DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 28 de Novembro de 2019, acorda no seguinte:
I. RELATÓRIO
1.1. A..., Lda., com sede na ..., ..., ...-... ..., Pessoa Colectiva n° ..., doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral, tal como configurado, tem por objecto a anulação do acto de liquidação adicional de IVA com o n.º..., no valor de € 54.096,00, referente ao período 2018/03T, a qual não deu origem a pagamento de imposto, mas sim a uma correção do montante de imposto a reportar para períodos seguintes.
1.3. A fundamentar o seu pedido imputa a Requerente, em síntese, os seguintes vícios:
(i) Efectuou um pedido de reembolso de IVA, no período de 2018.12T, no valor de € 60.000,00, crédito esse gerado no período 2018.03T e que em face desse pedido de reembolso, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção e veio considerar que não era dedutível o IVA suportado a montante, referente a duas facturas-recibos de serviços de advocacia, serviços esses prestados à ora Requerente.
(ii) A questão de direito que vem colocar à apreciação do Tribunal é sindicar se o IVA suportado nas prestações de serviços de advocacia em causa nos autos - serviços esses prestados a uma SGPS - é ou não dedutível.
(iii) Entende que sim, alegando que o IVA suportado por si e incidente sobre serviços adquiridos para a realização de operações relacionadas com as participações sociais, deverá ser dedutível, invocando diversa jurisprudência europeia nesse sentido.
(iv) Alega que a AT errou quando não aceitou a dedutibilidade do IVA em causa nos autos por considerar que a gestão de participações sociais não é uma actividade económica, desde logo, e porque não encontra norma e/ou princípios que justifiquem tal entendimento, além de que, conforme referido e amplamente documentado na sua petição arbitral, a jurisprudência comunitária europeia firmou o entendimento de que, mesmo quando não há um nexo directo entre inputs e outputs, a dedução de IVA continua a ser possível se os custos referentes aos bens e serviços adquiridos configurarem elementos constitutivos do preço dos serviços fornecidos às participadas.
(v) Ora, na medida, sustenta, que enquanto SGPS possuía como escopo final o controlo e gestão indirecta dos negócios das sociedades participadas, existindo um contrato
de prestação de serviços entre si e a sua participada B..., S.A., na medida em que esses serviços prestados à sociedade participada constituem exercício directo de actividades económicas sujeitas a IVA, nenhuma dúvida pode existir, alega, que a detenção e gestão de participações, actividades efectuadas são actividades económicas para efeitos de tributação em sede de IVA (cf. art° 2°, n° 1, a)), CIVA e art° 40, n° 1 e 2 da Sexta Directiva), pelo que tem direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços necessários a essa actividade económica.
(vi) E que o estudo do enquadramento jurídico para a venda da sua participada; o estudo sobre o novo regime dos valores mobiliários ao portador; os actos de conversão das acções ao portador em acções nominativas; a elaboração de contratos referente à alienação da participação, integram-se, vem dizer, na sua actividade económica de gestão da participação social.
(vii) Pugna, assim, pela anulação da liquidação adicional em causa nos autos e pela procedência do pedido arbitral.
1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
(i) Vem defender-se por impugnação.
(ii) Alega não assistir razão à Requerente.
(iii) Que a Requerente era uma SGPS, constituindo o seu objeto social e atividade principal no exercício de uma atividade de aquisição de participações sociais noutras sociedades, pelo que, no âmbito e na sequência do exercício desta atividade de aquisição e detenção de participações sociais a requerente podia obter (ou vir a obter) dividendos, mais-valias, etc.
(iv) E que este tipo de proveitos não são considerados para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (Código do IVA e Diretiva 2006/112/CEE), como resultantes do exercício de uma atividade económica, para efeitos do preenchimento da incidência pessoal do imposto - conceito delimitado por vasta jurisprudência comunitária proferida pelo TJUE, e que a atividade de aquisição e detenção de partes sociais e a consequente perceção dos dividendos, bem como a eventual obtenção de mais-valias e juros de obrigações, daí resultantes, não integram o conceito de atividade económica para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, pelo que, alega, esta atividade está fora do campo de aplicação do imposto, porque não integra o conceito de atividade económica considerado para efeitos da definição de sujeito de IVA.
(v) No caso dos autos sustenta que os outputs derivados da aquisição das participações sociais são a obtenção de lucros que se traduzem em dividendos e, eventualmente, mais-valias, que não estão sujeitos a IVA pelo que o IVA suportado nas despesas referentes à aquisição dos referidos inputs (aquisição das participações sociais), não é dedutível nos termos do artigo 20º do Código do IVA.
(vi) E que por assim ser a liquidação adicional do imposto referente ao ano de 2018, no montante de € 54 096,00, não enferma de qualquer ilegalidade já que se reporta a IVA deduzido pela Requerente respeitante à aquisição de serviços de advogados e consultores no âmbito de uma operação de alienação de participações sociais, a qual por si só não integra o conceito de atividade económica para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado.
(vii) Pelo que o IVA incorrido nas despesas em causa não pode ser dedutível já que não são inputs da atividade tributada, dado que as referidas despesas são conexas a um investimento de natureza financeira, cujos outputs serão necessariamente constituídos por dividendos e mais-valias.
(viii) Vem dizer que a intervenção na gestão das sociedades afiliadas poderá constituir uma atividade económica para efeitos de IVA se e na exata medida em que implique a realização de transações sujeitas a imposto, nomeadamente a prestação de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos. Porém, os estudos e aconselhamentos jurídicos tendentes à venda da participada, conversão de ações, alterações de pacto social, inerentes registo, etc, não o são.
(ix) Invoca diversa jurisprudência comunitária para alegar que as operações de gestão das participadas são atividades económicas, desde que se verifique alguma das seguintes hipóteses: - a aquisição ou a detenção de participações seja acompanhada pela interferência, direta ou indireta, na gestão das sociedades participadas, na medida em que tal implique a realização de operações sujeitas a IVA.
- a aquisição ou a detenção de participações seja efetuada no quadro de uma atividade comercial de negociação de títulos com vista à interferência, direta ou indireta, na gestão das sociedades em que se verificou a tomada da participação; ou, - a aquisição ou a detenção de participações constituir o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável.
(x) Concluindo que se tratam de operações que em sede de IVA não se inserem no exercício de atividades económicas, pelo que não é admissível o exercício do direito à dedução, porquanto, diz, os serviços em causa nos autos se relacionam com a atividade não tributável da Requerente, e não com a sua atividade tributada, porquanto os mesmos servem, apenas e só, para sustentar decisões referentes à venda e/ou detenção de participações, em nada se relacionando com a prestação de serviços técnicos de apoio à administração e gestão de imagem e da implantação comercial da sociedade B..., SA.
(xi) Pugna, assim, pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.
1.5. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, conforme despacho arbitral notificado às partes.
Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações simultâneas, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo confirmando/reforçando a sua argumentação.
Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral no termo do prazo legal, após duas sucessivas prorrogações nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
* * *
1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. QUESTÃO A DECIDIR
Vem a Requerente suscitar à consideração do Tribunal a seguinte questão fundamental:
Pode ou não a Requerente, assumindo esta a natureza de uma SGPS, deduzir IVA que incorreu na contratação de serviços jurídicos relacionados com a sua participada.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:
A) A Requerente foi constituída em 22/12/2009, tendo adoptado a denominação de C...— SGPS, Lda., sendo o seu objecto social e efectiva actividade a "gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas" (cfr. Páginas 4 e 5 do RIT, junto como Documento n.° 2 pela Requerente).
B) A Requerente declarou como atividade principal: .... SOCIED. GESTORAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS a que corresponde o CAE64202. Esta atividade foi exercida até 2018/02/23, tendo como única e exclusiva participada, a sociedade B..., SA, NIF... . Cfr. RIT.
C) Em 2009 a Requerente adquiriu 50.375 das 50.500 ações que constituem o capital social da A..., SA, NIF..., ficando assim com 99,75% do capital da participada. Cfr. RIT.
D) Em 2018/02/16 o contrato de sociedade foi alterado no que se refere à firma, ao objeto e ao valor do capital social. Nesta data a Requerente passou a designar-se A..., Lda. Esta alteração foi motivada pela alienação, em fevereiro de 2018, da participação financeira na sua única participada B..., SA. Cfr. RIT.
E) A Requerente efectuou um pedido de reembolso de IVA, no período de 2018.12T, no valor de €60.000,00, crédito esse gerado no período 2018.03T — Cfr. Página 5 do RIT.
F) A liquidação de IVA em crise nos autos teve origem em correções de natureza técnica resultante de imposição legal, que dimanaram da ação de inspeção interna com base nas Ordens de Serviço nºs ... e ..., tendo os serviços de inspeção concluído não ser dedutível o IVA suportado, referente a duas faturas-recibos de serviços de advocacia prestados à Requerente. Cfr. RIT e respectivo Anexo 6.
G) No respetivo projeto de relatório de inspeção tributária (RIT), a AT constatou o seguinte e cita-se o respectivo RIT:
“À data da constituição o objeto da sociedade era o seguinte" Gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas." Em 2018/02/16, por alteração do contrato de sociedade o seu objeto passou a ser o seguinte: "OBJECTO: Prestação de serviços de consultoria, de gestão, administração de empresas e apoio em processo industrial. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de bens imobiliários. Obras de construção, remodelação e beneficiação de imóveis."» (página 5) «Em 2019/03/26 foi remetido e-mail para o CC D..., NIF..., a solicitar os seguintes esclarecimentos: "Relativamente às faturas-recibo emitidas pelos sujeitos passivos ...-E..., ...-F... e ...- G... tendo em conta que no seu descritivo apenas consta "Advocacia" nos primeiros e "Revisor Legal de Contas" no terceiro, pretende-se o esclarecimento sobre o(s) processo(s) em que intervieram de forma a que se considere cumprido o requisito da forma legal a que se refere o artigo 19°, nº2, alínea a) e nº6 do CIVA" III.2.2.2- Resposta obtida Em 2019/04/06 foram recebidos, por e-mail remetido pelo CC, as notas de honorários solicitadas que se reproduzem a seguir: - Nota de Honorários dos serviços de Advocacia prestados por E..., NIF... e F..., NIF..., datada de 201a,02114 (em anexo, com o n.º 2, 2 folhas)”.
H) Os serviços de advocacia, cujo IVA suportado pela requerente foram considerados como não dedutíveis pela AT, foram os seguintes:
Estudo do enquadramento jurídico para a eventual venda da participada B..., S.A.;
Estudo sobre o regime de IVA — a sua dedução — na actividade de uma SGPS;
Estudo sobre o regime fiscal da alienação pela C..., SGPS, Lda., da participação na B..., S.A.;
Estudo sobre o novo Regime de Valores Mobiliários ao portador — Lei n° 15/2017, de 3/5 e Decreto-Lei n° 123/2017, de 25/9;
Elaboração do projecto de anúncio referente à conversão das acções ao portador em acções nominativas da participada B..., S.A.;
Elaboração do projecto de acções, para efeitos da conversão das acções ao portador em acções nominativas da participada ..., S.A.;
Registo na Conservatória do Registo Comercial dos novos estatutos da participada B..., S.A.;
Negociação para a alienação da participação na Sociedade B..., S.A.;
Contrato-promessa e contrato definitivo referentes à alienação da participação na Sociedade B..., S.A;
Estudo sobre a alteração do pacto social da C...— SGPS, Lda.
(cfr. Páginas 10 e 11 do RIT).
I) Tendo a AT concluindo no mesmo:
“O sujeito passivo deduziu indevidamente IVA no valor de €54.096,00, no período 2018.03T, relativamente a serviços adquiridos para a realização de atividades fora do âmbito da aplicação do IVA infringindo os artigos19°, 20°, 27°, nº1 e 41°, nº1 b) do CIVA, infração punível conforme prevê o artigo 114°, nº2 e n°5, a) do RGIT- Regime Geral das Infrações Tributárias, factos estes que se encontram descritos no capitulo III.”
J) Após notificação à Requerente do projeto de relatório de inspeção tributária e análise do respetivo exercício do direito de audição por esta apresentado, a AT veio concluir no RIT final que as correções contidas no projeto de relatório notificado se mantinham, conforme transcrição infra extraída do RIT:
«Conforme consta do projeto de relatório, face às regras do CIVA, conclui-se que o sujeito passivo exerce duas atividades distintas: I- Uma atividade que lhe proporciona a perceção de dividendos ou lucros provenientes da detenção da participação na B..., SA. Esta atividade não constitui contraprestação de operações dentro do âmbito da aplicação do imposto, sendo operações não decorrentes de uma atividade económica para efeitos de IVA, por resultar da mera propriedade das participações sociais e depender, em larga medida de fatores aleatórios (conforme ofício circulado nº30103, de 2008/04/23).
(…)
Mesmo que se considerasse a atividade da C...,-SGPS, Lda, enquanto gestora de participações sociais por si detidas, uma atividade económica, por debitar à participada "serviços técnicos de apoio à administração e gestão de imagem e da implantação comercial' que se inserem "na actividade comercial, incluindo, entre outros, os serviços de identificação e análise de novos negócio, bem como a coordenação e acompanhamento da abordagem comercial" (conforme consta do contrato de prestação de serviços celebrado em 2010) a realidade é que os serviços em causa debitados pelos advogados não tiveram como objetivo a realização de operações sujeitas a IVA. A venda das ações da participada B..., SA, não constitui uma operação não âmbito do IVA a como tal o imposto suportado na aquisição de bens e serviços para a sua realização não é dedutível.
IX. 4 - Conclusão Em face do exposto mantem-se as propostas de correção, ao IVA deduzido no período 2018.03T, contidas no projeto de relatório notificado ao sujeito passivo. Por conseguinte o pedido de reembolso no valor de €60.000,00, no período 2018.12T, será deferido parcialmente para o valor de €5.904,00 (60.000,00-54.096,00).”.
K) Foi celebrado em 04/01/2010 um contrato de prestação de serviços, denominado de “Contrato de Gestão e Promoção Comercial” entre a Requerente e a sua participada, em que a primeira vinculou-se à prestação de "serviços técnicos de apoio à administração e gestão de imagem e da implantação comercial" da participada, bem como "serviços de identificação e análise de novos negócios, e coordenação da abordagem comercial" mediante o pagamento de € 10.000 mensais, acrescido de um montante variável e de IVA à taxa legal em vigor. Cfr. Anexo 3 ao RIT.
L) Este contrato foi revogado em 02/02/2018 por acordo de revogação. Cfr. Anexo 4 ao RIT.
M) A Requerente foi notificada do acto de liquidação adicional de IVA com o n.º..., no valor de € 54.096,00, referente ao período 2018/03T.
N) A Requerente apresentou, em 16-09-2019, pedido de pronúncia arbitral relativo à liquidação de imposto identificada no ponto anterior.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
5. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. DO DIREITO
A questão que é colocada à pronúncia deste Tribunal é eminentemente de Direito, trata-se de aferir e decidir sobre a dedução do IVA por parte da Requerente na aquisição de serviços jurídicos, tal como melhor configurados no ponto H da matéria de facto.
Apreciando.
O direito à dedução do IVA surge no momento em que o imposto se torna exigível (artigo 167.º da Directiva n.º 2006/112/CE e artigo 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (artigos 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n.º 1, do CIVA).
No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para os fins das suas operações tributadas para efectuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (artigos 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA).
A Requerente era à época da correcção fiscal em causa nos autos uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, sujeita, designadamente, ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 20 de Dezembro, prestando serviços técnicos de gestão e de coordenação e acompanhamento da abordagem comercial da sua única participada desde Janeiro de 2010.
Sobre o conceito de actividade económica já se pronunciou o TJUE em diversos arestos.
No acórdão do TJUE de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt, processos n.ºs C 108/14 e C 109/14 entendeu este alto tribunal que:
“A mera aquisição e a mera detenção de partes sociais não devem ser consideradas atividades económicas na aceção da Sexta Diretiva, que confiram ao seu autor a qualidade de sujeito passivo. Com efeito, a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com caráter de permanência, porque o eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem.”.
Continuando dizendo: “a situação é diferente quando a participação for acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio”. (n.º 20, citando os acórdãos Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495, n.º 20, e Portugal Telecom, C-496/11, EU:C:2012:557, n.º 33).
E que: “A interferência de uma sociedade holding na gestão das sociedades cujas participações adquiriu constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.º, n.º 2, da Sexta Diretiva, na medida em que implica a realização de transações sujeitas a IVA por força do artigo 2.º da mesma diretiva, como a prestação de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela sociedade holding às suas filiais” (n.º 21, citando os mesmos acórdãos).
No caso em apreço, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que a Requerente prestou serviços de caráter técnico e especializado à sua empresa participada, tendo sujeitado essas prestações a IVA com consta do próprio contrato (ponto K da matéria de facto fixada).
Mais recentemente o Tribunal Central Administrativo Sul aderiu, em acórdão proferido a 17.01.2019, no proc. N.º 552/17.6BESNT, à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça de que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva.
Nesse aresto veio a considerar esse tribunal que:
“Todavia, o Tribunal de Justiça da União Europeia adverte, porém, que a situação é diferente quando a participação for acompanhada de uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de accionista ou de sócio (v, nomeadamente, Acórdãos de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 18; de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 20; de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom, C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 33; e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt, C-108/14 et C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 20).
Nestes casos, o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou que « (…) a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA, na medida em que implique a realização de transações sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.o desta diretiva, tais como a prestação de serviços administrativos, contabilísticos, financeiros, comerciais, informáticos e técnicos pela sociedade holding às suas filiais (v., nomeadamente, Acórdãos de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 19; de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 22; e de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom, C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 34). 31.A este respeito, há que sublinhar que os exemplos de atividades que traduzem uma interferência da sociedade holding na gestão das suas filiais, que figuram na jurisprudência do Tribunal de Justiça, não constituem uma enumeração exaustiva. 32 . O conceito de «interferência de uma holding na gestão da sua filial» deve, portanto, ser entendido no sentido de que abrange todas as operações constitutivas de uma atividade económica, na aceção da Diretiva IVA, efetuadas pela holding em benefício da sua filial.(acórdão de 5 de julho de 2018,C-320/17, Marle Participations SARL/ Ministre de l’Économie et des Finance).
Explicando que: «(…) as operações relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA. É esse nomeadamente o caso quando tais operações são efectuadas no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos ou para efectuar uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação.» (acórdãos TJUE, de 20.06.1996, caso Wellcome Trust Ldt, processo n.º C-155/94, n.º 35; e, de 29.10.2009, caso AB SFK, processo C-29/08, n.º 31).
(…)
Acresce dizer, que as referidas operações são actividades económicas, desde que se verifique alguma das seguintes hipóteses:
- a aquisição ou a detenção de participações seja acompanhada pela interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades participadas, na medida em que tal implique a realização de operações sujeitas a IVA;
- a aquisição ou a detenção de participações seja efectuada no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos com vista à interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades em que se verificou a tomada da participação;
ou,
- a aquisição ou a detenção de participações constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável.
Afigura-se que, também no caso sub judicio, é de reiterar tal jurisprudência. Com efeito, resulta do probatório (e não impugnado) a recorrida exerce a actividade de gestão de participações sociais, prestando às participadas serviços técnicos de gestão, identificação de novas oportunidades de negócio, apoio nos processos de negociação, apoio na gestão e na tesouraria, serviços de planeamento e estratégias de mercados, apoio na gestão de recursos humanos e na área de compras e ainda serviços de controlo, manutenção preventiva e recuperação nos edifícios de escritório e fabris. (cfr. pontos 2,4 e 11 do probatório).
Por estes serviços, a recorrida cobrou fees de gestão e emitiu a respectiva factura com IVA liquidado (ponto 4 do probatório).
Decorre do que antecede que a recorrida não se limita a adquirir, deter e alienar participações sociais, tendo efectivamente uma interferência activa na gestão das sociedades em que participa.”.
Ora, tal como nesse processo, também no caso sub judice resultou da prova produzida que, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente não adquiriu e deteve as participações sociais com o único objectivo de fruição de dividendos ou obtenção de mais-valias, mas também com o objectivo de lhe prestar serviços técnicos, de análise de novos negócios de coordenação e acompanhamento da abordagem comercial da sua participada, em suma, de gerir essa participação social, o que fez de um modo estável desde 2010.
In casu a Requerida considerou que os serviços adquiridos de advocacia foram exclusivamente utilizados na actividade de gestão de participações sociais, não sendo esta, na sua óptica, uma actividade económica, tendo concluído que o imposto suportado não seria dedutível.
Ora, no caso da Requerente, pela matéria considerada provada, é certa a sua interferência na gestão da sociedade em que tomou participação que, no presente caso, se desenvolveu através da contratação de um conjunto de serviços que estão relacionadas com a gestão da participação social. Não estão em causa nos autos serviços que sejam alheios à sua participada, outrossim, tratam-se de serviços relacionados com a actividade de gestão de participações sociais, pelo que não subsiste dúvida, no entendimento deste tribunal, de que a sua actuação consubstancia uma actividade económica, para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago.
Com efeito, não parece fazer grande sentido permitir-se a dedução do IVA na prestação de serviços de assistência técnica durante o ciclo de detenção da participação social, para negar-se a mesma dedução em serviços, in casu jurídicos, relacionados com a alienação dessa mesma participação social, do qual é exemplo o estudo sobre o regime fiscal da alienação da participada ou a negociação para a alienação da participação social, como bem nota a Requerente, porquanto se tratam de actividades relacionadas com a gestão de uma participação social, no caso em cenário de potencial desinvestimento.
Cumpre informar que a actividade de gestão de uma participação social não se pode limitar, nem isso faria sentido, à mera aquisição e detenção, para excluir a alienação, quando se prova, como se provou, que desde 2010 que a Requerente tinha uma participação activa na gestão da sua participada.
Aqui chegados, conclui este Tribunal que a liquidação impugnada é ilegal, por erro sobre os pressupostos de direito, o que consubstancia um vício de violação de lei, pelo que se impõe a sua anulação.
7. DECISÃO
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
Julgar procedente o pedido arbitral e em consequência anular a liquidação adicional de IVA com o n.º..., no valor de € 54.096,00.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euro 54.096,00 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Condena-se a Requerida em custas no montante de Euro 2.142,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de Agosto de 2020.
O Árbitro,
(Henrique Nogueira Nunes)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.