Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 44/2014-T
Data da decisão: 2014-08-28  Selo  
Valor do pedido: € 15.256,98
Tema: Verba 28 da TGIS, terrenos para construção
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 44/2014 – T

Tema: Terrenos para Construção – Verba 28 da TGIS

 

I – RELATÓRIO

 

1.      A, (de ora em diante identificada apenas por Requerente), Pessoa Colectiva nº …, com sede na … apresentou em 22 de Janeiro de 2014, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante identificado apenas pelas iniciais RJAT).

 

2.      No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

3.      Nos termos do nº 1 do artigo 6º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular, considerando-se, na sequência dessa designação e a partir de 25 de Março de 2014, por despacho proferido pelo Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral devida e regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4.      A Requerente pretende, com a constituição deste Tribunal Arbitral, a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo (IS) com os nºs …, …, … e ….

 

5.      Sustenta a Requerente, em síntese, a sua pretensão, no seguinte:

 

(i)                 A liquidação de IS é feita ao abrigo do estabelecido no artigo 6º nº 1 da Lei 55-A/2012 e da verba 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) que a referida lei introduziu no ordenamento fiscal português;

(ii)               De acordo com a referida verba, o IS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com um Valor Patrimonial Tributário (VPT) superior a € 1.000.000,00 e que tenham uma “afectação habitacional”.

(iii)             O prédio urbano sobre o qual foi liquidado o IS – prédio urbano sito na …, com o artigo matricial nº …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº … – é um terreno para construção, pelo que não pode ser qualificado como prédios com “afectação habitacional”;

(iv)             Não pode colher o argumento da Autoridade Tributária (AT) de que estão verificados os pressupostos de incidência previstos na referida verba 28 da TGIS, ou seja, que o prédio tem um VPT superior a € 1.000.000,00 e que o coeficiente de afectação considerado no seu processo de avaliação foi o correspondente a uma utilização habitacional;

(v)               O conceito de terreno para construção previsto no artigo 6º nº 3 do Código do IMI (para onde remete o Código do IS) é apenas um conceito material, afecto às realidades para as quais foi concebido, no caso concreto, o destino potencial à construção

(vi)             A qualificação ou afectação de qualquer prédio depende da sua utilização normal, pelo que, num terreno para construção essa utilização normal não pode ser a habitação enquanto nele não existir uma edificação destinada a permitir essa mesma habitação;

(vii)           No prédio em apreço não existe qualquer prédio erigido para fins habitacionais, comerciais ou de serviços;

(viii)         O alvará de loteamento do prédio refere que o mesmo se pode destinar a habitação colectiva, comércio e serviço;

(ix)             Termina a Requerente a sua argumentação com a transcrição de parte da decisão arbitral nº 49/2013-T onde se conclui que os prédios para construção não podem ser considerados como prédios “com afectação habitacional”

 

6.      Na sua contestação a Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que os prédios sobre os quais incidiu a tributação têm a natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, fundamentando esta sua posição com os seguintes argumentos:

 

(i)                  Os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações têm natureza jurídica de prédios com afectação habitacional.

(ii)                Na ausência de qualquer definição de prédio urbano com afectação habitacional em sede de IS, deve, nos termos do artigo 67º nº 2 do CIS, deve recorrer-se ao CIMI;

(iii)              A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis porquanto a afectação do imóvel (finalidade) incorporará valor a esse imóvel sendo, por consequência, um factor de distinção determinante para efeitos de avaliação;

(iv)              Assim, conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas” prevista no artigo 45º nº 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, pelo que o coeficiente de afectação fixado no artigo 41º do CIMI é-lhes aplicável.

(v)                Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada;

(vi)              A referência a prédios com afectação habitacional prevista na verba 28 da TGIS deve ser entendida de forma ampla, incluindo quer os prédios habitacionais edificados, quer os terrenos para construção, a começar pela própria redacção da norma, que não fala em “prédios destinados a habitação” mas antes em prédios com “afectação habitacional”.

(vii)            A legislação aplicável aos terrenos para construção, quer quanto à forma de determinação do seu VPT (onde se deve considerar o valor da área de implantação), quer quanto à atribuição de um alvará de licença para a realização de operações urbanísticas, quer quanto à elaboração de Planos Directores Municipais, permite apurar e determinar a afectação do terreno para construção.

 

7.      No dia 31 de Julho, foi proferido o seguinte despacho:

 

“Uma vez que:

(i)                 A resolução da causa parece bastar-se com o tratamento de questões de Direito, não se vislumbrando questões prévias a debate;

(ii)               Dada a clareza dos argumentos apresentados e expostos nas petições apresentadas pelas partes,

O Tribunal entende-se dispensar:

(i)                 Da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

(ii)               Da apresentação de alegações pelas partes.

 

8.      Posteriormente, em 18 de Agosto foi proferido despacho a prorrogar o prazo indicado em 31 de Julho de 2014 para proferir a decisão, para 2 de Setembro de 2014.

 

II – FACTOS PROVADOS

 

1.      A Requerente é dona e legitima proprietária prédio urbano sito na …, com o artigo matricial nº …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº ….

2.      Sobre os referidos prédios incidiram os actos de liquidação de Imposto do Selo (IS) com os nºs …, …, … e … o valor global de € 15.256,98.

3.      Desta liquidação, e por não se conformar com a mesma, deduziu a Requerente, junto do Director de Finanças de Lisboa, uma reclamação graciosa a que foi atribuído o nº 2013… .

4.      Reclamação esta que, depois de enviado o projecto de decisão à Requerente e de esta ter exercido o seu direito de audição prévia, foi indeferida por despacho proferido, em 13 de Dezembro de 2013, pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de poderes do Director de Finanças Adjunto de Lisboa.

5.      Em virtude desta decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente solicitou, em 22 de Janeiro de 2014, a constituição deste Tribunal Arbitral, o qual foi formalmente constituído no dia 25 de Março de 2014.

6.      Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos anexados pela Requerente e não questionados pela Requerida (AT), não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.

 

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

 

 

 

III – DECISÃO

Nos termos dos factos provados e do pedido apresentado pela Requerente, a questão a analisar pelo Tribunal tem que ver com o enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, de forma a determinar se é ou não devido este imposto.

Como vimos, as liquidações contestadas pela Requerente foram emitidas ao abrigo da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, sendo seu entendimento que os terrenos para construção não podem, de forma alguma, ser considerados “prédios com afectação habitacional”, pelo que essas liquidações são manifestamente ilegais.

Como vimos, a Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro, introduziu diversas alterações a Código do Imposto do Selo e, em concreto, aditou à TGIS a verba 28, a que deu a seguinte redacção:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

8.2 - ………..

Este mesmo diploma veio depois, no seu artigo 6º, estabelecer algumas normas transitórias de aplicação onde, à semelhança do que tinha feito na citada verba 28, adoptou o mesmo conceito de prédio com afectação habitacional.

Conceito este que não é utilizado em qualquer outra legislação de natureza tributária, especialmente no CIMI, que, por força de várias normas do CIS, é o diploma de aplicação subsidiária relativamente ao imposto previsto na verba 28 da TGIS (confira-se, a este propósito os artigos 2º nº 4, 3º nº 3 u), 5º u), 23º nº 7 e 46º e 67º do CIS).

Efectivamente, e com relevância para a presente decisão atente-se, em especial, ao disposto nos artigos 2º e 6º do CIMI, onde, por um lado, se define o conceito de prédio (artigo 2º) e, por outro, se enumeram as espécies de prédios urbanos (artigo 6º):

 

 

 

Artigo 2º

Conceito de prédio

1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.


2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 6º

Espécies de prédios urbanos

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. 

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

Daqui se conclui, com evidência, que, como, aliás, já se referiu supra, o conceito de “prédio com afectação habitacional” não é, em lugar algum, utilizado pelo legislador no CIMI.

De uma interpretação literal da norma constante da verba 28.1 da TGIS só se pode concluir que a intenção do legislador foi a de incluir no seu âmbito de aplicação os prédios urbanos que tenham uma afectação habitacional.

Assim, partindo deste propósito, deve-se apurar quando é que um prédio está afecto a um fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num qualquer acto de licenciamento ou com semelhante natureza, ou se, pelo contrário, é apenas quando a atribuição desse destino é efectivamente concretizada.

A redacção da verba 28.1 permite concluir, de forma clara, que a intenção do legislador foi a de considerar necessária uma afectação efectiva e não apenas o licenciamento de edifícios ou construções com essa finalidade ou, na falta dessa licença, aqueles que tenham como destino normal esse fim.

Na verdade, se o legislador, na verba 28.1 se bastasse com estes factos não teria utilizado a expressão “prédios com afectação habitacional”, mas antes a expressão “prédios habitacionais” constante do artigo 6º do CIMI.

Do exposto conclui-se, pois, que prédio com “afectação habitacional” não é apenas um prédio licenciado para habitação ou destinado a esse fim, mas sim “algo mais que isso”, ou seja, terá que ser um prédio com efectiva afectação a esse fim habitacional.

Tendo que ser, dessa forma, algo de efectivamente edificado.

Ora, os terrenos para construção, não tendo ainda qualquer edificação, conforme resulta evidente da definição dada no artigo 6º do CIMI (“….terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, ….”), não preenchem, por si só, qualquer condição para poderem sequer ser considerados como prédios habitacionais, logo, por maioria de razão, “prédios com afectação habitacional”.

Deve, assim, entender-se que a norma da verba 28.1 só estará preenchida, quando a afectação habitacional estiver efectivamente concretizada.

Desta forma, não nos parece possível acompanhar a tese defendida pela Requerida (AT), segundo a qual, tendo sido, para efeitos de determinação do VPT deste terreno para construção, utilizada a aplicação do coeficiente de afectação habitacional no respectivo processo de avaliação, a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.

Ao contrário, deve ser de acolher a tese suportada pela Requerente de que não pode ser atribuída afectação habitacional aos terrenos para construção ainda que possam ter como destino provável (mas não exclusivo) a construção de habitação.

Diga-se ainda que, apesar de esta questão não ter sido suscitada por qualquer uma das partes, a recente alteração introduzida pelo legislador, com a Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 193º da Lei nº 83-C/2013) na redacção da verba 28.1 da TGIS (veio sujeitar ao imposto “os terrenos cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação”), contribui para reforçar, de forma inequívoca, este entendimento, pois esta alteração não tem a natureza de norma interpretativa.

Aliás, as decisões tomadas pelos Tribunais Arbitrais no CAAD têm decidido, igualmente, neste sentido (conferir, entre outras, decisões dos Processos nºs 48/2013-T, 53/2013-T, 215/2013-T, 310/2013-T, ou mais recentemente pelo próprio signatário a decisão do Processo nº 2/2014), tal como algumas recentes decisões do STA que também trataram esta matéria (conferir, entre outros, o Acórdão nº 187/13 ou o Acórdão nº 272/14 deste Tribunal Superior).

Considera, assim, este Tribunal que as liquidações contestadas estão feridas de ilegalidade, na medida em que incidem sobre um prédio inscrito, na matriz, como terreno para construção, conceito este em que, pelas razões que foram sendo expostas, não está incluído no conceito de “prédios com afectação habitacional” previsto na verba 28.1 da TGIS.

 

4.      CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, decide-se pela procedência do pedido de anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo efectuada pela Autoridade Tributária, condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o valor de € 15.256,98 (quinze mil duzentos e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos) acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que realizou o pagamento desta quantia e a data de emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente.

 

 

Custas calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de custas dos processos de arbitragem tributária em função do valor do pedido, a cabo da Requerida, e que fixo em € 918,00 (novecentos e dezoito euros)

 

 

Notifique-se

 

Lisboa, 28 de Agosto de 2014

 

O ÁRBITRO

 

                                           João Marques Pinto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.