina a Derrama Municipal nos casos em que o lucro tributável é apurado no Regime Especial de Tributação dos Grupos das Sociedades (REGTS): se com base no lucro individual de cada uma da sociedades que compõem o grupo, se se com base no lucro tributável do grupo.

21.                        O RETGS vem regulado nos actuais artigos 69.º a 71.º do Código do IRC, correspondentes aos anteriores artigos 63.º a 65.º, na redacção vigente à data do facto tributário em causa nos presentes autos. O n.º 1 do artigo 63º, n.º 1 do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário dispunha que “Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo”. Por sua vez, o artigo 64º do mesmo código estabelecia que: “1 - Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. 2 - O montante obtido nos termos do número anterior é corrigido da parte dos lucros distribuídos entre as sociedades do grupo que se encontre incluída nas bases tributáveis individuais”. Por fim, o n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, (Lei das Finanças Locais, doravante LFL), que “Os Municípios podem deliberar lançar anualmente uma Derrama, até ao limite de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) (…), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território”.

22.     A Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012), no seu artigo 57º, conferiu ao n.º 8 daquele artigo 14º das LFL a seguinte redacção: “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC”. Não havendo, na redacção anterior da norma, elementos que permitissem ao intérprete concluir inequivocamente por esta solução, suscitou-se, naturalmente, a questão de saber se tal norma teria natureza interpretativa ou se consagraria uma solução nova.

23.     Jurisprudência recente do STA decidiu que “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.” (cfr. entre outros, os Acórdãos proferidos no processo nº 0909/10, nº 0309/11 e n.º 0234/12, disponíveis em www. dgsi.pt) e já tomou mesmo partido sobre a questão se saber se a redacção dada ao n.º 8 do artigo 14º da LFL pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 tem natureza inovadora ou interpretativa: “O n.º 8 do artigo 14.º, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) é uma norma inovadora e não interpretativa.” (Acórdão tirado no Processo n.º 0234/12, disponível em www. dgsi.pt).

24.     Sobre esta questão, e seguindo de perto a posição de JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, “Como se sabe então que a lei é interpretativa? 1) Antes de mais por declaração expressa contida no texto do diploma. 2) Tem igualmente significado a afirmação expressa do carácter interpretativo constante do preâmbulo do diploma (...). 3) Se a fonte expressamente nada determinar, o carácter interpretativo pode resultar ainda do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente. Não vemos razão para exigir que o carácter interpretativo seja expressamente afirmado, quando a retroactividade não tem de o ser” – in O Direito Introdução e Teoria Geral – Uma Perspectiva Luso-Brasileira, 11.ª edição, Coimbra, Almedina, 2001, p. 551.

25.     Da análise ao artigo 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 podemos concluir, também nós, que a referida norma não assume natureza interpretativa, assumindo antes verdadeira natureza inovadora. De resto, perante o silêncio do legislador sobre o seu carácter, a aplicação retroactiva da norma sempre levantaria problemas sérios de constitucionalidade. A acrescer a estes argumentos, outros dois concorrem para a interpretação que se vem defendendo e que já foram expostos na decisão arbitral proferida no processo 5/2012-T nos seguintes moldes: “também o elemento racional da interpretação suporta a posição defendida pela ora requerente, já que, como também a mesma aponta, tal posição não causa dificuldades acrescidas em sede de repartição do produto da Derrama Municipal pelos Municípios que a ele tenham direito, e que tal solução realiza de forma mais perfeita o princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real. Por fim, e como também referiu a ora requerente em sede de alegações orais, uma eventual falta de clareza da lei, ou mesmo uma sua lacuna, em matéria de distribuição da Derrama pelos Municípios nos casos de tributação de grupos de sociedades, nunca poderia justificar uma correcção – interpretativa ou analógica – ao nível dos pressupostos da incidência do tributo em causa, antes, e quando muito, poderia implicar uma correcção ao nível das normas reguladoras dessa mesma distribuição”.

26.     A validade de tal conclusão não parece ser afectada pela argumentação aduzida pela AT na doutrina administrativa veiculada no ofício circulado n.º ... da DSIRC, de 14 de Abril de 2008. Com efeito, para além da inoponibilidade perante este tribunal ou falta de eficácia vinculativa da referida doutrina administrativa, entende-se que a interpretação segundo a qual a incidência da derrama municipal se dá sobre o lucro consolidado do grupo, e não sobre os lucros individualmente calculados de cada um dos seus membros, em nada colide com o papel daquele imposto enquanto fonte privilegiada de receita municipal, quer como “instrumento de política fiscal, na autonomia do poder local e na promoção da coesão económica e social de todo o território. De igual modo, como elemento interpretativo, se é verdade que “cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual”, não é menos verdade que o n.º 1 do artigo 14.º da LFL não se limita a afirmar como objecto de incidência o “lucro tributável”, mas o “lucro tributável sujeito e não isento” de imposto (IRC). Ora, conforme decorre do disposto no actual artigo 70º do Código do IRC, o lucro tributável num grupo de sociedades sujeito ao RETGS é o lucro tributável apurado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. Importa ainda ter em conta que a Lei n.º 12-A/2010, de 20 de Junho, que criou a sobretaxa de IRC designada por “derrama estadual”, determinou que “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante”. A clareza da referida norma de incidência e da vontade legislativa contrasta, em absoluto, com o teor do artigo 14.º da LFL, na redacção vigente à data do facto tributário controvertido nos presentes autos.

27.     Também no acórdão do STA de 22 de Junho de 2011 (Processo nº 309/2011) se concluiu que “de acordo com o actual regime da Derrama que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, a Derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades”.

28.     Por fim, igualmente na jurisprudência do CAAD, a questão de mérito dos presentes autos foi já decidida, tendo todas as decisões arbitrais julgado a questão nos moldes aqui defendidos.

29.     Em face do exposto - na esteira da jurisprudência do STA e do CAAD que se reputa de plenamente correta atentas as normas jurídicas aplicáveis – julga-se que a Derrama Municipal incide, no caso de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, sobre o “lucro tributável do grupo” e não sobre o “lucro individual de cada uma das sociedades” e, em consequência, a liquidação de IRC impugnada padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, enfermando por isso de manifesta ilegalidade, devendo ser parcialmente anulada, na parte correspondente a 13.245,61€ liquidados em excesso a título de Derrama Municipal.

30.     Quanto à questão dos juros indemnizatórios a que a Requerente reclama ter direito, dispõe o n.º 1 do artigoº 43º da Lei Geral Tributária que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, sendo que nos termos do n.º 2 daquele artigo se considera “também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.” Tendo em conta que o tributo foi autoliquidado de acordo com a doutrina administrativa veiculada no Ofício-Circulado n.º 20.132, de 14 de Abril, nenhuma dúvida restará que se verifica a existência de um erro imputável aos serviços, o que determinará o pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43º da Lei Geral Tributária e 61º do Código de Procedimento e Processo Tributário, a serem computados desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, tudo com as demais consequências legais.

 

F – DECISÃO

31.   Termos em que se decide:

31.1      Julgar improcedentes as arguidas excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e de ilegitimidade passiva da Requerida;

31.2     Julgar procedente a impugnação da legalidade das liquidações de Derrama Municipal relativa ao exercício de 2010 no montante de 13.245,61€ por vício de violação de lei por erro os pressupostos de direito, anulando-se consequentemente tais liquidações, e condenando-se a Requerida à restituição da importância indevidamente paga;

31.3     Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde a data do pagamento das respectivas derramas até ao momento da restituição das correspondentes quantias.

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Fixa-se o valor do processo em 13.245,61€ nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97ºA, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 29º do RJAT e do nº2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

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Fixa-se o valor das custas do processo em 918,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos termos nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º, ambos do RJAT e do nº3 do artigo 4º do citado Regulamento.

Registe e notifique.

Porto, 19 de Maio de 2014,

A Árbitro

Filipa Correia Pinto