SUMÁRIO: Verificando-se, no caso, que a AT não só não coloca em causa os pressupostos materiais do direito à isenção invocado pela Requerente, como reconhece expressamente a verificação de tais pressupostos, não se poderá concluir, face à jurisprudência do TJUE, de outra forma que não a de que será violador dos princípio da proporcionalidade e da neutralidade fiscal, integrantes dos princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, tal como interpretados pelo TJUE, considerar que, nas circunstâncias em causa no presente processo arbitral, o não cumprimento da exigência formal de apresentação dos documentos aduaneiros de exportação pode levar a que a Requerente perca o seu direito à isenção.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 22 de Agosto de 2019, A..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC..., com sede em ..., ..., ..., ...-... Setúbal, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando, de forma mediata, a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação adicional de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios, no valor global de € 107.022,22, bem como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2014... deduzido contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os mesmos actos de liquidação como objecto:
a) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Janeiro de 2009;
b) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Fevereiro de 2009;
c) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Março de 2009;
d) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Abril de 2009;
e) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Maio de 2009;
f) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Julho de 2009;
g) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Agosto de 2009;
h) liquidação adicional de IVA n.º... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Setembro de 2009;
i) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativas a Outubro de 2009;
j) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Novembro de 2009;
k) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Fevereiro de 2010;
l) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Março de 2010;
m) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Maio de 2010;
n) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Junho de 2010;
o) liquidação adicional de IVA n.º... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa a Julho de 2010;
p) liquidação adicional de IVA n.º... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Agosto de 2010;
q) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Setembro de 2010;
r) liquidação adicional de IVA n.º...e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Outubro de 2010;
s) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Novembro de 2010;
t) liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Dezembro de 2010.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. a decisão de indeferimento do recurso hierárquico padece de vício de forma, por falta de notificação para o exercício do direito de audição, uma vez que a Requerente não teve oportunidade para se pronunciar sobre os factos novos invocados pela AT em sede de apreciação do recurso hierárquico;
ii. existem duas facturas que consubstanciam transmissões de bens que tiveram como destino final embarcações que não chegaram a dar entrada em águas territoriais portuguesas, pelo que ao abrigo do artigo 14.º do Código do IVA, não será de considerar que essas operações estão sujeitas a IVA português;
iii. existem 16 facturas emitidas pela Requerente em cada um dos anos de 2009 e 2010, em que não se verificou a saída das mercadorias do território da União Europeia, pelo que não pode concluir-se pela existência de uma “exportação”, à luz do disposto no artigo 161.º do CAC;
iv. relativamente às 38 facturas que titulam transmissões de bens que correspondem a efectivas exportações, entende a Requerente que os serviços da AT admitiram, em orientações genéricas, que a prova do destino dos bens, exigível nos termos do artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA, se pudesse concretizar com o recurso a outros documentos alternativos que não os documentos alfandegários, pelo que a não aceitação, por parte dos serviços da AT, de documentos probatórios alternativos, constitui uma violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP.
3. No dia 23-08-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 14-10-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 14-11-2019.
7. No dia 16-12-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade unipessoal, residente em território nacional, que iniciou a sua actividade em 16-11-2004, e tem por objecto o fornecimento de válvulas e outros materiais a navios (com a consequente instalação daquelas nos mesmos), encontrando-se inscrita para o exercício da actividade de comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos, em conformidade com o CAE 46690.
2- A Requerente faz parte de um grupo económico holandês “B...” que possui unidades de negócio na Holanda, Portugal, Polónia, França, Las Palmas, Curaçao e Coreia do Sul.
3- O core business da Requerente é a venda de válvulas para navios, sendo os seus clientes, predominantemente, os donos dos navios que atracam no porto de Setúbal, mais concretamente para reparação no estaleiro da ..., os quais estão sediados em países da União Europeia e fora dela.
4- Além da alienação de válvulas para navios, a Requerente dedica-se também ao fornecimento de outro tipo de materiais e equipamentos para utilização em navios.
5- No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações de:
a. transmissão de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações afectas à navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca; e
b. transmissão, transformação, reparação, manutenção, construção, frete e aluguer de embarcações afectas:
i. ao transporte remunerado de passageiros;
ii. a actividades de natureza comercial, industrial ou de pesca; ou
iii. ao salvamento, assistência marítima e pesca costeira (com excepção, em relação a esta última, das provisões de bordo),
e ainda as transmissões, aluguer, reparação e conservação dos objectos, incluindo o equipamento de pesca, incorporados nas referidas embarcações ou que sejam utilizados para a sua exploração.
6- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito geral, aos anos de 2009, 2010 e 2011, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2012..., que teve origem num pedido de reembolso de IVA relativo ao período de 201112.
7- Da análise efectuada em sede inspectiva, a AT verificou que a Requerente se encontrava em permanente situação de crédito de imposto, pelo facto de as exportações e as transmissões intracomunitárias de bens constituírem praticamente a totalidade das operações activas.
8- Nos períodos de Janeiro de 2009 a Agosto de 2012, as prestações de serviços e as transmissões de bens declaradas pela Requerente como isentas, representaram, no seu conjunto, 97% das suas operações activas (expurgadas do valor das aquisições intracomunitárias em que o sujeito passivo procede à liquidação de imposto na qualidade de adquirente).
9- A Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção e para, querendo, exercer direito de audição.
10- Em 21-12-2012, a Requerente exerceu direito de audição.
11- A Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária que manteve todas as correcções que constavam do projecto de relatório de inspecção, tendo a AT sustentado que “os fornecimentos efetuados pela A... a navios se enquadram na alínea a) do n.º 2 do seu [do DL 180/88] artigo 1.º, sendo por isso uma operação assimilada a exportação, sendo obrigatória a entrega numa estância aduaneira de uma declaração de exportação. De onde se conclui que para usufruir da isenção prevista no artigo 14.º do CIVA a empresa deverá proceder conforme determina o referido diploma, procedendo à entrega de declaração de exportação junto de uma estância aduaneira”.
12- Concluiu, ainda, a AT que “a A... procedeu à emissão de facturas, correspondentes a fornecimentos de diversas mercadorias a navios de navegação em alto mar, sem liquidação de IVA, ao abrigo da isenção prevista nas alíneas d) e f) do artigo 14.º do CIVA, sem que apresentasse o correspondente documento alfandegário, obrigatório para este tipo de operações nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 180/88, de 20 de Maio, para que se possa beneficiar da correspondente isenção”.
13- A AT entendeu que a 72 facturas emitidas pela Requerente (35 emitidas em 2009 e 37 emitidas em 2010), não era aplicável a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alíneas d) e f) do Código do IVA aplicável, por a Requerente não dispor do correspondente “documento alfandegário apropriado”, nos termos dos n.ºs 8 e 9 do artigo 29 do mesmo diploma.
14- O navio ..., a que se refere a factura n.º 6900030, emitida em 03-02-2009, e o navio ..., a que se refere a factura n.º 6100339, emitida em 07-10-2010, não estavam em território português, aquando das operações tituladas por aquelas facturas.
15- Os navios a que se referem as seguintes facturas, encontravam-se em território português aquando das operações tituladas por aquelas, e o primeiro porto de destino, após a respectiva estadia em território nacional, foi um porto situado em território dos seguintes países:
i. Factura n.º 32, de 09.02.2009 –Reino Unido;
ii. Factura número 33, de 09.02.2009 – Reino Unido;
iii. Factura número 57, de 17.02.2009 – Espanha;
iv. Factura número 59, de 19.02.2009 – Reino Unido;
v. Factura número 61, de 19.02.2009 – Holanda;
vi. Factura número 70, de 04.03.2009 – Alemanha;
vii. Factura número 77, de 06.03.2009 –Espanha;
viii. Factura número 82, de 10.03.2009 –Espanha;
ix. Factura número 112, de 01.04.2009 – Holanda;
x. Factura número 115, de 03.04.2009 – Holanda;
xi. Factura número 125, de 20.04.2009 – Holanda;
xii. Factura número 126, de 20.04.2009 – Holanda;
xiii. Factura número 127, de 20.04.2009 – Holanda;
xiv. Factura número 128, de 20.04.2009 – Holanda;
xv. Factura número 151, de 08.05.2009 – Holanda;
xvi. Factura número 298, de 09.09.2009 – Reino Unido;
xvii. Factura número 181, de 27.05.2010 – Suécia;
xviii. Factura número 191, de 07.06.2010 – Reino Unido;
xix. Factura número 192, de 07.06.2010 – Reino Unido;
xx. Factura número 206, de 25.06.2010 –Espanha;
xxi. Factura número 208, de 25.06.2010 –Espanha;
xxii. Factura número 210, de 29.06.2010 –Espanha;
xxiii. Factura número 230, de 22.07.2010 –Espanha;
xxiv. Factura número 251, de 09.08.2010 –Espanha;
xxv. Factura número 275, de 18.08.2010 – Reino Unido;
xxvi. Factura número 298, de 08.09.2010 – Reino Unido;
xxvii. Factura número 299, de 08.09.2010 –França;
xxviii. Factura número 313, de 15.09.2010 – Reino Unido;
xxix. Factura número 321, de 23.09.2010 – Reino Unido;
xxx. Factura número 315, de 20.09.2010 –Espanha;
xxxi. Factura número 337, de 07.10.2010 –Espanha; e
xxxii. Factura número 462, de 22.12.2010 –Espanha.
16- Os navios a que se referem as seguintes facturas, encontravam-se em território português aquando das operações tituladas por aquelas, e o primeiro porto de destino, após a respectiva estadia em território nacional, foi um porto situado em território dos seguintes países:
i. Factura número 2, de 14.01.2009 – Brasil;
ii. Factura número 3, de 14.01.2009 – Brasil;
iii. Factura número 5, de 21.01.2009 – Gibraltar;
iv. Factura número 6, de 21.01.2009 – Gibraltar;
v. Factura número 7, de 21.01.2009 – Brasil;
vi. Factura número 8, de 21.01.2009 – Brasil;
vii. Factura número 9, de 21.01.2009 – Brasil;
viii. Factura número 60, de 19.02.2009 – Trinidad e Tobago;
ix. Factura número 99, de 30.03.2009 – Gibraltar;
x. Factura número 172, de 22.05.2009 – Argélia;
xi. Factura número 182, de 28.05.2009 – Gibraltar;
xii. Factura número 248, de 09.07.2009 – Gibraltar;
xiii. Factura número 294, de 31.08.2009 – Estados Unidos da América;
xiv. Factura número 286, de 31.08.2009 – Gibraltar;
xv. Factura número 300, de 15.09.2009 – Gibraltar;
xvi. Factura número 301, de 15.09.2009 – Gibraltar;
xvii. Factura número 303, de 16.09.2009 – Turquia;
xviii. Factura número 334, de 12.10.2009 –os Estados Unidos da América;
xix. Factura número 424, de 24.11.2009 – Tenerife;
xx. Factura número 425, de 24.11.2009 – Tenerife;
xxi. Factura número 426, de 24.11.2009 – Tenerife;
xxii. Factura número 427, de 24.11.2009 – Tenerife;
xxiii. Factura número 428, de 24.11.2009 – Tenerife;
xxiv. Factura número 429, de 24.11.2009 – Tenerife;
xxv. Factura número 363, de 30.11.2009 –o Brasil;
xxvi. Factura número 43, de 18.02.2010 – Algeciras;
xxvii. Factura número 74, de 29.03.2010 – Argélia;
xxviii. Factura número 192, de 07.06.2010 –os Estados Unidos da América;
xxix. Factura número 207, de 25.06.2010 –o Canadá;
xxx. Factura número 209, de 28.06.2010 –o Brasil;
xxxi. Factura número 232, de 23.07.2010 – Aruba;
xxxii. Factura número 280, de 25.08.2010 – Noruega;
xxxiii. Factura número 281, de 25.08.2010 – Noruega;
xxxiv. Factura número 297, de 07.09.2010 – Gibraltar;
xxxv. Factura número 333, de 28.09.2010 – Gibraltar;
xxxvi. Factura número 344, de 11.10.2010 –o Canadá;
xxxvii. Factura número 463, de 23.12.2010 – Marrocos; e
xxxviii. Factura número 465, de 23.12.2010 – Marrocos.
17- Na sequência das correcções efetuadas pela AT em sede de inspecção tributária, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios:
a. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Janeiro de 2009;
b. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Fevereiro de 2009;
c. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Março de 2009;
d. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Abril de 2009;
e. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Maio de 2009;
f. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Julho de 2009;
g. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Agosto de 2009;
h. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativas a Setembro de 2009;
i. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Outubro de 2009;
j. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Novembro de 2009;
k. liquidação adicional de IVA n.º... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Fevereiro de 2010;
l. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Março de 2010;
m. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Maio de 2010;
n. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Junho de 2010;
o. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa a Julho de 2010;
p. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Agosto de 2010;
q. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Setembro de 2010;
r. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Outubro de 2010;
s. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Novembro de 2010;
t. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Dezembro de 2010.
18- A Requerente procedeu, em 20-03-2013, ao pagamento das referidas liquidações no montante global de €107.022,22.
19- Não se conformando com as referidas liquidações, a Requerente apresentou, em 29-07-2013, reclamação graciosa.
20- Através do ofício n.º ... de 10-10-2013 foi a Requerente notificada da projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer direito de audição.
21- A Requerente exerceu direito de audição tendo carreado para o procedimento de reclamação graciosa as facturas emitidas, acompanhadas de registos extraídos da página online www... .
22- A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
23- Não se conformando com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente apresentou em 16-12-2013, recurso hierárquico.
24- A Requerente não foi notificada para exercer direito de audição prévia à decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
25- Através do Ofício n.º..., de 26-06-2015, a Requerente foi notificada do despacho proferido no dia 03-06-2015, no qual se indeferiu o recurso hierárquico.
26- Da decisão de indeferimento do recurso hierárquico consta, além do mais, o seguinte:
“(…) para além das irregularidades detetadas pelos SIT, em algumas das facturas emitidas nos anos de 2009 e 2010, o peso dos bens relevado não coincide com o dos bens constantes na “packing list” assinada pelos representantes do navio, ou não foi comprovado o embarque dos bens por inexistência desse documento, conforme consta nos quadros seguintes (…)”;
“Constata-se ainda que foram remetidas cópias das facturas em anexo à petição do recurso hierárquico, relativamente às quais não foi respeitado o disposto na alínea e), n.º 5, do art.º 36.º do CIVA, de que as facturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter o motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso (…) A recorrente não emitiu as facturas mencionando qual a disposição do IVA para a não aplicação do imposto nos termos do art. 36.º, n.º 5, do CIVA”;
“Ademais, foi solicitada a colaboração à Alfândega de Setúbal no sentido de se confirmar se (…) existem (ou podem existir) situações em que não há a intervenção dos serviços aduaneiros, bastando, desse modo, para efeitos de comprovação da isenção, a exibição de declarações emitidas pelos adquirentes dos bens indicando o destino que lhes foi dado. Em resposta, a Alfândega pronunciou-se e sancionou o entendimento que a seguir se transcreve (…) Nas situações previstas (…) para as operações de transmissão de bens de abastecimento postos a bordo de embarcações afectas à navegação de alto-mar (…) é comprovada através da respetiva declaração aduaneira de exportação com a confirmação de saída da União Europeia (…) A confirmação da exportação far-se-á apenas com a apresentação do exemplar 3 da declaração aduaneira de exportação em causa”.
27- Refere, ainda, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que “a recorrente já foi notificada, em sede de reclamação graciosa, para exercer o direito de audição sobre a situação em apreço. Assim, tendo em consideração o disposto no n.º 3 do art.º 60 da LGT, e as instruções sobre o direito de audição veiculadas através na alínea c) do n.º 3 da Circular n.º 13, de 1999-07-08, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, somos de parecer que é de dispensar nova audição”.
28- Em 30-09-2015, a Requerente apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada impugnação judicial que correu termos sob o n.º.../15...BEALM.
29- Em 19-08-2019, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, a Requerente apresentou requerimento de desistência da instância junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
A questão principal que se apresenta a decidir nos presentes autos de processo arbitral, é a de saber se se encontram verificados os pressupostos de que depende a aplicação da isenção de IVA prevista nas alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA aplicável, às operações realizadas pela Requerente, referente a embarcações afectas à navegação marítima em alto mar.
Sendo, pacífico, in casu, que estão verificados os pressupostos previstos naquelas referidas alíneas (conforme decorre do RIT e dos artigos 13.º a 14.º da Resposta), o epicentro do litígio sub iudice radica no disposto no artigo 29.º, números 8 e 9 do CIVA aplicável, que dispõe que:
“8 — As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.
9 — A falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.”.
Relativamente a esta matéria, e no que para o caso importa, alega a Requerente que, em suma, que se deverá reputar suficiente, para o cumprimento destes transcritos normativos, a apresentação de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado (cfr. ponto 60. das alegações da Requerente).
Já a Requerida, considera que, estando-se perante o exercício de operações assimiladas a exportações, terá de ser chamado à colação o regime previsto no Decreto-Lei n.º 180/88, de 20 de Maio, pelo que, para que as operações em questão beneficiem da isenção em questão, devem aquelas operações ser comprovadas através de documentos alfandegários apropriados, sob pena da aplicação do n.º 9 do artigo 29.º acima citado, ou seja, da obrigação de liquidar o imposto.
Vejamos.
Nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 180/88, de 20 de Maio:
“1 - O presente diploma visa regular a exportação de mercadorias do território aduaneiro nacional quando forem enviadas, por qualquer via, para um Estado membro da Comunidade Europeia ou para um país terceiro, bem como para outros destinos equiparados a uma exportação, sem prejuízo das disposições adoptadas no âmbito da política agrícola comum.
2 - Consideram-se destinos assimilados a uma exportação as seguintes operações:
a) Fornecimento de mercadorias para abastecimento de embarcações destinadas à navegação marítima e das aeronaves que fazem serviço nas linhas internacionais, nelas compreendendo as linhas intracomunitárias;(...)”.
Face à norma legal referida, dúvidas não restarão, nem a Requerente as formula, de que, do ponto de vista da legislação nacional, a documentação alfandegária apropriada será, no caso de “Fornecimento de mercadorias para abastecimento de embarcações destinadas à navegação marítima”, a emitida em execução do referido Decreto-Lei n.º 180/88, de 20 de Maio.
Aqui chegados, a Requerente sustenta que se devem divisar dois tipos de operações, aquelas relativas a embarcações que se confinariam no espaço marítimo da União Europeia, e aquelas relativas a embarcações que viajaram para o exterior do mesmo, devendo às primeiras ser dado o tratamento jurídico correspondente às transmissões intracomunitárias de bens, e às segundas o tratamento correspondente às exportações.
Embora não relevante para a solução que se julga de dar ao caso, dir-se-á que não se subscreve tal divisão, e que, em todo o caso, a Requerente não demonstra – nem se julga que lhe fosse possível, pelo menos na maioria dos casos, demonstrar – os pressupostos de facto em que assenta a sua argumentação.
Com efeito, e começando por esta última parte, as embarcações a que se reportam a isenção em discussão nos presentes autos – embarcações, para além do mais destinadas à navegação no alto mar - são estruturas móveis , que, portanto, e sob um ponto de vista de normalidade, tanto podem, a qualquer momento, estar em território aduaneiro da União, como, noutro momento não estar.
Assim, embora possa a Requerente provar que, após as operações que realizou relacionadas com determinada embarcação, esta seguiu para um porto situado em território europeu, ou fora dele, tal nada dirá sobre se passado um mês, ou um ano, o mesmo não saiu ou entrou em tal território, uma ou mais vezes.
Daí que, por natureza, careça de fundamento pretender caracterizar como transmissões intracomunitárias, ou como exportações, as operações realizadas, conforme a embarcação envolvida na mesma tenha seguido para território aduaneiro europeu, ou para fora dele.
De resto, se houvesse algum propósito de conferir tratamentos distintos às mesmas operações ora em causa, o critério seguramente seria o da nacionalidade da bandeira da embarcação, já que, como é consabido, segundo as normas internacionais relativas ao direito do mar , as embarcações consideram-se território do estado onde estão embandeiradas.
Por isso mesmo, não resulta do regime comum do IVA – minimamente – que haja um tratamento não unitário para as operações a que se reportam as alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA aplicável, ora em questão.
Tais operações integram um tipo único, independentemente do destino imediato ou de médio ou longo prazo da embarcação, e são assimiladas a exportações .
Face ao exposto, não se acolhe a argumentação da Requerente relativa à divisão das operações em causa nos presentes autos entre transmissões intracomunitárias e exportações, e consequentemente no que respeita ao tratamento a dar às que integrariam aquele primeiro grupo.
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No que respeita às operações que devam ser equiparadas a exportações, e que como tal foram tratadas pela AT, na fundamentação dos actos impugnados, que como se viu, são todas elas , argumenta a Requerente, em suma, que a exigência de documentos alfandegários, para os efeitos da isenção que reclama, é uma formalidade ad probationem, que não deve prejudicar aquela, verificados que sejam os requisitos substanciais – que não só não são contestados, como são expressamente reconhecidos pela AT – enquanto a requerida nada alega a tal propósito, limitando-se a pugnar pela aplicação literal dos n.ºs 8 e 9 do artigo 29.º do CIVA aplicável, em conjugação com o supra-referido Decreto-Lei n.º 180/88, de 20 de Maio.
Nesta matéria não se poderá concluir de outra maneira, julga-se, que não no sentido pugnado pela Requerente.
Com efeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem afirmado, reiteradamente, que, não só no que diz respeito ao direito à dedução , como no que diz respeito às isenções, o direito do sujeito passivo não pode ser negado pela mera não verificação de requisitos formais, quando estejam demonstrados os requisitos substanciais daquele direito, desde que não haja suspeitas ou indícios de fraude ou abuso.
Assim, e restringindo-se a análise aos casos relativos ao direito à isenção, afirmou já taxativamente o TJUE que:
“29. Por conseguinte, a qualificação de uma operação como entrega para exportação nos termos do artigo 146.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva IVA não pode depender da colocação dos bens em causa sob o regime aduaneiro de exportação, cujo incumprimento tenha por consequência privar definitivamente o sujeito passivo da isenção na exportação. (v., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading, C‑563/12, EU:C:2013:854, n.º 27).
28. Contudo, e em segundo lugar, cabe aos Estados‑Membros fixar, em conformidade com o artigo 131.o da Diretiva IVA, as condições da isenção das operações de exportação com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções previstas por esta diretiva e evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso. No exercício dos seus poderes, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais se inclui o princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 37).
29. Em relação a este princípio, importa salientar que uma medida nacional vai para além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas (Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.o 38).
30. A este respeito, uma condição como a prevista no artigo 66.º, n.º 1, da Lei n.º 235/2004, que impede a concessão de uma isenção de IVA a uma entrega de bens que não tenham sido colocados sob o regime aduaneiro de exportação, ainda que seja ponto assente que esses bens foram efetivamente exportados em conformidade com os critérios recordados no n.º 24 do presente acórdão, e que, por conseguinte, esta entrega corresponde, pelas suas características objetivas, às condições de isenção previstas no artigo 146.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva IVA, não respeita o princípio da proporcionalidade.
31. Com efeito, impor tal condição equivaleria a fazer depender o direito à isenção do cumprimento de obrigações formais, na aceção da jurisprudência citada no n.º 29 do presente acórdão, sem examinar a questão de saber se os requisitos de fundo impostos pelo direito da União foram ou não efetivamente satisfeitos. A simples circunstância de um exportador não ter colocado os bens em causa sob o regime aduaneiro da exportação não implica que essa exportação não tenha efetivamente ocorrido (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 50).
32. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, só existem dois casos em que o incumprimento de um requisito formal pode implicar a perda do direito à isenção de IVA (Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 40).
33. Em primeiro lugar, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser invocado, para efeitos da isenção de IVA, por um sujeito passivo que tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é contrário ao direito da União exigir a um operador que aja de boa‑fé e tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal. Na hipótese de o sujeito passivo em causa saber ou dever saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e de não ter tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar essa fraude, deve ser‑lhe recusado o direito à isenção de IVA (Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 41). (...)
35 Por outro lado, a violação de um requisito formal pode levar a uma recusa de isenção de IVA se essa violação tiver por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo (Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 42). (...)
37. Contudo, como resulta do n.º 25 do presente acórdão, não foi alegado no processo principal que a falta de colocação dos bens em causa sob o regime aduaneiro de exportação tenha impedido de provar que os requisitos materiais, in casu, a saída efetiva dos bens do território da União, foram cumpridas.
38. Daqui decorre que, em circunstâncias como as do processo principal, o não cumprimento da exigência formal de colocação dos bens destinados a exportação sob o regime aduaneiro da exportação não pode levar a que o exportador perca o seu direito à isenção à exportação, desde que provada a saída efetiva dos bens em causa do território da União.” .
Esta jurisprudência foi reafirmada no Acórdão “Unitel sp. z o.o.”, proferido no processo C‑653/18 , onde se pode, para além do mais, ler:
“27. Em relação ao princípio da proporcionalidade, importa salientar que uma medida nacional vai além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas (Acórdãos de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 38, e de 28 de março de 2019, Vinš, C‑275/18, EU:C:2019:265, n.º 29).
28 Além disso, quando os requisitos materiais forem cumpridos, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida mesmo que certos requisitos formais tenham sido preteridos pelos sujeitos passivos (Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.o 39).
29. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, só existem dois casos em que o incumprimento de um requisito formal pode implicar a perda do direito à isenção de IVA (Acórdãos de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 40, e de 28 de março de 2019, Vinš, C‑275/18, EU:C:2019:265, n.o 32).
30. Por um lado, a violação de um requisito formal pode levar a uma recusa de isenção de IVA se essa violação tiver por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo (Acórdãos de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 42, e de 28 de março de 2019, Vinš, C‑275/18, EU:C:2019:265, n.º 35).
31. Por conseguinte, se a falta de identificação do verdadeiro adquirente impedir, num determinado caso, a prova de que a operação em questão constitui uma entrega de bens na aceção do artigo 146.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Diretiva IVA, esta circunstância pode levar à recusa de concessão do benefício da isenção de exportação prevista nesse artigo. Em contrapartida, exigir em todos os casos que o adquirente dos bens no país terceiro seja identificado, sem investigar se estão reunidas as condições materiais para esta isenção, designadamente a saída dos bens em causa do território aduaneiro da União, não respeita nem o princípio da proporcionalidade nem o princípio da neutralidade fiscal.
32. No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que é facto assente que os produtos em causa no processo principal foram vendidos, que foram expedidos para fora da União e que deixaram fisicamente o território da União, de modo que, sob reserva da verificação desses factos, que incumbe ao órgão jurisdicional nacional, o preenchimento dos critérios a satisfazer por uma transação para constituir uma entrega de bens, na aceção do n.º 1, alíneas a) e b), do artigo 146.o da Diretiva IVA, parece claro, não obstante o facto de os adquirentes efetivos desses bens não terem sido identificados.
33. Por outro lado, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser invocado para efeitos da isenção de IVA por um sujeito passivo que tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é contrário ao direito da União exigir a um operador que atue de boa‑fé e tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal. Na hipótese de o sujeito passivo em causa saber ou dever saber que a operação que efetuou fazia parte de uma fraude cometida pelo adquirente e de não ter tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar esta fraude, o direito à isenção deveria ser‑lhe recusado (Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cartrans Spedition, C‑495/17, EU:C:2018:887, n.º 41, e de 28 de março de 2019, Vinš, C‑275/18, EU:C:2019:265, n.º 33).
34. Em contrapartida, o fornecedor não pode ser considerado responsável pelo pagamento do IVA independentemente do seu envolvimento na fraude cometida pelo comprador. Com efeito, seria claramente desproporcionado imputar ao sujeito passivo a responsabilidade pela perda de receitas fiscais causada pela atuação fraudulenta de terceiros sobre os quais não tem nenhuma influência (v, neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt, C‑271/06, EU:C:2008:105, n.º 23).
35. No Acórdão de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading (C‑563/12, EU:C:2013:854), a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça observa, no seu n.º 40, que, numa situação em que as condições da isenção na exportação previstas no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva IVA estão cumpridas, ou seja, estando provada a saída dos bens em causa do território aduaneiro da União, não é devido IVA em virtude de tal entrega e já não existe, em princípio, um risco de fraude fiscal ou de perdas fiscais que possa justificar a tributação da operação.”.
No presente caso, será pacífico, julga-se, que a documentação alfandegária apropriada constitui um requisito formal do direito à isenção, servindo, unicamente, para facilidade de prova dos requisitos substanciais ou materiais daquele direito, já que não contende com o fundamento e âmbito de tal direito .
Assim sendo, como é, e verificando-se, no caso, que a AT não só não coloca em causa os pressupostos materiais do direito à isenção invocado pela Requerente, como reconhece expressamente, como se viu já atrás, a verificação de tais pressupostos, não se poderá concluir, face à taxativa e inequívoca jurisprudência do TJUE que se vem de citar, de outra forma que não a de que será violador dos princípio da proporcionalidade e da neutralidade fiscal, integrantes dos princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, tal como interpretados pelo TJUE, considerar que, nas circunstâncias em causa no presente processo arbitral, o não cumprimento da exigência formal de apresentação dos documentos aduaneiros de exportação pode levar a que a Requerente perca o seu direito à isenção.
Este mesmo entendimento tem vindo a ser acolhido, como não podia deixar de ser, na jurisprudência nacional, tendo-se escrito no Acórdão do STA de 03-05-2018, proferido no processo 0696/17, em situação, no que importa, análoga à dos presentes autos, que:
“II - O registo do adquirente dos bens como sujeito passivo de IVA no Estado membro de entrega, constitui uma exigência formal que, de per si, não põe em causa o direito do fornecedor à isenção do IVA, verificados que estejam os requisitos materiais, de fundo, do direito à isenção de IVA de uma entrega intracomunitária na acepção do artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva IVA.
III - Demonstrando-se nos autos que os bens em causa foram expedidos por conta do vendedor (a recorrente) e saíram fisicamente do território nacional para outro Estado membro, tendo sido entregues a um legal representante do adquirente, ao qual foi transmitido o direito de dispor dos mesmos como proprietário, estando também comprovado que o adquirente é um sujeito passivo que age enquanto tal nas operações em causa, haverá de se concluir que estão verificados os requisitos materiais, de fundo, do direito à isenção de IVA de uma entrega intracomunitária na acepção do artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva IVA.”.
Mais se esclarecendo no mesmo aresto, que o direito da União Europeia “tem efeito directo, de forma a poder ser invocado pelos sujeitos passivos contra o Estado, nos órgãos jurisdicionais nacionais, com vista a obter uma isenção do imposto sobre o valor acrescentado a título de uma entrega intracomunitária.”.
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Em sede de recurso hierárquico, a AT veio consignar que, para além da questão do incumprimento do disposto no art.º 29.º, n.ºs 8 e 9, do CIVA aplicável, tal como por si interpretados, se verificariam outros óbices relativos ao direito à dedução, nos termos melhor explicitados no ponto 26 da matéria de facto dada como provada.
Nesta matéria, é jurisprudência sedimentada do STA que:
“I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.” .
Mais tem entendido o STA que:
“Ainda que ulteriormente, aquando do indeferimento da reclamação graciosa contra aquela liquidação, a AT tenha vindo a indicar as normas que, a seu ver, impunham aquela prova, essa fundamentação não pode ser usada para aferir da validade formal do acto impugnado, uma vez que a nossa ordem jurídica não confere relevância à fundamentação a posteriori.” .
Daí que, face à jurisprudência citada, não possam os fundamentos invocados ex novo, na decisão do recurso hierárquico, colmatar a invalidade que se verifique no acto de liquidação, que é o objecto da acção arbitral, sem prejuízo de, em respeito pelo julgado, poder a AT praticar novo acto de liquidação .
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Nestes termos, e face a todo o exposto, deve ser julgada procedente a presente acção arbitral, anulando-se os actos de liquidação que constituem o seu objecto, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente.
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Cumula a Requerente, com o pedido anulatório da liquidação, o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituída a quantia paga indevidamente, em excesso, pela Requerente, relativamente aos acto tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Efectivamente, como se escreveu no Ac. do STA de 18-01-2017, proferido no processo 0890/16, “O facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais.”.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efectuados, e calculados com base no respectivo valor do excesso de imposto liquidado e pago, até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT), à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2014... deduzido contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os seguintes actos de liquidação como objecto, anulando igualmente esses mesmos actos:
i. liquidação adicional de IVA n.º ...e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Janeiro de 2009;
ii. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Fevereiro de 2009;
iii. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Março de 2009;
iv. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Abril de 2009;
v. liquidação adicional de IVA n.º... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Maio de 2009;
vi. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativas a Julho de 2009;
vii. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Agosto de 2009;
viii. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Setembro de 2009;
ix. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Outubro de 2009;
x. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Novembro de 2009;
xi. liquidação adicional de IVA n.º... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Fevereiro de 2010;
xii. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Março de 2010;
xiii. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativas a Maio de 2010;
xiv. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Junho de 2010;
xv. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativa a Julho de 2010;
xvi. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º ..., relativas a Agosto de 2010;
xvii. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Setembro de 2010;
xviii. liquidação adicional de IVA n.º... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Outubro de 2010;
xix. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Novembro de 2010;
xx. liquidação adicional de IVA n.º ... e liquidação de juros compensatórios n.º..., relativas a Dezembro de 2010;
b) Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante indicado infra.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 107.022,22, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2020
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(José Nunes Barata)
O Árbitro Vogal
(Filipa Barros)