Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 39/2014-T
Data da decisão: 2014-07-30  IMI  
Valor do pedido: € 1.277,20
Tema: IMI – Ilegalidade do acto tributário por falta de fundamentação
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório                                                                          

 

            1.1. A... (doravante designado por «requerente»), contribuinte com o NIF …, com domicílio na Rua …, …, tendo sido notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º … e do consequente acto de liquidação de IMI (n.º …, datado de 11/7/2013), apresentou, em 17/1/2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 99.º do CPPT e 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 2, al. c), do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a "anulação do decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa número ... e consequente declaração de ilegalidade do acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) subjacente (Liquidação de IMI número ..., de 11/7/2013)".

 

            1.2. Em 21/3/2014 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta em 2/5/2014, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido do requerente.

 

            1.4. Por despacho de 7/7/2014, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. As partes foram notificadas desta intenção, tendo em vista pronunciarem, no prazo estabelecido, se assim o entendessem. Ambas as partes concordaram com a dispensa da referida reunião.

 

            1.5. Nos termos do disposto nos arts. 16.º, alíneas c) e e), e 19.º, do RJAT, o Tribunal considerou, por despacho de 18/7/2014, dispensável a produção de alegações (escritas ou orais), por entender que as mesmas se poderiam revelar redundantes e, ainda, porque existiam nos autos os elementos suficientes, quer de facto, quer de direito, para proferir a decisão. As partes foram notificadas deste despacho para se pronunciarem no prazo estabelecido. O ora requerente comunicou aceitar a dispensa das referidas alegações.

 

            1.6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

            2.1. Vem o ora requerente alegar, na sua petição inicial: a) "que a liquidação adicional de IMI é ilegal por falta de fundamentação"; b) "que a liquidação adicional de IMI é ilegal por inexistência de norma habilitante"; c) "que a liquidação adicional é ilegal por incidir sobre um VPT apurado após verificação do facto tributário"; e d) "que a liquidação adicional de IMI reveste natureza retroactiva, e como tal é inconstitucional".

 

            2.2. Conclui o ora requerente pelo "provimento [do] presente pedido [...], declarando-se a ilegalidade da liquidação adicional de IMI sub judice." Pede, por último, a indemnização "pelos encargos incorridos com a prestação de garantia indevida".  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que não assiste qualquer razão ao requerente nos vícios invocados. Conclui, por tal motivo, que "a presente acção deve ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a Requerida do pedido".

 

            2.4. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) O ora requerente é proprietário do prédio urbano, constituído em propriedade plena, sito na Rua …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia da …, concelho e distrito de …, conforme consta da Caderneta Predial Urbana (doc. n.º 1 do PA apenso aos autos).

 

            ii) O prédio urbano ora em causa é composto por 3 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, respectivamente identificados na Caderneta Predial Urbana como "CVRC", "1.º" e "AGFT", os quais se encontram afectos a "habitação" (doc. n.º 1 do PA).

 

            iii) Por documento de cobrança n.º 2012 …, de 7/3/2013, foi o ora requerente notificado da liquidação de IMI incidente sobre o prédio urbano acima descrito, referente ao ano de 2012, no valor global de €507,29. O documento de cobrança dizia respeito à primeira prestação de IMI, fixada no valor de €169,10 (doc. n.º 2 do PA).

 

            iv) Por documento de cobrança n.º 2012 …, também de 7/3/2013, foi o ora requerente notificado do valor correspondente à segunda prestação de IMI sobre o mesmo prédio urbano já acima descrito, em igual valor de €169,10 (doc. n.º 3 do PA).             

 

            v) Por último, por documento de cobrança n.º 2012 …, de 11/7/2013, foi o ora requerente notificado da terceira prestação de IMI do ano de 2012 do prédio em causa, no valor de €1277,20 (doc. n.º 4 do PA).

 

            vi) Não se conformando com os termos da liquidação subjacente ao documento de cobrança n.º 2012 …, o ora requerente deduziu, em 28/11/2013, reclamação graciosa da referida liquidação (vd. fls. 3 ss. do PA).

            vii) A 28/11/2013, o requerente prestou garantia bancária de €1596,50 (fl. 42 do PA), a qual foi reforçada por depósito caução de €115,00 a 18/12/2013 (doc. 10 apenso à petição).

 

            viii) Por Ofício n.º …, de 30/12/2013, foi o ora requerente notificado da decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa (fl. 60 do PA).            

 

            2.5. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

           

            III – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            No presente caso, são quatro as questões de direito controvertidas: a) saber se "a liquidação adicional de IMI é ilegal por falta de fundamentação"; b) saber se "a liquidação adicional de IMI é ilegal por inexistência de norma habilitante"; c) saber se "a liquidação adicional é ilegal por incidir sobre um VPT apurado após verificação do facto tributário"; e saber se d) "a liquidação adicional de IMI reveste natureza retroactiva". Uma nota final justifica-se quanto ao pedido de indemnização por alegada prestação de garantia indevida [e)].

 

            Vejamos, então.

 

            a) Alega o ora requerente que "a liquidação adicional de IMI é ilegal por falta de fundamentação", uma vez que, no seu entender, "do documento de cobrança da pretensa «3.ª Prestação» de IMI não consta qualquer menção ao facto de se estar perante uma liquidação adicional de IMI, nem tão pouco às razões de facto subjacentes ou sequer às disposições legais aplicadas. [...] E nem se pretenda que a referência constante do documento de cobrança que infra se transcreve corresponde à justificação legal da liquidação, pois que a mesma não permite, nem reconstituir o juízo valorativo percorrido pelos serviços da AT e que terá determinado a prática do acto sub judice, nem tão pouco identificar a norma habilitante na qual aquele acto se sustenta."

 

            Na sua resposta, a AT concluiu, a este respeito, que "não assiste razão ao Requerente quanto a esta matéria [...] [visto que] a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais a prosseguir. [...]. [Apesar da] consagração de uma fundamentação padronizada e informatizada, [a mesma não deixou] de observar o disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária nem coloca em causa as finalidades garantísticas do direito à fundamentação. Em segundo lugar, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação [...], cabia ao Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT. [...]. Ora, não tendo o Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o ato sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado. [...]. Ainda que o ato sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador - o que só por mera hipótese académica se admite - tais deficiências degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais. Uma vez que, ainda assim, tais deficiências permitem o cabal esclarecimento do seu destinatário, possibilitando-lhe insurgir-se contra elas, como, aliás, fez o Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral."

 

            Também na proposta de decisão que serviu de base para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo aqui requerente, se justificou que, "consultando as liquidações notificadas ao reclamante e juntas a fls. 30 a 34, conclui-se que está em causa Imposto Municipal sobre Imóveis, com a identificação fiscal do sujeito passivo, o ano de imposto a que se refere - 2012 - e a identificação do documento e respectiva data de liquidação - 11-07-2013. Consta ainda a identificação do prédio - com o respectivo municipio/ freguesia/artigo matricial - … (extinta) - Urbano … - AGFT, CVRC e 1.º, o valor patrimonial tributário, o valor isento - 0 -, a taxa aplicada - 0,30% - e a colecta. É identificada ainda a importância a pagar relativa prestação em causa e ainda a data limite de pagamento da mesma - Novembro/2013. Acresce ainda a informação de que foi observada a aplicação da cláusula de salvaguarda prevista na lei. Identifica o IMI como Imposto cuja receita é municipal, senda as taxas aplicadas fixadas por deliberação da Assembleia Municipal - art. 112.º do CIMI e ainda que poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 76.º e 102.º do CPPT."

 

            Com efeito, observando-se o documento de cobrança que consta do doc. n.º 3 do PA apenso, verifica-se que os elementos supra indicados estão presentes. Contudo, a questão que se coloca é a seguinte: são tais elementos suficientes para se poder afirmar que os deveres de fundamentação do acto estão devidamente preenchidos?

 

            Genericamente, e como se nota no seguinte acórdão, "se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado [...]. Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. [...]. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final." (Acórdão do TCAS de 4/12/2012, proc. 6134/12).

 

            Ora, a esta luz, constata-se que, embora os elementos discriminados na proposta de decisão constem do documento de cobrança ora em causa, também é notória a obscuridade e a insuficiência da fundamentação, ambas redundando na conclusão de que o referido acto se deve considerar não fundamentado.

 

            Com efeito, verifica-se que: 1) a indicação de que o IMI "é receita municipal", ou de que "as taxas são fixadas por deliberação da Assembleia Municipal", nada diz ou esclarece sobre a motivação do acto (o mesmo se pode dizer quanto à indicação de que o requerente "poderá reclamar ou impugnar a liquidação"); 2) se informa que "na liquidação do IMI foram aplicadas as cláusulas de salvaguarda previstas na lei [...] ou o art. 138.º do CIMI" (itálico nosso), o que denuncia, de forma clara, a utilização de uma formulação dúbia que não permite determinar - para utilizar as palavras do Acórdão do TCAS acima referido -, com a necessária "perfeição, o sentido das razões que determinaram a prática do acto".

 

            Convém referir que este tipo de questão, relativa à fundamentação dos documentos de cobrança de IMI, já foi objecto de análise em diversos acórdãos.

 

            Assim, por exemplo, ver os seguintes acórdãos: "Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (art. 268.º, n.º 3, art. 77.º da LGT e art. 125.º do CPA). A fundamentação do acto de fixação do VPT, quer resulte de avaliação quer resulte de actualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI a liquidar com base nessa matéria tributável. Se o não tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o VPT, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada, tanto mais que o n.º 2 do art. 77.º da LGT impõe que a fundamentação dos actos tributários seja integrada, entre o mais, pelas operações de apuramento da matéria tributável." (Acórdão do STA de 19/9/2012, proc. 659/12); "É [...] inequívoco [...] que o documento de cobrança remetido ao Contribuinte [...] refere a localização do prédio, o artigo matricial, o valor patrimonial tributário, a data da liquidação, o ano a que respeita, a taxa aplicada e a colecta apurada. A questão suscitada nos autos resume-se a saber se os elementos constantes daquela nota são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação no que se refere à determinação do valor patrimonial tributário. [...] relativamente à referência feita na referida nota de cobrança [...], a que a Recorrente insiste em conceder relevância ao nível da fundamentação do valor patrimonial tributário [...] já a sentença deixou dito [e o STA concorda] que a mesma nada «elucida quanto à matéria de avaliação patrimonial do artigo matricial, pois esta norma prevê apenas um regime de salvaguarda, estabelecendo limites ao aumento do IMI». Concluindo, temos como certo que a AT não deu a conhecer o que a levou a apurar o valor patrimonial [em causa] e não outro qualquer" (Acórdão do STA de 19/4/2012, proc. 36/12); "Cabe à AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, a invocação do preenchimento dos concretos pressupostos legais de que depende o seu direito à liquidação, com elementos claros, suficientes e congruentes, de molde a permitir ao administrado ajuizar da correcção/legalidade da mesma de molde a com ela se possa conformar ou vir a impugná-la, graciosa ou judicialmente, se a entender eivada de algum vício que a afecte na sua legalidade. Mesmo os chamados actos praticados em massa se encontram sujeitos a um mínimo de fundamentação em ordem a atingir aquele desiderato, a qual constitui uma garantia do administrado, até de ordem constitucional" (Acórdão do TCAS de 28/2/2012, proc. 4893/11).

 

            Pelo exposto, conclui-se existir obscuridade na justificação presente no documento de cobrança em análise, e insuficiência de elementos que permitam perceber como se determinou o VPT apresentado, pelo que a liquidação em causa é ilegal por falta de fundamentação.

 

            Alega, ainda, a AT que "cabia ao Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT. [...]. Ora, não tendo o Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o ato sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado."                   

            Contudo, a não solicitação da referida certidão não obsta à invocação do vício de falta de fundamentação. Como bem se refere no Acórdão do TCAS de 12/11/2002 (proc. 7002/02), "a possibilidade concedida pelo art. 22.º do CPT visa, exclusivamente, obter a sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, não constituindo condição para o acesso a esses meios. Assim, nunca a falta de uso daquela faculdade terá como consequência a impossibilidade de invocar o vício de forma por falta de fundamentação como causa de pedir da impugnação judicial deduzida contra o acto cuja fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte. [...]. Na verdade, no CPT, em vigor à data, como actualmente no Código de Procedimento e Processo Tributário, não conhecemos disposição legal que imponha condição alguma para a reclamação ou para a impugnação judicial deduzidas com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação. Assim, o facto de a Recorrida não ter usado da faculdade prevista no art. 22.º do CPT, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, não a impede de impugnar a liquidação do acto tributário em causa com fundamento em falta de fundamentação. A Recorrida corre é o risco de que a fundamentação exista, pese embora não lhe tenha sido comunicada, e, consequentemente, de ver fracassar a impugnação deduzida com aquele fundamento, risco que não correria se previamente se tivesse certificado, através da referida faculdade, da existência da fundamentação do acto impugnado."

 

            Improcede, pelo exposto, o argumento respeitante à alegada sanação "automática" do vício invocado pelo requerente. O mesmo se diga quanto ao seguinte argumento, igualmente invocado pela requerida: "a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que o Requerente, quer por via da Reclamação Graciosa por si deduzida em momento anterior, quer por via do presente pedido de pronúncia arbitral, demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo dos seus articulados ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida [...]. [...] deficiências [«ao nível do discurso fundamentador», ainda assim] permitem o cabal esclarecimento do seu destinatário, possibilitando-lhe insurgir-se contra elas, como, aliás, fez o Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral." 

 

            Este argumento, tal como é apresentado, improcede e podia mesmo conduzir, em tese, à inadmissibilidade da invocação (ou à irrelevância da consideração) do vício de falta de fundamentação dos actos caso o sujeito passivo recorresse aos Tribunais (fossem arbitrais ou judiciais). O facto de se apresentar um pedido de pronúncia não permite demonstrar, por si, que o acto estava devidamente fundamentado.  

 

            Com efeito, como se salienta, a este respeito, no seguinte acórdão: "[A] obrigação [de fundamentação dos actos] não tem por objectivo único a «protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto» - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa. Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas «adivinhado» os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente. Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado." (Acórdão do TCAS de 28/2/2012, proc. 4893/11). (Itálicos nossos).

 

            b) a d) Mostrando-se procedente o entendimento do ora requerente quanto à questão anterior [a)], torna-se desnecessário verificar da procedência de outros vícios imputados ao acto ora impugnado.

 

            A este respeito, ver, por ex., os seguintes arestos: "Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. Por força do disposto no n.º 2 do art. 124.º do CPPT deve conhecer-se, em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu (salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto, nomeadamente no caso de falta de fundamentação), assim se assegurando uma tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte." (Ac. do STA de 7/9/2011, proc. 23/11); "o juiz [...] [tem] o dever que lhe é imposto – cf. art. 660.º, n.º 2 daquele primeiro diploma legal [CPC] – de resolver todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" (Acórdão do STA de 22/3/2006, proc. 916/04).

 

            e) A Requerente formula, ainda, um pedido de indemnização por garantia indevida.

 

            Na sua resposta, a AT alegou que, "desconhecendo-se os montantes dos custos em que o Requerente incorreu com a referida prestação de garantia, não se mostram provados os pressupostos em que assenta o reconhecimento da peticionada indemnização. [E,] De todo o modo, o pedido não deve ser formulado nesta sede, mas antes em sede de Execução de Julgado, caso a pretensão do Requerente obtenha o vencimento nos autos e a Requerida não cumpra o julgado no respectivo prazo legal."

 

            A este respeito, concorda-se com o sentido e justificação dados em caso muito similar, que foi decidido na DA n.º 36/2013, de 9/10/2013, e cujo texto se reproduz nas partes aqui mais relevantes: "Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência». [...]. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida. [...]. O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT [...]. No caso em apreço, [...] o erro da correcção efectuada repercutiu-se em liquidações [...], pelo que a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram das garantias prestadas [...]. Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 661.º do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013, e artigo 565.º do Código Civil)."

 

            Assim sendo, conclui-se, com os mesmos fundamentos e nos mesmos termos da supra citada decisão, pela procedência do pedido de indemnização do ora requerente pelos encargos incorridos com a prestação de garantia indevida.

 

***

 

            IV – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, do acto de liquidação impugnado;

            - Julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento ao requerente da indemnização que for liquidada em execução da presente decisão, relativa às despesas com a garantia prestada.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €1.277,20 (mil duzentos e setenta e sete euros e vinte cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de Julho de 2014.

 

O Árbitro

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.