DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros, Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), António Franco e Marcolino Pisão Pedreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-11-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., titular do NIF..., residente na rua do ..., nº..., ...–..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Dec.-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, e nos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, com vista à anulação da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (“IRS”), do ano de 2015, no valor de € 56.396,10 e de juros compensatórios no valor de € 4.795,98, no total de € 61.192,08.
A requerente formula concretamente os seguintes pedidos:
a) Declaração de ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2015 (correção no valor de €61.192,08) e
b) A restituição consequente do imposto liquidado e acréscimos legais apurados a mais e pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios devidos nos termos previstos nos artigos 43º e 100º da LGT, desde a data do pagamento das liquidações até efetivo reembolso.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, tendo aceitado o encargo nos termos legalmente previstos.
As partes, devidamente notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído na data supra (27-11-2019).
A Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou resposta e cópia do processo administrativo instrutor depois de lhe ter sido concedido prazo suplementar, reconhecendo os motivos excecionais invocados.
Foi dispensada, por inutilidade, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e concedido às partes prazo para, por escrito, apresentarem as suas alegações finais, de facto e de direito.
As Partes apresentaram alegações, depois de concessão de prazo suplementar para o efeito pelas razões excecionais invocadas.
Saneamento do processo
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que possam obstar à apreciação do mérito da causa.
2. Fundamentação
Matéria de facto
Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para apreciar as questões suscitadas:
Consideram-se provados os seguintes factos:
a. A requerente submeteu a sua declaração modelo 3 do IRS do ano de 2015, no dia 31 de maio de 2016.
b. Tendo declarado no quadro 8 do anexo J- rendimentos obtidos no estrangeiro- rendimentos de capitais da categoria E, no montante total de € 635.129,87, e indicado imposto pago no estrangeiro, no montante total de € 107.318,21.
c. A Requerente foi notificada da liquidação de IRS no montante de € 1.954.601,22, valor que foi pago no prazo legal.
d. Nesta liquidação de IRS do ano de 2015, efetuada de acordo com os elementos declarados pela Requerente, foi considerado um crédito de imposto no montante de € 56.396,10 que teve origem em dividendos declarados nos campos 807 a 815 do Quadro 8 do anexo J da declaração modelo 3, nos termos seguintes:
e. No dia 26 de Setembro de 2018, a Requerente foi notificada do projeto de alterações à referida declaração de IRS, nos seguintes termos:
f. Em 11 de Outubro de 2018, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia quanto ao projeto de alterações à declaração modelo 3 de IRS em causa, mediante exposição escrita.
g. Para comprovação da natureza e montante dos rendimentos declarados, bem como do montante de imposto pago nos Estados da Fonte dos rendimentos, a Requerente juntou cópia de uma carta remetida pela entidade bancária B..., com sede no Luxemburgo e respetivos anexos, donde constam a listagem dos dividendos auferidos pela Requerente e o respetivo imposto retido na fonte com a identificação das sociedades pagadoras, dos montantes brutos e líquidos dos dividendos e da taxa de retenção na fonte dos montantes retidos.
h. A carta em causa foi recebida por email, no dia 9 de outubro de 2018, acompanhada da informação de que a instituição bancária não tinha em seu poder documentos certificados pelas Autoridades Tributárias dos Estados da fonte dos dividendos.
i. Segundo informação prestada pelo B..., as Autoridades Fiscais dos estados da Fonte dos rendimentos não emitem certidões ou autenticam documentos relativos a Imposto retido na fonte a titulo definitivo sobre rendimentos pagos a não residentes, pelo facto desse imposto não ser liquidado com base em declaração de rendimentos apresentada nos referidos Estados pelo contribuinte não residente.
j. No dia 9 de Novembro de 2018, a Requerente requereu a junção da cópia de uma segunda carta emitida pela instituição bancária, datada de 6 de Novembro de 2018, relativa a dividendos com origem em França, Canadá e Japão recebidos numa outra conta conjunta de títulos detida em 50% pela Requerente e por outro co-titular.
k. Nos termos desta segunda carta e respetivo anexo a Requerente recebeu 50% dos dividendos pagos por três sociedades com sede, respetivamente, em França Canadá e Japão, no montante total de € 25.917,00 e foram sujeitos a retenção na fonte no montante total de € 5.653,27.
l. No dia 18 de Novembro de 2018, a Requerente requereu a junção dos originais dos dois ofícios emitidos pelo B..., datados de 9 de Outubro e 6 de Novembro de 2018.
m. No dia 23 de Abril de 2019, a Requerente foi notificada pela Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo do artigo 66º do CIRS, da alteração aos elementos declarados para efeito de IRS, relativamente ao ano de 2015, com fundamento no Despacho da Senhora Diretora Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 1 de Abril de 2019, que teve por base a informação nº 713/2019 com o seguinte teor:
n. Subsequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRS e da liquidação de juros compensatórios, objeto do presente processo, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 19 de Junho de 2019.
o. No dia 31 de Maio de 2019, a Requerente efetuou o pagamento da importância de € 61 192,08 das sobreditas liquidações, conforme documento 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral do imposto e juros compensatórios, objeto do presente processo.
p. Na sequência da receção da notificação referida no nº 14 deste probatório, a Requerente contactou, por email e por carta, as administrações tributárias dos Estados da fonte dos dividendos (Bélgica, Canadá, França, Grácia, Itália, Japão e Suíça) para requerer as certidões exigidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
q. Até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral apenas foram recebidas respostas via email e carta das AT da Suíça, Bélgica, Grécia e Canadá, todas no sentido de que não emitem as certidões requeridas.
Com relevância para a decisão da causa inexistem factos não provados.
Motivação
A decisão da matéria de factos assenta nos documentos constantes de processo, juntos pela Requerente e constantes do processo administrativo, que não foram impugnados por nenhuma das partes.
2. Fundamentação (cont)
O Direito
Questões a solucionar:
a) Saber se a liquidação adicional de IRS do ano de 2015 da Requerentes, que desconsiderou o crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 81.º do CIRS é, ou não, legal.
b) Em caso de declaração de ilegalidade da liquidação e consequente anulação da mesma, saber se a Requerente tem direito à restituição do imposto e juros compensatórios pagos, bem como, a juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do respetivo pagamento até integral reembolso.
Em apreciação está o mérito da questão suscitada pela Requerente, a qual consiste em apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRS, relativo ao ano de 2015, que resultou do facto de se ter desconsiderado o crédito de imposto por dupla tributação internacional que aquela havia incluído na declaração de rendimentos tempestivamente apresentada, desconsideração que a AT sustenta na falta de comprovação documental das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, pelo facto de os documentos apresentados pela Requerente, como prova das mesmas, serem “meras cópias de documentos supostamente emitidos por uma instituição bancária de direito luxemburguês, que é mera depositária de investimentos mobiliários da Requerente sedeados noutros países .. que não configuram prova suficiente de que o montante declarado pela Requerente entrou efectivamente nos cofres dos estados referidos”.
Está então em causa questão relacionada com retenções na fonte de imposto efetuadas no estrangeiro no que respeita à tributação dos rendimentos da poupança.
A Diretiva 2003/48/CE do Conselho, de 03-06-2003 – Directiva Poupança –, estabelecia expressamente, no que se refere à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, no seu artigo 1 que “a presente directiva tem por objectivo final permitir que os rendimentos da poupança sob a forma de juros, pagos num Estado-Membro a beneficiários efectivos que sejam pessoas singulares com residência fiscal num outro Estado-Membro, sejam sujeitos a uma tributação efectiva em conformidade com a legislação deste último Estado-Membro”.
Tal Diretiva foi transposta através da DL n.º 62/2005 de 11-03 e, com base, nela dispõe o n.º 2, do art. 78º do CIRS que “são ainda deduzidos à colecta os pagamentos por conta do imposto e as importâncias retidas na fonte que tenham aquela natureza, respeitantes ao mesmo período de tributação, bem como as retenções efectuadas ao abrigo do artigo 11º da Directiva 2003/48/CE do Conselho, de 03 Junho”.
Estabelece ainda o n.º 1 do art. 81º do CIRS que “os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, incluindo os previstos no artigo 72º, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos … que corresponde à menor das seguintes importâncias:
a) imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código”.
No caso em apreço estão, contudo, em causa rendimentos obtidos pela Requerente, quer noutros Estados-Membros (Bélgica, França, Grécia e Itália), quer em países terceiros (Canadá, Japão e Suiça).
Sucede que Portugal celebrou com todos os países em causa “Convenções para Eliminar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento” – CDT - (constantes, respectivamente, no DL 619/70, de 15 de Dezembro e Convenção Adicional pela Resolução da Assembleia da República n.º 82/2000, de 14 de Dezembro (com a Bélgica); DL 105/71, de 26 de Março (com a França); Resolução da Assembleia da República n.º 25/2002, de 4 de Abril (com a Grécia); Lei n.º 10/82, de 1 de Junho (com a Itália); Resolução da Assembleia da República n.º 81/2000, de 6 de Dezembro (com o Canadá); Resolução da Assembleia da República n.º 50/2012, de 17 de Abril (com o Japão) e DL 714/74, de 12 de Dezembro e Protocolo Modificativo pela Resolução da Assembleia da República n.º 87/2013, de 27 de Junho (com a Suiça).
O que, no caso da Confederação Suíça, é reforçado com o Acordo celebrado com a União Europeia, que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros.
Todas as CDT referidas têm idêntica cláusula tendente à eliminação da dupla tributação, prevista, em todas elas, no artigo 22º, mais precisamente no n.º 2, aí se se estabelecendo que quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto na Convenção, possam ser tributados no outro Estado Portugal, deduzirá do imposto sobre tais rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto ali pago.
Pois bem, é incontroverso que a Requerente era, pelo menos no ano de 2015, residente, para efeitos fiscais, em território português.
Pelo que também não existem quaisquer dúvidas que, nos termos das normas legais referidas, teria direito a deduzir o imposto retido nos países de origem, questão que não é, sequer, controvertida nos presentes autos (não questionando a Requerida o direito que em abstrato assiste à Requerente).
Porém, a AT desconsiderou tal dedução e operou a liquidação impugnada nos autos por considerar que, para o efeito, a Requerente teria de entregar documento emitido ou autenticado pelos serviços fiscais dos países em causa que comprovasse qual o montante do imposto pago e a que título.
Quer dizer, o dissídio resume-se à divergência de entendimento quanto à exigência de forma para emissão e consideração do documento comprovativo das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro.
Vejamos então.
Diga-se, desde já, que nos causa alguma perplexidade que a Requerida não tenha tido qualquer dúvida no que toca ao montante e origem dos rendimentos a tributar, mas coloque em causa a veracidade dos declarados quanto ao imposto retido, quando ambos os valores constam dos mesmos documentos. Isto sem que tenha sido suscitada qualquer questão complementar com os valores mencionados como sendo de retenções relativamente aos dos rendimentos.
A admitir-se, todavia, a existência de dúvida séria quantos a tais factos, então teria de ser a própria AT a usar dos mecanismos de troca de informações e das obrigações estabelecidas entre os Estados contratantes, como é estabelecido em geral pelas Convenções sobre Dupla Tributação – no caso, no art. 25º (que estabelece que “as autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações que sejam previsivelmente relevantes para a aplicação do disposto na presente Convenção ou para a administração ou aplicação da legislação interna relativa a impostos de qualquer natureza ou denominação exigidos em benefício dos Estados” – e, de modo particular, na aludida Diretiva Poupança, no que respeita aos rendimentos obtidos noutro Estados-membros, que determina expressamente no art. 9º que “a autoridade competente do Estado-Membro do agente pagador deve comunicar as informações referidas no artigo 8º à autoridade competente do Estado-Membro de residência do beneficiário efectivo”.
Somos, pois, levados a afirmar que não se percebe como um sistema de informações, com evidentes objetivos de controlo e de fiscalização, não proceda a uma informação completa, da qual conste, como seria de esperar, os valores retidos na fonte sobre os rendimentos comunicados.
Aliás, no Acordo entre a União Europeia e a Confederação Suíça prevê-se expressamente, como forma de eliminar a dupla tributação que “o Estado-Membro da residência fiscal aceita os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou da retenção na fonte, desde que a autoridade competente no Estado-Membro da residência fiscal possa obter da autoridade competente suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes dos pagadores suíços” (art. 9º, n.º 2, 2ª parte).
Acresce que todas as CDT contêm cláusula de não discriminação, dispondo que “os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contratante a qualquer tributação, ou obrigação conexa, diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado Contratante que se encontrem nas mesmas circunstâncias, em particular no que se refere à residência” (art. 28º das Convenções). Não se percebe, por isso, como pretende a Requerida estabelecer agora uma obrigação que não impõe aos demais residentes, relativamente aos rendimentos obtidos em território português, uma vez que são as instituições bancárias que emitem os documentos e fazem as comunicações relativamente aos rendimentos de capitais que pagam aos particulares, onde mencionam as retenções na fonte que efetuaram.
Isto, além de que a Requerente juntou, em sede administrativa, documentos emitidos pelas próprias administrações fiscais justificando a impossibilidade de fornecerem os elementos pretendidos pela AT.
Quer dizer, a Requerente deu cumprimento ao estabelecido no artº. 128º do CIRS, juntando, quando para tanto foi solicitada, documentos comprovativos dos factos (rendimentos e retenções na fonte) da declaração de rendimentos que apresentou, valendo, neste âmbito, o princípio da livre apreciação da prova, em função do caso concreto, uma vez que do preceito não resulta a imposição de nenhuma formalidade especial daquela documentação.
Invoca, por outro lado, a Requerida que os documentos apresentados pela Requerente, além de não terem sido emitidos pelas autoridades fiscais dos países em causa não estão autenticados. Como já se disse, não podendo a AT estabelecer um tratamento discriminatório relativamente aos rendimentos obtidos noutros Estados contratantes, há que ter presente o n.º 1 do art. 365º do CC que determina que “os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal”. E se dúvidas houvesse da sua autenticidade dispõe o n.º 2 do mesmo preceito que “pode ser exigida a sua legalização”. Ora, a AT não efetuou a contraprova de modo a neutralizar ou a invalidar a prova coligida. Reitera-se, pelo contrário, que os aceitou como legítimos para efeito de comprovação dos rendimentos obtidos pela Requerente.
Quanto à invocação que a Requerida faz do Ofício-Circulado n.º 20124 para sustentar a sua posição, subscreve-se o que a esse propósito se diz no Ac do TCA Sul de 23-02-2017 – Proc. 3/13.5BELRS : “as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respetivos serviços não podendo a recorrente fazer exigências probatórias não previstas expressamente na lei” (ver, no mesmo sentido, Ac. TCA Sul de 04-12-2007 – Proc. 174/04). Acrescentando que “seja como for, da leitura que fazemos do Ofício-Circulado n.º 20124, de 09.05.2007 não suporta a interpretação que dela faz a recorrente na medida em que apenas refere a «exigência da apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos, excepto se estiverem redigidos em espanhol, francês, inglês ou alemão». Ainda que assim não se entendesse, sempre haveria de concluir-se pela ilegalidade das instruções por ele veiculadas”.
Posto isto, e em jeito de conclusão, tendo presente que, nos termos do disposto no art. 75º, n.º 1 da LGT, se presumem verdadeiras e de boa fé, até prova em contrário, as declarações dos contribuintes e não existindo qualquer norma legal que imponha, para o que ao caso importa, um concreto meio de prova, é manifesto que a prova poderá ser feita pelo contribuinte por qualquer meio admitido em direito. Prova que a Requerente fez.
Desse modo, não tendo suporte na lei a exigência probatória aos documentos apresentados pela Requerente pretendida pela Requerida, é de concluir pela ilegalidade da liquidação de imposto impugnada.
Procederá deste modo a primeira das duas questões suscitadas.
A segunda questão suscitada, decorrente desta, ou seja, saber se a Requerente tem direito à restituição do imposto e juros compensatórios, tudo pago em 31-5-2019, com juros indemnizatórios à taxa legal, desde essa data de pagamento até integral reembolso, igualmente, adiante-se, procederá.
Com efeito, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é pacífico o entendimento hoje de que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite o CPPT a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade dos atos é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Ou dito doutro modo: ocorre vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária e, consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia (€61.192,08) paga indevidamente, calculados desde a data desse pagamento.
Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), sendo devidos desde a data do pagamento, até à do processamento da nota de crédito em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).
3. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar totalmente procedentes os pedidos de declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2015 e de juros compensatórios;
– anular as referidas liquidações e acerto de contas;
– julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga correspondente às referidas liquidações (€ 61.192,08) e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituí-la;
– julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia a restituir, desde a data do pagamento (31-05-2019), até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem) e
– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.
*
Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 61.192,08
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida).
*
Notifique-se e deposite-se oportunamente.
Lisboa, 13 de julho de 2020
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
António Alberto Franco
(Árbitro Adjunto)
Marcolino Pisão Pedreiro
(Árbitro Adjunto)