Decisão Arbitral
A - Relatório
-
Partes
… (Requerente), residente na …, com número de identificação fiscal …, requereu em 06 de Fevereiro de 2013 a constituição do Tribunal Arbitral nos termos do artigo 2º n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, ou Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, para a apreciação da seguinte demanda que opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida).
-
Pedido
Pretende a Requerente que o Tribunal declare a ilegalidade dos actos tributários consubstanciados na demonstração da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2011 …, de 19.12.2011, respeitante ao ano de 2009, no montante de € 4.210,17, e do acto tributário consubstanciado na demonstração da liquidação de IRS n.º 2012 … de 27.02.2012, respeitante ao ano de 2010, no montante de € 3.795,48, e que condene a Requerida a reembolsá-la das mesmas quantias pagas acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.
-
Causa de pedir
A Requerente defende em suma, que sendo residente fiscal em Portugal desde 1987, e tendo, desde essa data, actuado de forma consistente relativamente ao cumprimento das suas obrigações declarativas e contributivas, actuação que foi realizada em sintonia com um enquadramento aceite pela Administração Tributária, tem vindo a inscrever as remunerações auferidas enquanto professora do Instituto Espanhol “…” no quadro 4 do Anexo H – Código de Rendimento 402, como rendimentos isentos auferidos ao abrigo do disposto no artigo 37.º n.º 1 alínea b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), por se tratarem de rendimentos pagos ou colocados à disposição pelo Ministério da Educação e Ciência de Espanha, argumentando que o Estado Espanhol embora não integre o conceito de organização internacional, deverá ser qualificado como organização estrangeira no sentido em que configura uma “entidade com sede em país estrangeiro constituída por um Estado ou por uma entidade criada por Estados” -, nos termos do aludido preceito legal.
A Requerente chama à colação o conteúdo do Acordo Cultural celebrado entre Portugal e Espanha, em 1970, promulgado pelo Decreto-Lei n.º 654/70, de 29 de Dezembro, que pretendeu criar condições que favorecessem o intercâmbio cultural entre os dois Estados, condições que só serão plenamente alcançadas com a criação de isenções de taxas e direitos alfandegários assim como isenção de impostos sobre o rendimento dos cidadãos que exerçam actividades de natureza cultural, incluindo a função de professor, no outro Estado, considerando que tal acordo configura uma norma de direito internacional nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do EBF, impondo-se concluir pela isenção em sede de IRS dos rendimentos auferidos pela Requerente no exercício das funções de professora do Instituto Espanhol “…”.
Por outro lado, defende a Requerente que tais rendimentos estariam igualmente isentos de IRS atento o disposto no artigo 37.º nº 2 do EBF, na medida em que na qualidade de funcionária do Instituto “…”, o qual se encontra dependente da Secretaria da Educação da Embaixada de Espanha em Portugal, deverá ser considerada como técnica daquela missão diplomática, estando, ademais, reunidas as condições de reciprocidade pressupostas pelo referido preceito legal.
Adicionalmente, sustenta que os rendimentos auferidos na qualidade de professora do Instituto Espanhol “…” não se encontram sujeitos a tributação em Portugal por força da aplicação do artigo 19.º n.º 1, alínea a) da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos e Rendimento (CDT Portugal-Espanha). Com efeito, apesar de reconhecer a realização de trabalhos esporádicos de tradutora em território português desde 07.01.1985, apenas fixou residência em Portugal por efeito do vínculo laboral estabelecido com o Ministério da Educação e Ciência Espanhol em 16.09.1987, não se verificando no caso vertente a condição prevista na subalínea i), da alínea b) do n.º 1 do artigo 19.º da CDT Portugal-Espanha.
No entanto, e com referência às declarações de rendimentos modelo 3 respeitantes aos anos de 2009 e 2010, segundo a Requerente, a Administração Tributária colocou em causa o referido enquadramento jurídico tendo sido notificada das liquidações adicionais de imposto supra identificadas, sem precedência de audição prévia.
Argumenta que não obstante a emissão das liquidações adicionais terem sido efectuadas com base nas declarações de imposto apresentadas pela Requerente “a obrigatoriedade de audição prévia decorre, desde logo, da circunstância de o enquadramento jurídico-fiscal efectuado pela administração tributária dos rendimentos auferidos não corresponder, ao enquadramento jurídico que presidiu à apresentação daquelas declarações” verificando-se a preterição de uma formalidade essencial que impõe a anulação da respectivas liquidações adicionais.
-
Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira
Em 21 de Maio de 2013 a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defende que os pedidos devem ser julgados improcedentes, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação, com a absolvição da Requerida.
Em síntese, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não se verificou a preterição do direito de audição prévia, pois o pedido de junção de documentos solicitado à Requerente pela Direcção de Serviços do IRS configura um verdadeiro exercício do direito de audição, no qual a Requerente teve oportunidade de expor as razões de facto e de direito que a levaram a fazer um diferente enquadramento jurídico da situação, não havendo utilidade em voltar a ouvi-la no procedimento, nos termos do n.º 3 do artigo 60º da Lei Geral Tributária.
No que respeita à não sujeição a tributação dos rendimentos auferidos pela Requerente a Administração Tributária considerou que as remunerações pagas pelo Estado Espanhol à Requerente não beneficiam de isenção de IRS nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 37.º do EBF, uma vez que foram auferidas ao serviço de um Estado, e não de uma organização estrangeira, ou organização internacional.
Por seu turno, não pode a Requerente fundamentar a existência de reciprocidade no Decreto-Lei n.º 654/70 de 29 de Dezembro, pois tal a diploma apenas consubstancia uma declaração de princípio de âmbito cultural estabelecido entre Portugal e Espanha, existindo, outrossim, mecanismos de reciprocidade em matéria fiscal resultantes do CDT Portugal-Espanha, que, em todo o caso, não aproveitam à situação de isenção dos rendimentos auferidos pela Requerente.
Por outro lado, a Administração Tributária refuta o enquadramento da Requerente ao abrigo da isenção de IRS prevista do n.º 2 do artigo 37.º do EBF, por esta ser exclusivamente aplicável aos técnicos das missões diplomáticas e consulares, nos termos previstos na alínea f), do artigo 1º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, publicada em anexo ao Decreto-Lei n.º 48.295 de 27 de Março de 1968. Ora, as funções, as tarefas bem como a natureza do vínculo laboral da Requerente ao Ministério da Educação Espanhol não permitem enquadrá-la como técnica da missão diplomática de Espanha em Portugal.
Acresce que de acordo com o entendimento da Administração Tributária não se encontram reunidos os pressupostos de não sujeição a tributação em Portugal dos rendimentos auferidos, nos termos previstos no artigo 19.º n.º 1, alínea a) e alínea b) do CDT Portugal-Espanha, devendo os mesmos ser tributados enquanto rendimentos da Categoria A. Com efeito, o facto de a Requerente ter apresentado a 7 de Janeiro de 1985 Declaração de Início de Actividade para efeitos de imposto profissional em Portugal denota que “já anteriormente à data da celebração do contrato de trabalho com o Estado Espanhol, existia uma actividade profissional a ser exercida em Portugal” não estando, por conseguinte, demonstrado ter fixado residência em Portugal, única e exclusivamente para exercer a profissão de professora do Instituto Espanhol “…”.
-
Pressupostos processuais
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT o Conselho Deontológico designou como árbitro único, em 22 de Março de 2013, a signatária Ana Filipa Saraiva de Barros Caseiro.
Em 22 de Março de 2013 foram as partes devidamente notificadas dessa decisão não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
O Tribunal foi constituído em 10 de Abril de 2013 na sede do CAAD (acta de constituição do Tribunal Arbitral).
Em 21 de Maio de 2013 a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta pugnando pela manutenção dos actos tributários reclamados.
Em 5 de Junho de 2013 realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. As partes foram ouvidas e o Tribunal decidiu prescindir da realização de alegações finais.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
Nestes termos, o Tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
-
Questões decidendas
As questões a decidir são as seguintes:
-
Se os actos de liquidação adicional de IRS impugnados respeitantes ao ano de 2009, no montante de € 4.210,17, e ao ano de 2010, no montante de € 3.795,48, enfermam do vício de preterição do direito de audição prévia, ao abrigo do disposto no artigo 60.º n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária;
-
Caso se mantenham as liquidações adicionais de IRS impugnadas pela Requerente por improcedência do vício invocado:
-
Se os rendimentos auferidos por esta se encontram sujeitos a tributação em Portugal nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 19.º da CDT Portugal-Espanha em virtude da verificação de uma das condições previstas nas subalíneas i) e ii) da alínea b) do mesmo artigo;
-
Se os rendimentos auferidos pela Requerente, no exercício da função de professora no Instituto Espanhol “…” se subsumem na isenção de IRS prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º do EBF;
-
Se a situação tributária da Requerente, enquanto funcionária do Instituto Espanhol “…”, poderá ser enquadrada como técnica de missão diplomática espanhola em Portugal, encontrando-se os seus rendimentos isentos de IRS ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do EBF.
-
Se são devidos juros indemnizatórios a favor da Requerente.
B – Matéria de facto
-
Factos provados
Analisada a prova documental produzida consideram-se provados e como interesse para a decisão os seguintes factos:
-
A Requerente é uma cidadã de nacionalidade espanhola (cfr. documento n.º 1 do pedido de pronúncia arbitral).
-
A Requerente foi residente na Argélia entre o período de 04.10.1982 e 31.12.1985 (cfr. documentos 2, 3 e 4 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Em 07.01.1985 a Requerente apresentou junto da Repartição de Finanças do ….º Bairro de Lisboa, declaração de início de actividade em território português, indicando no campo IV “Actividades Exercidas por Conta Própria” a designação de “Tradutora” (cfr. documento n.º 5 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Desde 31.12. 1986 que a Requerente se encontra inscrita como residente em Portugal no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (cfr. Registo de Situação Cadastral, a folhas 27 a 29 do Processo Administrativo junto aos autos do processo arbitral).
-
A Requerente exerce desde 16.09.1987 o cargo de professora no Instituto Espanhol de “…”, no estabelecimento localizado em Lisboa tendo essa relação sido formalizada em 01.11.1988 mediante a celebração de um contrato de trabalho entre a Requerente e o Ministério da Educação e Ciência Espanhol (cfr. documentos n.ºs 6, 7 e 8 do pedido de pronúncia arbitral).
-
A Requerente fixou residência em Portugal a partir de Setembro de 1987 (cfr. documento n.º 6 do pedido de pronúncia arbitral e posição das partes nos articulados).
-
O Instituto Espanhol “…”, situado em Lisboa é um centro dependente do Ministério da Educação e Ciência Espanhol, o qual no âmbito das suas incumbências culturais e de divulgação da língua espanhola, actua através das chamadas “Consejeria de Educación” espalhadas por diversos países, encontrando-se em Portugal na dependência da Embaixada de Espanha (cfr. documentos n.ºs 8, 9 e 10 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Desde a aprovação do Código do IRS, pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro, que a Requente procedeu à entrega da modelo 3 acompanhada do Anexo H (benefícios fiscais), enquadrando os rendimentos auferidos junto do Instituto Espanhol “…” no disposto no artigo 42º (actual artigo 37º) do EBF, (posição articulada pela Requerente não impugnada pela Requerida).
-
Mais tarde, no ano de 1998, a Requerente foi informada de que a declaração de rendimentos modelo 3 deveria ser acompanhada do Anexo J tendo sido notificada da demonstração da liquidação de IRS na qual se apurava um montante de imposto a pagar no valor de € 3.247,60 (Cfr. documentos n.ºs 11 e 12 do pedido de pronúncia arbitral).
-
À data a Requerente reclamou do referido enquadramento, tendo sido notificada da alteração dos elementos contantes da declaração de rendimentos segundo do qual “foi eliminado o anexo J e corrigido o campo 236 quadro 13 para zero” repondo-se a situação declarativa anterior, e, por conseguinte, a isenção de tributação dos rendimentos auferidos pela Requerente (cfr. documento n.º 13 do pedido de pronúncia arbitral).
-
A Requerente foi seleccionada pelos serviços da Administração Tributária para análise dos elementos da declaração de rendimentos apresentada relativamente aos anos de 1997, 1998 e 1999, não tendo sido objecto de qualquer correcção (cfr. documentos 14º a 16º do pedido de pronúncia arbitral).
-
Mantendo o procedimento seguido ao longo dos anos, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 respeitante ao ano 2009, em 20.04.2010, inscrevendo as remunerações auferidas como “professora no Instituto Espanhol “…” no Anexo H – Código de Rendimento 402 (cfr. documento 17º do pedido de pronúncia arbitral).
-
Através do Ofício n.º …, de 19.07.2011 foi solicitada pela Direcção de Serviços do IRS à Requerente a seguinte informação:
-
A identificação “da relação jurídica estabelecida entre si e a entidade pagadora dos rendimentos indicados no quadro 4 do Anexo H (contrato de trabalho, prestação de serviços/outro tipo) juntando os correspondentes documentos comprovativos;
-
Considerando que indicou o código 402 no quadro 4 do Anexo H da Declaração de rendimentos do IRS do ano 2009 (remuneração do pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais – cf. artigo 37.º n.º 1. Alínea b) do EBF) identifique a norma ou tratado de direito internacional, regularmente ratificada ou aprovada pelo Estado Português, que expressamente prevê a isenção dos rendimentos juntando documentos comprovativos (cf. corpo do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e Circulares n.s 22/2002, de 30 de Setembro e 1/2004, de 19 de Janeiro, da Direcção-Geral dos Impostos)” (cfr. documento 18º do pedido de pronúncia arbitral).
-
Em 29.07.2012 a ora Requerente apresentou a informação solicitada, tendo junto cópia do contrato de trabalho celebrado com o Ministério da Educação e Ciência de Espanha, com data de início de funções reportado a 1 de Novembro de 1988, do qual consta que exerce funções de professora de língua e cultura portuguesa, sendo o local de trabalho no exterior, em Lisboa, Portugal, (Cfr. documento n.º 19 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Em resposta ao ponto 2 do Ofício n.º …, a Requerente indicou que a norma ou tratado de direito internacional regularmente ratificado ou aprovado pelo Estado Português consubstanciava-se na CDT Portugal-Espanha aprovada e ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95, publicada no Diário da República, I Série-A, n.º 24, de 28 de Janeiro de 1995 (cfr. documento n.º 19 do pedido de pronúncia arbitral).
-
A Administração Tributária procedeu à análise da situação, tendo por base os elementos apresentados pela Requerente supra identificados e o conteúdo da Informação emitida pela Direcção de Serviços de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS) n.º 3097/11 de 30.10.2011, no âmbito do processo 2011…, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 16 a 21 do Processo Administrativo).
-
Nos termos do Ofício n.º …, de 12.12.2011 a Requerente foi notificada do Despacho proferido, por subdelegação, pela Exma. Senhora Directora de Finanças Adjunta, datado de 03.10.2011, o qual sendo proferido ao abrigo do n.º 4 do artigo 65º do Código do IRS, determina que “se procedeu à alteração dos elementos constantes da declaração Mod. 3 do I.R.S. apresentada por V.Exa., relativamente ao ano 2009, conforme fundamentação que se anexa. Mais fica ciente de que, em resultado da decisão acima referida, a Direcção de Serviços do I.R.S. efectuará uma liquidação, cuja notificação lhe será oportunamente remetida, com indicação dos respectivos meios de defesa” (cfr. documento n.º 20 do pedido de pronúncia arbitral).
-
O referido despacho determina o seguinte: “o sujeito passivo declarou rendimentos pagos ou colocados à disposição pelo Ministério da Educação e Ciência de Espanha, no quadro 4 do Anexo H, do Ano 2009, considerando-os isentos de tributação em sede de IRS por se tratarem de remunerações auferidas ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais, ou seja, por entender que tais remunerações seriam enquadráveis no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 37º do EBF”, (vide ponto 5).
-
Contudo, considera a referida Informação emitida pela (DSIRS) que “a norma do EBF, ao fazer referência a organizações estrangeiras ou internacionais terá querido abranger precisamente organizações (…) cujo conceito é juridicamente distinto do conceito de Estado (…). “ Isto é, na norma do EBF em causa estão abrangidas organizações estrangeiras ou internacionais, de que constituem exemplos a ONU, a OCDE, a OTAN/NATO, o FMI, entre tantas outras, sendo que o pessoal ao serviços dessas organizações tem muitas vezes um estatuto específico, designadamente ao nível dos impostos, por força de normas ou tratados internacionais especificamente relacionados com as organizações em si, visando a norma do EBF isentar em IRS os rendimentos auferidos por pessoal ao serviço das mesmas (…)”. Ora, “a situação em análise não tem enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 37º do EBF dado que o sujeito está ao serviço de um Estado e não de uma organização estrangeira ou internacional (…)”. Em face do exposto, conclui a Administração Tributária, (…) as remunerações pagas pelo Estado Espanhol ao sujeito passivo não beneficiam de isenção em IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 37.º do EBF, uma vez que foram auferidas ao serviço de um Estado e não de uma organização estrangeira ou internacional.
-
Por outro lado, estando em causa rendimentos pagos por uma entidade estrangeira – no caso o Estado Espanhol – acrescenta a Administração Tributária que, no caso sob análise, não seria aplicável o regime previsto no artigo 19.º, n.º 1, alínea b) da Convenção entre a Republica Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão fiscal em Matéria de Impostos e Rendimento (CDT Portugal- Espanha), uma vez que não sendo os requisitos previstos nas subalíneas i) e ii) cumulativos, verifica-se um daqueles requisitos qual seja o facto de a ora Requerente não se ter tornado “(…) residente em Portugal unicamente para o efeito de prestar a actividade de professora a que se refere aquele contrato, ou seja, já era residente em território português antes de vir prestar a actividade contratada” (cfr. ponto 12. do documento n.º 20 do pedido de pronúncia arbitral).
-
E assim, conclui a referida Informação “a situação em apreço tem enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 19º da Convenção, considerando que as condições previstas nas alíneas i) e ii) da alínea b) não são cumulativas (conforme decorre da conjugação “ou”), bastando a verificação de uma dessas condições” e, por conseguinte, os rendimentos auferidos pela Requerente pagos ou colocados à disposição por uma fonte pagadora estrangeira, o Estado Espanhol, “devem ser indicados no Anexo A da Declaração de Rendimentos do IRS do ano de 2009 (e não no seu Anexo H)” encontrando-se tais rendimentos sujeitos a tributação em Portugal, não beneficiando de qualquer isenção (cfr. fls. 16 a 21 do Processo Administrativo).
-
Na sequência do referido despacho, a Requerente foi notificada em 02.01.2012 da demonstração da liquidação de IRS n.º 2011 …, de 19.12.2011 a qual apurou um montante de imposto a pagar de € 4.210,17, pago no prazo legal (Cfr. documentos n.º 21 e 22 do pedido de pronúncia arbitral).
-
A notificação da demonstração de liquidação de IRS n.º 2011 …, de 19.12.2011 não foi precedida de uma notificação para o exercício de audição prévia pela Requerente (cfr. documentos constantes do Processo Administrativo) ;
-
De igual forma, relativamente ao ano de 2010, a Requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos modelo 3, em 26.04.2011, inscrevendo a remuneração auferida como professora do instituto espanhol “…” no anexo H, Código de rendimento 402 (cfr. documento n.º 23 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Nesse seguimento, e por se tratar de uma situação idêntica, foi a Requerente notificada através do Ofício n.º …, datado de 20.02.2012, do despacho proferido, por subdelegação, pela Exma. Senhora Directora de Finanças Adjunta, datado de 14.02.2012, o qual procede à correcção oficiosa dos elementos constantes da declaração modelo 3 do IRS, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, referindo-se que “consultados os elementos existentes verifica-se que é uma situação idêntica a anos anteriores tendo sido prestada para o efeito a informação n.º 3097/11 da Divisão de Concepção da DSIRS relativamente ao ano 2009(…)” cujas conclusões se resumem em anexo. Mais se refere que a “Direcção de Serviços do IRS efectuará uma liquidação, cuja notificação lhe será oportunamente remetida com indicação dos respectivos meios de defesa” (cfr. documento n.º 24 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Com base na referida Informação n.º 3097/11 a Administração Tributária conclui que os referidos rendimentos encontram-se sujeitos e são tributados em sede de IRS, em Portugal, não beneficiando de qualquer isenção, propondo-se “que seja elaborado DC à declaração que se encontra em erro retirando o valor indicado no quadro 4 do anexo H e passando-o para o quadro 4 do anexo A, à semelhança do que ocorreu para o ano 2009” (cfr. documento n.º 24 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Em 15.03.2012 a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRS, n.º 2011 …, de 27.02.2012, a qual apurou um montante de imposto a pagar de € 3.795,48, pago no prazo legal (cfr. documentos n.ºs 25 e 26 do pedido de pronúncia arbitral).
-
A notificação da demonstração de liquidação de IRS n.º 2011 …, de 27.02.2012 não foi precedida de uma notificação para o exercício de audição prévia pela Requerente (cfr. documentos constantes do Processo Administrativo) ;
-
Em 30.05.2012 a Requerente apresentou reclamação graciosa com o objectivo de demonstrar a ilegalidade dos actos de liquidação (cfr. posição articulada pelas partes).
-
Como fundamentos da reclamação graciosa a Requerente invocou (i) a falta de audição prévia à emissão das liquidações adicionais de IRS e, por outro lado, (ii) a ilegalidade das liquidações de IRS relativas aos anos de 2009 e 2010, com base na não sujeição a tributação em Portugal dos rendimentos auferidos; na isenção dos rendimentos auferidos ao abrigo do disposto no artigo 37º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e, por último, (iii) na isenção dos rendimentos auferidos ao abrigo do disposto no artigo 37.º, nº 2 do EBF (cfr. ponto 33º do pedido de pronúncia arbitral).
-
A 31.10.2012 foi a Requerente notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cfr. documento n.º 27 do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido.)
-
Sobre a reclamação graciosa então deduzida viria a recair uma decisão de indeferimento, proferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, notificada à Requerente a 06.11.2012, (cfr. documento n.º 28 do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
-
Na decisão de indeferimento a Administração Tributária sustentou, em síntese, o seguinte:
-
A falta de audição prévia à emissão das liquidações adicionais em sede de IRS está relacionada com o procedimento de gestão de divergências, previsto e regulado no artigo 65.º n.º 4 do Código do IRS, que se verificou no caso sub judice, e pelo facto de configurar um “procedimento atípico e por via disso contrariamente ao que a ora Reclamante pretende fazer crer, o mesmo não se subsume na previsão do artigo 60.º da LGT, máxime da al. a) do seu n.º 1, isto porque o próprio legislador assim pretende.” (…) “E isto a nosso ver compreende-se perfeitamente porquanto não só este procedimento ao ter por base a própria declaração do sujeito passivo, como tal cai no âmbito da al. a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, com as consequências legais daí advenientes, como também, tratando-se de um acto interlocutório o mesmo enquanto tal, não é susceptível de ser impugnado administrativamente, sem prejuízo de poder ser invocado na respectiva reclamação graciosa, que ponha em risco o acto definitivo, ou seja, o acto de liquidação”. Por seu turno alega a Administração Tributária que o acto foi objecto de fundamentação nos termos do artigo 66.º do código do IRS, ficando a Reclamante na posse do “iter cognoscitivo e valorativo do autor do ato”, podendo em sede própria reclamar.
-
No que respeita à alegada não sujeição a tributação em Portugal dos rendimentos auferidos pela Reclamante ao abrigo da CDT Portugal-Espanha, a Administração Tributária não só corroborou os argumentos invocados na informação n.º …/11 de 02/09 elaborado pela Direcção de Serviços de IRS, como ainda invocou que a Requerente tem a sua residência fixada em Portugal muito antes de exercer as funções de professora do Instituto Espanhol “…” mantendo a mesma residência que tinha antes do início das referidas funções. Alega ainda a Administração Tributária que a Requerente tem outro tipo de vínculos com o Estado Português por ser cabeça-de-casal, desde 2003 de herança indivisa de ….
-
No que se refere à isenção dos rendimentos auferidos ao abrigo do disposto no artigo 37.º n.º 1 da alínea b), do n.º 2 do EBF, refere-se que não assiste razão à Requerente porquanto “o Instituto Espanhol, na dependência do Ministério da Educação e Ciência de Espanha, que por sua vez faz parte da administração directa do Estado, jamais poderá ser considerado uma organização estrangeira mas sim uma extensão do Estado Espanhol em Portugal na área da cultura, razão pela qual todos os custos efectuados por aquele instituto são suportados pelo Estado Espanhol através do Ministério da Cultura” (...). Acrescenta ainda a Administração Tributária que a “Embaixada de Espanha em Portugal e o Instituto onde trabalha não se podem confundir, não só porque se trata de Instituições diferentes e independentes ao nível da sua estrutura com um quadro de pessoal próprio e específico, de acordo com as funções e objectivos que cada instituição prossegue, atento o seu objecto, são completamente distintos, como também possuem estatutos a todos os níveis diferentes pelo que não pode a Requerente na nossa óptica (…) pretender ser considerada, para efeitos jurídicos, como sendo uma técnica da missão diplomática, porque não o é, como supra já fizemos alusão. ” (vide, documento n.º 28 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Em 06.02.2013 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD).
-
Fundamentação da matéria de facto provada
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na prova documental produzida nos autos, incluindo o processo administrativo apenso e na posição assumida pelas partes nos seus articulados.
-
Factos não provados
Não existem factos dados como não provados na medida em que todos os factos relevantes para a boa decisão da causa foram dados como provados.
C – Matéria de Direito
Levando em consideração, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela necessidade de apreciação, em primeiro lugar, do vício invocado pela Requerente de violação do direito de audição prévia à liquidação de imposto, por se entender que a sua eventual procedência prejudicaria o conhecimento dos demais vícios anulatórios imputados aos actos tributários de liquidação, nos termos do artigo n.º 124º, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
-
Da arguida preterição do dever de audiência prévia
Conforme resulta da leitura do pedido de pronúncia arbitral a Requerente imputa, em primeiro lugar, ao acto tributário a ilegalidade traduzida na preterição do dever de audiência prévia, importando aferir se a situação concreta dos autos se subsume à previsão contida no artigo 60.º n.º 1 alínea a) da LGT, conforme alegado pela Requerente.
Alega a Requerente que, in casu, a Administração Tributária não terá dado cumprimento ao dever de audiência prévia em obediência ao disposto no artigo 60.º n.º 1, alínea a) da LGT.
A este respeito a entidade requerida assume uma posição ambígua começando por admitir em sede de resposta à reclamação graciosa a falta de audição prévia à emissão das liquidações adicionais de imposto com base no argumento de que (…) “o procedimento de gestão de divergências, previsto e regulado no artigo 65.º n.º 4 do CIRS que se verificou no caso sub judice, (…) é um procedimento atípico e, por via disso, (…) o mesmo não se subsume na previsão do artigo 60.º da LGT isto porque é o próprio legislador que assim o pretende”. Refere-se ainda que este procedimento “tem por base a própria declaração do sujeito passivo, como tal, cai no âmbito da alínea a), do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, com as consequências legais daí advenientes” e acrescenta-se que se trata de um acto interlocutório, não susceptível de ser impugnado administrativamente, “sem prejuízo de poder ser invocado na reclamação graciosa (…)” (vide ponto 33 do probatório).
Por outro lado, e em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral, alega a Administração Tributária que o contribuinte teve oportunidade de se pronunciar, através de um pedido de elementos solicitados pela DSRIS, ao qual a Requerente respondeu em 29 de Julho de 2011, juntando os elementos solicitados, acto que “configura um verdadeiro exercício do direito de audição, no qual a ora Requerente expõe as razões de facto e de direito que a levaram a fazer diferente enquadramento jurídico da situação em análise, não havendo qualquer utilidade em voltar a ouvi-la no procedimento.”
Em apoio desta tese, a Requerida invoca ainda o n.º 3 do artigo 60º da LGT, no qual se dispõe que “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.”
Em primeiro lugar está em causa a interpretação do artigo 60.º da LGT, subordinado à epígrafe “Princípio da Participação”, sendo manifestação do disposto no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa que reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito. Por sua vez, o Código do Procedimento Administrativo (CPA) concretizou este princípio no seu artigo 8.º, nos termos do qual “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência”, de harmonia com as regras fixadas nos artigos 100º a 103º do mesmo Código.
Antes do mais, importa ter presente o disposto no artigo 60.º da LGT:
“Princípio da participação”
“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d)(*) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”
O n.º 1 do artigo 60.º da LGT concretiza os moldes de participação dos contribuintes na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito. Seguidamente, os nºs 2 e 3, referem-se os casos em que é dispensada a audição. Trata-se aqui de uma enumeração completa, que não exemplificativa, como decorre dos termos em que as referidas normas se mostram formuladas, de modo, diríamos, suficientemente concretizado.
Resulta deste preceito legal que os contribuintes, antes da liquidação e conclusão do relatório de inspecção tributária têm direito de audição – n.º 1 alíneas a) e e) – para o que deverá a Administração Tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e a sua fundamentação, só sendo dispensada essa audição no caso da liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável, ou ainda se o contribuinte tiver sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, do n.º 1 do artigo 60º da LGT.
Conforme resulta do probatório e da leitura do processo administrativo, a Requerente não foi notificada para o exercício do direito de audição prévia, nos termos do citado artigo 60.º da LGT, tendo, no entanto, sido notificada do Ofício n.º …, de 19.07.2011 no qual foi solicitado pela Direcção de Serviços do IRS à Requerente informação relativa aos seguintes aspectos:
-
Identificação da relação jurídica estabelecida entre si e a entidade pagadora dos rendimentos indicados no quadro 4 do Anexo H, pedindo-se, concretamente a junção do contrato de trabalho, de prestação de serviços ou outro tipo; e
-
A identificação da norma ou tratado de direito internacional, regularmente ratificada ou aprovada pelo Estado Português, que previsse a isenção dos rendimentos aplicada por força da indicação do código 402 no quadro 4 do Anexo H na Declaração de rendimentos do IRS do ano 2009 (remuneração do pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais – cf. artigo 37.º n.º 1. Alínea b) do EBF).
Vejamos se o pedido de informações constante do Ofício n.º …, de 19.07.2011 da Direcção de Serviços do IRS pode ser considerado como uma forma de intervenção substitutiva da notificação para o exercício do direito de audiência prévia à liquidação, cumprindo, como defende a Requerida, a mesma função.
O direito de audiência prévia de que goza o contribuinte incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Assim, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr. Ac. S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, proc. n.º.21244, Ac. Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; Ac. S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, proc. n.º .684/03).
Ora, analisado o teor do Ofício n.º …, de 19.07.2011, verifica-se que o objectivo da Direcção de Serviços do IRS passava por solicitar informações à Requerente essenciais para dilucidar as circunstâncias em que esta exercia a sua actividade profissional em Portugal, procurando compreender, designadamente, o quadro contratual da Requerente, a natureza da entidade empregadora, a natureza das funções desempenhadas, a data da celebração do contrato, entre outros aspectos e, aferindo, por essa via, por exemplo, a existência ou não de base legal para a invocação da isenção respeitante ao código 402 do quadro 4 do Anexo H, constante na Declaração de Rendimentos do IRS da Requerente, in casu, relativa aos anos 2009 e 2010.
A referida notificação não pretendia comunicar à Requerente um prazo (variável entre 15 a 25 dias – nos termos do artigo 60.º, n.º 6 da LGT) para que a mesma se pronunciasse sobre a pretensão de liquidação. A própria Requerida assim o admitiu, na resposta à reclamação da Requerente, na qual não considerou (ao invés do invocado em sede resposta ao pedido de pronúncia arbitral) que a audiência prévia havia sido realizada, tendo antes invocado que o despacho proferido no procedimento de gestão de divergências, previsto e regulado no artigo 65.º n.º 4 do CIRS, é um procedimento atípico e, por via disso, não se subsume na previsão do artigo 60º da LGT, tendo ademais aduzido a possibilidade de dispensa do direito de audição prévia nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, por a liquidação ter sido efectuada com base na própria declaração do sujeito passivo.
Por outro lado, o teor da comunicação efectuada, tal como consta do Ofício transcrito no ponto 13 do probatório, nem sequer se apresenta como um projecto da decisão, contendo a sua fundamentação, tal como refere o nº 5 do artigo 60.º da LGT, para que a Requerente ficasse na posse de todos os aspectos relevantes, quer matéria de facto quer matéria de direito, podendo pronunciar-se sobre as mesmas, tomando posição, e intervindo de modo esclarecido no processo de formação da decisão. Com efeito, na preparação da audição da Requerente deveria a Administração Tributária respeitar o direito fundamental à informação daquela, de acordo com os artigos 61.º a 63.º do CPA.
Mais se dirá que o facto de a Requerente ter disponibilizado toda a informação que lhe foi solicitada pela Administração Tributária, não torna inútil ou não essencial o vício de violação daquele direito. Na verdade, o direito que é consagrado no actual artigo 60.º da LGT, não é um mero direito ou dever de informar e de esclarecer dúvidas que ocorram no decurso do processo administrativo, previamente à emissão da liquidação adicional de imposto, sendo antes um direito de participação na formação da decisão, participação que se materializará na possibilidade do interessado influenciar a decisão a tomar pela Administração Tributária pronunciando-se não só sobre as provas produzidas como também sobre as questões de direito invocadas.
Tratam-se, assim, de situações distintas e cumuláveis entre si, sendo que o esclarecimento prestado pela Requerente pelo facto de existir não retira operancia ao vício procedimental de preterição do direito de audiência (vide, neste sentido Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro de Escrita, 4ª Edição, 2004, pág.504 e 508 e segs.).
Efectivamente, na situação concreta em exame, ao prestar os esclarecimentos solicitados, a Requerente nunca foi convidada a pronunciar-se previamente à emissão das liquidações adicionais de IRS de 2009 e de 2010 sobre as questões que importam a decisão, que afectavam os seus interesses patrimoniais, assim como a rebater argumentos assentes nas provas produzidas.
Neste sentido, dificilmente se poderá concluir que a Requerente tenha sido anteriormente ouvida em qualquer uma das fases do procedimento que conduziu à liquidação adicional de IRS, referidas nas alíneas b) a e) do nº 1 do artigo 60.º da LGT, quando em nenhum destes momentos teve a Requerente possibilidade de se defender, examinando e contestando criticamente os pressuposto e os argumentos invocados pela Requerida.
Também não é de acolher aqui o argumento invocado pela Requerida em sede de resposta à reclamação, e que consta do probatório, de a liquidação “ter por base a própria declaração do sujeito passivo, como tal cai no âmbito da al. a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, com as consequências legais daí advenientes”. Quanto a este normativo, há a referir que só haverá dispensa de audição prévia quando a liquidação for efectuada exclusivamente com base na declaração do contribuinte e por aplicação dos mesmos princípios ou normas invocadas, havendo, pelo contrário, direito de audição se na liquidação forem atendidos quaisquer outros elementos ou for dado diferente enquadramento jurídico do que decorreria daquela declaração, situação que se verificou no caso vertente, como aliás resulta do probatório, (vide Pedro Machete, in A audição prévia do contribuinte, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág. 324, e Ac. STA de 14/05/2003, in Proc.n.º 317/03).
De referir ainda que a Administração Tributária só pode dispensar a audição prévia do contribuinte nas situações taxativamente enunciadas na lei e acima referidas, não se lhe sendo permitido dispensá-la por, subjectivamente entender que aquele exercício não poderá trazer elementos novos, tanto mais que a audição prévia não tem apenas um objectivo de informação e de prova em função da verdade material, mas também de proporcionar uma defesa antecipada dos interesses do contribuinte (vide, neste sentido Ac. STA de 14/05/2003, in Proc.n.º 317/03).
Consequentemente, a formalidade em causa, sendo essencial, só se degrada em não essencial, não sendo por isso invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur - (Cfr.Ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/1/2006, rec.584/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/4/2002, rec.26248; Ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/11/2000, rec.25214).
Acresce que para que tal tese fosse de aceitar, necessário se tornava que a decisão a proferir fosse, sem controvérsia, aquela que a Administração Tributária tomou. Por conseguinte, no domínio dos actos praticados no exercício de poderes vinculados (como é o acto tributário por excelência, a liquidação) o Tribunal só poderá aplicar o princípio do aproveitamento dos actos administrativos quando lhe seja possível concluir, sem margem para dúvidas, que o acto em causa não poderia ter outro conteúdo decisório. Nestes casos, somente se pode aplicar o referido princípio do aproveitamento do acto, quando se estiver perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição do contribuinte, antes do acto de liquidação, poder influenciar o conteúdo desta. É o caso, por exemplo, de uma liquidação que se limita a aplicar uma taxa legal a determinado valor patrimonial tributário (liquidação de I.M.I.), não sendo acompanhada de liquidação de juros compensatórios, dado que esta já envolve um juízo de culpa sobre o sujeito passivo (cfr.Ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/2/2007, rec.1071/06; Ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/3/2011, rec.877/09; Ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/6/2012, rec.1013/11).
Ora, que o acto tributário praticado pela Administração Tributária é tudo menos incontroverso resulta claramente dos autos, nomeadamente, dos articulados apresentados pelas partes e da própria alteração da posição anteriormente seguida pela Administração Tributária relativamente ao enquadramento jurídico-fiscal da Requerente, (vide matéria de facto provada, nos pontos 8 a 12 do probatório).
E assim, ao contrário do que refere a Requerida, não foi assegurado o direito de audição da Requerente previsto no artigo 60.º, nº 1, alínea a) da LGT, havendo utilidade em fazê-lo, em sede de audiência prévia anteriormente à conclusão do relatório da inspecção tributária e à emissão das liquidações adicionais de IRS, pois não nos encontramos perante um acto tributário que se limite a aplicar uma taxa legal a determinado facto tributário pré-existente, não se podendo concluir, sem margem para dúvidas, que a liquidação em causa não podia ter figurino diferente após a omitida audição prévia da Requerente, tudo conforme, de resto, se mencionou supra.
As liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios apurados padecem pois do alegado vício de violação de lei, por preterição de uma formalidade essencial do procedimento de liquidação, a audição da Requerente constante do artigo 60.º n.º 1 alínea a) da LGT, susceptível de as afectar, pelo que terão de ser anuladas, nos termos dos artigos 135.º e 136.º do CPA.
-
Do direito ao pagamento de juros indemnizatórios
Vejamos em seguida se a Requerente tem direito ao pagamento dos peticionados juros indemnizatórios.
Tendo sido considerado verificado o vício de preterição de formalidade legal e anuladas as correspondentes liquidações adicionais de IRS e juros apurados até ao pagamento, em virtude da preterição do direito de audição prévia, fica prejudicada a apreciação dos demais vícios anulatórios invocados pela Requerente.
Ora, o direito a juros indemnizatórios, que resulta da disposição do artigo 61.º, do CPPT, e do artigo 43.º, da LGT, tem como pressuposto a existência de um “erro imputável aos serviços”, e tal não se reconduz à verificação de um qualquer vício, uma vez que os vícios de forma estão excluídos desse conceito de erro, que deve por isso ter uma interpretação mais restritiva. Com efeito, a anulação fundada em vício procedimental não permite fazer qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido do imposto que fora pago pela Requerente e, neste sentido, se tem pronunciado a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Com efeito, nos termos do artigo 100º da LGT em virtude da procedência total ou parcial de reclamações ou processo judicial a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, pelo que tudo se deve passar como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr. Diogo Leite de Campos, Jorge Lopes de Sousa e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, Encontro de Escrita, 4ª.edição, 2012, pág. 868).
A Administração Tributária está, por conseguinte, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não tivesse sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. A reconstituição da situação hipotética actual justificaria a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago pelo sujeito passivo, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que se encontra de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr. artigo 100º, da LGT; artigo 61º, nº.3, do CPPT; Ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08).
Assim, os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional, estabelecendo o artigo 22º da Constituição da República Portuguesa que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face do direito ao pagamento de juros compensatórios a favor da Administração Tributária. Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.
Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (vide, Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e seg.).
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º, da LGT, são os seguintes: a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; b) Que o erro seja imputável aos serviços; c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Na verdade, a verificação da existência de um vício de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos de natureza procedimental dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar ferido de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício de forma ou incompetência não implica a formulação de qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para declarar devido o imposto.
Na verdade, perante o simples reconhecimento da existência de um vício de forma ou de incompetência suscita-se a questão de saber se estariam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária. Se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização ao contribuinte).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado no sentido supra exposta (cfr.Ac. S.T.A. 5/5/1999, proc. n.º 5557-A; Ac. S.T.A. 9/9/2009, proc. n.º 369/09; Ac. S.T.A, 20/1/2010, proc. n.º 942/09)
Assim sendo, no caso vertente, a ilegalidade do acto de liquidação anulado deriva da existência de vício de forma (essencial), por preterição do direito de audição, pelo que não se apura a existência de erro imputável aos serviços sobre os pressupostos de facto e de direito do referido acto de liquidação, não sendo, por conseguinte, devidos juros indemnizatórios.
D - DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se considerar verificado o alegado vício de preterição de formalidade essencial dos procedimentos de liquidação de IRS e juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2009 e ao ano de 2010, anulando-os na sua totalidade, com as devidas consequências legais, designadamente com a restituição dos valores liquidados e pagos pela Requerente.
Não se consideram devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º n.º 1 da LGT.
Fixa-se o valor da acção em € 8.000,65 (oito mil euros e sessenta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, aliena a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a), do RJAT.
Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do único pedido que serve de base à fixação do valor do processo, nos termos do disposto nos artigos 12.º n.º 2 e 22º n.º 4 do RJAT e artigo 4º do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Setembro de 2013
A Árbitro
Filipa Saraiva de Barros