DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 428/2014 – T
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; Propriedade Vertical
I. RELATÓRIO
A, viúva, contribuinte n.º …, residente na Avenida …, n.º…, …, em Lisboa, requereu a constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), com o escopo da declaração da ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de imposto do selo (“IS”):
a) …1, …2, …3, …4, …5, …6, …7, …8, …9, …10, …11, …12, …13, …14, …15, …16, …17, …18, …19, …20, …21, …22 – todos referentes ao ano de 2012; e,1
b) …23, …24, …25, …26, …27, …28, …29 – todos referentes ao ano de 2013.
Sendo, igualmente, contestada a legalidade do acto de compensação …30, referente ao ano de 2012.
As liquidações em causa são referentes às 11 divisões com utilização independente que constituem o prédio urbano sito na Avenida …, n.ºs …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º … da freguesia das …, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o n.º …, concelho de …, propriedade da Requerente.
As mesmas foram realizadas com base na verba n.º 28.1 da Tabela Geral de IS.
Considera a Requerente que os referidos actos tributários de liquidação devem ser anulados por padecerem de vício nos pressupostos de direito.
De facto, alega a Requerente que, em síntese, a tributação consagrada no citado preceito legal tem por objecto os prédios urbanos, com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário (“VPT”) seja igual ou superior a € 1.000.000,00 utilizado para efeitos de IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], o que não sucede in casu uma vez que o VPT relativo a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente é inferior ao legalmente estabelecido, sendo esse o valor relevante para efeitos de incidência do IS.
Concretizando, a Requerente sustenta que para os efeitos em causa não é minimamente relevante a situação jurídica de um determinado prédio estar constituído em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, no propósito de concluir que a ficção gizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) da existência de um VPT correspondente à soma do VPT das 11 divisões susceptíveis de utilização independente, em função da respectiva afectação habitacional, carece de fundamento legal. Mais, que de entre as divisões consideradas existem 3 que nem tão pouco poderão ser afectas à habitação, conforme alíneas b), c) e d) do ponto 3 do Requerimento Inicial.
Adicionalmente a Requerente veio, ainda, suscitar o incumprimento do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, bem como da Lei Fundamental, por via do desrespeito dos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade fiscal, bem como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
Ademais, alegou a Requerente que foram incumpridas (i) a alínea c) do n.º 1 da antedita norma legal, porquanto as liquidações referentes a IS de 2012 tiveram por base a avaliação patrimonial de 2013 e não de 2011; (ii) as alíneas d) e e) da mesma norma, na medida em que as liquidações de IS relativo a 2012 deveriam ter sido efectuadas até ao final do mês de Novembro de 2012, tendo apenas sido realizada em Fevereiro de 2014; e (iii) o ponto i) da alínea f) ainda da norma em causa uma vez que foi aplicada a taxa de 1% quando deveria ter sido aplicada a taxa de 0,8%.
I.2 A AT, não tendo logrado responder no prazo de 30 dias, veio no dia 2 de Outubro de 2014 requerer (i) a notificação para apresentar alegações escritas ao abrigo do n.º 2 do art.º 18.º do RJAT, (ii) a dispensa da apresentação do processo administrativa pela entidade requerida, aceitando como boa a prova documental que sustenta a petição da Requerente, bem como (iii) a dispensa da realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT.
Atenta a concordância das Partes em dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, foram as mesmas notificadas pelo Tribunal para apresentarem as suas alegações escritas.
Apresentadas as alegações, e destarte haver requerido a dispensa de apresentação do processo administrativo e aceite como boa a prova documental que sustenta o Requerimento Inicial, a Requerida veio suscitar uma questão prévia, a saber, a não junção por parte da Requerente de diversos elementos probatórios, o que seria contrário ao disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, contexto em que requereu ao Tribunal que fosse determinada a junção dos mesmos ao processo.
No que diz respeito à questão jurídica da interpretação e aplicação da verba 28 da Tabela Geral do IS, sustenta a Requerida que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é (...) o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente” e que “o facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação do art. 28º, nº 1 da Tabela Geral [do IS].
Nas suas alegações a Requerente manteve todos os fundamentos de facto e de direito constantes do Requerimento Inicial, tendo junto novamente os documentos relativamente aos quais a Requerida suscitou a questão prévia, tendo alegado que a junção dos mesmos não havia sido omitida, porquanto foram oportuna e tempestivamente apresentados.
II. SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostrando-se legítimas, conforme artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não foram invocadas nem identificadas nulidades no processo.
No que diz respeito à questão prévia suscitada pela Requerida, consultado o sistema de gestão processual do CAAD, este Tribunal confirmou que os documentos em causa haviam sido junto pela Requerente e estavam disponíveis para consulta. Motivo pelo qual, aliás, o Tribunal não notificou a Requerente para juntar os elementos probatórios em causa, objecto do pedido e juntos aquando da apresentação do mesmo, e não indeferiu o pedido formulado pela Requerida de dispensa da apresentação do processo administrativo.
Adicionalmente, solicitou aos serviços do CAAD a confirmação que tais documentos se encontravam disponíveis a todas as partes para consulta, os quais confirmaram que os documentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera, no ponto “Questão Prévia” das suas Alegações, não terem sido juntos pela Requerente, se encontram disponíveis no Sistema de Gestão Processual, no quadro “Pedido” (Resumo do Pedido Enviado), no campo “Objecto do Pedido”, no subcampo “Acto(s)”, podendo ser consultados por todas as partes do processo arbitral.
Pelo que, sem prejuízo da nova junção promovida pela Requerente nas suas alegações, resulta claro que a questão prévia suscitada não procede por carecer de fundamento.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A Matéria de Facto
Tendo presente os princípios processuais ínsitos no artigo 16.º do RJAT e, bem assim, a aceitação integral e sem reservas, da Requerida, de toda a prova documental aduzida pela Requerente, são dados como provados os seguintes factos:
A Requerente é proprietária prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º … da freguesia das …, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o n.º …(anterior n.º … de …), concelho de Lisboa (o “Prédio”).
O prédio é constituído 11 divisões com utilização independente, com a afectação a seguir indicada:
Divisão
susceptível de utilização independente
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Afectação
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Cave
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Habitação
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Cave F
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Comércio
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Cave 1
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Armazéns e actividade industrial
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Cave 2
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Arrecadações e arrumos
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R/c
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Habitação
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1.º andar
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Habitação
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2.º andar
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Habitação
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3.º andar
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Habitação
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4.º andar
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Habitação
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5.º andar
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Habitação
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6.º andar
|
Habitação
|
Em 8 de Fevereiro de 2013 foram emitidas notificações de avaliação das divisões através dos Ofícios n.ºs …, …, …,…, …, …, …, …, …, … e ….
Em 5 de Fevereiro de 2014 a AT procedeu à liquidação de IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2012, relativamente às divisões supra identificadas, por via actos tributários …1, …2, …3, …4, … 5, …6, …7, ... 8, …9, …11 e …12.
Em 7 de Março de 2014 a AT, igualmente referente às divisões e ao ano de 2012, procedeu à emissão de actos tributários de Demonstração de liquidação do Imposto do Selo (Verba 28) …12, …13, …14, …15, …16, …17, …18, …19, …20, …21 e …22.
Em 19 de Maio de 2014 a AT procedeu à emissão do acto tributário de compensação …30, tendo por referência o acto de liquidação …22, por via do qual compensou o montante € 149,52 com € 1.495,29, tendo liquidado o montante de IS a pagar de € 1.345,68.
Em 17 de Março de 2014 a AT, procedeu à liquidação de IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2013, relativamente às divisões supra identificadas, por via actos tributários …23, …24, …25, …26, …27, …28, …2.
A taxa de IS aplicada foi, em todos os actos tributários referidos, de 1%.
No dia 29 de Abril de 2014, e em resultado das liquidações de IS que lhe foram notificadas, a Requerente procedeu ao pagamento de IS nos seguintes montantes:
Montante (€)
|
Referência
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563,70
|
…
|
33,40
|
…
|
13,60
|
…
|
566,90
|
…
|
1.482,20
|
…
|
1.609,60
|
…
|
1.609,60
|
…
|
1.625,70
|
…
|
1.625,70
|
…
|
1.499,30
|
…
|
149,52
|
…
|
1.345,68
|
…
|
494,08
|
…
|
536,54
|
…
|
536,54
|
…
|
541,90
|
…
|
541,90
|
…
|
499,78
|
…
|
498,40
|
…
|
Em 26 de Dezembro de 2012 o prédio, composto das 11 divisões, tinha o valor patrimonial tributário total de € 176.535,98, o qual havia sido determinado em 2009.
A convicção da factualidade dada como provada teve como fundamento a prova documental junta aos autos pela Requerente, bem como pela Requerida, à qual acresce a aceitação mútua das partes sobre os mesmos.
III.B Matéria de Direito
Pela Requerida foi sucintamente alegado que um prédio urbano composto de andares ou divisões a sujeição ao IS é determinada em função do VPT total do prédio, e não em função do valor patrimonial de cada andar ou divisão. Tal é, no entender da Requerida, a única interpretação admissível em face do teor literal da verba 28.1 da TGIS.
De facto, alega a Requerida que a verba 28 da Tabela Geral dispõe recair imposto de selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), seja igual ou superior a € 1 000 000,00, acrescentando que segundo a verba 28.1., em caso de prédios urbanos com afectação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de imposto municipal sobre imóveis (IMI).
Conclui a Requerida que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente, o que, no entendimento da Requerida, é corroborado pelo n.º 2 do artigo 80.º do Código do IMI, segundo o qual a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz.
Acrescenta ainda que o facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação do art. 28º, nº 1, da Tabela Geral e que admitir outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).
Por último, a Requerida, nos artigos 46.º e seguintes das suas alegações, reconhece as disposições transitórias do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o qual prevê que no primeiro ano de vigência do novo imposto (em 2012) o facto tributário ocorre em 31 de Outubro, com liquidação até final do mês de Novembro de 2012, sendo o VPT a considerar o de 2011, devendo ser aplicada uma taxa reduzida relativamente à taxa prevista na verba 28 – 0,5% ou 0,8%, conforme se trate de prédios avaliados ou não avaliados nos termos do Código do IMI.
Para a Requerente o entendimento da Requerida é ilegal, porquanto as liquidações em causa padecem de diversos vícios.
Desde logo, alega a Requerente, que foram incumpridas (i) a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, porquanto as liquidações referentes a IS de 2012 tiveram por base a avaliação patrimonial de 2013 e não de 2011; (ii) as alíneas d) e e) da referida norma, na medida em que as liquidações de IS relativo a 2012 deveriam ter sido efectuadas até ao final do mês de Novembro de 2012, tendo apenas sido realizada em Fevereiro de 2014; e (iii) o ponto i) da alínea f) ainda da norma em causa uma vez que foi aplicada a taxa de 1% quando deveria ter sido aplicada a taxa de 0,8%.
Mais alega a Requerente que foi liquidado IS sobre três divisões, denominadas “Cave F”, “Cave 1” e “Cave 2”, cuja afectação não é habitacional.
No que diz respeito às liquidações de 2013, alega igualmente a Requerente que as mesmas são ilegais porquanto não lograram cumprir com o disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, uma vez que as notificações do novo VPT datam de 8 de Fevereiro de 2013, não tendo tão pouco este o valor considerado para efeitos de liquidação de IMI relativo a esse período.
São estas, sucintamente, as posições apresentadas pelas partes. Cumprindo, pois, decidir.
Consagra o n.º 1 do artigo 1.º do Código do IS, na redacção em vigor à data, que:
“Artigo 1.º
Incidência objectiva
1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
(...)”
Por seu lado, estatuía a verba 28 da TGIS, na redacção em vigor à data, que:
“28 Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afectação habitacional: 1%
(...)”
Pelo que, resulta das normas citadas que, em resultado da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ficam sujeitos a IS, à taxa de 1%, todos os prédios urbanos, com afectação habitacional cujo VPT constante da matriz seja igual ou superior a € 1.000.000,00, tendo como base de incidência o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
Sendo que, segundo o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que consagra as disposições transitórias,
Artigo 6.º
Disposições transitórias
1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i. Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%;
ii. Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;
iii. Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%.
2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.3 – (...).”
Da factualidade provada resulta claro que o prédio em causa é urbano, sendo constituído por 11 divisões com utilização independente, 3 das quais sem afectação habitacional.
Contexto em que afigura-se essencial determinar se no caso vertente, de prédio em propriedade total com divisões com utilização independente, o VPT a considerar para efeitos de aplicação da citada verba 28.1 da TGIS deve corresponder ao VPT de cada andar ou divisão com afectação habitacional ou se ao VPT total do prédio.
Assim, tendo em consideração que nos termos do n.º 2 do artigo 67.º do Código do IS, na redacção em vigor à data:
“Artigo 67.º
Matérias não reguladas
1 – (...)
2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”
Deverá, pois, ser considerado que segundo a alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º do Código do IMI, na redacção em vigor à data, caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes sendo que, de acordo com o n.º 3 do artigo 12.º do mesmo código cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.
Sem que tal autonomização – das partes economicamente independentes – implique a constituição do prédio sob o regime da propriedade horizontal. Até porque sempre será de considerar que ambas as realidades, a das divisões com utilização independente e as fracções autónomas, ao preencherem os requisitos consagrados no artigo 1415.º do Código Civil, são realidades substantivamente idênticas.
Aliás, essa mesma autonomização é clara na fórmula de determinação do VPT, prevista no artigo 38.º do Código do IMI, a qual comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessa partes.
Ademais, sempre será de considerar que tal autonomização tem consagração não apenas na segregação da inscrição matricial e discriminação do VPT, mas também no próprio acto de liquidação.
De facto, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do Código do IMI, o documento de cobrança terá de conter a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente e respectivo VPT. Assim, a liquidação de IMI não toma como base o somatório dos VPT atribuídos às partes ou divisões com utilização independente, mas o VPT individual de cada uma delas.
Assim sendo, a referência expressa ao valor patrimonial considerado para efeitos de IMI ínsita na verba 28 da TGIS não pode referir-se a outra realidade que não a constante do regime previsto no Código do IMI relativamente a cada parte ou divisão de prédio urbano susceptível de utilização independente. E não ao valor global de um prédio em propriedade total mas composto de fracções susceptíveis de utilização independente.
O referido basta para concluir que as liquidações em causa enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, justificativo da declaração da sua ilegalidade e anulação.
Fica assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, designadamente o facto de 3 divisões com utilização independente denominadas como “Cave F”, “Cave 1” e “Cave 2” não terem, tão pouco, afectação habitacional, e o incumprimento do estabelecido no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Neste contexto, importa ainda referir que, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do RJAT, os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade; sendo que, de acordo com o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Tal norma estatuí, assim, um princípio orientador da função jurisdicional, procurando evitar que a justiça do caso concreto esteja em desacordo com a justiça do princípio geral, no escopo de harmonizar a aplicação das leis.
Não foi, pois, nem o poderia ser, indiferente a este tribunal a unanimidade que a jurisprudência firmada no CAAD tem tido nesta matéria, no âmbito das 26 decisões proferidas no âmbito dos processos 50/2013T, 132/2013T, 144/2013T, 181/2013T, 182/2013T, 183/2013T, 185/2013T, 191/2013T, 205/2013T, 225/2013T, 247/2013T, 248/2013T, 262/2013T, 268/2013T, 272/2013T, 280/2013T, 14/2014T, 26/2014T, 30/2014T, 88/2014T, 100/2014T, 177/2014T, 193/2014T, 194/2014T, 206/2014T e 72/2014.
De entre quais se destaca a decisão do processo 181/2013T, segundo a qual é de concluir que para efeitos de liquidação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS deve ser tido em consideração o VPT determinado de acordo com o Código do IMI, ou seja, no caso concreto de prédios em propriedade total com andares ou divisões de utilização independente, o VPT individual de cada um dos andares ou divisões de utilização independente.
No mesmo sentido, a decisão proferida no âmbito do processo 248/2013T refere que como, de resto, se encontra espelhado nas liquidações que se questionam no presente pedido de pronúncia arbitral: a Administração Tributária depois de, sem apoio legal, operar o somatório dos valores patrimoniais tributários das diversas partes autónomas do prédio para daí extrair o pressuposto quantitativo a incidência do imposto do selo, opera a liquidação com referência a cada uma dessas partes ainda que, individualmente, nenhuma delas atinja aquele valor. E acrescenta a mesma decisão que a questão neste processo é em tudo idêntica às que foram colocadas e decididas nos processos 50/2013T e 132/2013T, CAAD, a cuja conclusão no sentido da ilegalidade da decisão da Administração Tributária de sujeitar a tributação as partes habitacionais de um prédio propriedade total, em função do VPT global do prédio e não do que é efectivamente atribuído a cada parte, se adere inteiramente.
Com as quais se adere, no que respeita às questões de direito aqui coincidentes.
IV. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Quanto aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, importa ter em consideração que, segundo a alínea b) do artigo 24.º do RJAT, não cabendo recurso ou impugnação da decisão arbitral, a mesma vincula a AT, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.
De igual modo, estipula o artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que a a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo de prazo da execução da decisão.
O processo de impugnação judicial admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 43.º da LGT e, bem assim, com o artigo 61.º do CPPT.
Contexto em que, sendo decidido pela ilegalidade dos actos de liquidação adicional por facto imputável à AT, nos termos dos citados artigos 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, serão devidos juros indemnizatórios à Requerente, desde a data em que esta realizou o pagamento.
V. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente declaração de ilegalidade e anulação das liquidações questionadas, condenando a AT a proceder ao reembolso das quantias indevidamente pagas pela Requerente, bem como ao pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do seu pagamento até integral reembolso das quantias em causa.
VI. VALOR DO PROCESSO
De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT aplicável ex vi o n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 23.072,22 (vinte e três mil e setenta e dois euros e vinte e dois cêntimos).
VII. CUSTAS
Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2015.
O Árbitro
(Tiago dos Santos Matias)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.