SUMÁRIO:
I. À luz do art.º 23.º/1/c) do CIRC, na redacção vigente em 2013, não são dedutíveis os encargos com financiamentos suportados, decorrentes de suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas relacionadas, por um sujeito passivo que não seja uma SGPS.
II. À luz do art.º 23.º, n.ºs 1 e 2/c) do CIRC, na redacção vigente em 2014, a dedutibilidade dos encargos com financiamentos suportados, decorrentes de suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas relacionadas, dependerá do facto de tais financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expectativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (activo financeiro).
III. Se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa impende sobre o contribuinte o ónus da prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
IV. O regime legal de Transferência de Preços e o disposto no artigo 23º do CIRC podem ser aplicados autonomamente ou isoladamente, quando as circunstâncias do caso concreto assim o exijam.
V. A referida interpretação e aplicação dos art.º 23.º e do CIRC, na redacção vigente em 2013, não enferma de qualquer inconstitucionalidade.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Francisco Geraldes Simões e Sofia Ricardo Borges, designados para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 26 de Abril de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ..., ...-... Carnaxide, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2017..., relativo ao exercício de 2013, na parte em que desconsidera encargos financeiros no valor de € 650.190,33 e do acto de liquidação de IRC n.º 2017..., relativo ao exercício de 2014, na parte em que desconsidera encargos financeiros no valor de € 387.081,53, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017... que teve os referidos actos de liquidação como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. violação da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC;
ii. incumprimento do ónus probatório que cabia à AT de demonstração dos factos que fundamentam as corecções efectuadas, em violação do disposto no artigo 74.º da LGT;
iii. erro na interpretação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC e correspondente falta de fundamentação das correcções e das subsequentes liquidações;
iv. erro na aplicação da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC e impossibilidade de desconsideração dos encargos financeiros ao abrigo daquele regime, em virtude do regime legal dos preços de transferência nos termos do artigo 63.º do Código do IRC;
v. inconstitucionalidade do artigo 23.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC por violação dos princípios da legalidade, da neutralidade fiscal e da tributação pelo lucro real quando interpretado e aplicado nos termos em que o fez a AT.
3. No dia 29-04-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. Francisco Geraldes Simões, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro a Exm.ª Sr.ª Dr.ª Sofia Ricardo Borges.
5. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.
6. Na sequência de requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.
7. Em 28-06-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
8. Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 18-07-2019.
9. No dia 30-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
10. Foi facultada à Requerente a possibilidade de se pronunciar por escrito sobre a matéria de excepção, o que fez.
11. Por despacho de 11-11-2019, foi fixado o valor da causa em € 478.879,30.
12. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
13. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
14. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
15. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente foi constituída em 22-07-2005, tendo como objecto social, a promoção, desenvolvimento, gestão e coordenação de projectos e investimentos imobiliários próprios, alheios ou a participação com terceiros, a compra e venda de bens imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, a construção de imóveis para a exploração ou venda, o arrendamento de imóveis e todas as actividades e operações com eles relacionadas, nomeadamente a prestação de serviços de consultoria, planeamento, organização, gestão, assistência técnica, comercial e administrativa.
2- Aquando da sua constituição, a Requerente era denominada B..., SA.
3- A Requerente foi constituída para desenvolver um projecto imobiliário designado ..., construído no terreno situado na Rua ..., n.º ... a ..., ..., em ..., Guimarães.
4- A Requerente tinha como accionistas a sociedade holandesa C..., BV e a sociedade portuguesa D..., SGPS, Lda.
5- A construção do centro comercial ... foi concluída em 2009, tendo o centro comercial sido inaugurado em 3 de Novembro de 2009.
6- O ... é composto por um centro comercial com 41.000m2 e um retail park com 7.000m2, que oferece ao público o acesso a diversas lojas de referência e a um hipermercado Jumbo com aproximadamente 16.000m2.
7- Em 16-04-2010, 100% do capital social da Requerente (então B...) foi adquirido pela sociedade holandesa E... B.V., esta por sua vez detida pela sociedade holandesa dominante do Grupo F...- a “G....”, tendo passado a Requerente a fazer parte do universo de sociedades do grupo holandês F... .
8- À data da aquisição da Requerente pelo Grupo F..., esta tinha registada uma dívida para com terceiros, no valor de €75.100.125,00, correspondente a um financiamento bancário contraído para a aquisição do terreno e construção do ... .
9- Nos termos do contrato de compra e venda de acções celebrado entre a E... B.V. (compradora), e a C..., B.V. e a D..., SGPS, Lda (vendedoras), o preço acordado pelas acções foi de €21.467.992,00 o qual resultou da seguinte fórmula de cálculo prevista na cláusula 5.1 do contrato:
“5.1. Preço
Nesta data, o comprador pagará o preço estimado aos vendedores (sendo o pagamento condição para a transferência das Acções Portuguesas), que corresponderá à soma do seguinte:
a) O preço do imóvel, igual a €92.000.000 (noventa e dois milhões de euros); mais
b) A compensação para dívidas fiscais diferidas, igual a €600.00 (seiscentos mil euros); mais
c) A estimativa do capital circulante, igual a €107.639 (cento e sete mil seiscentos e trinta e nove euros); mais
d) A estimativa do saldo de caixa, igual a €5.060.478 (cinco milhões e sessenta mil e quatrocentos e setenta e oito euros); mais
e) A estimativa de contas a receber de entidades intra-grupo, igual a €0 (zero euros); menos
f) A estimativa de contas a pagar a entidades intra-grupo, igual a €0 (zero euros); menos
g) A estimativa do passivo com entidades terceiras, igual a €75.100.125 (setenta e cinco milhões e cem mil e cento e vinte e cinco euros).
10- Em 15-03-2015, o Grupo F... foi incorporado por fusão no grupo francês H... e, fazendo a Requerente, actualmente, parte do universo de sociedades do grupo H... .
11- A dívida de €75.100.125 resulta de um financiamento contraído pela Requerente em 2008, junto dos bancos I..., SA e Banco J..., SA, destinado à realização do projecto ..., que consiste na aquisição de um terreno e construção de um centro comercial em Guimarães, obrigando-se a Requerente a não utilizar os fundos postos à sua disposição ao abrigo do presente contrato para fins diferentes dos que fundamentaram a sua concessão.
12- Em 16-04-2010 a E... B.V. concedeu à Requerente um empréstimo até ao montante total máximo de €100.000.000, tendo sido imediatamente disponibilizado à Requerente naquela data, um montante de €75.100.125, com prazo de maturidade a 16-04-2020.
13- Após a obtenção do empréstimo referido no ponto anterior, a Requerente liquidou todo o passivo que naquela data tinha com entidades terceiras.
14- A remuneração do financiamento obtido pela Requerente em 2008 correspondia à taxa EURIBOR a um mês acrescida de um spread de 0,75%.
15- O contrato de financiamento celebrado em 16-04-2010, entre a Requerente e a sociedade de direito holandês “E... B.V.”, prevê que o empréstimo obtido no montante de €75.100.125,00 tem uma remuneração correspondente à taxa EURIBOR a 3 meses acrescida de 4%.
16- O financiamento a que a Requerente recorreu junto da sua accionista única, encontrava-se contabilizado na conta “25311 – Empréstimo E... BV”, apresentando a referida conta a 31-12-2013 e a 31-12-2014, um saldo credor de €75.100.125,00.
17- Os juros constavam da conta “25312 – Empréstimo E... BV – Juros”, a qual apresenta saldos credores acumulados, no final dos exercícios de 2013 e 2014, respetivamente de €8.811,75 e €766.396,78.
18- No exercício de 2013, a Requerente incorreu em encargos financeiros com respeito ao empréstimo, no montante total de €3.171.311,03.
19- No exercício de 2014, a Requerente incorreu em encargos financeiros com respeito ao empréstimo no montante total de €3.162.639,45.
20- A Requerente considerou, nos exercícios de 2013 e 2014, a totalidade dos encargos financeiros como relevantes em sede de IRC, observando o limite previsto no n.º 1 do artigo 67.º do CIRC.
21- A Requerente acresceu na linha 748 das declarações modelo 22, dos exercícios de 2013 e 2014, respetivamente, os montantes de €171.311,03 e de €850.359,34.
22- Nos dias 31 de dezembro de 2013 e 2014, a Requerente tinha registado na sua contabilidade não só o financiamento obtido junto da sua accionista única, mas também créditos sobre outras entidades do Grupo F... .
23- Um dos créditos contabilizados pela Requerente relaciona-se com o Acordo de Conta Corrente celebrado no dia 7 de setembro de 2010 com a sociedade luxemburguesa K... S.A., entidade financeira do Grupo F... naquela altura.
24- Tal acordo de conta corrente (cash pooling) destinava-se à aplicação de excedentes de tesouraria originados pela exploração do centro comercial, assim como a liquidar créditos recíprocos existentes entre ambas as partes.
25- A remuneração estabelecida no cash pooling K... corresponde a uma taxa de juros igual à EONIA (Euro Over Night Index Average), conforme cotação diária da Federação Bancária Europeia, menos 0,30% aplicada sobre o saldo em dívida durante cada período de três meses, e o valor dos respectivos juros auferidos pela Requerente ascendeu em 2013 e 2014, respectivamente, a € 39,58 e a € 400,17.
26- Em 31-12-2013, a Requerente tinha contabilizado na conta #143102 – “G...” o montante total de €6.330.214,60, relativo ao cash pooling K... .
27- Em 31-12-2014, a Requerente tinha contabilizado na conta #143103 – “G...” o montante total de €6.368.316,11, relativo ao cash pooling K..., entretanto cedido à E... B.V.).
28- Em 31-12-2013 e 31-12-2014 a Requerente tinha ainda na sua contabilidade os seguintes activos/créditos, todos sobre entidades do Grupo F...:
• Conta a receber corrente, cujos montantes de €104.051,60 e €790.241,08, respetivamente, estavam registados na conta #26822 – “E... BV”;
• Conta a receber corrente, cujo montante de €1.086.688,94, estava registado na conta #278310101 – “G...” em ambas as datas;
• Juros a receber da K..., cujo montante de €37.701,34 estava registado na #27211 – “juros a receber –K... SA” apenas em 2013; e
• Acréscimo de rédito com garantias de renda, cujo montante de €1.545.909,18 estava registado na conta #272192 – “Faturas a emitir-garantias de rendas”, em ambas as datas, relativos a um contrato de extensão de garantia de rendas sobre lojas vazias que havia sido prestado pela C..., anterior accionista da Requerente, à E... B.V., que não vencia juros nem tinha prazo de reembolso estipulado..
29- Nos exercícios de 2013 e 2014, a Requerente registou créditos a receber de clientes em montante que excede os €3.000.000,00.
30- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, credenciada pelas ordens de serviço n.º OI 2016...e OI2016..., tendo por objecto os exercícios de 2013 e 2014, tendo a AT, nesse âmbito, analisado os gastos contabilizados pela Requerente e deduzidos nos termos do Código do IRC, relativos a encargos financeiros incorridos em consequência de um financiamento obtido em 2010.
31- Do relatório de inspecção consta, além do mais, o seguinte:
32- Em sede inspectiva, a AT procedeu às seguintes correcções ao resultado fiscal declarado pela Requerente:
33- Na sequência da acção inspectiva, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao exercício de 2013, e do acto de liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao exercício de 2014.
34- Não se conformando com as referidas liquidações, a Requerente apresentou reclamação graciosa.
35- A Reclamação graciosa foi indeferida.
36- Em 26-04-2019, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
a. Da matéria de excepção
i.
Começa a Requerida, como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, por suscitar a questão da inimpugnabilidade e do excesso de pronúncia relativamente à liquidação adicional de IRC do exercício de 2014.
Sustenta a Requerida, a este propósito, e em suma, que embora se peticione a anulação parcial das liquidações adicionais de IRC melhor identificados no pedido de pronúncia arbitral, relativamente à liquidação do exercício de 2014 não foi promovida qualquer correcção referente aos encargos financeiros, como decorre, do relatório final de inspeção tributária.
Tendo em conta que a liquidação adicional de IRC referente ao período de 2014 não tem subjacente qualquer correcção relativa à desconsideração dos encargos financeiros, (tem apenas as correções referentes a créditos incobráveis indevidos e perdas por imparidade em créditos indevidas), nada haverá a anular, segundo a Requerida, em caso de procedência da presente ação arbitral.
Conclui a Requerida que aquela liquidação adicional impugnada pela Requerente carece de objecto, sendo um acto inimpugnável, verificando-se uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento de mérito da causa, devendo absolver-se a Requerida da respectiva instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2 do CPC, ex vi artigos 1.º e 89.º, n.º 1, do CPTA.
Acrescenta, ainda, a Requerida que caso o Tribunal entenda pronunciar-se sobre esta questão, sempre tal situação se configuraria como excesso de pronúncia, pois o pedido da Requerente não poderá deixar de ser apreciado à luz da causa de pedir que lhe subjaz.
Ressalvado o muito respeito devido, julga-se não assistir qualquer razão, nesta matéria à Requerida, que parece pretender fazer relevar ao nível dos pressupostos de validade da relação processual, questões relativas ao fundo da relação material controvertida.
Assim, e desde logo, como apontou a Requerente ao pronunciar-se sobre esta matéria, um eventual excesso de pronúncia integraria uma nulidade da decisão final, e não uma qualquer excepção que obste ao conhecimento do mérito da causa.
Por outro lado, a requerida confunde inimpugnabilidade do acto com inexistência de objecto da acção, sendo que o a primeira pressupõe, precisamente, a existência de um acto, eventualmente inimpugnável.
Em todo o caso, independentemente da sua qualificação jurídica, a questão que a requerida coloca, reporta-se à relação material controvertida, e não a qualquer pressuposto processual.
A Requerida alega que a liquidação adicional de IRC referente ao período de 2014 não tem subjacente qualquer correcção relativa à desconsideração dos encargos financeiros, enquanto que a Requerente alega que aquela desconsidera encargos financeiros no valor de € 387.081,53.
Ora, a decisão de tal dissídio opera-se em sede de conhecimento do mérito da causa, e não de forma prévia àquele, como é bom de ver.
Daí que deva julgar-se improcedente a excepção ora em apreço.
*
ii.
Argui também a Requerida, igualmente como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, o excesso de pronúncia relativamente à liquidação adicional de IRC do exercício de 2013, porquanto, aventando mesmo tratar-se de lapso, considera que a Requerente não refere que a anulação da liquidação contestada é apenas parcial.
Para a Requerida, apenas se afigura legítimo o pedido de anulação parcial, pois não sendo as demais correcções que fundamentam a liquidação adicional de IRC postas em causa, as mesmas já se consolidaram no plano jurídico por falta de contestação, e que se assim não se entender, incorrerá, então, o Tribunal em excesso de pronúncia, pois o pedido da Requerente não poderá deixar de ser apreciado à luz da causa de pedir que lhe subjaz.
Novamente, e conforme atrás se apontou, não integra a questão assim formulada qualquer excepção que obste ao conhecimento do mérito, mas, unicamente, um eventual vício da decisão final, a arguir e tramitar nos correspondentes termos.
Daí que deva, igualmente, improceder a excepção ora em apreço.
***
b. Do fundo da causa
Conforme se viu já, são as seguintes as questões que a Requerente apresenta a este Tribunal arbitral para decidir:
i. violação da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC;
ii. incumprimento do ónus probatório que cabia à AT de demonstração dos factos que fundamentam as corecções efectuadas, em violação do disposto no artigo 74.º da LGT;
iii. erro na interpretação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC e correspondente falta de fundamentação das correcções e das subsequentes liquidações;
iv. erro na aplicação da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC e impossibilidade de desconsideração dos encargos financeiros ao abrigo daquele regime, em virtude do regime legal dos preços de transferência nos termos do artigo 63.º do Código do IRC;
v. inconstitucionalidade do artigo 23.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC por violação dos princípios da legalidade, da neutralidade fiscal e da tributação pelo lucro real quando interpretado e aplicado nos termos em que o fez a AT.
Vejamos cada uma delas.
*
i.
A primeira questão colocada pela Requerente nos presentes autos de processo arbitral, prende-se com a aferição da legalidade das correcções operadas pela AT, relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, relativamente a gastos financeiros da Requerente imputáveis a financiamentos gratuitos ou abaixo do custo, concedidos por aquela a sociedades consigo integrantes do perímetro do Grupo F... .
Nos termos da fundamentação lavrada pela AT, e subjacente às correcções em questão, as mesmas assentam no disposto no art.º 23.º, n.º 1/c) (período de 2013) e 23.º/1 e 2/c) (período de 2014), ambos do CIRC, nas redacções aplicáveis aos referidos períodos, tendo, em suma, a AT entendido que - numa parte dos gastos de financiamento - não estão em causa encargos relativos a capitais alheios aplicados na exploração da actividade económica da Requerente e não se encontram preenchidos seja o requisito da indispensabilidade, seja o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto.
A redacção da norma em questão, é a seguinte:
- Exercício de 2013:
“1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”;
- Exercício de 2014:
“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”
A matéria em questão foi objecto de ampla apreciação e discussão, a nível jurisprudencial e doutrinal, sendo que, independentemente do mais, julga-se que o ponto de partida para a apreciação de qualquer questão que se apresente a decidir relativa à matéria em causa, deve ser, conforme formulado no Acórdão do STA de 04-06-2014, proferido no processo 01763/13, o de que “a relevância ou não de determinadas despesas como custos do exercício sempre teria que ser vista em concreto, caso a caso, em função do peculiar contexto empresarial em que se desenvolvem e das finalidades que prosseguem”.
Posto isto, “constitui jurisprudência consolidada do S.T.A. que à luz do artº.23, do C.I.R.C., não são de considerar como fiscalmente relevantes, além do mais, os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas” .
Com efeito, reiteradamente, tem afirmado o STA que “À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.” e que “Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos” .
O referido entendimento tem sido reafirmado por aquele Superior Tribunal, ao longo dos anos e até ao presente, tendo nos acórdãos de 19-04-2017 e de 28-02-2018, proferidos, respectivamente, nos processos 0925/16 e 01206/17, sido exarado que:
- “I - Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.
II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”;
- “I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.
II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.
III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.
IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.”.
Por seu lado, doutrina relevante emergiu em várias sedes de forma crítica em relação à jurisprudência assinalada, pugnando que os financiamentos gratuitos ou abaixo do custo, de uma sociedade a uma outra, sua participada, poderão ainda considerar-se como exercício da actividade empresarial daquela.
No processo arbitral 695/2015T , é revista doutrina e jurisprudência anterior sobre a matéria, análise para a qual se remete.
Em síntese, no referido aresto arbitral, quanto ao conceito de activo e de fonte produtora, conclui-se que quanto à questão “Uma sociedade participante que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?, deverá considerar-se que “a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”.
Entendeu-se assim, naquele caso, que quando a participante financia as participadas (seus activos financeiros), na contabilidade da participante “a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros” da participante.
Mais se julgou que “a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da [participante], que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da [participante]: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.”.
Ainda no acórdão arbitral em questão, acabou-se por concluir que: “… a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela [participante]. …, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.
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Ponderados os vários argumentos das posições antagónicas acima apresentadas, propende-se para o entendimento de que os financiamentos de uma sociedade a uma sua participada com a qual esteja em situação de relações especiais, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira.
Com efeito, será notório, crê-se, que numa situação dessas a “saúde” financeira da sociedade participada se revista de capital importância para a sociedade participante, como notório será que o bom desempenho económico da sociedade participada é susceptível de gerar ganhos sujeitos a IRC para a sociedade participante, quer ao nível do aumento do valor económico das participações, com o consequente aumento do património e da robustez financeira da sociedade participante, e todas as vantagens, em termos de mercado, que daí advêm, quer ao nível da eventual geração de dividendos e/ou mais-valias.
Deste modo, não se julga que se deva considerar que a disponibilização de meios financeiros, num caso como o dos autos, por uma sociedade a outra (ou a outras) sua relacionada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira.
No que diz respeito à existência e quantificação da taxa de juro aplicada, com o referido acórdão arbitral proferido no processo 695/2015T do CAAD, julga-se que a questão deverá ser, nas situações em causa, aferida à luz do regime dos preços de transferência, regulado no art.º 63.º do CIRC, e não à luz da necessidade dos gastos, regulada no art.º 23.º do mesmo Código.
Não obstante, e como se viu, à luz da redacção vigente em 2013 da norma aplicanda (art.º 23.º/1/c) do CIRC então vigente), a jurisprudência do STA na matéria é clara e reiterada, no sentido de que “os encargos financeiros (...) suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas (...) associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”.
Efectivamente, julga-se que o problema fiscal da concessão de empréstimos por sociedades participantes a sociedades participadas, e bem assim entre sociedades relacionadas, em situações como a dos presentes autos, reside, não na falta de interesse empresarial na operação, mas, antes, na possibilidade de esses interesses serem prosseguidos de maneira abusiva, permitindo a transferência de resultados entre as sociedades envolvidas, de forma não permitida pela lei, sendo que, de resto, o art.º 63.º do CIRC se refere expressamente a tais situações, ao incluir nas suas previsões as “operações financeiras”.
Não obstante, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).
Por outro lado, e nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”.
Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência firmada pelo STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade dos factos e do direito a aplicar a este, entre o presente caso, e os já julgados quer pelo STA, quer pelos Tribunais Centrais Administrativos, seria, não só susceptível de recurso nos termos do referido art.º 25.º/2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada por aquele Alto Tribunal.
Assim, e em suma, não se crê que tivesse qualquer utilidade, pelo contrário (daria azo a tramitação processual adicional inútil e desnecessária), este Tribunal concluir de outra forma, no que diz respeito às correcções ora em apreço, relativas ao exercício de 2013, que não a reafirmada recorrentemente pelos Tribunais estaduais superiores, ou seja, que os encargos financeiros suportados pela Requerente com o financiamento de empresas relacionadas não têm acolhimento, no que à sua dedutibilidade diz respeito, no disposto no art.º 23.º do CIRC aplicável, por não se apurar que o objecto social da Requerente abranja a detenção e gestão de participações sociais.
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Aqui chegados, e descendo ao caso concreto, cumpre aplicar a jurisprudência ao caso, e no que diz respeito ao exercício de 2013, que é aquele à luz de cuja legislação vigente a referida jurisprudência se formou.
Neste exercício o que se verifica é que a Requerente suportou encargos financeiros (juros) no montante total de € 3.171.311,03, com respeito ao empréstimo concedido pela sua accionista única E... B.V., no montante total de € 75.100.125.
Nesse mesmo exercício, a 31 de Dezembro, a Requerente tinha contabilizado na conta #143102 – “K...”, o montante total de € 6.330.214,60, relativo ao Cash Pooling K... .
Para além disso, e no mesmo exercício e data, a Requerente tinha ainda na sua contabilidade os activos / créditos constantes do ponto 28 dos factos dados como provados, num total, para o ano de 2013, conforme consta do quadro 5 do RIT, de € 2.774.351,06.
A argumentação da Requerente, na defesa da sua pretensão e no que diz respeito à matéria ora em apreço, assenta, essencialmente, em duas linhas de raciocínio, a saber:
- A alegação de que o empréstimo gerador dos encargos financeiros cuja dedutibilidade, em parte, foi recusada pela AT, foi utilizado para liquidar um financiamento pré-existente, e não para financiar as suas relacionadas; e
- A alegação de que, em todo o caso, não concedeu qualquer financiamento às suas relacionadas, ou que, pelo menos, tal não se encontra demonstrado.
Vejamos.
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Relativamente à primeira das linhas de argumentação esgrimidas pela Requerente, julga-se que a mesma, à luz da jurisprudência atrás citada e que no que respeita ao exercício de 2013 se segue, não será susceptível de acolhimento, já que essa mesma jurisprudência não lhe concede qualquer relevância.
Com efeito, o que está em causa nos termos daquela, é não a empresarialidade do financiamento concedido à Requerente, e que á a causa dos gastos com financiamentos a deduzir ou não, mas estes próprios gastos.
Ou seja: não está em causa saber se o produto do financiamento contraído foi directamente empregue em finalidades empresariais, mas se a manutenção daquele, e dos correspondentes encargos, se justifica, ou não, à luz da prossecução do interesse da empresa, tal como interpretado pelo STA.
Assim, e descendo directamente ao caso, o que releva é, no fundo, que a Requerente, dispondo de liquidez para saldar o financiamento contraído e gerador de encargos, opta por financiar gratuitamente, ou abaixo do custo, empresas suas relacionadas. Ao fazê-lo, entende o STA, se bem se interpreta a sua jurisprudência, que a manutenção dos encargos financeiros com o financiamento que podia ser extinto (mesmo que parcialmente), caso não optasse por financiar aquelas, não se justifica à luz dos interesses próprios da Requerente, pelo que não poderão tais encargos ser aceites.
Já no que diz respeito à segunda linha de argumentação ensaiada pela Requerente, e atrás exposta, julga-se que a mesma não será susceptível de qualquer acolhimento no que diz respeito aos montantes relativos ao contrato de cash-pooling.
Com efeito, e sem qualquer espécie de dúvidas, esse tipo de contrato é uma forma de financiamento, estando como tal, e por exemplo, sujeito a Imposto do Selo , enquanto operação de crédito.
Já no que diz respeito aos activos / créditos constantes do ponto 28 dos factos dados como provados, haverá que reconhecer razão à Requerente.
Com efeito, não se tratam aí de financiamentos concedidos pela Requerente, mas de créditos que aquela tem a receber de entidades relacionadas, e por cuja mora não estará a cobrar juros.
Ora, esta circunstância não poderá contender com a empresarialidade dos gastos de financiamento suportados pela Requerente, já que trantando-se de créditos que aquela tem a receber, mas não recebeu, não serão susceptíveis de contender com a possibilidade de liquidar, ainda que parcialmente, o financiamento gerador dos encargos financeiros que suportou e que pretende deduzir ao seu lucro tributável.
Assim, e em suma, a correcção operada pela AT relativamente ao exercício de 2013, face a tudo quanto se expôs, e à jurisprudência do STA citada, deverá ser mantida quanto aos gastos com financiamentos imputados ao crédito concedido pela Requerente no âmbito do contrato de cash-pooling, no montante de € 6.330.214,60, e anulada na parte que se reporta aos activos / créditos constantes do ponto 28 dos factos dados como provados, num total, para o ano de 2013, conforme consta do quadro 5 do RIT, de € 2.774.351,06, procedendo, nessa medida, o pedido arbitral, por violação do disposto no art.º 23.º/1/c) do CIRC aplicável.
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Já no que diz respeito às correcções relativas ao exercício de 2014, cumpre antes de mais aferir se, como afirma a Requerida em sede de excepção, foram ou não determinadas correcções relativas à desconsideração fiscal de gastos com financiamento, no exercício em questão.
Nesta matéria, é perfeitamente perceptível, da leitura do RIT, que no mesmo foram considerados indedutíveis, à luz da interpretação feita pela AT do disposto no art.º 23.º/1 e 2/c) do CIRC aplicável, um total de € 387.081,53.
A circunstância de tal correcção não ter reflexo no resultado tributável, e, consequentemente, na liquidação de imposto a pagar emitida com fundamento no RIT, não significa que o acto administrativo-tributário que se consubstancia na liquidação emitida e impugnada, não sancione tal correcção, impondo, autoritariamente, efeitos jurídico-tributários na esfera da Requerente, que à mesma é legítimo contestar.
De resto, tais efeitos são claros, e é essa justamente a motivação da correcção sugerida no RIT e sancionada no acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, à luz do disposto no art.º 67.º/2 do CIRC aplicável.
De resto, é pacífico, julga-se, quer face à jurisprudência conhecida quer face à própria lei, que a impugnabilidade do acto de liquidação não está condicionada ao concreto montante de imposto liquidado, sendo, por isso, possível a impugnação de liquidações com o valor de € 0,00 .
Posto isto, e no que diz respeito às correcções em questão, operadas ao exercício de 2014 da Requerente, julga-se ser possível concluir de forma distinta, da acima exposta, a propósito do exercício de 2013.
De facto, no ano de 2014, a norma em questão nos presentes autos, o art.º 23.º do CIRC, foi alterada na sua redacção, de modo significativo e intencional, passando a referir como critério geral da dedutibilidade dos gastos, que estes tenham sido incorridos ou suportados “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, quando antes dispunha no sentido da necessidade de que os mesmos “comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.
Conforme resulta, inequivocamente, do “Anteprojeto de Reforma” do Código do IRC , a alteração introduzida foi no sentido de deixar claro que “o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC” e se destina a excluir os “encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios”.
À luz de tal critério, e do quanto se expôs anteriormente, não se julga que se possa considerar que a concessão de financiamento por uma sociedade participante a uma sociedade participada, em situações como a dos autos, de uma sociedade a sociedades relacionadas, se possa qualificar como não inserida na actividade da primeira, e como tal se julguem os gastos subjacentes a tal operação qualificáveis como indedutíveis, à luz do art.º 23.º do CIRC aplicável.
De resto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição tributária estadual, na matéria em questão, emitida, toda a que é conhecida, à luz da redacção anterior da norma em causa, que, como se viu, foi alterada, acabou por reconduzir a questão à mera inserção da actividade de detenção e gestão de participações sociais no objecto social das sociedades participantes, conforme decorre, transparentemente, dos cotejo dos acórdãos do STA de 21-02-2018 e de 30-05-2018, ambos proferidos no processo 0473/13, e de 28-02-2018, proferido no processo 01206/17.
Todavia, o objecto social não limita a licitude dos actos jurídicos das sociedades, nem a sua capacidade jurídica, nem, muito menos, a sujeição a imposto dos proveitos de tais actos ou actividades, dispondo o art.º 6.º/4 do C.S. Comerciais que “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos.”, de onde decorre que a prática por uma sociedade de actos de comércio que não estejam compreendidos no seu objecto, não são proibidos, nem, consequentemente, e de per si, ilícitos.
Assim, e ainda que estranhos ao objecto social, esses actos ou actividades são susceptíveis de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” das sociedades, pelo que razão alguma se vê para excluir os gastos, decorrentes desses mesmos actos ou actividades, à luz da redacção do art.º 23.º/1 do CIRC, vigente em 2014, unicamente por não se reconduzirem, formalmente, ao objecto social do sujeito passivo .
Face ao exposto, e tendo em conta que, como se referiu atrás, a jurisprudência conhecida do STA e dos Tribunais Centrais na matéria foi proferida no âmbito da redacção do art.º 23.º do CIRC, vigente até 31-12-2013, julga-se que as correcções em apreciação, referentes aos período de 2014, ao considerarem não dedutíveis os encargos financeiros suportados pela Requerente com empréstimos concedidos a empresas relacionadas no exercício de 2014, viola o disposto no art.º 23.º/1 do CIRC, enfermando, como tal, de erro de direito e devendo, por isso, ser anuladas, procedendo, nessa parte, o pedido arbitral.
***
Face ao que vem de se apreciar e decidir, as restantes questões colocadas pela Requerente ficam circunscritas às correcções operadas pela AT, relativas ao exercício de 2013, e que assentam no financiamento a empresas suas relacionadas, por via do contrato de cash-pooling.
A essa luz, vejamos cada uma delas.
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ii.
Alega a Requerente que são ilegais as liquidações contestadas (e a decisão de indeferimento que as mantém) por falta de fundamentação e comprovação, pela AT, dos pressupostos fácticos da sua atuação (que os capitais alheios mutuados foram utilizados na concessão de financiamentos e que tal não se insere no escopo empresarial), em violação do art.º 74.º da LGT e do art..º 23.º do CIRC e que, em todo o caso, a Requerente demonstrou o contrário, sendo também por isso ilegais tais actos, em violação do referido art.º 23.º do CIRC.
Alega a Requerente que, no caso, não foi dado cumprimento do ónus probatório que cabia à AT de demonstração dos factos que fundamentam as correcções efectuadas, em violação do disposto no artigo 74.º da LGT.
A este propósito, sustenta a Requerente que assistia à AT o ónus da prova de que os capitais alheios obtidos foram aplicados em fins estranhos à exploração.
Todavia, e desde logo, como se explica no Ac. do TCA-Sul de 04-06-2020, proferido no processo 1029/07.3BESNT, “Se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa impende sobre o contribuinte o ónus da prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário”.
Tal entendimento, de resto, ficou expresso no art.º 74.º, n.º 1 da LGT, na redacção que lhe foi dada pela Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sendo que, como resulta do aresto transcrito, já deveria ser esse o entendimento, ao abrigo da lei em vigor anteriormente.
Em todo o caso, e como se viu já anteriormente, à luz do art.º 23.º/1/c) do CIRC, na redacção em vigor em 2013, e nos termos que é interpretado pela jurisprudência previamente citada, concorde-se ou não com esta, para que se afaste a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados em determinado exercício, quando não esteja em causa uma SGPS e participadas suas, é apenas necessário que se apure que foram concedidos financiamentos gratuitos ou abaixo do custo a entidades terceiras, e que por causa desses financiamentos sejam suportados encargos financeiros.
Daí que se refira na jurisprudência citada que os encargos financeiros (e não os empréstimos contraidos) suportados sejam decorrentes dos financiamentos concedidos, que estão em causa os custos que a operação financeira de cedência de fundos às participadas aportam, ou seja os custos em que se incorra com essas ou por causa das realizações.
Verificando-se, como é o caso, que a Requerente suportou custos financeiros que não teria suportado se não tivesse financiado as suas relacionadas, nos termos anteriormente vistos, haverá que concluir, à luz daquela jurisprudência, que estão verificados os pressupostos para, nos termos da mesma, não serem aceites os custos com financiamentos ora em análise, não se verificando a violação dos normativos invocados pela Requerente.
***
iii.
Prossegue a Requerente alegando que a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como as liquidações contestadas deverão ser anuladas com todas as consequências legais, já que ainda que viessem demonstrados pela AT os pressupostos fácticos em que assenta o seu direito a tributar, de tal pressuposto fáctico não decorre sem mais a conclusão de que tal utilização não se inscreve no escopo/atividade da Requerente, e consequentemente que os juros não seriam dedutíveis.
Na óptica da Requerente, para assim concluir, necessitaria a AT de uma análise casuística e da alegação dos motivos pelos quais entendia que, no caso concreto, aplicar os capitais mutuados no financiamento de outras entidades do grupo não era indispensável nem concorria para a obtenção de uma vantagem económica atendível.
Conclui a Requerente que ao não proceder a tal análise, a AT não cumpre o seu ónus de fundamentação/alegação, o que inquina de ilegalidade as correções operadas, e consequentemente as liquidações contestadas e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa.
A presente questão assenta, essencialmente em argumentos já esgrimidos previamente pela Requerente, e atrás analisados, e que se julga não poderem proceder.
Com efeito, e desde logo, pressupõe a argumentação ora em análise que o ónus da prova, na matéria sub iudice, assiste à AT, quando, conforme se expôs já, tal ónus assiste à Requerente, ou seja, pretendendo a Requerente exercer o seu direito à dedutibilidade dos gastos com financiamentos que suportou, será a ela que assistirá o ónus da prova da verificação dos respectivos pressupostos, sendo que, nos termos da jurisprudência anteriormente citada, não poderá a Requerente valer-se, em tal matéria (dedutibilidade dos gastos) da presunção consagrada no art.º 75.º/1 da LGT.
Assim, e pelo exposto, não incumbia à AT o ónus que a Requerente, no vício ora em análise lhe imputa, pelo que deverá, nesta parte também, improceder o pedido arbitral.
***
iv.
Prossegue a Requerente sustentando que sendo as condições remuneratórias dos créditos e financiamentos concedidos pela Requerente que levam a AT a desconsiderar os encargos financeiros corrigidos, serão as correções ilegais, por errada interpretação do artigo 23.º do Código do IRC e não aplicação do regime previsto nos artigos 63.º e seguintes do CIRC – as regras de preços de transferência –, como se impunha à AT por aplicação do princípio da legalidade a que se encontra adstrita nos termos dos artigos 266.º da CRP e 8.º, n.º 2, al. a) e 55.º da LGT, consequentemente padecendo de ilegalidade as liquidações contestadas e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa.
Também nesta matéria se julga não ser possível atribuir razão à Requerente.
Com efeito, o entendimento da Requerente ora em apreço postula, necessariamente, crê-se, que a aplicação do regime da indispensabilidade dos gastos, plasmado no art.º 23.º do CIRC, e do regime dos preços de transferência, previsto nos artigos 63.º e seguintes do mesmo CIRC, é alternativa e exclusiva, ou seja, que se se verificarem os pressupostos de um não será legal a aplicação do outro, e vice-versa, ou, no mínimo, que o segundo dos referidos regimes está numa relação de especialidade com o primeiro, derrogando, quando verificados os respectivos pressupostos, a aplicação deste.
Ora, o STA esclareceu já, no seu Acórdão de 07-03-2018, proferido no processo 01485/15, que “O regime legal de Transferência de Preços e o disposto no artigo 23º do CIRC podem ser aplicados sucessivamente quando as circunstâncias do caso concreto assim o exijam.”, pelo que a eventual verificação dos pressupostos da aplicação do regime dos preços de transferência não acarretará, em oposição ao que a Requerente ora pretende, a ilegalidade da aplicação da indispensabilidade dos gastos, sendo certo que, como recorrentemente se expôs já, concordando-se ou não, na matéria ora em apreço, e no que diz respeito ao exercício de 2013, a jurisprudência do STA é reiterada e constante no sentido de que a mesma é susceptível de ser tratada à luz daquele referido regime da indispensabilidade dos gastos, não ocorrendo, segundo se julga, qualquer inconstitucionalidade, designadamente as arguidas pela Requerente.
Deve, assim, improceder igualmente nesta parte o pedido arbitral.
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v.
Alega, finalmente, a Requerente, que não tendo sido lançado mão das regras potencialmente adequadas a corrigir o resultado fiscal da Requerente, decorrentes do Empréstimo nos exercícios de 2013 e 2014, é também inconstitucional e não pode manter-se (por violação dos princípios da legalidade fiscal, da neutralidade fiscal e da tributação pelo lucro real, tal como previstos nos artigos 103.º, n.º 2, 104, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i) da CRP) a interpretação e aplicação do art.º 23.º do CIRC tal como preconizado pela AT, sendo em consequência inválidas as liquidações contestadas e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, que deverão ser anuladas.
Para a Requerente, não pode a AT ignorar o facto de a atribuição ou não de relevância fiscal a determinado gasto inevitavelmente importar consequências económicas para o sujeito passivo, já que o pagamento do imposto naturalmente influi nas decisões de gestão.
Prossegue, ainda a Requerente, sustentando que, não obstante a não aceitação de um gasto para efeitos fiscais não proíba a decisão de gestão, é inelutável que é susceptível de condicioná-la de forma absolutamente relevante e – sempre que erradamente aplicada, como pretende a AT - constitucionalmente inadmissível, por bulir com o princípio de neutralidade que se almeja atingir.
Refere também a Requerente que interpretação diversa sempre seria igualmente inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva – na sua vertente de tributação pelo lucro real -, tal como estabelecido no art.º 104.º, n.º 2, da CRP, ao impedir a Requerente de deduzir gastos efectivamente suportados e que cumprem com os critérios do art.º 23.º do CIRC apenas porque tinha nos exercícios em análise, alegados financiamentos a outras entidades, com condições remuneratórias diferentes do Empréstimo.
Acrescenta, por fim, a Requerente que o próprio princípio constitucional da tributação pelo lucro real, enquanto decorrência do princípio da capacidade contributiva – artigo 104.º, n.º 2, da CRP – impõe de forma decisiva que os gastos incorridos pelos sujeitos passivos no âmbito da sua actividade – que gozam da já antes referida ampla margem de discricionariedade ao abrigo dos princípios da liberdade de iniciativa económica e da neutralidade fiscal – devam ser, regra geral, considerados como dedutíveis aos resultados apurados.
Ressalvado sempre o muito respeito devido, julga-se ser de concluir aqui, também, pela não verificação das arguidas inconstitucionalidades.
Assim, relativamente à circunstância de não ter sido lançado mão das regras reputadas pela Requerente como potencialmente adequadas a corrigir o resultado fiscal da Requerente, decorrentes do Empréstimo nos exercícios de 2013 e 2014, julga-se, como se explanou já, que, à luz da previamente analisada jurisprudência do STA, não se pode considerar que a AT não lançou mão das regras adequadas a corrigir o resultado fiscal da Requerente.
Julga-se igualmente que os argumentos invocados pela Requerente não serão susceptíveis de fundar as alegadas violações dos artigos 103.º, n.º 2, 104, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i) da CRP).
Assim, quanto à alegação de a atribuição ou não de relevância fiscal a determinado gasto inevitavelmente importar consequências económicas para o sujeito passivo, dado o pagamento do imposto naturalmente influir nas decisões de gestão, dir-se-á que se trata de uma constatação inerente ao próprio regime da dedutibilidade dos gastos, não apontando a Requerente nenhuma circunstância relevante que aparte a situação sub iudice da desconsideração, nos termos do regime do art.º 23 .º do CIRC, de qualquer outro gasto, nos termos do mesmo regime. Todos eles serão, naturalmente, susceptíveis de influenciar decisões de gestão, e cumprirá ao sujeito passivo interpretar devidamente a lei fiscal e tomar as decisões que tiver por acertadas, tendo presente, para além do resto, o regime em questão.
Quanto à alegação de que a não aceitação de um gasto para efeitos fiscais é susceptível de condicionar a decisão de gestão de forma absolutamente relevante e – sempre que erradamente aplicada, incompatível com o princípio de neutralidade, para além do que se vem de dizer, ou seja, de o condicionamento da gestão ser uma característica transversal, não só ao regime da indispensabilidade dos gastos, como também a toda a legislação fiscal, em geral, acrescerá que a alegação ora em apreço assenta no pressuposto da errada não aceitação do gasto, o que não só não se verifica no caso, como previamente explicado, como se se verificasse, teria como consequência a anulação judicial da errada não aceitação do gasto, e não a inconstitucionalidade da norma aplicanda.
Por fim, no que toca à alegação de que impedir a Requerente de deduzir gastos efectivamente suportados e que cumprem com os critérios do art.º 23.º do CIRC apenas porque tinha nos exercícios em análise, alegados financiamentos a outras entidades, com condições remuneratórias diferentes do Empréstimo, constituirá uma violação do princípio da capacidade contributiva – na sua vertente de tributação pelo lucro real, postula, uma vez mais, que estão, in casu, cumpridos os critérios do art.º 23.º do CIRC, o que, tendo presente a jurisprudência do STA aplicada, não é o caso.
A terminar, e no que diz respeito a o princípio constitucional da tributação pelo lucro real, enquanto decorrência do princípio da capacidade contributiva, impor que os gastos incorridos pelos sujeitos passivos no âmbito da sua actividade – que gozam de margem de discricionariedade ao abrigo dos princípios da liberdade de iniciativa económica e da neutralidade fiscal – devam ser, regra geral, considerados como dedutíveis aos resultados apurados, tal não contenderá, naturalmente, com as excepções, que são múltiplas, a tal princípio, sendo lícito ao legislador, em ordem a salvaguardar outros princípios constitucionalmente relevantes, e o próprio princípio da tributação pelo lucro real, afastar a dedutibilidade de determinados gastos, designadamente, e no que para o caso importa, quando os mesmos não forem, à luz dos critérios legais, indispensáveis à actividade empresarial ou à manutenção da fonte produtora dos ganhos sujeitos a imposto.
Assim, e por todo o exposto, julgam-se não verificadas as inconstitucionalidades arguidas pela Requerente.
***
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar improcedentes as excepções arguidas pela Requerida;
b) Anular parcialmente o acto de liquidação de IRC n.º 2017..., relativo ao exercício de 2013, na parte em que desconsidera encargos financeiros no valor de € 198.126,56 e o acto de liquidação de IRC n.º 2017..., relativo ao exercício de 2014, na parte em que desconsidera encargos financeiros no valor de € 387.081,53, assim como, na mesma medida, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017... que teve os referidos actos de liquidação como objecto;
c) Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral, incluindo as inconstitucionalidades arguidas pela Requerente, absolvendo, nessa parte, a Requerida do pedido.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 478.879,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Outubro de 2020
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Francisco Geraldes Simões – com declaração de voto)
O Árbitro Vogal
(Sofia Ricardo Borges – com declaração de voto)
Declaração de Voto
Votei parcialmente a decisão, nas suas alíneas a) e b), mas dissinto profundamente da respetiva fundamentação pelas razões que passo a enunciar.
Saber se os encargos financeiros incorridos na obtenção dos capitais utilizados para financiamento de uma sociedade afiliada são dedutíveis para a determinação do lucro tributável dos sócios prestadores é, a meu ver, uma questão mal resolvida na generalidade da nossa jurisprudência. Não desconheço, de resto, que o STA tem entendido como não dedutíveis para apuramento do lucro tributável os juros suportados para financiar prestações suplementares numa sociedade afiliada, apenas porque as considera alheias à atividade da sociedade prestadora em virtude de o seu objeto não incluir a gestão de participações sociais. Discordo dessa posição: se o sócio tiver de se financiar junto de terceiros e suportar um encargo financeiro (juro) para poder realizar prestações suplementares, não será o seu objeto social que o impedirá de deduzir fiscalmente aquele encargo financeiro.
Trata-se, é certo, de uma questão de inequívoco e relevante interesse jurídico. Não se tratava, porém, da questão decidenda que a este coletivo competia resolver, posto que não ficou provado que os juros que o Fisco desconsiderou tenham sido suportados para financiar prestações suplementares numa sociedade afiliada da requerente, na aceção da doutrina do STA extraída dos recursos 0925/16 e 01206/17 que a presente decisão aplicou.
Estou por isso plenamente convencido, com o devido respeito, que o tribunal se precipitou ao secundar a solução jurídica preconizada nos referidos arestos do STA, pois não atentou suficientemente aos factos concretos do caso dos presentes autos, que constituem sua premissa menor, nem a estes se ateve.
A aplicação da solução jurídica do STA ao caso dos presentes autos pressupunha, desde logo, a identidade das respetivas questões decidendas. Para além disso, pressupunha também, ou sobretudo, a identidade dos factos essenciais subjacentes. Ora, entre o caso dos presentes autos e os dos referidos arestos não há – nem é agora controvertido que não haja, à face do probatório da presente decisão – uma identidade das respetivas situações fácticas.
Para que houvesse identidade dos factos, forçoso seria, entre outros, que a presente decisão tivesse julgado como não provados os factos alegados a artigos 30º a 32º da petição inicial e concomitantemente como provado o artigo 12º da contestação.
Só então estaria o tribunal em condições de subscrever a referida solução do STA, cuja ratio decidendi radicou, enquanto seu antecedente lógico indispensável, na verificação de que o financiamento obtido gerador de encargos financeiros corrigidos pela AT foi utilizado no financiamento gratuito a participadas.
No caso concreto dos presentes autos, porém, por toda a petição da requerente perpassa a alegação de que o financiamento de cerca de € 75M obtido em 16/4/2010 do seu novo sócio que adquiriu a totalidade do seu capital no mesmo dia foi, ato contínuo, aplicado na amortização antecipada e integral do empréstimo bancário por si contraído em 2008 para a aquisição do terreno e construção do centro comercial (cf. artigos 29º a 35º, 61º, 64º a 67º, 89º, 118º, 141º, 148º, 150º, 160º, 166º, 188º, 203º, 246º e 247º).
Por seu lado, por toda a contestação da Fazenda Pública perpassa a alegação de que o financiamento de cerca de € 75M obtido em 16/4/2010 do novo sócio da requerente que adquiriu a totalidade do seu capital no mesmo dia foi aplicado no financiamento gratuito a sociedades do grupo económico que a mesma aparentemente integra (cf. artigos 9º a 12º, 15º a 19º, todos da contestação).
A questão decidenda consistia, portanto, em saber qual foi o destino do financiamento de cerca de € 75M concedido em 16/4/2010 pelo novo sócio holandês à sua filial portuguesa (a requerente): a proceder como provado o facto conforme recortado pela requerente, tornar-se-ia inviável a transposição da referida solução do STA para o caso concreto dos presentes autos; a proceder como provado o facto conforme recortado pela requerida, a transposição da referida solução do STA poder-se-ia ponderar.
Ora, nos pontos 8 a 13 do probatório da presente decisão, julgou o tribunal como provado, com meridiana clareza, que o financiamento obtido do seu novo sócio não foi pela requerente aplicado no financiamento concedido a título gratuito a participadas suas, mas aplicado foi na amortização integral dos empréstimos bancários por si anteriormente contraídos para a aquisição do terreno e construção do centro comercial.
De igual modo, no ponto 24 do probatório, julgou o tribunal como provado, com idêntica clareza, que no acordo de conta corrente (‘cash pooling’) em causa nos presentes autos aplicou a requerente excedentes de tesouraria originados pela exploração do centro comercial.
Partindo da factualidade que assim se assentou, não vejo, pois, maneira de o tribunal aplicar ao caso destes autos a referida jurisprudência do STA – edificada sobre o pressuposto de que os encargos financeiros incorridos respeitam à obtenção de capitais utilizados para financiamento gratuito de uma sociedade afiliada – sem com isso ferir a decisão de um vício de estrutura lógica, por contradição entre as premissas de que partiu e a conclusão que alcançou.
Não posso por isso acompanhar a fundamentação da decisão, por me parecer, com todo o respeito, inquinada por uma contradição insanável. As premissas de facto (e de direito) apontavam num sentido, mas a decisão seguiu caminho oposto.
Entendo que a operação visada consistiu na mera substituição de um financiamento externo (bancário) por autofinanciamento, conforme aliás ficou previsto quer nos anexos ao contrato de compra e venda das participações, quer na respetiva cláusula do preço (que previu que o valor desse passivo bancário fosse deduzido ao valor de base a pagar pelo novo sócio). Nessa medida, não encontro obstáculo legal à dedutibilidade dos respetivos juros, a não ser que a AT tivesse lançado mão do disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea j) do CIRC 2013 ou no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea m) do CIRC 2014, o que não foi o caso.
Assumindo o controlo da sociedade requerente mediante a compra da totalidade do seu capital social, o novo sócio pretendeu extinguir o passivo bancário anterior, injetando capital de valor idêntico que de imediato foi canalizado pela requerente para os bancos credores, assim amortizando totalmente a sua dívida bancária. Trata-se de uma decisão de gestão compreensível do ponto de vista económico e financeiro, que de resto acompanha amiúde qualquer operação de mudança de controlo acionista.
Também não subscrevo a tese complementar da decisão, de que os encargos financeiros seriam outrossim indedutíveis, porquanto, dispondo a requerente de liquidez para amortizar a dívida contraída junto do seu sócio, optou por financiar gratuitamente, ou abaixo do custo, as suas participadas. Por três razões.
Desde logo, porque essa causa de indedutibilidade não integrou a fundamentação contextual e coeva do ato de liquidação, que se esgota no relatório de inspeção tributária dos presentes autos. Neste, conforme se constata sob o ponto 31 do probatório, a administração tributária fundou a correção na exclusiva constatação de que o financiamento obtido gerador dos encargos financeiros teria sido utilizado no financiamento gratuito a entidades do “Grupo F...”.
Só em sede de alegações finais introduziu a Fazenda Pública o argumento, inédito até então, de que foi a manutenção do empréstimo do sócio que permitiu à requerente financiar sociedades do grupo à custa de fundos próprios que poderiam ser utilizados na amortização daquele empréstimo (cf. ponto 5. das suas alegações finais, a páginas 2/3). Ora, não pode naturalmente o tribunal apreciar a legalidade dos atos objeto do litígio à luz de fundamentação que não os integrou.
Em segundo lugar, porque não consigo aderir ao entendimento de que a requerente teria o ónus de amortizar antecipadamente o empréstimo obtido, no todo ou em parte, sob pena de ver ser recusada a dedutibilidade dos respetivos encargos financeiros, apenas porque, entretanto, aplicou parte dos seus excedentes no ‘cash pooling’.
Não retiro da lei ou da jurisprudência identificada na decisão que a relação entre empréstimo obtido e escopo empresarial se quebre pelo simples facto de a empresa aplicar parte dos seus excedentes que, entretanto, gerou no decurso da sua atividade, numa operação de tesouraria remunerada a uma taxa nominal inferior. Não creio que a alternativa de amortizar antecipadamente parte do empréstimo obtido (muito antes de este atingir a respetiva maturidade) possa constituir causa justificativa da quebra dessa relação, sob pena de qualquer sociedade financiada por capitais alheios se ver impedida de deduzir os respetivos juros apenas porque no decurso da respetiva maturidade subscreveu um qualquer produto de aforro de rendibilidade tipicamente baixa como, por exemplo, um depósito a prazo.
Faço notar que nem no recurso 0925/16, nem no recurso 01206/17, o STA tomou a posição de que me estou a distanciar. O primeiro teve como premissa a verificação prévia de uma correlação direta e efetiva entre o empréstimo obtido e o financiamento concedido, a título gratuito, a participadas (assumida desde logo pela recorrente na conclusão III. com que terminou a sua alegação de recurso) – circunstância que, conforme acima assinalei, não sucede no caso presente. Quanto ao segundo, embora reconheça que a Fazenda suscitou a questão (a qual se infere da conclusão P.), julgo que o STA não a resolveu. Pelo contrário, a respetiva ratio decidendi radicou, uma vez mais, na singela circunstância de estarem em causa prestações suplementares que, por natureza, não vencem juros – o que também não se verifica no caso presente, não só porque não há registo de que a requerente tenha financiado qualquer sociedade sua participada através de prestações suplementares, como porque houve lugar a remuneração do capital aplicado no ‘cash pooling’ (cf. ponto 25 do probatório).
Em terceiro e último lugar, porque me parece que há muito que no seio do STA se consolidou jurisprudência – a propósito do critério indireto ou presumido previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, mas, no que aqui interessa, perfeitamente transponível para o caso – no sentido de que, no que diz respeito à afetação de encargos financeiros suportados para efeitos de cálculo do lucro tributável, só pode valer o critério da imputação direta ou real, salvo se o Fisco demonstrar a sua inviabilidade (cf., por todos, o recente Acórdão do STA de 16/09/2020, tirado do processo 0462/13.6BEAVR, e jurisprudência nele referida). Ora, o critério aplicado pelo Fisco no caso destes autos, que assentou na aplicação à remuneração do financiamento obtido de uma fração calculada a partir da sua correlação com a remuneração do financiamento concedido, é um método indireto ou presumido. E o mesmo se diga relativamente à própria decisão arbitral, que, como vimos, reconhecendo que o empréstimo obtido não foi, a título direto ou real, aplicado em qualquer empréstimo gratuito concedido a sociedades do grupo, não se coibiu, ainda assim, de o tratar como se o tivesse sido.
Finalmente, estou em desacordo com o trecho da decisão que sufraga que na correção operada, no caso concreto destes autos, poderia o Fisco dispensar-se de observar o regime especial de fundamentação e demais pressupostos legais previstos nos artigos 63.º do CIRC e 77.º, n.º 3, da LGT, bastando-se pura e simplesmente em brandir a disciplina do artigo 23.º do CIRC. O que verdadeiramente motivou a correção impugnada, foi, nas palavras do relatório de inspeção tributária, “a constatação da existência dos fundos recebidos e concedidos entre entidades pertencentes ao mesmo grupo económico com adoção de políticas de remuneração desses mesmos fundos a taxas muito dispares”. Ora, não tendo ficado provado que a remuneração do capital aplicado no ‘cash pooling’, que utiliza uma taxa de referência, não corresponda à que normalmente seria contratada, aceite e praticada entre entidades independentes em operações comparáveis, não vejo como se pudesse tratar este caso na perspetiva de um financiamento abaixo do custo entre participadas, com repercussão no artigo 23.º do CIRC, sem sequer antes aferir se participadas elas são.
Em face de quanto antecede, ter-me-ia pronunciado pela procedência total do pedido. Estou, consequentemente, vencido quanto à pronúncia expressa na alínea c) da decisão.
Francisco Geraldes Simões
Declaração de voto
Sempre com todo o devido respeito, votei vencida a Decisão nos termos que seguem.
No que à Liquidação do exercício de 2013 respeita, não acompanho, na medida em que passarei a sumariar, a respectiva fundamentação. Acompanhando, porém, o sentido da Decisão. Isto no que à “primeira parte” da Decisão reportada ao dito exercício se refere.
Já na sua “segunda parte”, em que se anula parcialmente essa mesma Liquidação (2013), não acompanho seja a fundamentação, seja o sentido da Decisão.
Quanto à Liquidação referente ao exercício de 2014 não me é dado acompanhar a Decisão, novamente, seja na sua fundamentação, seja no seu sentido.
Assim, e começando por enquadrar brevemente.
Dispõe o CIRC, no seu art.º 1.º, n.º 1, que o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas incide sobre os rendimentos obtidos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos.
Obtidos nos termos deste mesmo Código.
No art.º 3.º, nos seus n.ºs 1 e 2, dispõe por sua vez que o IRC – quanto às sociedades comerciais – incide sobre o respectivo lucro.
E lucro é – para este efeito – a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação. Sendo que, por sua vez, esta diferença se exprime contabilisticamente através das operações enunciadas no art.º 17.º, n.º 1.
E é neste contexto que a Requerida procede, conforme plasmado no RIT (e, depois, na Resposta), à análise dos gastos financeiros apurados pela Requerente com base no art.º 23.º do CIRC. A norma fulcral no processo. Procedendo, para o efeito, à análise dinâmica da situação financeira da Requerente (“SP”), para isso tendo em conta a respectiva informação financeira de períodos anteriores (origens/aplicações dos fundos). Analisando, assim, os gastos financeiros que o SP apurou - considerou fiscalmente dedutíveis, pois - ao abrigo do art.º 23.º
Em consequência do que conclui que - numa determinada proporção, directa - os gastos de financiamento incorridos e contabilizados pelo SP não contribuiram para a realização/obtenção ou garantia dos seus rendimentos (sujeitos a imposto, note-se). Pelo que não poderiam - nessa parte (proporcional) - ter sido relevados como fiscalmente dedutíveis. Conclui - após cálculo comparativo dos saldos das remunerações mensais entre fundos obtidos/fundos concedidos, e efectuada a respectiva proporcionalidade directa - que os custos se encontravam sobrevalorizados em € 650.190,33 e € 387.081,53, respecivamente, em 2013 e 2014.
Assim enquadrados e descendo agora ao caso, e à “primeira parte” da Decisão, reportada ao exercício de 2013, vejamos.
Como resulta provado nos autos, o SP havia contraído um empréstimo bancário em 2008, para os fins da sua actividade, no âmbito do qual incorria em custos – juros – a uma taxa Euribor a um mês acrescida de 0,75%. E em 2010 liquidou integralmente esse empréstimo, tendo também então contraído um outro empréstimo, no qual incorria em juros a uma taxa Euribor a três meses acrescida de 4%. Este segundo empréstimo – que é aquele cujos juros, devidos e incorridos pela Requerente, dão causa ao presente processo (discutindo-se a respectiva dedutibilidade fiscal) - foi contraído pelo SP junto da sua casa mãe, a empresa E... B.V., que em 16 de Abril de 2010 a adquiriu, a 100%, e, nessa mesma data, lhe concedeu o referido empréstimo (“Empréstimo”).
Abrindo um parêntesis, dê-se nota de que – cfr. 13. dos factos provados – a Requerente liquidou o inicial empréstimo, bancário. O que, quanto a nós, não implica que o tenha feito utilizando os fundos que por empréstimo de 16.04.2020 lhe foram concedidos pela E... B.V.
Resulta para nós claro, da prova carreada nos autos (em especial do PA), que os fundos então concedidos por empréstimo intra-grupo à Requerente não foram destinados a saldar o inicial empréstimo (bancário). Desde logo, do próprio Contrato de Mútuo (“Acordo de empréstimo entre empresas”) decorre – aí se lendo, no Considerando a) - que o mútuo foi solicitado relativamente a um determinado projecto ali identificado e, nesse quadro, “tendo em conta os negócios em curso e as estratégias de desenvolvimento”. Como quer que seja, o facto, mesmo que assim explicado, como o interpretamos, não é determinante para a Decisão tal como vem proferida. Pois que o que relevou, no iter decisório, como resulta claro na Decisão, e coerentemente também com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores que vem indicada, foi não o destino dado pelo SP aos fundos que obteve (intra-grupo) mas sim e tão só o facto de, estando a incorrer em custos por razão de ter contraído esse empréstimo, venha a conceder por sua vez crédito/financiamento a empresas relacionadas, gratuitamente ou perto disso, e queira, ainda assim, (continuar a) considerar como custos para efeitos fiscais os ditos custos (na sua totalidade) em que está a incorrer. Por outras palavras, venha pretender que mesmo estando depois, por sua vez, a conceder créditos intra-grupo, ainda assim a totalidade dos custos (juros) que paga no empréstimo à sua accionista única sejam considerados no apuramento do seu lucro tributável (sejam considerados fiscalmente dedutíveis).
Avançando.
O Empréstimo vencia os referidos juros sobre o montante em dívida e permitia amortizações. A Requerente mantinha a totalidade do valor do Empréstimo em dívida no final do exercício (31.12.2013). Pelo que incorreu, por todo esse exercício, nos custos assim implicados (v. 18. - factos provados). No mesmo exercício, concedeu crédito a empresas relacionadas (seja a empresas irmãs, seja à própria empresa sua accionista a 100% - a sua credora no Empréstimo -, seja à empresa detentora a 100% desta última empresa), como resulta provado, e aqui ou não obteve qualquer contrapartida financeira no período, ou obteve irrelevante (v. 25. e ss.- factos provados). E, ainda se dê nota, a Requerente apresentava prejuízos avultados, também nesse exercício.
Pois bem, como se refere na Decisão, e se expressa o nosso STA, a relevância de quaisquer despesas enquanto custos do exercício terá que ser aferida em concreto, “caso a caso, em função do peculiar contexto empresarial em que se desenvolvem e das finalidades que prosseguem” (v. Acórdão do STA, proc. 01763/13, referido na Decisão).
E as circunstâncias do caso (supra muito resumidas, e a que voltaremos mais adiante) são, quanto a nós, cristalinas no sentido de que os custos, incorridos pelo SP, aqui em causa (os juros no Empréstimo incorridos pelo SP em 2013 – a parte dos mesmos correspondente à proporção directa do montante implicado para conceder créditos intra-grupo) não podem considerar-se como contribuindo para a realização dos rendimentos (proveitos) do SP sujeitos a IRC, nem também para a manutenção da fonte produtora. Como, entre o mais, é exigido pelo art.º 23.º do CIRC. Condição que (uma destas duas últimas) - não se verificando - impede o preenchimento da norma . Não se chega sequer a colocar a questão, bem vistas as coisas, de os custos (naquela medida, proporcional) serem ou não (comprovadamente) indispensáveis para tanto (e, ainda se diga, nem a Requerente demonstrou tal indispensabilidade, como o não poderia ter feito). O facto é que, é a nossa opinião, tais custos desde logo e à partida, em abstracto (e depois também assim em concreto), não são de molde a gerar rendimentos daquele SP sujeitos a imposto naquele exercício.
Se o SP não tinha liquidez, operava em prejuízos avultados, contraiu o Empréstimo à sua casa mãe e pagava (elevados, desde logo quando contextualizado com o anterior empréstimo) custos para dispôr dessa liquidez, e, simultaneamente, concedia crédito (em montantes relevantes) intra-grupo, nos moldes já aflorados, a título gatuito ou quase, como conceber que, ao assim actuar, o fazia com animus lucrativo? Com um genuíno interesse empresarial?
Vimos, supra, o que é lucro, para este efeito.
Não vemos, pois, que se pudesse tal conceber – que um SP ao assim proceder o pudesse estar a fazer a bem do seu próprio lucro, que o pudesse estar a fazer, directamente ou sequer indirectamente, “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” - cfr. versão em vigor em 2013. Recorde-se/sublinhe-se, dos seus rendimentos, sujeitos.
Não se trata, ao concluir como se vinha de concluir, de entrar no âmbito, no domínio, da liberdade de gestão do SP. Trata-se sim, muito a montante de tal, de objectivamente e numa perspectiva de normalidade e congruência económica, atentar nos custos em causa, enquadrados e ponderados nas suas circunstâncias, e concluir, ou não, pela possível existência de um nexo causal com os rendimentos do SP sujeitos a imposto. “(…) os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não é possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (…), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” Com Maria dos Prazeres Lousa, “Assim, quando uma empresa contrai um empréstimo cujos fundos cedeu , no todo ou em parte, a terceiros, sem estipular remuneração ou fixando-a mas a uma taxa muito reduzida, não poderá deduzir, em princípio, a totalidade dos encargos financeiros correspondentes a tais empréstimos na medida em que se pode considerar que os juros nem são suportados para obter proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para manter a fonte produtora.” Se se quiser utilizar a expressão, falta o matching, o balanceamento de alguma forma a ter que existir entre custos/proveitos. Falta, melhor dito, o propósito económico entre gastos e rendimentos. No quadro de uma relação de causalidade que tenha em conta as normais circunstâncias do mercado .
Ainda neste contexto, não deixará de se referir muito brevemente, e a corroborar tudo o que fica dito, que ao proceder ao referido juízo quanto ao propósito económico entre gastos e rendimentos da Requerente, sempre será de ter presente que os sistemas de financiamento intra-grupo como os habitualmente designados também de cash pooling - praticados pela Requerente como se viu (cfr. factos provados), se por um lado podem aportar liquidez a um grupo económico, a verdade é que envolvem em si para as sociedades participantes riscos como o de redução da sua própria liquidez, ao passarem a “partilhar o risco de liquidez das restantes participantes do sistema, pondo em causa a sua independência financeira.” As sociedades envolvidas, em particular as minoritárias, veêm ser substituídos meios de liquidez seus “por pretensões de restituição contra a empresa-líder, que não asseguram igual liquidez.” Tudo a apontar (e a levar-nos potencialmente mais longe até do que a mera não intenção de obtenção de rendimentos, quanto a nós) no mesmo sentido de que, ao manter os seus custos de financiamento para poder conceder estes financiamentos intra-grupo não se detecta animus lucrativo por parte da Requerente, não se detecta que aqueles custos em que ela se mantém a incorrer estejam, na medida da proporção do que concede de financiamentos cash pooling, a contribuir para a obtenção de ingressos (rendimentos) na sua esfera jurídica. Não revestem, aos nossos olhos, uma motivação última de contribuirem para a obtenção de lucro seu.
*
Assim, e por um lado, acompanhamos a Decisão na sua fundamentação, na parte ora sob análise (exercício de 2013, primeira parte da decisão), quando entende ser de aplicar ao caso a Jurisprudência consolidada do STA aí indicada. Que, concordamos, entendemos convocável (mesmo que nos presentes autos a concessão de crédito pelo SP seja feita a favor de empresas consigo relacionadas não em situação de serem suas participadas mas antes sendo ou bem que suas irmãs – pertencendo ao mesmo Grupo económico – ou bem que suas detentoras directa ou indirectamente). Ainda assim, e por outro, sempre chegaríamos também à mesma conclusão e sentido decisórios por via de um simples exercício de subsunção (tentativa de subsunção, infrutífera) dos factos do nosso caso à previsão normativa do art.º 23.º do CIRC (conforme versão em vigor aplicável, sem prejuízo do mais que se dirá adiante). Concluindo que não se encontrava preenchida a previsão da norma desde logo no que se refere à finalidade de realização de rendimentos. E não se tendo assim sequer também de entrar na apreciação dos factos com vista à sua subsunção por sua vez na al. c) do nº 1 do mesmo artigo , uma vez que a primeira parte da previsão normativa já se não chegava a preencher. Como também não à questão, que vem igualmente aflorada na Decisão, quanto à eventual aplicabilidade do regime legal dos Preços de Transferência ao caso. Com efeito, e quanto a nós, não passando os custos, como se vem de explicar e concluir, no crivo do art.º 23.º do CIRC, desde logo não cabia, quanto a nós, entrar em outra apreciação para efeitos de eventuais correcções de custos – que não se aceitam como fiscalmente dedutíveis. (Ao que acresce que o acto tributário em crise não contém na sua fundamentação o recurso a outro regime legal que não o que vimos de apreciar).
*
Isto dito, e passando agora à “segunda parte” da Decisão, no referente ao exercício de 2013.
Em que se decide no sentido de que já não seria convocável aqui a mesma Jurisprudência consolidada do nosso STA, com base na qual se decidiu, na “primeira parte”, pela não dedutibilidade dos custos até ali (os que estavam relacionados com a concessão de financiamento intra-grupo sob a modalidade de cash pooling).
Nesta segunda parte decide-se no Acórdão não convocar a referida Jurisprudência por razões de não se estar já – ao a Requerente manter activos/créditos - dívidas por serem saldadas a seu favor - por já não estarmos aí perante financiamentos concedidos pela Requerente, e sim perante créditos que a mesma tem a receber, por cuja mora não são cobrados juros.
Ora, em nosso entender, sendo tais créditos créditos da Requerente sobre as mesmas empresas, com as quais integra o grupo económico, e às quais financia intra-grupo (no caso, pelo menos, da K...) e/ou junto das quais se financia intra-grupo (no caso da E... B.V., que é a credora da Requerente no Empréstimo, portanto a credora dos juros cuja dedutibilidade vem discutida nos presentes autos; e também indirectamente no caso da G..., que detém a 100% a E... B.V.) e, de notar também, havendo até aí créditos denominados na contabilidade da Requerente como “Conta corrente a receber”, o que terá alguma proximidade com o mesmo fenómeno, financiamento intra-grupo, não vemos senão como continuar a concluir, com base no mesmo racional que vimos de desenvolver supra, que também aqui se não detecta o necessário, e já tratado acima, animus lucrativo por parte da Requerente. Ao manter em carteira todos esses créditos que tem a haver, e ao mesmo tempo manter o Empréstimo onde incorre nos juros aqui em causa. Inclusivamente assim também o fazendo numa relação com a própria credora dos juros no Empréstimo – a sua sócia única – assim sua credora de juros (elevados) e simultaneamente sua devedora (de montantes consideráveis); e, bem assim, numa outra relação com a entidade detentora daquela (em montantes também consideráveis).
Pelo que, sem maiores desenvolvimentos, também aqui – nesta parte da Liquidação de 2013 – teríamos decidido pela não dedutibilidade dos custos na medida da proporção.
Se não continuasse sem receber/sem cobrar estes últimos créditos - contidos no perímetro das suas relações intra-grupo e com as características afloradas - (o que, em alguma medida, reveste, quanto a nós, mesmo quando não se tratando de cash pooling propriamente dito, uma fórmula de financiamento intra-grupo) não teria, parece-nos claro, necessidade de estar a incorrer (na medida da proporção) nos custos de financiamento cuja dedutibilidade se discute nos autos.
E, assim também, inclusive o racional que entendemos subjacente à Jurisprudência consolidada dos nossos Tribunais Superiores teria aqui, cremos, potencial aplicação. Para conduzir à decisão no sentido inverso daquela a que neste ponto se chega no Acórdão.
*
Por fim, e quanto ao exercício de 2014.
Decide-se no Acórdão pela dedutibilidade dos custos. Por motivos de, sendo a redacção do art.º 23.º em vigor neste ano já distinta da redacção que vigorava em 2013, e não tendo a Jurisprudência consolidada dos nossos Tribunais Superiores (na base do decidido quanto à Liquidação de 2013) sido reportada senão à primeira das ditas versões, não ser a mesma convocável e, em consequência, defendendo-se um entendimento distinto do na mesma seguido, conclui-se em contrário do decidido quanto à Liquidação de 2013.
Também aqui não nos é dado acompanhar a Decisão que fez vencimento. Como passamos a sumariar.
Vejamos. A situação fáctica é, no essencial e com as devidadas especificações, a mesma (v. factos provados). Resta a possível distinta normatividade aplicável.
Ora, quanto a nós, embora a redacção do artigo 23.º tenha sofrido a conhecida alteração de 2013 para 2014, não é a mesma de molde a conduzir, no nosso caso, a um distinto resultado.
Desde logo, se formos pela literalidade da norma, diríamos, a exigência na comprovação de dedutibilidade fica até diminuída. Se antes se exigia comprovar a indispensabilidade do custo incorrido para produzir os rendimentos, agora passa a exigir-se tão só comprovar os mesmo terem sido incorridos (ou suportados) para esse efeito. Não sendo necessário, para além disso, ir ainda buscar a comprovação de que teriam sido indispensáveis para o efeito a que se destinaram.
Depois, o enquadramento histórico da evolução na redacção da norma é, quanto a nós, elucidativo no sentido de que o pretendido pelo legislador foi efectivamente a redução da litigiosidade que o conceito – neste contexto – de indispensabilidade aportava. Coisa que quer Jurisprudência, quer Doutrina se tinham entretanto já vindo a encarregar de fazer: esclarecer o sentido a ser dado, na interpretação da norma, àquele conceito, assim também se caminhando para diminuir a litigiosidade. E quando o legilador interveio veio, afinal, procurar fazer reflectir mais claramente na letra da norma, é o nosso entendimento, aquilo que Doutrina e Jurisprudência vinham pugnando dever enteder-se ser a devida interpretação da mesma – já antes, pois, da redacção de 2014.
E no que se traduzia tal interpretação afinal? Em suma, em ali interpretar uma exigência de adequação/conexão dos custos em causa à actividade empresarial do SP e, em última análise, ali contido sempre, ao fito lucrativo.
Ora bem, tal não deixou, parece-nos de evidência, de ser exigido pelo legislador na norma conforme sua redacção em vigor desde 1 de Janeiro de 2014. Ou seja, mantém-se a exigência do nexo causal entre os gastos e o objectivo de obtenção de rendimentos, do SP, sujeitos a imposto. Terão os gastos que ter sido incorridos pelo SP com tal fito.
Sem maiores desenvolvimentos remetemos, aqui, e em desenvolvimento do ponto em que nos encontramos no raciocínio, para o já explanado supra a este respeito.
E, sem mais delongas, com a devida vénia fazemos nossas as palavras de António Martins a respeito desta evolução da redacção da norma: “(…) a redacção actual, sendo literalmente distinta, em pouco ou nada deverá alterar a interpretação que vinha sendo feita do dito preceito geral.” E, ainda, assim: “(…) os gastos reconhecidos passam o teste do artigo 23.º, n.º 1, se forem incorridos ou suportados no âmbito do interesse social da empresa. Este interesse inclui todo o tipo de actividade que contribua directa ou indirectamente para gerar um excedente económico. (...)”
Em conclusão, e em relação a 2014, não acompanhamos a Decisão. Por entendermos - por tudo quanto vem de se expôr mais acima, e aqui também, assim, aplicável -, apreciadas sempre todas as circunstâncias do caso (como também supra), que não presidiu ao acto de incorrer nos custos em causa por parte da Requerente o necessário ânimo lucrativo, seu. E, assim, não ficou preenchida a previsão da norma, não podendo os custos, naquela medida (como supra), considerar-se dedutíveis para efeitos fiscais.
A terminar refira-se que as questões de Inconstitucionalidade suscitadas seriam por nós então conhecidas seja relativamente a 2013 seja a 2014 e, neste ponto, se concluiria como na Decisão se fez relativamente a 2013.
Por tudo o percorrido, teríamos concluído pela não dedutibilidade dos custos, na medida em que a Requerida o fez, por sobrevalorizados nessa(s) parte(s), conforme constante dos autos, seja relativamente ao exercício de 2013, seja relativamente ao de 2014.
Consequentemente, teríamos decidido pela manutenção das Liquidações na Ordem Jurídica e indeferido totalmente o Pedido.
Sofia Ricardo Borges