Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 278/2019-T
Data da decisão: 2020-07-27  IVA  
Valor do pedido: € 832.378,18
Tema: IVA – Cessão de Exploração; Insolvência.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), António de Barros Lima Guerreiro e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 15 de Abril de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ... e ..., ...-... Leiria, representada por B..., na qualidade de Administrador de Insolvência, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao período de 2014/08, da liquidação adicional de IVA n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao período de 2014/12, da liquidação adicional de IVA n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., e das demonstrações de acertos de contas n.º 2018... e n.º 2018..., relativas ao período 2015/12, no valor de global de €832.378,18.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             Vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 55.º, 81.º, 102.º, 121.º e 126.º do CIRE e no n.º 1 do artigo 223.º do Código Civil;

ii.            Vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação da alínea a), do n.º 1 do artigo 1.º, do n.º 5 do artigo 4.º, e dos artigos 1.º , 3.º, 4.º, n.º 29 do 9.º e 18.º, todos do Código do IVA, pois sustenta a Requerente que a cessão de exploração sempre foi gratuita, tendo em 21-10-2015 sido válida, expressa, tempestiva e definitivamente resolvida, com efeitos a 26-08-2013;

iii.           Preterição de formalidade legal e violação dos princípios da colaboração e da boa-fé, nos termos dos artigos 59.º da LGT, 99.º, alínea d) do CPPT e 266.º da CRP, bem como as legítimas expectativas e garantias da Demandante anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroactividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º n.º 3 da CRP;

iv.           Nulidade por falta de atribuições e por ter criado impostos ou contribuições especiais não permitidos por lei (art.º 161.º/2/a) e d) do CPA e arts. 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP).

 

3.            No dia 16-04-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 11-06-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 02-07-2019.

 

7.            No dia 18-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 10-12-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas presentes.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as necessárias prorrogações efectuadas no processo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade anónima, que iniciou atividade em 07-04-1999 e tinha como objecto social a “Exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares e, complementarmente, a gestão de imóveis próprios ou alheios sob a forma de arrendamento ou outras”.

2-            A Requerente, nos anos de 2014 a 2016, encontrava-se, em sede de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal.

3-            Para efeitos de IRC, nos anos de 2014 a 2016, a Requerente encontrava-se enquadrada no regime geral, integrando um grupo de sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), do qual a sociedade C..., SGPS, SA era a sociedade dominante.

4-            Em 17-09-2013, a Requerente entrou em processo especial de revitalização, que correu termos sob o processo n.º .../13...T2SNT, no Juízo de Comércio de Sintra, pelo que de acordo com a alínea b) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, não poderia integrar o regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

5-            As sociedades que integravam o grupo C..., SGPS, SA não procederam à comunicação atempada da alteração do cadastro, pelo que a AT, no final de 2018, alterou-o oficiosamente.

6-            Entre 17-10-2013 e 09-04-2015, a Requerente esteve em Processo Especial de Revitalização, no qual foi nomeado Administrador Provisório o Dr. D..., NIF ... .

7-            A Requerente foi declarada insolvente mediante sentença datada de 09-03-2015, proferida no âmbito do processo n.º....6T...SNT, pelo Juiz de Direito da Comarca de Lisboa Oeste, Unidade Central.

8-            Com a declaração de insolvência foi nomeada como Administradora Judicial a Dra. E..., NIF..., pelo período de 09-04-2015 a 20-05-2015.

9-            De 20-05-2015 e até à apresentação do pedido de pronúncia arbitral, foi Administrador Judicial da Requerente o Dr. B..., NIF ... .

10-         A Requerente era dona e legítima proprietária do prédio urbano denominado “...” –..., ...e ..., situado na ..., freguesia de ..., concelho de Cascais, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º .../..., composto por edifício destinado a Centro Comercial e Hotel, e inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ... .

11-         No referido imóvel estava instalado um empreendimento comercial composto por uma unidade hoteleira com 134 quartos e demais áreas de apoio e por um Centro Comercial com 62 lojas comerciais.

12-         Em 26-08-2013, a Requerente celebrou com a F..., SA, através de uma escritura pública de cessão de exploração lavrada no Cartório Notarial de Lisboa, da Notária G..., um contrato denominado de “Cessão de Exploração”, com efeitos a 01-09-2013, tendo sido outorgado pela Sra. H... e pelo Sr. I..., ambos na qualidade de administradores das duas sociedades.

13-         O objecto do contrato era a locação de “um empreendimento comercial composto por uma unidade hoteleira (Hotel ...) com cento e trinta e quartos e demais áreas de apoio e por um Centro Comercial com sessenta e duas lojas comerciais, instalado no prédio urbano, sito na ...-Hotel e Centro Comercial “...””.

14-         Nos termos da cláusula 1.ª, “a cessão de exploração do referido empreendimento comercial (hotel e centro comercial) com todos os bens móveis e equipamentos, é feita pelo período de um ano, pelo valor de novecentos mil euros”.

15-         Refere a cláusula 2.ª que “o presente contrato é renovável por iguais e sucessivos períodos de um ano, enquanto não foi denunciado por qualquer das partes com a antecedência de noventa dias em relação ao terno do período contratual estabelecido”.

16-         Na escritura pública de cessão de exploração não é mencionado se o valor de €900.000,00 incorporava ou não, o valor correspondente ao IVA.

17-         Na data em que foi celebrada a escritura pública de cessão de exploração do imóvel, o Conselho de Administração da Requerente já havia deliberado a apresentação ao PER desde 31-05-2013.

18-         Em 09-05-2014, a F... remeteu uma comunicação à Requerente, com o conhecimento do administrador judicial provisório – Sr. D...-, nos termos da qual foi efetuada a 1ª adenda ao contrato de cedência de exploração dispondo a cláusula 1.ª o seguinte “a cessão de exploração do referido empreendimento comercial (hotel e centro comercial), com todos os bens móveis e equipamentos, é feita pelo período de um ano, pelo valor de um milhão e trezentos mil euros, quantia que pode ser paga por via da compensação das despesas suportadas em nome da A..., S.A., sem prejuízo do pagamento por outra via”.

19-         Em 20-05-2014, o administrador judicial provisório do PER – Sr. D...– juntou requerimento no PER no qual constava um “Relatório de atividade de gestão – últimos 6 meses – ... CENTER E HOTEL ...” e quadro anexo com resultados de exploração do Hotel e do Centro Comercial pela Requerente, e gastos com pessoal e despesas de exploração.

20-         Em 08-05-2015, a F... remeteu uma comunicação aos Administradores da Requerente com conhecimento à Administradora de Insolvência – Dra. J...– nos termos da qual foi efectuada uma 2ª adenda ao contrato de cedência de exploração, recebida em 11-05-2015, onde a alteração à cláusula primeira refere o seguinte “a cessão de exploração do referido empreendimento comercial (hotel e centro comercial), com todos os bens móveis e equipamentos, é feita até ao dia trinta e um do mês de dezembro, de dois mil e quinze, e desde então por períodos de um ano, pelo valor de um milhão, setecentos e setenta e cinco mil euros”.

21-         Durante a locação do imóvel, a Requerente suportou diversos encargos necessários ao funcionamento do hotel, com fornecimentos e serviços externos, como por exemplo, água, luz, segurança, comunicações, tendo procedido à respectiva dedução do imposto suportado, no montante de €80.957,87, em 2014, e €88.441,64, em 2015.

22-         No balancete da Requerente do período de 01-01-2014 a 31-12-2014, consta na rubrica 23 “Pessoal” que a remuneração com o pessoal no ano de 2014 foi no valor de €1.469.816,10.

23-         No Portal das Finanças da Requerente encontram-se submetidas declarações mensais de remunerações relativas aos anos de 2014 e 2015.

24-         Nos anos de 2014 e 2015, a Requerente não tinha contabilista certificado.

25-         Desde a declaração de insolvência, o Administrador de Insolvência não apresentou qualquer declaração modelo 22 de IRC ou IES.

26-         A F... manteve a posse do imóvel e continuou a realizar a exploração do hotel e do centro comercial durante todo o PER e durante o processo de insolvência.

27-         O Administrador de Insolvência da Requerente, Dr. B..., resolveu a cessão de exploração em benefício da massa insolvente da Requerente, através de notificação judicial avulsa de que a F... foi notificada em 21-10-2015, cujo processo correu termos sob o n.º .../15...T8CSC, na comarca de Lisboa Oeste.

28-         A resolução em benefício da massa insolvente teve efeito retroactivo a 26-08-2013.

29-         A F... não restituiu, de imediato, o imóvel à massa insolvente da Requerente.

30-         Em 21-01-2016, a F... intentou acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, a qual correu termos sob o n.º .../15...T8SNT-E – Comarca de Lisboa Oeste – Sintra.

31-         Em 09-03-2017, a F... desistiu do pedido no âmbito da acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, determinando a extinção do direito que pretendia fazer valer.

32-         Em 22-02-2017, a F... efectuou a entrega do imóvel ao Administrador de Insolvência, em cumprimento de uma decisão judicial.

33-         A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial, que incidiu sobre o IVA, a coberto das Ordens de Serviço n.º OI2017..., OI2017... e n.º OI2017..., respetivamente, para os exercícios de 2014, 2015 e 2016.

34-         As Ordens de Serviço foram abertas com o objectivo de verificar, entre outras situações, em que condições foi realizado um contrato de cedência/locação de imóvel entre a Requerente e a F..., nomeadamente a sua sujeição a IVA.

35-         A Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspeção e para, querendo, exercer direito de audição.

36-         Em 26-11-2018, a Requerente exerceu direito de audição.

37-         Em 03-12-2018, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária onde consta, além do mais, o seguinte:

38-         A propósito do direito de audição exercido no processo inspectivo pela Requerente, consta, ainda, do RIT:

39-         Na sequência da referida inspecção, a Requerente foi notificada actos de liquidação adicional de IVA n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao período de 2014/08, da liquidação adicional de IVA n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao período de 2014/12, da liquidação adicional de IVA n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., e das demonstrações de acertos de contas n.º 2018... e n.º 2018..., relativas ao período 2015/12, no valor de global de €832.378,18.

40-         Em 14-01-2019, a Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

                Como se elencou já são as seguintes as questões colocadas pela Requerente nos presentes autos de processo arbitral:

i.             Vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 55.º, 81.º, 102.º, 121.º e 126.º do CIRE e no n.º 1 do artigo 223.º do Código Civil;

ii.            Vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação da alínea a), do n.º 1 do artigo 1.º,  do n.º 5 do artigo 4.º, e dos artigos 1.º , 3.º, 4.º, n.º 29 do 9.º e 18.º, todos do Código do IVA, pois a cessão de exploração terá sido gratuita, e tendo em 21-10-2015 sido válida, expressa, tempestiva e definitivamente resolvida, com efeitos a 26-08-2013;

iii.           Preterição de formalidade legal e violação dos princípios da colaboração e da boa-fé, nos termos dos artigos 59.º da LGT, 99.º, alínea d) do CPPT e 266.º da CRP, bem como as legítimas expectativas e garantias da Demandante anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroactividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º n.º 3 da CRP;

iv.           Nulidade por falta de atribuições e por ter criado impostos ou contribuições especiais não permitidos por lei (art.º 161.º/2/a) e d) do CPA e arts. 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP).

 

***

                A situação que se apresenta a decisão nos presentes autos tem contornos atípicos, pelo que, em ordem a compreendê-la devidamente e a, consequentemente, compreender a solução que lhe venha a ser dada, é imprescindível delinear os seus traços fundamentais.

                Assim, o que se verifica é que a em 26 de agosto de 2013, por escritura pública, a Requerente procedeu à Cessão de Exploração do estabelecimento identificado na matéria de facto (hotel e centro comercial), à sociedade F..., entidade consigo relacionada, tendo sido estabelecido como contrapartida da cedência em causa, o valor de €900.000,00, sem ser efectuada qualquer menção a IVA.

                A Requerente entrou em processo de recuperação (PER) em 17 de Outubro de 2013, e o referido contrato, na pendência do referido processo, foi objecto de duas comunicações, no sentido de ser alterado o contrato quanto ao valor da contraprestação a cargo da F... .

                A Requerente procedeu à resolução do contrato em questão, por notificação judicial avulsa de que a F... foi notificada em 21-10-2015, pretendendo que a resolução em benefício da massa insolvente tivesse efeito retroactivo a 26-08-2013.

                O imóvel em questão continuou na posse da F..., até 22-02-2017, data em que efectuou a entrega do imóvel ao Administrador de Insolvência, em cumprimento de uma decisão judicial.

                Neste quadro a AT procedeu, oficiosamente, à liquidação do IVA que considerou devido pela contraprestação a cargo da F..., nos termos da cessão de exploração referida, relativamente aos anos de 2014 e 2015.

                A Requerente insurge-se contra a actuação da AT, em suma, pelas seguintes ordens de razão:

                - Porquanto o negócio de cessão de exploração seria simulado, correspondendo, na realidade e segundo a Requerente, a uma cessão gratuita;

                - Porquanto terá procedido à resolução do contrato de cessão de exploração, com efeitos retroactivos a 26-08-2013;

                - Porquanto não terá, efectivamente, recebido qualquer contrapartida económica pela referida cessão de exploração;

- Porquanto o legal representante da Requerente desconhece uma série de elementos documentais nos quais a AT baseou as correcções que operou;

                - Porquanto não estará provada a validade jurídica das adendas ao contrato que terão procedido à alteração daquele, relativamente ao valor da contraprestação devida pela F....

 

*

                Em ordem a proceder a uma apreciação, nos termos mais claros possíveis, das questões a resolver, caberá, antes de averiguar se, e em que medida, o alegado pela Requerente se encontra factualmente suportado, verificar se, e em que medida, podem aquelas referidas alegações, se provadas, contender com as correcções operadas pela AT.

                Assim, começando pela questão relativa à eventual gratuitidade do negócio de cessão de exploração do hotel e centro comercial, dever-se-á concluir que, independentemente do mais, que a mesma não é susceptível de interferir com a decisão dos presentes autos.

                Com efeito, e cumpre esclarecer isto antes de mais, a eventualidade de o contrato de cessão de exploração constituir um contrato gratuito, constituiria uma simulação de contrato, já que o aquele está manifestamente estruturado como um contrato oneroso. Nesse caso, preenchendo-se a previsão do art.º 240.º/1 do CC, ou seja verificar-se-ia uma divergência entre a declaração negocial, e vontade negocial das partes.

                É que, mesmo que se corroborasse o raciocínio da Requerente, de que o negócio, tal como celebrado, apenas cobriria, ou pretenderia cobrir, os custos que aquela suportava com os estabelecimentos cuja exploração cedeu, tal não seria suficiente para reputar o mesmo como gratuito, já que pela exploração cedida, o cessionário ficaria obrigado a uma contrapartida, independentemente dos negócios explorarem gerarem rendimentos suficientes para cobrir aquela, por um lado, e, por outro, à Requerente sempre poderá ser imputado um interesse em manter os estabelecimentos em funcionamento, eliminando ou restringindo os encargos que tal funcionamento lhe acarretava, de modo a manter o valor de tais estabelecimentos, mais adiante.

Ora, como se escreve no Ac. do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no processo 08945/13:

“8. No âmbito do direito fiscal vamos encontrar a simulação no artº.39, da L.G.T., preceito em que o legislador não define o respectivo conceito, pelo que somos obrigados a socorrer-nos, em sede de interpretação das normas tributárias e nos termos do artº.11, nº.2, da L.G.T., do regime previsto no C.Civil, em particular do artº.240, e seg. Assim, se por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a vontade exterior ou declarada e a vontade interna ou real do declarante, o negócio diz-se simulado, tendo por consequência a nulidade. Dito de outro modo, surge ocultado sob a aparência de um negócio jurídico um outro propósito negocial nulo.

9. A simulação, de acordo com a doutrina, é composta por três elementos diferenciadores e estruturantes:

a-Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;

b-Acordo entre os contraentes (acordo simulatório);

c-Intuito de enganar terceiros.

10. Enquanto modalidades com relevância jurídica vamos encontrar a simulação absoluta e a relativa. A simulação absoluta verifica-se quando as partes fingem celebrar um negócio jurídico e, na realidade, não querem nenhum negócio jurídico. Existe apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais ("colorem habet, substantiam vero nullam"). Já na simulação relativa as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e, na realidade, querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por detrás do negócio simulado ou fictício, existe um negócio dissimulado ou real ("colorem habet, substantiam vero alteram").

11. A prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado por terceiros (v.g.Fazenda Pública) é livre, podendo ser feita por qualquer dos meios de prova admitidos por lei: confissão, documentos, testemunhas, presunções, etc., dado que a própria lei não estabelece qualquer restrição. De resto, a nulidade do negócio simulado pode, como todas as nulidades, ser invocada por qualquer interessado e declarada "ex officio" pelo Tribunal (cfr.artº.286, "ex vi" do artº.242, nº.1, ambos do C.Civil).”.

                Efectivamente, nos termos do art.º 39.º/1 da LGT:

“Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.”.

                E dispõe a propósito da simulação, o art.º 240.º do Código Civil que:

“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

2. O negócio simulado é nulo.”

                Todavia, nos termos conjugados dos artigos 242.º/1 e 243.º do Código Civil, é pacífico que os simuladores apenas podem arguir a simulação entre si, não podendo aqueles prevalecerem-se daquela contra terceiros de boa-fé.

                Assim, no caso, dúvidas não haverão que a Requerente seria um dos simuladores, no caso de ser verdade o que alega, independentemente de quem, em cada momento, teve a seu cargo a responsabilidade da sua gestão. E dúvidas não haverão que o Estado, representado pela Administração fiscal, é terceiro, em relação à eventual simulação, e está de boa-fé, pois não conhecia, nem tinha obrigação de conhecer, a mesma.

                O próprio CIVA, de resto, dá implicitamente nota disto mesmo, ao dispor, no seu art.º 79.º/4 que:

“Não obstante o disposto nos números anteriores, nos casos em que o imposto resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura, o adquirente dos bens ou serviços que seja um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, e ainda que isento de imposto, é solidariamente responsável, pelo pagamento do imposto, com o sujeito passivo que na fatura figura como fornecedor dos bens ou prestador dos serviços”.

                Ou seja: não há dúvidas de que é devido imposto pela operação simulada, e que, não só por isso mas, imprescindivelmente também, ambos os simuladores são responsáveis por tal imposto.

                Assim, independentemente de, no caso, se verificar que, de facto, ocorreu uma simulação quanto ao negócio jurídico de cessão de exploração, celebrado como oneroso, quando as partes o quereriam gratuito, o certo é que tal não teria a virtualidade de contender com as liquidações de imposto ora contestadas, na medida em que tal simulação não seria, em caso algum, invocável pela Requerente contra a AT.

                Assim, e pelo exposto, não poderão proceder os vícios arguidos pela Requerente que assentam na alegada gratuitidade do negócio de cessão de exploração em causa nos autos.

 

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                Outro aspecto que convirá desde já analisar, em abono da clareza da exposição, é o da relevância da questão relativa à resolução do contrato pela Requerente, em 21-10-2015, com pretensos efeitos retroactivos a 26-08-2013.

                Também esta matéria, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, será insusceptível de contender com o que se venha a decidir nos autos.

                Com efeito, como dispõe o art.º 434.º do Código Civil:

“1. A resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução.

2. Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.”.

                Daí que, em relação às prestações já efectuadas, no âmbito de um contrato de execução continuada ou periódica, como ora acontece, e no caso está em questão a disponibilização da coisa cedida pelo cedente, a resolução, conforme é doutrinalmente e jurisprudencialmente entendido de forma pacífica, tem efeitos meramente ex nunc, e não ex tunc. Ou seja, e dito de outro modo, não tem efeitos retroactivos, pela que a obrigação de cumprir a contraprestação, não é extinta pelo efeito próprio da resolução.

                Assim sendo, como é, não poderá o propósito de retroactividade afirmado pela Requerente aquando da resolução avulsamente comunicada à F..., ter a virtualidade de operar quanto às prestações de cedência da coisa, e correspectiva prestação de pagamento da “renda”, nem, consequentemente ao imposto sobre tal prestação incidente, pelo que não poderão proceder os vícios arguidos pela Requerente que assentam na alegada retroactividade da resolução do contrato de cessão de exploração ora em causa.

 

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                Outro dos argumentos esgrimidos pela Requerente é o de que não terá, efectivamente, recebido qualquer contrapartida económica pela referida cessão de exploração.

                Sem prejuízo de tal circunstância ser susceptível de ser questionada, também aqui se deverá concluir pela irrelevância, da mesma.

                Efectivamente, e como salienta desde logo a Requerida, “nem a exigibilidade do imposto nem a sua dedutibilidade dependem dos recebimentos ou pagamentos, respetivamente.”.

                Tal entendimento é, julga-se, pacífico, e explica-se, para além do mais, nas palavras do Tribunal de Justiça, porquanto “Com efeito, contrariamente à resolução ou à anulação do contrato, a situação de não pagamento do preço de compra não coloca as partes na situação inicial. Se o não pagamento total ou parcial do preço de compra ocorrer sem que tenha havido resolução ou anulação do contrato, o comprador permanece responsável pelo pagamento do preço acordado e o vendedor, apesar de já não ser proprietário do bem, ainda dispõe, em princípio, do seu direito de crédito, que poderá ser exercido nos tribunais. No entanto, uma vez que não se pode excluir que esse crédito se torne efetivamente incobrável, o legislador da União decidiu deixar a cada Estado‑Membro a escolha de determinar se o não pagamento do preço de compra dá direito à redução correspondente do valor tributável nas condições fixadas pelo Estado‑Membro, ou se, nesse caso, não é admitida qualquer redução” .

                Com efeito, e como é evidente, o não recebimento do preço não retira ao credor o direito de o receber, que se mantém no seu património, incumbindo-lhe lançar mão dos meios legais para assegurar a efectividade do seu direito.

                O não recebimento do preço, pode, em determinadas circunstâncias, à descrição dos Estados membros, dar direito a regularizações, que assentam na incobrabilidade do crédito. Ora, no presente caso, está em causa a liquidação do imposto, e esta, pelo atrás exposto, não é condicionada pelo recebimento do preço, ou pela sua falta. Neste último caso, é à Requerente, como à generalidade dos contribuintes, que incumbe lançar mão dos meios legais para, verificados os respectivos condicionalismos, obter a regularização do imposto que não lhe seja possível cobrar.

                Em todo o caso, e para o que agora importa, o recebimento ou não do preço é insusceptível de colidir com a legalidade da liquidação do imposto, pelo que será, na óptica do que ora cumpre decidir, irrelevante se a Requerente de alguma forma recebeu, ou não, os valores a que tinha direito por força do contrato de cessação de exploração.

                Face ao exposto, não poderão proceder os vícios arguidos pela Requerente que assentam na eventual circunstância de não ter recebido efectivamente qualquer vantagem patrimonial derivada do contrato de cessão de exploração em causa nos autos.

 

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Alega também a Requerente, a propósito de algumas questões que suscita, que o seu legal representante desconhece uma série de elementos documentais nos quais a AT baseou as correcções que operou.

Tal afirmação é, desde logo, contestada pela Requerida, que aponta a circunstância de que todos os elementos contabilísticos, contratos, adendas, que constam ou são mencionados no relatório de inspecção que resultou das OI2017..., OI2017... e OI2017..., foram fornecidos/recolhidos no âmbito do OI2016..., e, portanto, fornecidos pela empresa num período em que já estava nomeado o actual Administrador Judicial da Requerente, que tendo sido notificado de tal procedimento, forneceu vários elementos e informações, como os que indicados nos artigos 35.º, 36.º, 37.º, 62.º, 63.º e 80.º do requerimento inicial, como resulta do Relatório de Inspecção.

                Em todo o caso, e independentemente do mais, o desconhecimento subjectivo do legal representante da Requerente num determinado momento, justificado ou não, não é susceptível de afectar a validade e/ou a eficácia dos actos praticados em momentos anteriores pelos legais representantes à data, pelo que de tal alegada circunstância, uma vez mais, não serão de retirar consequências ao nível das questões que se apresentam a decidir.

                Por outro lado, os documentos em nome da Requerente, não poderão deixar de se considerar factos do seu conhecimento pessoal, independentemente do efectivo conhecimento pelo seu legal em cada momento, pelo que sempre lhe competirá tomar posição definida quanto a tais factos.

                Daí que hajam, igualmente, de improceder os vícios invocados pela Requerente, que assentam no desconhecimento pelo seu legal representante, de elementos documentais recolhidos no procedimento inspectivo, até à realização deste.

 

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                Relativamente à validade jurídica dos aditamentos ao contrato de cessão de exploração, destinados à alteração deste no que dizia respeito à contraprestação receber pela Requerente alega esta que não passaram de meras comunicações da contraparte, inidóneas a produzir qualquer efeito jurídico.

                Alega a este respeito a Requerente, em suma, que a AT não apresentou qualquer documento que prove a aceitação das condições contratuais pela “A...” nem o documento de alteração da Escritura Pública de Cessão de Exploração nos termos e sob a forma legalmente exigíveis.

                Mais alega a Requerente que os carimbos de recepção das referidas adendas não são de qualquer Administrador da Insolvência, que só foram incluídos em conhecimento; são carimbos da A..., mas com assinatura que não corresponde a dos administradores que intervieram na Escritura, não sendo possível aferir de quem são e se quem assinou

tinha poderes para receber tais comunicações em nome da A... .

                Refere também a Requerente que a declaração de insolvência da A... teve desde logo efeito directo sobre os contratos que na data da declaração de sua insolvência estavam em curso, incluindo sobre o contrato de Cessão da Exploração, do que resulta que uma comunicação unilateral da contraparte não tem o condão de produzir qualquer efeito, por determinação do disposto no art.º 102.º do CIRE, e que o actual administrador de insolvência  nunca recebeu ou teve qualquer conhecimento sobre a existência das duas ditas “adendas”, cujo conhecimento só teve quando notificado do relatório de Inspecção, por constarem do mesmo.

                Já a Requerida, nota que as alterações que ocorrem por via das adendas referem-se ao valor/contraprestação, e esses valores encontram-se confirmados pelos registos contabilísticos de ambas as empresas envolvidas nesta operação de cessão de exploração, e que na contabilidade da F... confirma-se os pagamentos de despesas por conta da A... .

                Relativamente a esta matéria julga-se assistir razão à Requerente, na medida em que não se encontra suficientemente demonstrado que os aditamentos tenham validade e eficácia jurídica, em termos de se poder afirmar ter sido constituído na esfera jurídica da Requerente o direito às contraprestações pretensamente actualizadas por aquela adenda, de forma a constituirem estas, e não o valor constante do contrato, a base do valor tributável das operações.

                Efectivamente, e como a Requerente aponta, para que fossem juridicamente válidos e eficazes os aditamentos em causa, seria imprescindível que os mesmos seguissem a forma prevista no contrato ou, supletivamente, na Lei, e que a Requerente se tivesse vinculado por intermédio da intervenção adequada de quem a representasse na altura, sendo que, como também explica a Requerente, nos termos do art.º 223.º do Código Civil, e à mingua de qualquer outro elemento que permita concluir de outro modo, os aditamentos deviam seguir a forma do contrato aditado, e, de qualquer forma, não se encontra disponível qualquer elemento que consubstancie um acordo escrito assinado por quem, de direito, representava, à data, a Requerente.

Ora, nos termos do art.º 16 do CIVA aplicável, “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro”.

                Assim, não se demonstrando que a Requerente haja efectivamente recebido, sob qualquer forma, os valores actualizados pelas adendas em questão, e não se demonstrando que fosse esse o valor que a Requerente tinha/tem juridicamente direito a receber pela cessão de exploração em causa nos autos, não se poderá atender àqueles valores actualizados, para efeitos da fixação do valor tributável das operações sub iudice.

                Daí que, na medida em que utilizou os valores resultantes dos aditamentos, sem que demonstre que a Requerente os haja, efectivamente e na totalidade, recebido, nem que a eles tinha a Requerente, juridicamente, direito, incorreu a AT em excesso na quantificação da matéria tributável, devendo, nessa medida, serem anulados os actos tributários objecto da presente acção arbitral e, na mesma medida, proceder o pedido arbitral.

 

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                Embora de forma não autonomizada, argui ainda a Requerente a preterição de formalidade legal e violação dos princípios da colaboração e da boa-fé, nos termos dos artigos 59.º da LGT, 99.º, alínea d) do CPPT e 266.º da CRP, bem como as legítimas expectativas e garantias da Demandante anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroactividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103.º n.º 3 da CRP.

                A este propósito, alega a Requerente que não obstante ter apresentado com a pronúncia em sede de audição prévia diversos documentos, a Administração Tributária desconsiderou-os sem explicar porquê, para além de não fazer referência expressa às disposições legais aplicáveis.

                Acrescenta ainda a Requerente que a interpretação da Administração Tributária aplicada a um facto tributário passado constitui uma violação do princípio da protecção da confiança, na vertente da segurança jurídica.

                Embora a Requerente assaque ao RIT falta de fundamentação e initeligibilidade, o certo é que os vícios formais invocados pela Requerente é que não estão substanciados em factos que os sustentem, limitando-se à arguição abstracta de tais vícios, e à invocação das correspondentes normas legais.

                Assim, embora refira que juntou diversos documentos com o direito de audição, “que comprovam o erro manifesto da Administração Tributária”, não indica que documentos são esses, que erro manifesto comprovam e de que forma deveriam ter sido considerados pela AT, sendo ainda certo que, conforme resulta da matéria de facto provada, o direito de audição exercido pela Requerente, apesar de se focar em factos pessoais do seu legal representante, foi devida e fundadamente (concorde-se ou não com o decidido) apreciado no RIT.

                Por outro lado, sendo manifesto que do RIT constam, em diversas passagens, como se extrai da matéria de facto provada, referências às disposições legais que a AT entendeu (bem ou mal, para efeitos de fundamentação formal não releva) aplicar, não se alcança qual o fundamento para a Requerente afirmar que aquele relatório não faz referência expressa às disposições legais aplicáveis.

                As restantes invalidades pela Requerente não estão, sequer, minimamente fundamentadas, limitando-se aquela a arguir uma aplicação retroactiva de uma interpretação da lei, sem indicar qual e de que forma, e uma abstracta violação da boa fé.

                Assim, e pelo exposto, não se verifica qualquer das ilegalidades formais arguidas pela Requerente, nem as correspondentes inconstitucionalidades, improcedendo, portanto, nessa parte, o pedido arbitral.

 

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                Em sede de alegações escritas, a Requerente veio ainda arguir a nulidade dos actos que impugna por falta de atribuições e por ter criado impostos ou contribuições especiais não permitidos por lei (art.º 161.º/2/a) e d) do CPA e arts. 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP).

                A este propósito, menciona a Requerente que uma vez que não foi provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade do imposto em análise, é manifesto que não se constituiu qualquer facto tributário, pelo que o pagamento exigido à Requerente é ilegal e inexigível, e que caso assim não se entendesse, teria de concluir-se que a Autoridade Tributária poderia exigir o pagamento das quantias em causa independentemente da demonstração e verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos, como se verifica no presente caso, criando livremente impostos, o que é inadmissível.

                Ora, evidentemente que as alegações da Requerente não preenchem qualquer nulidade, incluindo as ora em apreço.

                Caso a AT não provasse os pressupostos de que depende a exigibilidade do imposto, a consequência nunca seria a nulidade, mas a anulabilidade por violação das normas aplicadas pela AT, e nunca estaria em causa a exigência à Requerente sem a demonstração e verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos.

                Daí que haja de se considerar manifestamente improcedentes as nulidades arguidas.

 

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                Quanto ao pedido acessório de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos parcialmente anulados e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular parcialmente os actos de liquidação adicional de IVA n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018... e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao período de 2014/08, de liquidação adicional de IVA n.º 2018..., de liquidação de juros compensatórios n.º 2018...e de demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao período de 2014/12, de liquidação adicional de IVA n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., e de demonstrações de acertos de contas n.º 2018... e n.º 2018..., relativas ao período 2015/12, na medida em que consideraram como valor tributável o valor que excede o constante do contrato de cessão de exploração de 26-08-2013, constante da matéria de facto provada;

b)           Condenar a AT na restituição do montante indevidamente pago pela Requerente e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;

c)            Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral;

d)           Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 6.984,00 a cargo da Requerente, e de € 4.950,00 a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 832.378,18, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 11.934,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

Tendo em conta que a Requerente beneficia de apoio judiciário, nos termos previstos na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e Portaria n.º 10/2008 de 3 de Janeiro, deverá o CAAD oficiar ao IGFEJ, no sentido de ser por aquele Instituto paga a taxa de arbitragem a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Julho de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

O Árbitro Vogal

(José Nunes Barata)