DECISÃO ARBITRAL
REQUERENTE: A
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I – RELATÓRIO
A – PARTES
A, morador na …, NIF …, doravante designado por “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras à Direcção-Geral dos Impostos) a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.
B – PEDIDO
1. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT em 30 de Abril de 2013.
2. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 6º do RJAT, o signatário foi designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo aceite nos termos legalmente previstos.
3. As partes foram devidamente notificadas dessa designação em 17 de Junho de 2013, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 11º e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 5 de Julho de 2013.
5. Em 12 de Dezembro de 2013, o Tribunal prorrogou, ao abrigo do nº2 do artigo 21º do RJAT, o prazo inicial de 6 meses que terminava em 5 de Janeiro de 2014, por um período de 2 meses a contar desta data.
6. No dia 19 de Fevereiro de 2014, realizou-se com as Partes a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, da qual foi lavrada acta que se encontra junta aos autos.
7. O ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o seu direito ao reembolso do montante que pagou de Imposto Único de Circulação (IUC), relativamente ao veículo da categoria “E”, com a matrícula ..., referente ao ano de 2009, no valor de € 30,80 a que acrescem juros compensatórios no valor de € 4,89, num total de € 35,69, o que implica a apreciação da questão conexa da legalidade do respectivo acto de liquidação.
C – CAUSA DE PEDIR
A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, o seguinte:
8. Que requereu em 30.9.2008 a apreensão do veículo em causa ao abrigo do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008 de 6 de Maio, norma que reproduziu no seu pedido de pronúncia arbitral.
9. Refere também que, segundo informação da AT o cancelamento da matrícula “ocorreu em 28.04.2009, ou seja, 29 dias após o limite estipulado por lei”.
10. Considera, em suma, ter havido atraso no cancelamento da matrícula que não lhe pode ser imputado.
D – RESPOSTA DA REQUERIDA
11. A Requerida devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta (R) na qual, em síntese, alegou o seguinte:
POR EXCEPÇÃO
12. Face ao teor do pedido e da causa de pedir, a AT defende “ a existência de um premente interesse em agir – contradizer do IMTT” ( Cfr. artº 8º da (R)).
13. Referindo-se aos procedimentos constantes do Decreto-Lei nº 78/2008 de 6 de Maio, sustenta a sua tese na circunstância de “ só o IMTT poderá dispor do conhecimento dos factos relativos a esse mesmo procedimento que permita determinar eventuais causas do alegado atraso no cancelamento da matrícula, e a consequente imputabilidade do mesmo, no presente caso concreto. Sendo certo que à AT, enquanto entidade estranha a este procedimento não poderá certamente ser imputável tal atraso: o qual será sempre imputável ao proprietário ou ao IMTT” ( Cfr. artºs. 9º e 10º da (R)).
14. Em seguida, desenvolve um conjunto de argumentos nomeadamente o de que o presente tribunal não se pode “considerar dotado de legitimidade para proferir decisão arbitral de mérito” que a levam a concluir:
a) Pela “ ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui representada pelo seu dirigente máximo) para estar em juízo”.
b) Pelo “ interesse em agir (contradizer) do IMTT, neste litígio, porquanto tem um interesse pessoal e directo no seu resultado”.
c) Pela “ impossibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção provocada, face à não vinculação do IMTT à jurisdição do CAAD” (Cfr. artºs. 11º a 25º da (R)).
15. Termina esta parte da sua Resposta relativa às excepções invocadas dizendo “ que deve considerar-se a excepção invocada e absolver-se a entidade pública demandada da instância, ao abrigo dos artigos 89º, nº1, al. d) do CPTA e do artigo 576º, nº 2, do Código de Processo Civil “ (Cfr. artº 26º da (R)).
POR IMPUGNAÇÃO
16. Invocando os nºs. 1 e 3 do artigo 3º, os nºs. 1 e 3 do artigo 4º e nºs. 1 e 3 do artigo 6º, todos do CIUC, a AT realça que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados; que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade e registo do veículo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional, sendo devido até ao cancelamento da matrícula em virtude de abate de registo efectuado nos termos da lei, e só cessa a partir dessa mesma data de cancelamento de matrícula; que a exigibilidade do imposto considera-se verificada no primeiro dia do período de tributação referido no nº2 do artigo 4º do CIUC, isto é, correspondendo ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, sendo o imposto devido pelo proprietário em nome do qual os veículos se encontrem registados, quer no IMTT, quer na Conservatória do Registo Automóvel à altura do cumprimento da obrigação fiscal, determinado no nº 2 do artigo 4º do CIUC.
17. Face às regras que enunciou, a AT afirma que a propriedade do veículo em causa “ encontrava-se registada a favor do Requerente, em situação activa, não existindo cancelamento da matrícula à data de 01/04/2009 (1º dia do mês da matrícula, que corresponde ao 1º dia do período de tributação, cfr. artigo 4º, nº 2 do CIUIC “ (Cfr. nº 35º da (R)).
18. Na opinião da AT, “ de acordo com os artigos 1º a 6º do CIUC encontram-se reunidos todos os elementos de incidência objectiva, subjectiva e temporal, facto gerador do imposto e exigibilidade para a liquidação do IUC de 2009 do referido veículo na esfera jurídica do Requerente ” (Cfr. art. 36º da (R)).
19. Depois de transcrever parte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferida no processo nº 210/13. OBEPNF, a AT conclui que “ deve ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada e, em conformidade, ser a entidade requerida absolvida da instância, ou caso assim não se entenda, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido “ (Cfr. arts. 39º e 40º da (R)).
20. O presente Tribunal foi regularmente constituído no CAAD para apreciar e decidir o objecto do presente processo.
E – QUESTÕES DECIDENDAS
21. Cumpre, pois, apreciar e decidir.
22. Atenta as posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimentes:
a) As suscitadas pela Requerida que alegou as seguintes excepções dilatórias processuais:
I. Excepção dilatória de incompetência do presente Tribunal Arbitral.
II. Excepção dilatória de ilegitimidade (passiva), processual da AT e o interesse pessoal e directo em contradizer do IMTT.
III. A essencialidade da intervenção principal provocada por parte do IMTT no presente processo arbitral à luz dos artigos 316º e ss do CPC.
b) As suscitadas pela Requerida quanto à manutenção na ordem jurídica do acto tributário de liquidação.
c) A suscitada pelo Requerente relativamente ao seu direito ao reembolso do montante de IUC que pagou, o que implica a apreciação da questão conexa da legalidade do respectivo acto de liquidação.
F – DAS DEDUZIDAS EXCEPÇÕES DILATÓRIAS
F. 1. DA DEDUZIDA EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
23. Tendo em conta o disposto no artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui aplicável por força do artigo 29º, nº1, alínea c), do RJAT, vai conhecer-se em primeiro lugar da questão da competência, uma vez que segundo aquela norma do CPTA o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
24. No caso em apreço, as questões da incompetência do Tribunal, da ilegitimidade passiva e da intervenção principal provocada possuem uma ligação muito estreita.
25. Assim, a AT defende que as causas do alegado atraso no cancelamento da matrícula só pode ser esclarecido pelo IMTT, sendo a AT entidade estranha a esse facto, pelo que existe um interesse em agir que determina a legitimidade passiva necessária do IMTT para intervir na presente demanda e a ilegitimidade passiva da AT, sendo essencial a intervenção principal provocada do IMTT.
26. Desenvolvendo este raciocínio, a AT refere que o IMTT não se encontra representado pelo dirigente máximo da AT e que este não pode assumir a representação de outra entidade que não a AT, mas também que não existe acto de vinculação do IMTT à jurisdição do CAAD concluindo que o objecto da presente acção atinge interesses pessoais e directos de entidades que não estão vinculadas a esta jurisdição, nem representadas em juízo, pelo que este Tribunal constituído sob a égide do CAAD não está “ dotado de legitimidade para proferir decisão arbitral de mérito “.
27. Estes os argumentos que levam a AT a defender a incompetência do presente Tribunal Arbitral.
Vejamos se assim é.
28. De acordo com o disposto na alínea a) do nº1, do artigo 2º, do RJAT, os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de “ declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de auto-liquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
29. Por sua vez, o nº1 do artigo 4º do RJAT estipula que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.
30. A vinculação referida neste artigo 4º, nº1, do RJAT foi estabelecida pela Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, cujo artigo 1º estabelece a vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais dos serviços da DGCI e DGAIEC hoje fundidos na actual AT – Autoridade Tributária e Aduaneira.
31. E o artigo 2º da referida Portaria postula que os mencionados serviços se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, prevendo-se, contudo, algumas excepções, que não têm aplicação ao caso em apreço.
32. Fica desta forma claro que para apreciar e decidir a excepção de incompetência deste Tribunal é, pois, decisivo o juízo que se fizer relativamente ao problema da administração do IUC, ou seja, a quem cabe essa administração.
33. E, administrar um tributo, designadamente um imposto é, nomeadamente, ser titular da competência para liquidar e cobrar o tributo em causa (Cfr. nº 3, do art. 1º da LGT). E a AT é um serviço da administração directa do Estado que tem por missão administrar os impostos, sendo uma das suas atribuições assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo (Cfr. artºs. 1º e 2º do DL nº 118/2011, de 15 Dez.).
34. Concretamente no que ao IUC diz respeito, o nº1 do artigo 2º da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, estipula expressamente que a competência relativa à administração do IUC cabe à Direcção-Geral dos Impostos, hoje integrada na AT.
35. E estando a administração do IUC definida como sendo da exclusiva competência da AT, face aos mencionados artigo 2º, nº1, alínea a) do RJAT e ao corpo do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, o presente Tribunal é materialmente competente para conhecer do pedido do Requerente, pelo que improcede a excepção de incompetência deduzida pela Requerida.
F 2 – QUANTO À ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AT E AO INTERESSE EM AGIR DO IMTT.
36. Sobre este assunto convém ter presente o disposto no artigo 9º, nºs. 1e 4, do CPPT aplicável subsidiariamente ao processo arbitral previsto no RJAT, por força do disposto na alínea a) do nº 1 do seu artigo 29º, já que não há qualquer norma deste diploma que defina a legitimidade passiva.
37. Invoca a Requerida, a ilegitimidade passiva da AT para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante ao IUC devido ao interesse pessoal e directo do IMTT em contradizer, determinando este interesse em agir a legitimidade passiva necessária do IMTT para intervir na presente demanda.
38. Mas esta invocação não pode proceder pelos motivos atrás apontados, porque o importante, o que releva para este efeito, é quem tem competência para liquidar e cobrar o IUC, decorrendo daí, como ficou demonstrado, a administração deste imposto compete em exclusivo à AT tendo, pois, legitimidade passiva e carecendo dela o IMTT.
F 3 – QUANTO À ESSENCIALIDADE DA INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA POR PARTE DO IMTT.
39. Paredes meias com a questão da (i)legitimidade passiva atrás tratada, encontra-se a solicitada intervenção principal provocada.
40. A Requerida suscita o incidente de intervenção principal provocada previsto nos artigos 316º e ss. do CPC, alegando interesse pessoal e directo do IMTT em agir nos presentes autos.
41. No âmbito do processo de impugnação os artigos 127º e seguintes do CPPT regulam os incidentes processuais e neles não está previsto o incidente de intervenção provocada, pelo que se afigura não ser este admissível.
42. Acresce que o que está em causa neste processo é saber se deve ser declarado o direito ao reembolso do montante pago, o que consubstancia uma pretensão do contribuinte conexa com o acto de liquidação, estando desta forma implícito um juízo prévio sobre a legalidade deste acto. E, para isso, importa ter presente as conclusões a que atrás chegámos quanto à competência exclusiva da AT para, designadamente, liquidar e cobrar o IUC, ou seja, exercer a administração deste imposto em exclusivo.
43. Deste modo, está claro que é a AT que detém a competência decisória, bem com o interesse directo em contradizer no que respeita à disputa da legalidade do acto de liquidação em causa nos presentes autos, bem como ao eventual direito ao reembolso do montante pago por parte do Requerente, não havendo, em consequência, cabimento à intervenção principal provocada que a AT solicitou.
G – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
44. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1,alínea a), do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
45. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontrando-se a AT legalmente representada, intervindo o Requerente por si próprio (Cfr. arts. 4º e 10º, nº2, do mesmo diploma e artº. 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
46. O processo não enferma de vícios que o invalidem.
47. Tendo em conta o processo administrativo tributário transmitido por via electrónica, a prova documental junta aos autos e as alegações produzidas, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão que se fixa como segue.
ll – FUNDAMENTAÇÃO
H – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
48. Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:
49. Em 30 de Setembro de 2008 o Requerente solicitou ao IMTT, com base no nº 1 artigo 5º do Decreto –Lei nº 78/2008, de 6 de Maio, a apreensão do veículo a que este processo se refere (Cfr. Doc. nº 10, p. 7).
50. No dia 8 de Abril de 2013, às 22H38 a AT enviou para o ora Requerente um e-mail dizendo, em síntese, que da sua base de dados consta que este é/foi proprietário do veículo com a matrícula ... sujeito a IUC encontrando-se este imposto, relativamente ao ano de 2009 por “liquidar” (Cfr. 2º Doc.).
51. Diz ainda o referido e-mail que a AT iria em breve liquidar oficiosamente o IUC devido e que se o pagamento fosse feito antes do levantamento do auto de notícia poderia beneficiar de redução de coima. Mais informava que para obter a nota de liquidação tinha disponível um tutoral de liquidação de IUC num endereço que também indicava.
52. Reagindo ao contido no e-mail referido no ponto anterior, o Requerente por e-mail de 9 de Abril de 2013, às 9H36, referiu enviar em ficheiro anexo cópia do pedido de apreensão do veículo em causa que apresentou junto do IMTT em 30 de Setembro de 2008 e solicitou a anulação do que chamou auto de notícia e a respectiva regularização no sistema informático da AT solicitando ainda que lhe fosse confirmado que a situação se encontrava regularizada.
53. Em resposta a esta comunicação recebeu também via e-mail do Serviço de Finanças … (SF-…), enviado em 9 de Abril de 2013 às 17H53 a informação de que “ nos termos do nº 3 do artigo 6º, do Código do IUC, o imposto é devido no primeiro dia do mês de pagamento. Esta matrícula foi cancelada em 2009-04-28, sendo Abril o mês de pagamento o imposto deste ano é devido”.
54. No mesmo dia às 18H17, o ora Requerente também por e-mail dirigido ao SF-… transcreveu o nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de Maio e invocando o seu requerimento de apreensão do veículo datado de 30.9.2008 defendeu que “os seis meses previstos completaram-se a 31.3.2009 data em que o imposto ainda não era devido”. Terminou pedindo a revisão da decisão e a confirmação da mesma.
55. Em 14 de Abril de 2013, o Requerente insistiu para que o SF-… o informasse se a AT tinha dado acolhimento ao facto de o não cumprimento do prazo para a não anulação da matrícula não lhe ser imputável.
56. De novo por e-mail, o SF-… informou o Senhor A de que “ a matrícula ... foi cancelada pelo IMTT em 2009-04-23, sendo nos termos do nº 3 do artigo 6º do Código do IUC, responsável pelo pagamento do ano de 2009”.
57. Em 18 de Abril de 2013 o ora Requerente efectuou o pagamento dos montantes de IUC e de juros compensatórios, no valor de € 30,80 e € 4,89, respectivamente, num total de € 35,69.
58. Conforme resulta do documento intitulado “ consulta de histórico por matrícula (veículo terrestre)”, o presente processo diz respeito a um veículo da categoria E (motociclo) com a matrícula ..., cuja data da primeira matrícula é de 22.4.1993 cancelada em 23.4.2009 (Cfr. Doc. nº 10, p. 8).
FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
59. Os factos elencados nos anteriores números 49 a 58 foram dados como provados com base nos documentos constantes da base de dados deste processo e indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
FACTOS NÃO PROVADOS
60. Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
I - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
61. A matéria de facto está fixada, importa agora proceder à subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as restantes questões decidendas.
62. São conhecidas as posições das Partes: para o Requerente em 31.3.2009 o imposto ainda não era devido; para a Requerida, “ o veículo em causa encontrava-se matriculado em Portugal e registada a sua propriedade a favor do Requerente, não existindo cancelamento da matrícula à data de 1.4.2009, ou seja, no 1º dia do mês de aniversário da matrícula (que constitui o 1º dia do período de tributação, cf. Artigo 4º, nº2, do CIUC. Logo é no Requerente que se verificam o facto gerador do imposto, a exigibilidade e os elementos de incidência objectiva, subjectiva e temporal do IUC (Cfr. arts. 2º, 3º 4º e 6º do CIUC)” (Cfr. artºs. 37 e 38 da R).
A ACTIVIDADE DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E OS PRINCÍPIOS DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
63. A actividade da administração tributária, atento o disposto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 55º da Lei Geral Tributária (LGT), tem de subordinar-se à Constituição e à Lei, devendo respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Encontro da Escrita, pp. 445 e ss.).
64. Quanto ao princípio da legalidade, dispõe o artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos”.
Estes princípios, como os demais princípios gerais da actividade administrativa constantes do CPA, são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública ainda que meramente técnica ou de gestão privada (Cfr. nº5 do art. 2º do CPA).
65. Comentando o artigo 3º do CPA, dizem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA que “o princípio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito, não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente as obrigações contratualmente assumidas” (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª ed. 2012, Encontro da Escrita, p.446).
66. E quanto ao que estipula o nº 2 do artigo 266º da CRP, dizem aqueles autores: “a actuação da administração, para ser legal, terá de estar em sintonia com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé que, tendo um conteúdo próprio, não deixam de fazer parte do bloco de legalidade que tal actuação deve respeitar”.
67. A propósito do princípio da legalidade ínsito no artigo 3º do CPA, dizem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA,PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM “na sujeição da Administração ao direito, imposta no artigo 3º, nº 1, este vai manifestamente entendido em sentido objectivo, reportado às fontes de Direito (a todas elas, desde as mais solenes às menos graduadas, como os regulamentos de utilização de serviços públicos) incluindo os princípios gerais, mesmo se estes não constam de norma escrita” (CPA Anotado, 2ª ed. Almedina, 1997, p. 91).
68. Dizem ainda estes autores: “a referência ao direito como parâmetro da actividade administrativa, leva ínsita ainda uma outra implicação importantíssima: a da vinculação da administração a uma ideia justa (ou jurídica) da lei, não para o olhar de forma puramente mecanicista e formalista, mas como um crivo jurídico para a sua interpretação e aplicação, em consonância com os valores da justiça inerentes ao ordenamento jurídico, máxime ao constitucional” (Ibidem).
69. Para aqueles ilustres administrativistas o princípio da justiça constitui “ uma última ratio da subordinação da Administração ao Direito, permitindo invalidar aqueles actos que, não cabendo em nenhuma das condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo aos plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas à sua boa-fé e confiança no Direito” (loc. cit. p. 106 e Ac. STA de 13.11.2008, proc. 073/08).
70. O STA pronunciando-se sobre o princípio da boa-fé, na sua vertente de tutela da confiança, diz o seguinte: “o princípio da boa-fé, na sua vertente de tutela da confiança, visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem” (Cfr. Ac. de 21.9.2011, proc. 753/11).
71. Sobre os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, ensina JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO que os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, como elementos constitutivos do Estado de Direito, “andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da confiança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos” (In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, p.250).
72. E, sobre este tema, diz também este insigne constitucionalista: “o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas normas” (Ibidem).
73. Por sua vez, o princípio da igualdade como um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais merece deste autor o seguinte comentário: “a afirmação – todos os cidadãos são iguais perante a lei - significava, tradicionalmente, a exigência de igualdade na aplicação do direito. (…) a igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, (…) ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais (cfr. Ac. TC 142/85)” (loc. cit. pp. 388/389).
O DECRETO-LEI Nº 78/2008, DE 6 DE MAIO, E OS SEUS EFEITOS NA ECONOMIA DO CIUC
74. Dispõe o nº 3 do artigo 6º do CIUC que “o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no nº 2 do artigo 4º”.
75. Por sua vez o nº 2 do artigo 4º estabelece, na redacção em vigor à altura dos factos, o seguinte: “o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A,B,C,D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G”.
76. Com interesse para a análise do caso em apreço, releva também o nº 3 deste artigo 4º que tem a seguinte redacção: “o imposto incidente sobre os veículos da categoria A,B,C,D e E é devido até ao cancelamento da matrícula em virtude de abate efectuado nos termos da lei”.
77. As normas atrás transcritas, integram o CIUC publicado como Anexo ll à Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, entrada em vigor em 1 de Julho de 2007.
78. Porém, em 11 de Maio de 2008, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de Maio com o objectivo de estabelecer um regime transitório, com carácter excepcional, para permitir a regularização da base de dados de veículos do Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres, IP (IMTT) e do Instituto do Registo e do Notariado, IP (IRN) prevendo, nomeadamente, condições de cancelamento oficioso de matrículas de veículos (Cfr. preâmbulo).
79. Ensina MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA: “o interesse público primário cabe exclusivamente ao legislador que o realiza, ponderando quais são, de todos os interesses ou necessidades sentidas num corpo social, aqueles cuja dignificação ou protecção pelo Direito se justifica por contribuírem para a tal justa repartição de bens ou composição de conflitos que ele, legislador, quer ver alcançada.
Essa ponderação levá-lo-á a eleger na lei determinados fins individuais e certos interesses ou necessidades colectivas, como as mais compatíveis ou mais convenientes à realização do interesse público primário” (Cfr. Direito Administrativo, Vol. 1, Almedina,1980, p. 288).
80. O legislador, quando sentiu necessidade de aprovar o Decreto-Lei nº 78/2008, mais não fez do que realizar um princípio fundamental, qual seja o da prossecução do interesse público, neste caso o interesse público primário.
81. E, para a prossecução deste interesse, o legislador sentiu necessidade de prever no referido diploma, outras causas para o cancelamento da matrícula, para além do “abate efectuado nos termos da lei”, designadamente o cancelamento oficioso de matrículas de veículos.
82. Com efeito, e no que ao caso em apreço interessa, o nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008 estabelece o seguinte: “1- Consideram-se desaparecidos os veículos e são canceladas oficiosamente as respectivas matrículas, decorridos seis meses sobre o pedido de apreensão do veículo feito pelo proprietário para efeitos de regularização da propriedade, sem que tenha havido apreensão ou regularização da propriedade por eventuais possuidores”.
83. De acordo com o nº 1 do artigo 9º da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro que aprova a lei quadro dos institutos públicos e que impõe que estes sejam criados por acto legislativo, o IMTT foi criado pelo Decreto-Lei nº 147/2007, de 27 de Abril, segundo o qual este Instituto é uma pessoa colectiva de direito público integrada na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, a qual funciona sob a tutela e superintendência do Ministro dos Transportes, Obras Públicas e Comunicações, sendo uma das suas atribuições “assegurar a gestão dos registos nacionais do sector dos transportes, designadamente de veículos(…)” (Cfr. Preâmbulo, artº 1º e alínea r) do nº 2 do artº 3º, todos do DL. Nº 147/2007).
84. Como administração indirecta do Estado que é, o IMTT exerce uma forma de actividade administrativa que se destina à realização de fins do Estado.
Sobre esta actividade diz FREITAS DO AMARAL: “trata-se de uma actividade que se destina à realização de fins do Estado, a qual, por isso mesmo, é uma actividade de natureza estadual. Traduz-se na realização de tarefas que são tarefas do Estado.
Não se trata, todavia, de uma actividade exercida pelo próprio Estado. É uma actividade que o Estado transfere, por decisão sua, para outras entidades distintas dele.(…) Esses poderes que o Estado entrega a outras entidades ficam a cargo destas, embora continuem a ser, de raiz, poderes do próprio Estado “ (In, Curso de Direito Administrativo, Vol 1, Almedina, 1988, p. 109).
85. Acerca deste tema assinala ainda este ilustre Professor: “a administração estadual indirecta é uma actividade exercida no interesse do Estado. (…) É uma actividade destinada a realizar fins do Estado, portanto no interesse dele” (Ibidem, p.310).
86. No mesmo sentido se pronuncia VITAL MOREIRA quando afirma “a administração indirecta é, como o próprio nome diz, aquela que é realizada por conta do Estado por outros entes que não o Estado pela sua mesma administração. É a prossecução de atribuições administrativas de certa entidade administrativa, por intermédio de outra entidade administrativa” (In, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra ed., 1997, p. 105).
87. Refere ainda VITAL MOREIRA: “ o essencial é a criação de novos entes públicos, a quem a administração territorial interessada (nomeadamente o Estado) confere certas das suas atribuições para serem levadas a cabo no interesse da administração-mãe. Os entes encarregados de realizar essa parcela administrativa de outra entidade não prosseguem interesses próprios, mas sim interesses da entidade mãe; não definem a sua própria orientação, antes a recebem da entidade mãe, tal como as respectivas atribuições e poderes (devolução de poderes)” (Ibidem).
88. Tendo em conta o disposto na alínea d) do artigo 199º da CRP, a Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei Quadro dos Institutos Públicos), o contido no Decreto-Lei nº 147/2007, de 27 de Abril e esta autorizada doutrina, podemos concluir, em síntese, que o IMTT exerce uma actividade de natureza estadual, que realiza tarefas que são tarefas do Estado, para realização dos seus fins e no interesse dele, funcionando, à altura dos factos, sob a tutela e a superintendência do Ministro dos Transportes, Obras Públicas e Comunicações.
89. Aqui chegados, importa tirar as necessárias consequências que os actos praticados pelo IMTT provocam, ou podem provocar noutros serviços do Estado, inclusive os integrados na administração directa.
90. Diz a AT que a propriedade do veículo em causa no presente processo “ encontrava-se registada a favor do Requerente, em situação activa, não existindo cancelamento da matrícula à data de 01/04/2009 (1º dia do mês da matrícula, que corresponde ao 1º dia do período de tributação, cfr. artigo 4º, nº 2 do CIUC).” (Cfr. art. 35º da R).
91. Salvo o devido respeito, resulta do disposto no nº 2 do artigo 4º conjugado com o disposto no nº 3 do artigo 6º, ambos do CIUC que o período de tributação se inicia no dia do aniversário da matrícula e não no 1º dia do mês da matrícula.
92. Contudo, depreende-se daquela afirmação que a AT aceita o cancelamento da matrícula como facto que obsta à liquidação do imposto.
93. No caso em apreço, o veículo objecto do presente processo, teve a primeira matrícula em 22 de Abril de 1993 pelo que, em 2009, o seu aniversário ocorreu no dia 22 de Abril e não no dia 1 de Abril.
94. É verdade que de acordo com a “ consulta de histórico por matrícula”, a matrícula foi cancelada em 23 de Abril de 2009.
Segundo o Requerente, a matrícula foi cancelada com atraso tendo em conta a data em que efectuou o pedido de apreensão e a data em que a matrícula foi efectivamente cancelada.
95. Diz-se que há atraso quando algo acontece depois do momento próprio, conveniente ou marcado.
Atraso é o “acto ou efeito de atrasar; falta de pontualidade no cumprimento de uma obrigação ou compromisso” (Cfr. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Temas e Debates, Lisboa, 2005, Tomo III, p. 974).
96. No caso do cancelamento oficioso de matrículas ao abrigo do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008, não pode dizer-se que existe legalmente um momento marcado para o IMTT cancelar as matrículas, pelo que também não pode dizer-se, em relação a cada caso, que existe um atraso no cancelamento.
É natural que os procedimentos que levam ao cancelamento oficioso de uma matrícula com base no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008 não estejam concluídos no dia seguinte ao decurso do prazo de seis meses a que esta disposição legal se refere. Mas quando o IMTT cancela oficiosamente uma matrícula ao abrigo desta norma, significa que todos os requisitos dela constantes se encontram cumpridos.
97. O que não se concebe é que depois da matrícula ter sido oficiosamente cancelada, os efeitos do cancelamento não se reportem ao dia seguinte ao decurso daquele prazo de seis meses.
98. Com efeito, só esta interpretação do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008 se coaduna com os princípios consignados no nº 2 do artigo 266º da CRP e 55º da LGT.
99. Considerar a data em que o IMTT procede ao cancelamento da matrícula como a relevante para efeitos de determinação do momento do nascimento da obrigação tributária de IUC, é proceder a uma diferenciação arbitrária, infundada e sem justificação razoável.
100. Na verdade, só considerando os efeitos do cancelamento das matrículas feito com base no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008, reportados ao dia seguinte ao decurso do prazo de seis meses referido nesta norma, se respeita o princípio da igualdade na aplicação do Direito, da protecção da confiança que permite aos indivíduos prever os efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos, sem esquecer que só esta interpretação dá cumprimento ao princípio da legalidade na sua dimensão de obediência à lei e ao direito que vincula a Administração a actuar segundo uma ideia justa (ou jurídica) da lei. E o princípio da justiça constitui, como assinala o STA, “uma última ratio de subordinação da Administração ao Direito” (Cfr. de 13.11.2008, proc. 073/08).
Igual raciocínio se aplica à presunção de desaparecimento de veículos que se devem considerar desaparecidos, de acordo com a referida norma, no dia seguinte ao decurso do prazo de seis meses a contar igualmente do pedido de apreensão do respectivo veículo.
O NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DE IUC
101. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 36º da LGT “a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário”.
102. Decorre deste preceito legal que a obrigação tributária surge no momento da verificação do facto tributário. A obrigação tributária enquanto obrigação legal tem como pressuposto do seu nascimento a verificação concreta do facto definido abstractamente pela lei como pressuposto da obrigação.
103. Referindo-se à estrutura do facto tributário ALBERTO XAVIER diz que ele se decompõe em dois elementos essenciais: um objectivo e um subjectivo. “O elemento objectivo é o próprio facto tributário considerado em si mesmo, independentemente da sua ligação a um sujeito: é o que a doutrina designa umas vezes por pressuposto objectivo e outras, com menor propriedade, por incidência real”. O elemento subjectivo ,por seu turno, é aquele que prende ou vincula o facto a uma dada categoria de sujeitos, em termos de determinar quanto a eles o nascimento da obrigação de imposto” (In, Manual, p. 249).
104. Diz-nos ainda este autor que “o elemento objectivo do facto tributário é susceptível de ser encarado, do prisma estrutural, sob vários ângulos distintos, que representam verdadeiros sub-elementos daquele facto: referimo-nos ao prisma material, temporal e quantitativo, havendo ainda quem se refira a um prisma espacial” (Ibidem, p. 250).
105. Importante para a análise do caso em apreço, são os subelementos material e temporal. Diz este ilustre Professor que “o elemento material é-nos dado pelo próprio facto na sua materialidade objectiva”.Referindo-se ao subelemento temporal, este autor considera o período de imposto como elemento essencial do facto tributário. Pode dizer-se que o elemento temporal se revela importante para a determinação do momento do nascimento da obrigação, ou seja, o momento em que a Administração pode exigir a prestação tributária.
106. Quanto ao elemento subjectivo do facto tributário, diz-nos ALBERTO XAVIER que ele “é constituído pelos critérios legais de atribuição do facto a determinada categoria de sujeitos. É o que alguns designam por “pressuposto subjectivo” e outros por “incidência pessoal”.
107. Uma outra noção que importa ter presente é a de incidência que para ALBERTO XAVIER “é a acepção normativa do facto tributário, a realidade prevista pela norma tributária e sobre a qual esta incide: é a descrição legal do facto tributário, correspondendo assim mais de perto aos conceitos de tatbestand e fattispecie”.
108. Para PEDRO SOARES MARTINEZ “as normas de incidência definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação. As normas de incidência determinam quem é o sujeito activo da obrigação de imposto (…) os sujeitos passivos da mesma obrigação, qual a matéria colectável (…)” (Cfr. Manual, Almedina, 1983, p. 122).
109. De posse destas noções doutrinárias e à luz dos princípios atrás enumerados, reiteramos o entendimento atrás expresso de que não pode aceitar-se que, designadamente nos casos abrangidos pelo nº1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008, a determinação por parte de um serviço da Administração directa do Estado, do momento do nascimento da obrigação tributária de IUC e logo da sua exigibilidade, fique dependente do momento em que um outro serviço do Estado, neste caso o IMTT, proceda ao cancelamento da matrícula.
CONCLUSÃO
110. De acordo com as normas atrás referidas, os ensinamentos doutrinais expostos e os entendimentos precedentemente formulados, conclui-se que:
a) Tendo o Requerente pedido a apreensão do veículo em causa ao abrigo do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de Maio, em 30.9.2008, o prazo de seis meses a contar desta data, expirou em 30.3.2009 (Cfr. alínea c) do art. 279º do CC).
b) Assim sendo, o veículo a que este processo se refere, considera-se desaparecido em 31.3.2009 e a sua matrícula cancelada nesta data.
c) Tendo em conta que a data da primeira matrícula é de 22.4.1993, em 2009 o seu aniversário ocorreu em 22.4.2009, sendo este o primeiro dia do período de tributação, ou seja, aquele em que o IUC se torna exigível (Cfr. arts. 4º, nº 2 e 6º, nº 3, do CIUC).
d) Considerando-se desaparecido em 31.3.2009, o veículo em causa não integra os pressupostos da incidência objectiva previstos no artigo 2º do CIUC.
e) Por sua vez, o ora Requerente, não integra os pressupostos da incidência subjectiva constantes do artigo 3º do CIUC, não sendo, portanto, sujeito passivo deste imposto referente ao veículo ..., relativo ao ano de 2009, nomeadamente, porque em 22.4.2009, o registo do seu direito de propriedade já não se encontrava, nas palavras da Requerida, “em situação activa”, uma vez que a matrícula se considera cancelada em 31.3.2009.
f) Como assinala o STA “sujeito passivo de um imposto é aquele que a lei indica e em relação ao qual se verificou o facto tributário” (Cfr. Ac. de 9.5.1993 – rec. 12168).
g) Ensina o Prof. PEDRO SOARES MARINEZ que “o pressuposto de facto, no sentido global do conjunto de pressupostos, é sempre indispensável para que qualquer obrigação tributária se constitua “(loc. cit., p. 175).
h) Ora, não se verificando os pressupostos de facto que integram as previsões legais referidas nas precedentes alíneas d) e e) pelos motivos aí referidos, não nasce em 2009, relativamente ao veículo em causa qualquer obrigação de IUC na esfera jurídica do ora Requerente.
Na verdade, no presente caso, nenhum dos pressupostos (objectivo, subjectivo, temporal) indispensáveis ao nascimento da obrigação tributária se encontram verificados.
111. Ao declarar a data de 01/04/2009 como 1º dia do mês de matrícula que corresponde ao 1º dia do período de tributação, em vez de indicar como 1º dia do período de tributação o dia 22.4.2009, dia do aniversário da matrícula e ao não considerar que o veículo em causa se presume desaparecido no dia seguinte ao decurso do prazo de seis meses, ou seja, em 31.3. 2009, e a respectiva matrícula se considera cancelada igualmente neste dia, a AT faz errada interpretação e aplicação do nº1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 78/2008, de 6 de Maio, bem como da alínea e) do nº 1 do artigo 2º, do nº1 do artigo 3º, do nº 2 do artigo 4º conjugado com o nº3 do artigo 6º, todos do CIUC, cometendo desta forma erros sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.
112. Em resultado destes erros sobre os pressupostos de direito em que assentam os actos de liquidação a que se refere o presente pedido de declaração de ilegalidade do Requerente, implícito no seu pedido de reembolso dos montantes que pagou, tem este pedido de ser julgado procedente, justificando-se a anulação dos actos de liquidação em causa com todas as legais consequências, nomeadamente quanto ao reembolso das importâncias pagas.
113. Conquanto o artigo 2º do RJAT apenas atribua explicitamente aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para declarar a ilegalidade de actos de liquidação de tributos, o facto do legislador atribuir ao processo arbitral tributário a natureza de “meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, permite concluir que o objecto dos processos arbitrais é idêntico ao que tem o processo de impugnação judicial (Cfr. art. 124º, nº. 2 da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril).
114. Sendo o processo de impugnação judicial essencialmente um meio contencioso de mera anulação como decorre dos artigos 99º e 124º do CPPT, visa-se com ele eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais.
115. No caso em apreço, o reembolso que o Requerente pretende, enquadra-se na eliminação dos efeitos produzidos pelos actos impugnados, pois trata-se de uma quantia que o Requerente pagou por força dos actos de liquidação impugnados.
III – DECISÃO
Destarte, atento todo o exposto, o presente Tribunal decide:
a) Julgar improcedentes as arguidas excepções de incompetência do presente Tribunal e de ilegitimidade passiva da AT;
b) Não conhecer, consequentemente, do incidente de intervenção provocada deduzida pela Requerida;
c) Julgar procedente por provado, com fundamento em violação de lei, o pedido implícito de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios, formulado pelo Requerente;
d) Anular os actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios a que se refere o documento 2009 587628003 de 18.4 2013, da AT;
e) Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia indevidamente liquidada e paga no montante de € 35,69;
f) Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.
VALOR DO PROCESSO
De acordo com o disposto no artigo 97º-A, nº 1, alínea a) do CPPT e artigo 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 35,69.
CUSTAS
Nos termos do disposto no artigo 22º, nº4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, em conformidade com o estabelecido na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 28 de Março de 2014.
O ÁRBITRO
José António de Jesus dos Anjos
(A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga)