Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 166/2014-T
Data da decisão: 2014-10-23  IRC  
Valor do pedido: € 187.458,98
Tema: Tributações Autónomas
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Acórdão Arbitral

 

Os árbitros, Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Henrique Nogueira Nunes e Dr. José Vieira dos Reis (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-4-2014, acordam no seguinte:

 

I RELATÓRIO

A..., S.A., com sede …, pessoa colectiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número (A... ou requerente), estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de …, em 2010 sociedade dominante de Grupo de Empresas sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC (CIRC) (antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, artigo 63.º e seguintes do Código do IRC), veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral apresentando, em 21-2-2014, o presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”).

Pede a requerente:

A) A declaração de ilegalidade e a consequente anulação do indeferimento de recurso hierárquico na medida em que recusou a anulação da parte ilegal da autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente do exercício de 2010, com isso violando o princípio da legalidade;

B) A declaração de ilegalidade parcial dessa (e ser consequentemente anulada), no montante de € 187.458,98, ou pelo menos, caso se entenda ser de afastar a dedutibilidade da tributação autónoma sobre despesas não documentadas, no montante de € 184.605,26;

C) O reconhecimento do direito da requerente ao reembolso daquele montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado.

 

Alegou, no essencial:

a) Procedeu, na qualidade de sociedade dominante do referido Grupo Fiscal G..., à autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22 (Doc. nº 1), sendo que em 20 de Novembro de 2012 apresentou modificação a essa autoliquidação mediante a submissão de declaração de substituição (Doc. n.º 2);

b) Em 30 de Maio de 2013, a requerente apresentou, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama consequente respeitante ao exercício de 2010 (cfr. cópia das pp inicias da reclamação graciosa, que aqui se juntam como Doc. n.º 3);

c) Em 2 de Setembro de 2013 a ora recorrente foi notificada por intermédio do Ofício n.º ..., de 28 de Agosto de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 26 de Agosto, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (cfr. cópia da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que aqui se junta como Doc. n.º 4);

d) Daquela decisão viria a requerente a interpor recurso hierárquico, em 26 de Setembro de 2013, com vista à sua revogação e substituição por uma outra que anulasse parcialmente o acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente do Grupo G...[1] relativo ao exercício de 2010 (cfr. cópia da folha de rosto do recurso hierárquico, que aqui se junta como Doc. n.º 5).

e) Em 5 de Fevereiro de 2014 a ora recorrente foi notificada por intermédio do Ofício n.º ..., de 4 de Fevereiro de 2014, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, por despacho proferido, em 27 de Janeiro de 2014, pela Exma. Senhora Directora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (cfr. cópia da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que aqui se junta como Doc. n.º 6);

f) O acto objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento do recurso hierárquico supra identificado e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), o acto de autoliquidação de IRC, incluindo a sobretaxa derrama estadual, e derrama municipal consequente relativa ao exercício de 2010, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício (cfr. Docs. n.ºs 1 e 2).

g) Pretende a ora requerente que seja declarada a ilegalidade quer do indeferimento do recurso hierárquico quer a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação supra identificado (cfr. Docs. n.ºs 1 e 2) – e que seja consequentemente anulado nessa parte –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à parte do referido acto de autoliquidação que reflecte a não relevação fiscal de encargos fiscais com tributações autónomas, às quais corresponde um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 187.458,98.

h) Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010 (cujo pedido de anulação parcial foi tacitamente indeferido em sede de recurso hierárquico), a A... procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total de € 699.033,26 – cfr. campo 365, do quadro 10, dos Docs. n.ºs 1 e 2 – que correspondem a (cfr. Doc. n.º 7 que aqui se junta):

i) 10% dos encargos com viaturas no montante de € 2.169.897,80;

ii) 10% das despesas de representação, no montante de € 131.457,69;

iii) 5% das despesas com deslocações dos colaboradores em viatura própria e com ajudas de custo não facturadas a terceiros, no montante de € 67.323,47;

iv) 50% das despesas não documentadas, no montante de € 21.063,05; e

v) 35% das despesas com bónus, no montante de € 1.300.000.

i) Essas tributações autónomas foram totalmente pagas (cfr. Campo 365 do quadro 10, dos Docs. nºs 1 e 2).

j) O referido total da autoliquidação de tributações autónomas decompõe-se, no que à sua natureza respeita, de acordo com o quadro anexo (Doc. n.º 7) e com o quadro 10 dos Docs. n.ºs 1 e 2, conforme se transpõe:

 

k) E expurgando as tributações autónomas sobre despesas não documentadas temos um total de € 688.501,73 (€ 699.033,26 - € 10.531,53).

l) Não deduziu porém a A..., para efeitos do apuramento do seu lucro tributável desse exercício de 2010, o encargo suportado com as referidas tributações autónomas, antes tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal (Doc. n.º 8).

m) E devia ter deduzido ou, de outra perspectiva, tem legalmente o direito de relevar as tributações autónomas no cômputo do lucro tributável para efeitos de IRC (e da derrama consequente), donde o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral que tem por objecto a autoliquidação de IRC (e derrama consequente) respeitante ao exercício, aqui em causa, de 2010, e o subsequente acto de indeferimento de recurso hierárquico.

n) Pelo que, em termos de quantificação do imposto em causa, temos os seguintes valores (a que acresce ainda o da sobretaxa de IRC derrama estadual conforme cálculos adicionais infra):

a) IRC resultante da aplicação de taxa base de 25%, no valor de € 174.758,31 (€ 699.033,26 x 25%); e

b) derrama municipal consequente à taxa de 1,42% (conforme discriminação dos cálculos para apuramento da taxa média ponderada pelos factores legalmente previstos, que aqui se junta como Doc. n.º 9), no valor de € 9.926,27 (€ 699.033,26 x 1,42%);

c) num total de € 184.684,58.

o) E se se não contar com a tributação autónoma sobre despesas não documentadas o total é de € 181.902,16 [(€ 688.501,73 x 25%) + € 688.501,73 x 1,42%)]

p) A que acresce o valor da taxa adicional de IRC conhecida pela designação de derrama estadual, que no ano em causa (2010) incidiu (por expressa disposição legal, numa base individual: cfr. artigo 87.º-A do CIRC) sobre os lucros tributáveis das seguintes sociedade integrantes do Grupo Fiscal G...: A... e B....

q) Deduzido do lucro tributável destas sociedades os encargos fiscais com tributações autónomas que lhes são especificamente imputáveis, temos que a derrama estadual por estas sociedades (integrantes do Grupo Fiscal G...) apurada e paga será diminuída num total de € 2.774,40 conforme quadro síntese certificado pelo TOC que aqui se junta como Doc. n.º 10.

r) E se se expurgar o efeito da dedução dos encargos com tributação autónoma sobre despesas confidenciais (tributação autónoma esta, suportada pela A... e pela B..., incidente sobre o total de 5.703,87, à taxa de 50% o que dá um montante de € 2.851,94 – cfr. Doc. n.º 7), a diminuição da derrama estadual será menor em apenas € 71,30 (€ 2.851,94 x tx derrama estadual 2,5%), isto é, será de € 2.703,10 (€ 2.774,40 - € 71,30).

s) Em suma, o valor total de IRC (incluindo derrama estadual) e de derrama municipal consequente, aqui em causa, é de € 187.458,98 (€ 184.684,58+ € 2.774,40).

t) E se se expurgar o efeito da dedução do encargo com a tributação autónoma sobre despesas não documentadas, o montante aqui em causa é de € 184.605,26 (de € 181.902,16 + € 2.703,10).

 

Sendo este o quadro factual e/ou conclusivo essencial alegado, a requerente tece depois várias considerações e desenvolve uma panóplia de argumentos de caráter jurídico para concluir, designadamente, que  “(…) uma análise quer da incidência (na esmagadora maioria dos casos, sobre despesas ou encargos), quer da função das tributações autónomas, revela que as mesmas não são, não têm a natureza de, imposto sobre o rendimento (lucro) da pessoa colectiva que as suporta e constitui o seu sujeito passivo. Pelo contrário, em situação de prejuízos (como se referiu supra), de ausência de qualquer lucro, é justamente quando estas tributações se agravam (cfr. o actual n.º 14 do artigo 88.º do CIRC), o que mostra bem quanto esta tributação se diferencia do IRC, i.e., da tributação sobre lucro (…)” (…)Além disso (…) as tributações autónomas aplicam-se independentemente do IRC (em consequência, justamente, desta sua diferente natureza e função no confronto com o IRC): aplicam-se mesmo (ou na mesma) quando haja exclusão de sujeição a (não incidência de) IRC, ou isenção de IRC, e aplicam-se a realidade diferente daquela (o lucro) a que se aplica o IRC, donde que a sua dedução fiscal não gera um círculo vicioso, como no caso de uma eventual dedução das derramas (…)”.

 

Do seu extenso e detalhado douto articulado, extrai a requerente as seguintes conclusões:

1ª Como resulta evidente a qualquer observador imparcial as tributações autónomas não são imposto sobre o rendimento, de tal maneira que são devidas mesmo quando há prejuízo. São um imposto, sobre despesas, cuja dedutibilidade não é excluída do cômputo do lucro tributável pelo (na numeração à data dos factos) artigo 45.º do CIRC, pelo que se está perante encargo fiscal cuja dedutibilidade tem de ser aceite à luz do princípio da dedutibilidade, justamente, da generalidade dos encargos fiscais.

2ª A previsão da indedutibilidade dos encargos com tributações autónomas constante da de lei de reforma do IRC (Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro), que para efeitos de indedutibilidade fiscal veio equiparar as tributações autónomas ao IRC (ficciona que são, para este efeito apenas, IRC – no mais e como se disse, as tributações autónomas continuam a operar sobre despesas e a gerar receitas quando há prejuízos, a elas não se deduzem créditos fiscais ao investimento em IRC, etc., etc., etc.) confirma plenamente que antes desta alteração para 2014 não havia norma que legitimasse o afastamento desta tributação do âmbito de aplicação do princípio fiscal da dedutibilidade de todos os encargos (reais), entre os quais o CIRC inclui, especificamente, os encargos fiscais.

3ª Do acima exposto, em síntese, resulta que quer o indeferimento do recurso hierárquico supra melhor identificado quer a autoliquidação de IRC (incluindo a sua sobretaxa “derrama estadual”) e derrama municipal consequente relativa ao exercício de 2010 padecem de vício material de violação de lei, devendo:

a)         ser declarada e ilegalidade e anulado o indeferimento do recurso hierárquico na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, da autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente do exercício de 2010, com isso violando o princípio da legalidade;

b)         ser declarada a ilegalidade parcial desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), no montante de € 187.458,98, ou pelo menos, caso se entenda ser de afastar a dedutibilidade da tributação autónoma sobre despesas não documentadas, no montante de € 184.605,26;

c)         ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso daquele montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado.

 

A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

 

Em 9-4-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar tal designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28-4-2014, seguindo depois o processo os demais termos legais e regulamentares.

 

Em 19-4-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta impugnatória do pedido concluindo que “(…) nenhum subsídio interpretativo cauciona uma interpretação restritiva do 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC, no sentido de se lhe excluir as tributações autónomas; pelo contrário, tal mostra-se contrário à teleologia da norma uma vez que as tributações autónomas têm um papel instrumental no apuramento do IRC, não têm autonomia em termos funcionais (só na forma de apuramento: incidência e taxa), e contraria a  própria coerência sistemática, mostrando-se incompatível com o disposto no artigo 88.º, n.º 14 do CIRC (…) pelo que, também aqui decai liminarmente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente(…)”.

 

Foram apresentadas alegações finais escritas por ambas as partes concluindo estas, no essencial, pela forma que o haviam feito nos seus articulados.

 

Saneador/pressupostos processuais

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT, mostrando-se cumprido o pressuposto de recurso prévio à via administrativa (cfr. artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e Docs. n.ºs 3 a 6, juntos com o pedido de pronúncia).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Não há exceções ou outras questões prévias a apreciar e decidir.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

 

Factos essenciais provados

a) A requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal G..., procedeu à autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22 (Doc[2]. nº 1), sendo que em 20 de Novembro de 2012 apresentou modificação a essa autoliquidação mediante a submissão de declaração de substituição (Doc. n.º 2);

b) Em 30 de Maio de 2013, a requerente apresentou, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama consequente respeitantes ao exercício de 2010 (cfr. cópia da reclamação graciosa -  Doc. n.º 3);

c) Em 2 de Setembro de 2013 a ora recorrente foi notificada por intermédio do Ofício n.º ..., de 28 de Agosto de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 26 de Agosto, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (cfr. cópia da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - Doc. n.º 4);

d) Daquela decisão viria a requerente a interpor recurso hierárquico, em 26 de Setembro de 2013, com vista à sua revogação e substituição por uma outra que anulasse parcialmente o acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente do Grupo G... relativo ao exercício de 2010 (cfr. cópia da folha de rosto do recurso hierárquico -  Doc. n.º 5).

e) Em 5 de Fevereiro de 2014 a ora recorrente foi notificada por intermédio do Ofício n.º ..., de 4 de Fevereiro de 2014, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, por despacho proferido, em 27 de Janeiro de 2014, pela Exma. Senhora Directora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (cfr. cópia da decisão de indeferimento do recurso hierárquico  - Doc. n.º 6);

f) O acto objecto do presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento do recurso hierárquico supra identificado e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), o acto de autoliquidação de IRC, incluindo a sobretaxa derrama estadual, e derrama municipal consequente relativa ao exercício de 2010, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício (cfr. Docs. n.ºs 1 e 2).

g) Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010 (cujo pedido de anulação parcial foi tacitamente indeferido em sede de recurso hierárquico), a A... procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total de € 699.033,26 – cfr. campo 365, do quadro 10, dos Docs. n.ºs 1 e 2 – que correspondem a (cfr. Doc. n.º 7 que aqui se junta):

i) 10% dos encargos com viaturas no montante de € 2.169.897,80;

ii) 10% das despesas de representação, no montante de € 131.457,69;

iii) 5% das despesas com deslocações dos colaboradores em viatura própria e com ajudas de custo não facturadas a terceiros, no montante de € 67.323,47;

iv) 50% das despesas não documentadas, no montante de € 21.063,05; e

v) 35% das despesas com bónus, no montante de € 1.300.000.

h) Essas tributações autónomas foram totalmente pagas (cfr. Campo 365 do quadro 10, dos Docs. nºs 1 e 2).

i) O referido total da autoliquidação de tributações autónomas decompõe-se, no que à sua natureza respeita, de acordo com o quadro anexo (Doc. n.º 7) e com o quadro 10 dos Docs. n.ºs 1 e 2, conforme se transpõe:

 

j) E expurgando as tributações autónomas sobre despesas não documentadas temos um total de € 688.501,73 (€ 699.033,26 - € 10.531,53).

k) Não deduziu a requerente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável desse exercício de 2010, o encargo suportado com as referidas tributações autónomas, antes tratando-as como se fossem IRC ou derrama municipal (Doc. n.º 8).

 

Factos essenciais não provados

Dos autos ou de conhecimento oficioso, não se revela a existência de factos não provados essenciais para o conhecimento das questões decidendas.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados além de documentados [sem impugnação dos respetivos documentos], resultam igualmente da não impugnação pela Autoridade Tributária e Aduaneira de qualquer dos factos alegados e também, e no essencial, do processo administrativo instrutor.

 

II FUNDAMENTAÇÃO (cont)

 

O DIREITO[3]

Questões decidendas

Peticiona a Requerente que seja declarada a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico, bem como a declaração da ilegalidade (parcial) do acto de autoliquidação relativo ao exercício de 2010, e, no que se refere à parte dos actos que se mostram determinados pela «não relevação fiscal de encargos fiscais com tributações autónomas desse mesmo exercício» – cf. artigo 13º do pedido.

Considera a requerente, no essencial, que os actos de autoliquidação padecem parcialmente de “vício material de violação de lei” e formula - para além do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico - um pedido que visa a declaração de ilegalidade (parcial) dessa mesma autoliquidação e a sua, consequente, anulação “relativa ao exercício de 2011 no que respeita ao montante de € 187.458,88, com a sua consequente anulação nesta parte, atenta a manifesta ilegalidade da liquidação nesta parte, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 1 de Setembro de 2012, até integral reembolso.” - cf. artigo 433º do Pedido.

Resulta dos autos que a sobredita autoliquidação foi apresentada/submetida a 31.05.2011 e foi objecto de reclamação graciosa que culminou com despacho de indeferimento, proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 28.08.2013.

As questões a decidir serão assim saber se a requerente tem o direito a relevar, como gastos do período de tributação, para efeitos do cálculo do seu lucro tributável em IRC, os encargos que suportou a título de tributações autónomas e, no caso de ser reconhecido tal direito, se tem fundamento o pedido de reembolso com pagamento de juros indemnizatórios.

 

Vejamos então.

I.                   Contexto

A dúvida acerca da dedutibilidade das tributações autónomas no âmbito da anterior redacção do Código do IRC surge em consequência da margem interpretativa criada pela conjugação de duas normas: por um lado, o princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC e, por outro lado, a regra de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros.

Em concreto, as dúvidas surgem porque a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC (com a redacção em vigor em 2010) não menciona expressamente as tributações autónomas e porque o princípio geral em sede de IRC era e é o da dedutibilidade de encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas, a dúvida surge sobre se o legislador quis incluí-las ou não na excepção de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º.

 As dúvidas surgidas a propósito da dedutibilidade das tributações autónomas em sede de IRC são, portanto, perfeitamente justificáveis face à incerteza criada pelo elemento literal das normas enunciadas e sobre a própria natureza técnica do tipo de imposto que é a tributação autónoma, a qual, admite este Tribunal, não tem as características típicas de um imposto como o IRC.

Assim, será necessário aprofundar a análise além do seu elemento literal.

As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais ou não documentadas.

Posteriormente as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.

Desde então o regime das tributações autónomas tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva, em parte ditado pela aparente intenção contínua de aumentar a receita fiscal por via deste mecanismo.

Actualmente, são vários os tipos de tributações autónomas que encontramos no artigo 88.º do Código do IRC:

i) Tributação autónoma sobre despesas não documentadas;

ii) Tributação autónoma sobre encargos com viaturas;

iii) Tributação autónoma sobre despesas de representação;

iv) Tributação autónoma sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

v) Tributação autónoma sobre despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da entidade patronal;

vi)  Tributação autónoma sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial;

vii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como sobre os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;

viii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

II.                Thema Decidendum

 

Da análise do elenco de realidades a que nos referimos supra podemos retirar duas ilações de princípio:

(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis;

(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos.

Em relação às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, caso se admitisse a sua dedutibilidade, estaria a admitir-se a dedutibilidade de um encargo não indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, se o gasto sobre o qual incide a tributação autónoma não é, em si mesmo, dedutível, é porque (para o sistema de IRC) o mesmo não é indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ora, se assim é, a tributação autónoma que sobre ele incide também o não será, pelo que se estaria a admitir a dedução de um encargo em frontal desacordo com o princípio geral de que os encargos só são dedutíveis em sede de IRC se lhes estiver inerente aquela indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Assim, tal como não são dedutíveis os tributos incidentes sobre factos não relacionados com a realização de rendimentos sujeitos a IRC, também as tributações autónomas que incidem sobre despesas não dedutíveis terão, forçosamente, que estar excluídas de tributação sob pena de se admitir uma evidente contradição sistemática no Código do IRC, o que não é de aceitar face aos princípios interpretativos consagrados no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil (que a LGT manda aplicar nos termos do no n.º 1 do seu artigo 11.º), os quais determinam que o intérprete deve presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” “que consagrou as soluções mais acertadas”.

Pelo que em relação a este tipo de despesas é entendimento do Tribunal que não sendo as mesmas dedutíveis, não o poderá ser, igualmente, a tributação autónoma que sobre estas incide.

 

 

Aqui chegados importa agora analisar a eventual dedutibilidade das tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis. Serão estas dedutíveis?

Não deverá desde logo concluir-se que, sendo dedutível a despesa, deverá ser dedutível a tributação autónoma, ela própria, como encargo que foi suportado por força da realização de tal despesa, seguindo o princípio de que o acessório segue o caminho do principal (acessorium principale sequitur)?

A Requerente defende que, configurando a tributação autónoma um tributo que incide sobre despesa[4] e não sobre o rendimento, esta tributação não poderá ser considerada “IRC” para efeitos da exclusão da dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do Código do IRC.

Na apreciação da matéria em causa nos autos, deve-se, igualmente, ter desde logo em conta, que a norma do artigo 45.º do Código do IRC se situa num contexto de ampla discricionariedade legislativa.

Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas (e, em concreto, da que é própria das tributações autónomas decorrentes de gastos dedutíveis em sede de IRC), seja ela qual for, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos do imposto em questão.

Considera-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas que se ocupam daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos de IRC, independentemente da natureza que a doutrina ou a jurisprudência lhes atribua.

Entende o Tribunal que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição e que outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a causa da obrigação de imposto. E, no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, e efectivamente, o IRC.

Dever-se-á atentar, para além de tudo o mais, que o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC, ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referencial de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.

As tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente, ao IRC, e não ao IVA, ao IRS, ou a um qualquer novo imposto.

É que, embora se aceite que o facto tributário impositivo será cada um dos singulares encargos legalmente tipificados, o certo é que não são estes, qua tale, o objecto final da tributação, a realidade que se pretende gravar com o imposto.

Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupa estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo, e, mais especificamente, à actividade económica e empresarial por eles levada a cabo.

Este aspecto torna-se ainda mais evidente, porquanto tais tributações autónomas incidem sobre gastos dedutíveis para efeitos de IRC.

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no Código do IRC, mas, igualmente, da sua integração sistemática no regime jurídico do IRC.

De facto, não só apenas os encargos realizados por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais encargos apenas o estarão se aqueles sujeitos os elegerem como gastos dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto.

O quadro deste modo traçado é, considera-se, substancialmente distinto do que seria um imposto que incidisse sobre determinadas despesas, objectivamente consideradas, afigurando-se que a qualidade e a opção do sujeito passivo têm aqui uma relevância, senão maior, pelo menos idêntica ao encargo que despoleta a imposição tributária.

De resto, sempre se poderá dizer que se o sujeito passivo de IRC optar por não deduzir ao lucro tributável para efeitos daquele imposto os encargos correspondentes às despesas sujeitas a tributação autónoma, não terá de suportar esta, o que será demonstrativo do que acima se apontou, ou seja, de que a causa das tributações autónomas radicará, ainda e em última análise, no próprio regime do IRC.

Neste quadro, e voltando-se à questão decidenda, como sendo a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo - a conjugação do teor do artigo 12.º do Código do IRC com o artigo 45.º, n.º 1, aliena a) do mesmo -, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, o que o Tribunal admite, sempre integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

Considera-se, assim, que o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era, à data do facto tributário em questão nos autos, no sentido de que as quantias pagas no quadro das tributações autónomas sobre gastos dedutíveis por um sujeito passivo de IRC não deviam ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável sujeito àquele imposto.

A correspondência de tal intenção no texto legislativo é bem patente no teor daquele artigo 12º do CIRC, vigente já à data do facto tributário em causa nos autos, que vem prever que:

“As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.” (sublinhado nosso).

Ou seja, na perspectiva do sistema legal, reflectido nos respectivo texto, as tributações autónomas integram o regime do, e são devidas a título de, IRC, razão pela qual na norma que se vem de transcrever o legislador ressalvou expressamente a sua aplicação. Daí que, paralelamente, se fosse intenção do legislador excluir as tributações autónomas do âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, o teria dito expressamente, já que não faria sentido (não seria razoável) que numa norma do Código (o artigo 12.º) o legislador entendesse que a tributação em IRC abrange as tributações autónomas e noutra (o artigo 45.º) entendesse o contrário.

Por outro lado, e reforçando o que se vem de expor, o artigo 3.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, aprovada no contexto da Reforma do IRC, veio aditar o artigo 23.º-A do CIRC, que sucede ao anterior artigo 45.º e ao qual, pelo que vem de se dizer, deve ser conferido, na matéria que nos ocupa, carácter interpretativo, veio dispor que:

“1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a)      O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros;”

(sublinhado nosso).

Esta alteração veio, segundo se entende, clarificar que, relativamente aos períodos a que a norma em causa se aplica, os gastos com tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos fiscais, tornando assim expresso na letra da lei algo que este Tribunal entende que correspondia já a uma das interpretações possíveis sobre esta temática.

Como afirma Oliveira Ascensão, para que uma lei seja interpretativa é necessário que (1) exista uma dúvida na doutrina e/ou jurisprudência quanto ao sentido da lei anterior; (2) que a lei posterior venha a optar por uma das interpretações em contenda, e que (3) a lei posterior tenha por fim interpretar a lei antiga, devendo esse fim resultar inequivocamente do seu texto (cf. Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, Almedina, 10.ª ed., 1999, 560-561).

Requisitos que no caso sub iudice se encontram preenchidos.

Ou seja, o Tribunal entende que esta clarificação do legislador tem uma natureza de interpretação autêntica, na medida em que o legislador vem acolher um dos sentidos interpretativos possíveis face à norma anterior (aplicável ao caso dos autos) ao excluir, expressamente, a dedutibilidade das tributações autónomas e fazendo inclusivamente equiparar a natureza deste tributo a IRC. E optou por um dos sentidos possíveis com o fito de esclarecer uma situação duvidosa pré-existente.

O intuito esclarecedor decorre do próprio mandato que foi conferido à Comissão para a Reforma do IRC, no sentido de contribuir activamente para a redução das áreas susceptíveis de litigiosidade, como nos dá conta este trecho do Relatório da Comissão para a Reforma do IRC: “Não obstante se denote alguma melhoria, os dados recentemente disponibilizados acerca do estado da Justiça Fiscal em Portugal permitem concluir que o grau de conflitualidade registado se mantém desajustado às capacidades de resposta da organização judiciária nacional em matéria tributária. A Comissão entende necessário, pois, empreender um esforço de diminuição da litigância fiscal através da introdução de alterações legislativas nas matérias que, muito embora mereçam já um enquadramento jurisdicional estável e sólido, continuam sistematicamente a gerar conflitos nos tribunais fiscais nacionais.”.

A Comissão, sufragada pela vontade do legislador, veio, assim, clarificar o próprio regime da dedutibilidade dos gastos fiscais, dando uma nova redacção ao artigo 23.º-A do Código do IRC (o qual veio substituir o anterior artigo 45.º do mesmo Código).

É certo que o legislador optou por não fazer inscrever no diploma que aprovou o regime actualmente em vigor uma declaração expressa no texto ou no preâmbulo do diploma, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa.

Mas o facto de não o ter feito não conduz directamente ao entendimento de que à norma em causa não deve, por isso, ser conferido carácter interpretativo.

Pois que na falta de uma declaração expressa da própria lei, o carácter interpretativo poderá ainda resultar “do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente” (cf. Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, Almedina, 10.ª ed., 1999, p. 561).

O que manifestamente é o caso dos autos.

Ou seja e em suma: da consideração do texto legislativo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, seja enquanto imposto stricto sensu, seja, pelo menos, em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário, devendo ter o mesmo tratamento em sede de dedutibilidade para efeitos de cômputo do lucro tributável.

De facto, o legislador fiscal tem, num passado recente, alterado o tratamento fiscal relacionado com as tributações autónomas, sem nunca ter alterado a perspectiva de as incluir na tributação sobre o rendimento.

Em todo o caso, como se disse, na perspectiva do legislador, as tributações autónomas em questão nos autos integrarão, efectiva e inequivocamente o regime do IRC, sendo devidas a título deste imposto.

E não compete ao julgador alterar por sua iniciativa a opção política e técnica do legislador em configurar este tipo de tributo como IRC, ainda que possa não concordar tecnicamente com a solução encontrada por este. Tal constituiria uma interpretação correctiva, consabidamente vedada pelo imperativo de obediência à lei.

Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC o transmutou numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis.

Em jeito de conclusão, face a tudo o que vem de se expor, e em favor de um rigor conceptual, dir-se-á ainda que se pende para o entendimento de que as tributações autónomas, tal como existem actualmente, se poderão configurar como um imposto “híbrido”, incidindo mais sobre determinado tipo de gastos, e não sobre o consumo ou a despesa, genericamente considerados, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação.

Considerando-se, então, que as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime, e são devidas a título, deste imposto, e, como tal estão abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, não constituirão as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, devendo, em consequência de tudo o que se expendeu supra, improcederá totalmente a presente acção arbitral, ficando prejudicado a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

 

III DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido e, em consequência, dele absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira.

*

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC,  97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 187.458,98

 

Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela requerente.

 

Lisboa, 23 de Outubro de 2014

 

Os Árbitros

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

Henrique Nogueira Nunes

(Vogal)

 

 

 

José Vieira dos Reis

(Vogal)

 



[1] Presume-se que se quis dizer “…”

[2] Todos os documentos a que se fizer referência sem outra menção específica, foram juntos pela requerente com o respetivo pedido de pronúncia arbitral.

[3] Segue-se de perto e em parte as decisões arbitrais dos Tribunais constituídos no âmbito do CAAD, proferidas nos processos nºs 210/2013-T e 187/2013-T, publicadas in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/

 

[4] Admitindo nas suas alegações a possibilidade de qualificação como IRS, casos não seja qualificada como despesa.