Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 584/2019-T
Data da decisão: 2020-08-26  IRS  
Valor do pedido: € 17.589,85
Tema: IRS – Mais-valias; Avaliação nos termos do CIMI.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A..., contribuinte nº..., e mulher, B..., contribuinte nº..., residentes na Rua ..., nº..., ..., em Lisboa, doravante designados conjuntamente por Requerentes ou individualmente por Requerente marido e Requerente mulher, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação da Liquidação Adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2017... e de juros compensatórios nº 2017..., entretanto anuladas e corrigidas pelas Liquidações nº 2019 ... e 2019 ..., relativas ao ano de 2016 (Docs  9 e 11), com o consequente pagamento de juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alegam, em síntese, que as liquidações em crise estão feridas de ilegalidade, por violação de lei, designadamente dos artigos 51º e 45º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e dos artigos 15º e 27º do Decreto-Lei nº 287/2003, por não ter sido considerado o valor de € 23.349,50, a titulo de despesas inerentes à alienação do imóvel em causa -prédio urbano sito em Lisboa-, e aceite, como valor de aquisição do imóvel sito em Lisboa, o valor de € 924660,00, resultante de avaliação efectuada pela Requerida, a titulo oficioso, em 2009, o que inquinou o cálculo da mais-valia resultante da alienação do mesmo, em 2016.

No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a signatária, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 22 de Novembro de 2019.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida veio, em 9 de Outubro de 2019, revogar parcialmente os actos em crise, considerando ser de aceitar o montante de € 23.349,48, a titulo de despesas efectivamente suportadas, inerentes à alienação da quota parte do Requerente sobre o imóvel sito em Lisboa, bem como reconhecer o direito dos sujeitos passivos a juros indemnizatórios, na proporção do vencimento que a sua pretensão obteve em sede de procedimento de reclamação graciosa, reconhecendo igualmente a existência de erro imputável aos serviços.

Em 3 de Janeiro de 2020, a Requerida apresentou resposta, alegando em síntese, que os Requerentes não promoveram a primeira avaliação do imóvel em causa, ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), como teriam de fazer, atenta a transmissão do bem imóvel em causa (quota parte) por força do óbito do pai do Requerente marido, considerando como valor de aquisição o VPT do imóvel à data de 2004 (€ 73.381,34) e não o valor à data de 2012 (€ 924.660,00). Concluindo, assim, pela improcedência do pedido arbitral formulado.

A Requerida juntou cópia do processo administrativo (PA), não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

As partes apresentaram alegações, reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III. QUESTÃO A DECIDIR

Atentas as posições assumidas pelas partes e a revogação parcial do acto impugnado promovida pela Requerida, facilmente se verifica que a única questão a decidir por este Tribunal é a de saber se, para efeito de cálculo da mais-valia realizada pelo Requerente marido com a alienação da sua quota parte do imóvel sito em Lisboa e em baixo melhor identificado, deverá ser considerado como valor de aquisição o que constava da matriz à data do óbito do pai do Requerente ou o valor patrimonial tributário resultante da avaliação efectuada pela AT em 2009.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

a.            Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.            O Requerente adquiriu, por óbito do seu pai, C..., em 08.02.2004, uma quota-parte correspondente a 4,75% do prédio urbano sito na Rua ..., nºs ... a ... e Rua ..., nº..., descrito na CRP sob o nº..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, e inscrito na matriz predial urbana sob o nº..., e com o valor patrimonial tributário (VPT) de € 73.381,34 (P. 101 vº do PA).

2.            Na Declaração Modelo 1 do Imposto do Selo, entregue por óbito do pai do Requerente marido, foi declarado o valor de € 23.217,04, correspondendo a este uma parcela no montante de € 3.482,56. (Doc. 5 junto com o pedido arbitral e p. 101 vº do PA).

3.            Em 14.03.2009 verificou-se a avaliação oficiosa pela AT, nos termos do artigo 15º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 287/2003, de 17 de Novembro, na redacção em vigor à data dos factos, por se tratar da primeira transmissão na vigência do CIMI, tendo sido atribuído ao imóvel o VPT de € 924.660,00 (Doc. 6 junto com o pedido arbitral).

4.            Em 21.02.2012, por óbito da mãe do Requerente marido, D..., o Requerente marido adquiriu, por herança, uma percentagem de 1,58% do mesmo imóvel.

5.            Mantendo-se, na data do óbito da mãe do Requerente marido, o VPT daquele imóvel em € 924.660,00. (P. 101 vº do PA), correspondendo ao Requerente marido o valor de € 14.627,61.

6.            Por transmissão gratuita, o Requerente marido detinha assim uma quota indivisa sobre o imóvel correspondente a uma percentagem total de 6,33%: 4,75% adquiridos por óbito do pai, no ano de 2004, e 1,58%, adquiridos por óbito da mãe, em 2012, conforme Docs. 3 e 5, juntos com o pedido arbitral.

7.            Que alienou, por escritura pública outorgada em 28.11.2016, pelo valor de € 316.388,89 (Doc. 2 junto com o pedido arbitral).

8.            O Requerente marido declarou na Declaração de IRS (Doc. 3 junto com o pedido arbitral), como valor de aquisição a quantia de € 58.510,43, montante correspondente à sua quota parte indivisa no valor patrimonial tributário apurado pela AT (€ 924.660,00), na sequência de avaliação patrimonial efectuada nos termos do CIMI (P. 101 do PA).

9.            Nessa sequência, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS nº 2017..., relativa ao ano de 2016, e correspondentes juros compensatórios, no valor de € 51.777,31 (Doc. 7 junto com o pedido arbitral)

10.          Posteriormente, os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS nº 2017..., de 27 de Outubro de 2017, em que o valor a pagar ascendeu aos € 75.477,32, portanto, mais € 23.700,01 que a anterior. (Doc. 9 junto com o pedido arbitral)

11.          Os Requerentes procederam ao pagamento desta quantia em Março de 2018 (Pp. 14-16 da Revogação parcial - Comunicação para efeitos do artigo 13º, nº 1 do RJAT, junta aos autos em 09.10.2019)

12.          Os Requerentes apresentaram a reclamação graciosa nº ...2018..., contra a liquidação adicional de IRS e correspondentes juros compensatórios, referente ao ano de 2016 em 10.04.2018. (Doc. 10 junto com o pedido arbitral e p. 100 do PA)

13.          A AT, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa de 17.04.2019, deferiu parcialmente a pretensão dos Requerentes, na parte referente ao prédio urbano ...º, da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Almada, mas não em relação à alegada ilegalidade quanto ao cálculo das mais valias realizadas com a venda do imóvel urbano inscrito sob o artigo urbano ... de ..., Lisboa. (Doc. 1 junto com o pedido arbitral e pp. 64 e ss do PA).

14.          Tendo em consequência emitido nova liquidação de IRS com o nº 2019 ... e correspondente liquidação de juros compensatórios, a 15 de Junho de 2019, reduzindo o valor a pagar para € 69.367,16. (Doc. 11 junto com o pedido arbitral)

15.          O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 02.09.2019.

16.          Em 04.10.2019, já depois da entrada e aceitação do presente pedido arbitral, a Requerida veio revogar parcialmente o acto impugnado (Revogação parcial - Comunicação para efeitos do artigo 13º, nº 1 do RJAT, junta aos autos em 09.10.2019).

17.          A AT arquivou o projecto de correcções do IRS relativo ao ano de 2016 de E..., irmão do Requerente marido, designadamente no que se refere ao valor da mais-valia por este realizada com a venda da sua quota parte do mesmo imóvel, aceitando como valor de aquisição o resultante da avaliação oficiosa de 2009. (Doc. 14 junto com as alegações dos Requerentes)

 

b. Factos não provados

Com interesse para os autos não resultaram quaisquer factos não provados.

 

c.            Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como o processo administrativo junto aos autos.

 

V. DO DIREITO

Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o direito aplicável.

A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a interpretação da norma contida no nº1 dos artigos 45º do CIRS, 13º, nº 1 do CIS e 15º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12 de Novembro, que dispõem assim:

Artigo 45º CIRS:

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.

Artigo 13º do CIS:

O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

 

 

Artigo 15 Decreto-Lei nº 287/2003 (redacção à data do óbito do pai do Requerido)

Avaliação de prédios já inscritos na matriz

1 - Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artigo 17.

2 - O disposto no n.º 1 aplica-se às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto do selo, bem como às previstas na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive.

No caso em apreço, o Requerente marido beneficiaria da isenção prevista no actual artigo 6º, alínea e) do Código de Imposto de Selo (CIS): «São isentos de imposto de selo, quando este constitua seu encargo (…) descendentes (…), nas transmissões gratuitas (…)». Importa então apurar qual o valor que serviria de base à liquidação do imposto, caso ele fosse devido.

O artigo 13º do CIS consagra que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial e o artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, na redacção em vigor à data dos factos, que os Requerentes invocam, determina que «enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor» e que o nº 2 do mesmo preceito determina que «o disposto no nº 1 se aplica às primeiras transmissões gratuitas isentas de imposto de selo (…), ocorridas após 1 de Janeiro de 2004, inclusive». Também o artigo 27º, nº 2, alínea a) do mesmo diploma, estabelecia, na redacção em vigor à data dos factos, que «o imposto do selo é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respectivo Código, nos seguintes termos: no caso de prédios urbanos, com base no valor da avaliação prevista no nº 1 do artigo 15º do presente diploma».

Como consta do Acórdão do STA de 30.05.2018, proferido no processo 0534/15, «o DL nº 287/2003, de 12 de Nov., inserido no âmbito da reforma da tributação do património que levou à aprovação dos Códigos do IMI e do IMT, veio estabelecer um conjunto de disposições transitórias relativas, nomeadamente, à avaliação geral dos prédios urbanos e actualização dos respectivos valores patrimoniais, incluindo a avaliação dos prédios que entretanto fossem transmitidos segundo o novo mecanismo de avaliações do CIMI, com reflexos nas liquidações do IMI, IMT e IS».

Ora, assim sendo, a liquidação de imposto de selo emitida aquando do óbito do pai do Requerente marido deveria ter sido meramente provisória enquanto que não houvesse lugar a avaliação nos termos do CIMI. E efectivamente, na sequência do óbito do pai do Requerente marido, em 8 de Fevereiro de 2004, o prédio urbano em causa foi avaliado, em 2009, pela AT, avaliação efectuada ao abrigo do CIMI, tendo-lhe sido atribuído o VPT de € 924.660,00. Era neste momento que devia ter sido emitida liquidação definitiva de Imposto do Selo. Neste sentido, se decidiu no referido Acórdão do STA de 30.05.2018.

De facto, presumindo-se, como se impõe, que o legislador se soube expressar em termos adequados, não foi por acaso, mas antes por sua vontade que este teve a preocupação de, quer no artigo 13º, nº 1 do CIS, quer no artigo 15º do Decreto-Lei nº 287/2003, fazer referência expressa à avaliação nos termos do CIMI. Assim, se o legislador expressamente inseriu a locução “nos termos do CIMI” nos citados preceitos é porque pretendia que fosse este o valor a considerar e não qualquer outro.

E o artigo 45º nº 1 do CIRS, ao remeter expressamente para o valor considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo ou que serviria de base à sua liquidação, caso este fosse devido, não deixa margem para dúvidas de que, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, se considera como valor de aquisição, no caso de aquisições a título gratuito, o valor patrimonial tributário constante da matriz à data da transmissão, calculado nos termos do CIMI. In casu, não tendo o valor patrimonial tributário constante da matriz à data do óbito sido determinado nos termos do CIMI, não pode ser considerado pela AT como valor de aquisição para efeito de cálculo de mais-valias. Ao invés, para efeito de cálculo de mais-valias, apenas pode ser considerado pela AT o valor de aquisição que tenha sido determinado nos termos do CIMI, ou seja, o valor de € 924.660,00.

Neste mesmo sentido, já no Acórdão do CAAD de 20.11.2018, proferido no processo 139/2018-T, se estabeleceu que «para efeito de cálculo de mais-valias, apenas pode ser considerado pela AT o valor de aquisição que tenha sido determinado nos termos do CIMI». E, no Acórdão do STA de 23.04.2013, proferido no processo nº 0442/12, que «é incontroverso que nas transmissões gratuitas de bens, maxime por sucessão hereditária, ocorridas após a entrada em vigor do Dec. Lei nº 287/2003, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2004, inclusive, o Imposto de Selo incidia sobre o valor dos bens transmitidos, revelado à data da transmissão, por via da avaliação imposta pelo nº 2 do seu art. 15º».

Ora, a Requerida pretende efectuar uma divisão, considerando que à quota-parte de 4,75% adquirida pelo Requerente em 2004, por óbito do pai, deveria ser atribuído o valor de aquisição de € 3.482,56 (reportando-se ao VPT anterior à avaliação de 2009) e à quota parte de 1,78%, adquirida pelo Requerente por morte da sua mãe, em 2012, o de € 14.627,61 (reportando-se já ao VPT resultante da avaliação de 2009).

É certo que, como invoca a AT, aquando da entrega da declaração modelo 1 do Imposto de Selo, após o óbito do seu pai, o Requerente indicou, como valor de aquisição, o valor de € 23.217,04. Mas daqui não resulta o efeito pretendido por aquela. Na verdade, se à data do óbito o prédio ainda não se encontrava avaliado nos termos do CIMI, não poderia este, como está bom de ver, indicar qualquer outro valor como valor de aquisição do prédio. Ao contrário, impunha-se era à AT que, recepcionada esta declaração, averiguasse se o valor indicado como valor de aquisição havia sido determinado com base no CIMI e, não o tendo sido feito, procedesse à avaliação e apenas liquidar a declaração entregue após esta avaliação.

Daqui resulta que a AT não poderia considerar, como valor de aquisição para efeito de cálculo da mais-valia, outro valor que não o resultante da avaliação por si efectuada, oficiosamente, em 2009. Aliás, como os Requerentes alegam e bem, «a liquidação de imposto de selo emitida aquando do óbito do pai do Requerente marido deveria ter sido meramente provisória, emitindo-se a definitiva na sequência da avaliação oficiosa no decurso da primeira transmissão, ocorrida a 15 de Janeiro de 2009 – assegurando-se ainda assim o respeito pelo prazo de caducidade previsto no artigo 39º, nº 1 do Código do IS (…)».  No caso em apreço, de acordo com a redacção desta disposição vigente à data dos factos, no caso de transmissões gratuitas, o prazo de liquidação seria de oito anos contados da transmissão. Logo, a AT ainda estaria em prazo para emitir uma liquidação definitiva do Imposto de Selo que considerasse o VPT resultante da avaliação efectuada em 2009.

A AT desconsiderou, no entanto, a avaliação realizada em 2009 e a sua relevância para efeitos do artigo 45º do CIRS, designadamente no que se refere à determinação do valor da aquisição ocorrida em 2004, por óbito do pai do Requerente, pelo facto de a mesma ter sido feita oficiosamente. Invoca, a este propósito, o nº 6 do artigo 15º do Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro, que estipula que «tratando-se de transmissões gratuitas de prédios urbanos, a declaração modelo nº 1 do imposto municipal sobre imóveis, aprovada pela Portaria nº 1282/2003, de 13 de Novembro, teria de ser apresentada no prazo estabelecido no nº 3 do artigo 26º do CIS», ou seja, até ao final do 3º mês seguinte ao nascimento da obrigação tributária. Ou seja, segundo a AT, o valor de aquisição a considerar teria de ser reportado à data do óbito do pai do Requerente marido, em 2004, incidindo sobre o VPT então vigente, uma vez que não foi requerida a 1ª avaliação, através da entrega da declaração prevista no artigo 37º, nº 1 do CIMI, no prazo de caducidade do imposto de selo. Avaliação que apenas foi efectuada, oficiosamente, em 2009, após o prazo de caducidade do imposto de selo. Acontece que o nº 6 do artigo 15º do Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro, a que a Requerida alude, resulta da redacção dada àquele diploma pelo artigo 6º do Decreto-Lei nº 211/2005 de 7 de Dezembro. Não estava, por isso, ainda em vigor à data do óbito do pai do Requerente marido. Assim sendo, nesta data, inexistia a referida obrigação declarativa por parte do sujeito passivo que a AT invoca. De igual modo, a AT atém-se a uma redacção do nº 3 do artigo 27º, introduzida pelo mesmo Decreto-Lei nº 211/2005, que, obviamente, também não estava ainda em vigor em 2004. A versão então em vigor não fazia qualquer referência ao imposto de selo. Neste pressuposto, não pode a Requerida pretender exigir aos Requerentes o cumprimento de uma obrigação que, à data da ocorrência do facto tributário, não era legalmente exigível. Ainda que assim se não entendesse, o incumprimento de tal obrigação apenas deveria traduzir-se na imputação «ao sujeito passivo da prática de uma contra-ordenação, passível de ser punida com coima, não sendo aceitável, contudo, o agravamento do pagamento de imposto de modo irreversível, sem possibilidade de correcção», como já se decidiu no Acórdão do CAAD de 02.04.2019, proferido no processo nº 344/2018-T. Por essa mesma razão, o legislador acabou por prever no nº 3, alínea a), do artigo 37º do CIMI que o chefe de finanças competente procede oficiosamente «à inscrição de um prédio na matriz, bem como às necessárias actualizações, quando não se mostre cumprido o disposto no nº 1».

Ora, nestes termos, temos que concluir que o valor patrimonial tributário do bem a considerar é € 924.660,00, correspondendo à quota parte global do Requerente marido (6,33%) o valor de € 58.510,43, valor que este declarou como de aquisição na Declaração de IRS relativa ao ano de 2016. Ao corrigir este valor e desconsiderar o valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel em resultado da avaliação fiscal de 2009, a Requerida incorreu em vicio de violação de lei, designadamente dos artigos 45º do CIRS, 13º, nº 1 do CIS e 15º e 27º do Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro.

Acresce ainda que, já depois da apresentação do presente pedido arbitral, a AT veio a arquivar o projecto de correcções do IRS relativo ao ano de 2016, de E..., irmão do Requerente marido, designadamente na parte relativa ao valor da mais-valia por este realizada com a venda da sua quota parte do mesmo imóvel, aceitando como valor de aquisição o resultante da avaliação oficiosa de 2009 do mesmo. (Doc. 14 junto com as alegações dos Requerentes)

Em face do exposto, e não havendo fundamento para efectuar o cálculo das mais-valias tomando por base, como valor de aquisição, o valor patrimonial à data do óbito do pai do Requerente, encontram-se as liquidações impugnadas, nesta parte, feridas de ilegalidade, impondo-se a sua anulação.

*

Cumulam, ainda, os Requerentes com o pedido anulatório, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios relativos ao imposto indevidamente pago, desde a data do respectivo pagamento até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação objecto da presente decisão arbitral, por erro no cálculo da mais valia realizada pelo Requerente marido com a venda do imóvel sito em Lisboa, imputável aos serviços da AT, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

VI. DISPOSITIVO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado, na parte não revogada pela Requerida, e, em consequência:

a)            Declarar a ilegalidade, por violação de lei, e anular os actos de liquidação de IRS nºs 2017..., 2017..., 2019... e 2019..., relativos ao ano de 2016, na parte referente ao imposto resultante da mais-valia realizada com a alienação, no ano de 2016, do prédio sito em Lisboa, com as demais consequências legais;

b)           Condenar a Requerida, por força das liquidações ora anuladas, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo indicado.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 17.589,85, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Agosto de 2020

 

O Árbitro,

Cristina Aragão Seia