Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 539/2019-T
Data da decisão: 2020-06-20  IRC  
Valor do pedido: € 70.255,76
Tema: IRC – Gastos dedutíveis
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A... SGPS, S.A., contribuinte n.º..., com sede ..., ..., ..., ...-..., Lisboa, apresentou, em 12-08-2019, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, relativa ao ano exercício de 2015 com o n.º 2019... e respectivos juros compensatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-08-2019.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 30-09-2019 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21-10-2019.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral defende a Requerente, em suma:

a) ter como objecto a gestão de participações sociais e estar inscrita, enquanto sociedade dominante, e para efeitos tributários, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS"), nos termos do artigo 69.º do Código do IRC

b) as correcções efectuadas pela AT ao não aceitar os gastos relativos aos financiamentos a que recorreu são ilegais. Com efeito, não existe na lei (aplicável à data dos factos) qualquer critério e muito menos "princípio" da indispensabilidade dos gastos, como a AT entende. Pelo contrário, os critérios legalmente impostos pela Lei referentes à dedutibilidade de gastos financeiros estão preenchidos no caso em presença, estando devida e documentalmente comprovados, bem como se encontram relacionados com a actividade empresarial da B... . Quer os empréstimos quer os investimentos efectuados por si efectuados às entidades do Grupo têm como fim e resultado a obtenção de rendimentos.

c) os meios financeiros são por natureza fungíveis, sendo difícil, senão impossível, lançar mão de qualquer método de afetação directa ou específica de afectação dos encargos financeiros suportados. Ainda que se admitisse, em abstracto, a tese sustentada pela Administração Tributária a respeito da não dedutibilidade dos gastos de financiamento afectos à concessão de crédito a empresas do Grupo, sempre lhe competiria demonstrar, como era seu ónus, que os financiamentos captados pelo sujeito passivo a montante o foram directa e totalmente direcionados à concessão de empréstimos a jusante. O que não fez, limitando-se a partir daquele pressuposto sem qualquer preocupação de fundamentação, de forma abusiva e legalmente inadmissível.

d) Ainda que se admitisse, em abstracto, a validade da fundamentação esgrimida pela Autoridade Tributária em benefício da desconsideração dos encargos financeiros da determinação do lucro tributável da B..., ainda assim, a argumentação expendida por aquela não poderia proceder no que respeita aos alegados "empréstimos concedidos à entidade C...”. É que, não se tratando estas importâncias de "empréstimos", mas antes de entradas para desenvolvimento de um activo em conjunto com outras entidades, resulta claro que os financiamentos obtidos pela B...— e que geraram os gastos cuja dedutibilidade está em causa nos presentes autos — não se destinam (e muito menos na sua totalidade) à concessão de crédito à entidade em causa.

e) o lucro tributável do grupo, pelo qual a Requerente se encontra abrangida, é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, nos termos previstos no artigo 70. 0 do Código do IRC.

Resulta da aplicação do regime em causa que os fluxos com impacto nos resultados no seio do grupo são matematicamente eliminados, produzindo um impacto nulo no apuramento da matéria colectável do Grupo. E isto é assim ainda que não sejam observadas nessas relações as regras sobre preços de transferência, pois, tratando-se de entidade domiciliadas no território nacional, é a própria lei que impõe que, quaisquer correcções ao resultado fiscal de uma das entidades dever conduzir a uma correcção correlativa ao resultado tributável da outra entidade (cf. o n. 0 11 do artigo 63.0 do Código do IRC)

f) Com tais fundamentos, pretende que a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, seja declarada nula, atentos os vícios de que padece; bem como ser a Requerida condenada no pagamento de indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese:

                a) A Requerente recorreu a empréstimos bancários tendo concedido financiamentos a terceiros, não tendo sido debitados quaisquer juros aos efectivos beneficiários dos empréstimos. Assim, os encargos suportados pela “D..., SA”, na parte referente à utilização do capital alheio para financiar outras empresas, não cumpre o requisito da indispensabilidade previsto no art.º23.º n.º 1 do CIRC, pelo que será de desconsiderar como gasto para efeitos de determinação do resultado tributável os juros de empréstimos bancários suportados.

                b) Quanto ao valor transferido para a sociedade “C...” a Requerente afirma que o mesmo tem como finalidade o desenvolvimento de um activo em conjunto com outras entidades, pelo que não se trata de um empréstimo. Todavia, é de esclarecer que os montantes reflectidos na conta corrente da sociedade “C...”, embora tenha sido apresentado o “Contrato de Gestão Conjunto de Activo” celebrado em 2009, e que sofreu uma adenda em 2012, não tem o mesmo qualquer documento de suporte que clarifique os montantes a transferir, em que são aplicados, ou prazos para reembolso, pelo que assumem a natureza de um empréstimo concedido.

                c) Dispõe o art. 23.º n.º 1 do CIRC que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, determinando-se que, para a dedutibilidade destes gastos, não basta que estejam documentados e registados na contabilidade, sendo também necessário que seja demonstrado que os mesmos contribuíram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

                d) Refira-se que a redacção desta norma aplicável a partir de 01 de Janeiro de 2014, refere que: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, seguindo-se, em ambas as redacções, uma enumeração meramente exemplificativa dos gastos com relevância fiscal para efeitos de apuramento do rendimento tributável em sede de IRC. A mera alteração de terminologia ocorrida com a adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico (Sistema de Normalização Contabilística- SNC), de “custos” para “gastos”.

                e) Nos termos daquela norma, os gastos têm de respeitar dois princípios, de observação cumulativa;

                i) Encontrarem-se devidamente documentados, tendo, no entanto, presente que nem todos os gastos têm de estar suportados atendendo à sua própria natureza;

                ii) Serem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

                O conceito de indispensabilidade continua intrinsecamente ligado à dedutibilidade fiscal dos gastos, dando lugar a uma expressão que são dedutíveis os gastos incorridos para obter rendimentos sujeitos a IRC.

                f) Ora, no caso sub judice, a “D...” contraiu empréstimos onerosos perante terceiros, mais concretamente perante diversas instituições financeiras, e emprestou a outras sociedades, a custo zero, sem remuneração, tendo estas sociedades utilizado, aplicado tal financiamento para o prosseguimento normal da actividade empresarial. Logo, será nestas sociedades onde, desde logo, directamente, os normais efeitos daquele financiamento irão ter lugar. Pelo que, de facto, tais encargos deveriam ter sido suportados por essas sociedades e não pela “D...”.

                g) Embora se conceda que os empréstimos concedidos pela “D...” tenham ajudado o Grupo a expandir-se e operar em diversos mercados, porventura, tal possa ter ocorrido na sequência da estratégia de internacionalização adoptada e que tais encargos, para a “D...”, não deixem de ser convenientes, pelo menos, para a manutenção da fonte produtora das empresas do Grupo e da “C...”, tal não justifica a assunção por esta sociedade de juros de capitais alheios cujo financiamento foi inequivocamente utilizado no desenvolvimento da actividade empresarial de outras sociedades, sociedades juridicamente distintas e autónomas da “D...”.

                Quer dizer, no caso sub judice, a Requerente está a incorrer em gastos com financiamentos que, em rigor, seriam gastos de outras empresas, dados os financiamentos concedidos pela Requerente àquelas entidades

                h) O RETGS não ignora que cada sociedade que integra o perímetro fiscal do Grupo tem a sua própria personalidade e a sua capacidade tributária, constituindo um centro económico de interesses autónomo e individualizado das demais sociedades do Grupo, a cuja esfera jurídico-tributária devem ser alocados os rendimentos e os gastos que lhe são imputáveis atenta a actividade por si desenvolvida, estando sujeita à regras gerais de determinação do lucro tributável a declarar na sua modelo 22 de IRC. Pelo que a tributação integrada do Grupo tem por base o apuramento do resultado individual de cada sociedade, de acordo com as regras gerais que se aplicam a qualquer sociedade.

                Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo fiscal tem que respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte e que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida e não por outras sociedades.

                i) Ao suportar juros referentes ao elevado financiamento bancário que posteriormente cede gratuitamente às outras sociedades ( duas do Grupo e uma terceira), apenas está a afectar  negativamente o resultado contabilístico fiscal da “D...”, procedimento que, além de contrário aos interesses da sociedade, menospreza as regras de apuramento do lucro tributável, nos termos gerais, designadamente da imprescindível imputação dos gastos elegíveis a cada uma das sociedades, de forma autónoma e independente, considerando apenas os gastos efectivamente incorridos no interesse da empresa e não de outro qualquer interesse, como ocorre no caso sub judice.

j) Esta interpretação do art. 23º do CIRC está conforme com o princípio da tributação real do rendimento das empresas, consignado no art. 104, nº 1 da CRP, do qual resulta que não se podem deduzir encargos suportados com empréstimos efectuados quando o financiamento não integra o objecto social da empresa nem é gerador de rendimento sujeito a imposto.

k) Conclui a Requerida pela legalidade do acto de liquidação contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.

 

6. A 27-02-2020, teve lugar a reunião do artigo 18º do RJAT, em que se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

7. As partes apresentaram alegações em que reiteram as posições constantes dos respectivos articulados.

 

II – SANEAMENTO

 

8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.3. O processo não enferma de nulidades.

8.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão - levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (art.º 596.º, nº 1 e 607º, n.º  2 a 4, do NCPC), e consignar se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º. 2 do CPPT) - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade que tem como objecto a gestão de participações sociais, encabeçando o “Grupo E...”, ligado ao sector do turismo na área das viagens de negócios e de lazer, com implantação a nível internacional (Portugal, Espanha Moçambique e Angola), estando inscrita com o CAE 79110.

b)           O Grupo E..., encabeçado pela Requerente, integrava, em 2015, as seguintes sociedades:

- B..., S.A ("B...");

- F... com sede em Espanha;

- G..., SAL, com sede em Espanha;

- H... Moçambique, com sede em Moçambique;

c)            Como sociedade dominante do grupo, a Requerente é tributada pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, nos termos do art. 69º do CIRC. OI2018..., de 02-02-2018

d)           Credenciada pela Ordem de Serviço OI2018..., de 02-02-2018, a Administração Tributária realizou um procedimento de inspecção tributária, em sede de IRC, IVA e Imposto do Selo, com incidência temporal no exercício de 2015, à B..., SA.

e)           Do referido procedimento inspectivo resultaram, para o que ao presente processo releva, correcções à matéria colectável de IRC daquela sociedade no montante de 281.948,05 €.

f)            Inspecção que havia sido precedida de uma outra, ao abrigo da OI2017..., relativamente ao exercício de 2014.

g)            Face às conclusões daqueles RIT relativamente à B..., SA, ao abrigo da OI2018..., foi promovida inspecção tributária à Requerente, com o objectivo de “… verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS, previsto nos arigos 69º a 71º do CIRC, por parte do Grupo E... interna … refletir no resultado fiscal do Grupo, a correcção efetuada pela AT, em resultado do procedimento de inspeção determinado à sociedade B..., SA”.

h)           Do referido procedimento inspectivo resultaram correcções à matéria colectável de IRC da Requerente no montante de 281.948,05 €.

i)             As correcções à matéria colectável da B..., SA, de acordo com o parecer do Chefe de Equipa constante do Relatório de Inspecção (RIT), validado pelo despacho da Chefe de Divisão, resultam do facto de “o contribuinte contabilizou como gasto o montante de 281.948,05€, relativo a juros de financiamento que não preenchem os requisitos legais definidos no artigo 23º do CIRC, pelo que não se aceita a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, acrescendo-se ao lucro tributável aquele montante”.

j)             Mais consta do RIT à B..., SA que:

- “em resultado da análise aos elementos enviados pelo sujeito passivo, verificou-se a existência de importâncias concedidas a favor das entidades A..., SGPS, SA, F..., SL e C..., sem a evidência do recebimento de qualquer contrapartida (juros) e simultaneamente suportando encargos financeiros resultantes de endividamento bancário”.

- no que concerne à empresa C..., foi disponibilizado o «Contrato de Gestão Conjunta e Ativo», celebrado em 2009 entre o sujeito passivo e as sociedades de direito espanhol F..., SL e G..., SA, que consiste no desenvolvimento das contribuições a efetuar por cada uma das entidades contraentes. Em 2012, o referido contrato veio a sofrer uma adenda, resultante da adesão da empresa C... ao projeto”. Não foi apresentado qualquer documento respeitante à concessão de crédito por parte da B... à sociedade C... . A inexistência de documento que clarifique o motivo, prazos e montantes das transferências a favor da sociedade C... não permite aferir da existência de alguma contrapartida resultante da concessão dos empréstimos.

- verifica-se, assim, que em 2015 o sujeito passivo suportou encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos junto de entidades bancárias e, simultaneamente, concedeu empréstimos a outras empresas, sem a obtenção do correspondente rendimento financiamento – juros.

- o montante total dos financiamentos concedidos às empresas do grupo e à empresa C... (€6.522.366,89), sem remuneração associada, é largamente superior ao valor total total de financiamentos obtidos pelo sujeito passivo junto de entidades bancárias (€2.719.141,98 €), pelo que se infere que, caso o sujeito passivo não tivesse canalizado meios financeiros para as empresas do grupo através de empréstimos concedidos, não teria que recorrer ao financiamento bancário e, consequentemente, suportado encargos financeiros.

- no caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contrai financiamento e, simultaneamente, concede financiamento a outras empresas, suportando encargos financeiros, que contabilizou como gastos, não existindo a obtenção do equivalente ganho financeiro destes empréstimos efetuados, designadamente juros.

- do exposto, não emerge da situação em apreço, que o montante contabilizado a título de juros e Imposto do Selo de empréstimos bancários, possui o carácter qualitativo de comprovadamente ser indispensável para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, pelo que não será de aceitar fiscalmente a dedutibilidade das importâncias contabilizadas pelo sujeito passivo, por não se encontrar cumprido o princípio basilar da dedutibilidade de gastos ou perdas que preside ao artigo 23. 0 do CIRC"

k)            Na sequência da notificação do RIT, subsequente ao Projecto de Relatório, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC, relativo a 2015, n.º 2019..., Juros Compensatórios e respectiva Demonstração de Acerto de Contas, resultante um montante a pagar de 70.255,76€.

l)             Por não ter sido pago o imposto, foi instaurado contra a Requerente processo de execução fiscal com o n.º ...2019... .

m)          Tendo em vista a suspensão desse processo executivo, a Requerente apresentou aí a Garantia Bancária n.º ... emitida pela J... .

n)           A Requerente, fruto da evolução da sua actividade, não é hoje uma mera agência de viagens, funcionando também como consultora, estando vocacionada para as viagens de negócios.

o)           Fruto do crescimento da actividade, viu o crédito sobre clientes subir em cerca de 2.500.000,00 € entre os anos de 2006 e 2014.

p)           Recorre de forma permanente a crédito bancário, quer sobre a forma de contas caucionadas, quer de empréstimos contratados, o qual atingiu, no exercício de 2015, o valor global de 2.719.141,98 €.

q)           A Requerente participa no projecto de desenvolvimento e lançamento de uma plataforma informática denominada “G...”, através do Parque Tecnológico da Universidade de ..., gerido pela sociedade C..., ao abrigo do designado “Contrato de Gestão Conjunta de Activo”.

r)            No exercício de 2015, a Requerente concedeu empréstimos quer às sociedades que integram o grupo E... quer à referida C... .

s)            Nenhum dos empréstimos concedidos foram remunerados com juros.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assentou no exame crítico da prova documental apresentada, bem como do processo administrativo juntos aos autos - e, designadamente, dos relatórios de inspecção -, que aqui se dá por reproduzido, bem como do depoimento da testemunha arrolada pela Requerente, K..., a qual demonstrou ter perfeito conhecimento dos factos, enquanto directora financeira da Requerente, desde 2001.

A liquidação objecto do presente pedido arbitral é reflexo da aplicação no âmbito do resultado fiscal do grupo, que a Requerente encabeça, das correcções efectuadas à sua afiliada B..., SA, pelo que entendeu o tribunal ser irrelevante que não tenha sido junto ao processo administrativo o RIT que sustenta a liquidação impugnada, mas apenas o ofício da sua comunicação à Requerente (sob PA5), uma vez que os fundamentos daquela liquidação estão insertos no RIT “mãe”, relativo àquela sociedade.

 

Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifesta a sua inconformidade com a liquidação de IRC, por não concordar com o entendimento da AT, de não considerar como gastos dedutíveis os encargos financeiros suportados com os financiamentos bancários a que recorreu., “por não possuírem o carácter qualitativo de comprovadamente ser indispensável para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto … não se encontrar cumprido o princípio basilar de dedutibilidade de gastos ou perdas que preside ao artigo 23º do CIRC”.

 

Critério da indispensabilidade que a Requerida reitera na resposta, assinalando que a nova redacção do art. 23º traduz uma “mera alteração de terminologia ocorrida com a adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico (Sistema de Normalização Contabilística – SNC, de «custos» para «gastos».”

 

Donde resulta que a questão decidenda reside na interpretação e aplicação do aludido art. 23º do CIRC.

 

Antes de mais, há que ter presente que, estando em causa o exercício de 2015, deverá ser tida em consideração a redacção daquele preceito,  introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que formulou o princípio de que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

 

Por confronto da redacção da norma com a que vigorava anteriormente há a salientar que já não se exige, como antes, que os gastos “comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

 

Daí que, contrariamente ao que a Requerida sustenta, o entendimento doutrinal e jurisprudencial que invoca no seu articulado, tenha vindo a ser substituído por outro. Aliás, já o STA vinha a sustentar que não era necessário que se estabelecesse uma relação de causalidade entre os gastos e obtenção dos rendimentos, sendo suficientes que aqueles tivessem sido suportados no interesse da empresa: Veja-se, nesse sentido, o que se decidiu no Acórdão do Proc. n.º 0372/16, de 15-11-2017:

- “I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.

II - No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios”.

 

Quer dizer, que é hoje mais ou menos claro que não é exigido para a relevância dos gastos que eles tenham sido geradores de proveitos, sendo bastante que eles tenham sido suportados no interesse da empresa, com a intenção de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, como, até,  já se vinha a entender anteriormente (uma análise da evolução doutrinal na interpretação do conceito fiscal de gasto pode ver-se António Martins, “A dedutibilidade dos gastos e a nova redação do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC: uma nota”, RFPFP -2015 -, ano 8, n.º 1, pág. 113).

 

Esse é, também, o entendimento vertido na decisão arbitral proferida no Proc. 329/2019-T, de 11-10-2019, quando refere que, “à face da redacção do artigo 23º, n.º 1 do CIRC, a dedutibilidade de gastos não depende da indispensabilidade  para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, bastando que os gastos tenham sido suportados no interesse da empresa, nem da existência de uma relação de causalidade directa entre os gastos e ganhos, como exigiu a Autoridade Tributária e Aduaneira ao referir a não «obtenção do equivalente ganho financeiro destes empréstimos efetuados»”.

 

Ou seja, tudo está em determinar se os gastos foram, ou não contraídos, no interesse da actividade da empresa. A esse propósito, esclarece a decisão arbitral no Proc. 42/2015-T:

- “A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, de exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

O ponto que este tribunal quer sublinhar é o seguinte: a “atividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de atos operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas”.

 

A tudo isto temos a acrescentar ser contraditória a posição assumida pela Requerida quanto ao interesse subjacente à consideração dos gastos.

 

Com efeito, se por um lado refere que “sobre a temática da indispensabilidade dos gastos, enquanto necessária existência de uma relação de causalidade económica entre a assunção dos gastos e os interesses empresariais, sempre se dirá que, sendo certo que a administração fiscal não se deve intrometer na autonomia e na liberdade de gestão dos contribuintes” (para sustentar que tal princípio não pode impedir a AT de questionar a sus indispensabilidade (art. 26º da resposta).

 

Por outro, pretende desconsiderar os custos incorridos pela Requerente com os empréstimos concedidos tendo em vista operar em diversos mercados, muito “embora se conceda que, porventura, tal possa ter ocorrido na sequência da estratégia de internacionalização adoptada e que tais encargos, para a “D...”, não deixem de ser convenientes, pelo menos, para a manutenção da fonte produtora das empresas do Grupo e da “C...” (art. 40º da resposta).

 

Isto para concluir que tal estratégia “não justifica a assunção por esta sociedade de juros de capitais alheios cujo financiamento foi inequivocamente utilizado no desenvolvimento da actividade empresarial de outras sociedades, sociedades juridicamente distintas e autónomas da «D... »”.

 

No caso em apreço, não vislumbramos como pode considerar-se que os financiamentos concedidos, quer às suas participadas, quer à sociedade C... tendo em vista o desenvolvimento de plataforma informática conjunta de gestão do negócio de viagens (cujo interesse foi devidamente explanado pelo depoimento da testemunha ouvida), possam ser considerados como não estando ao serviço do interesse da empresa.

 

Aliás, nem nunca poderia ser o facto de os mesmos não serem remunerados que lhe retiraria essa qualidade.

 

Acresce que, à face da redacção vigente do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, em que, como se viu, não se exige a comprovação da indispensabilidade dos gastos, as dúvidas fundadas que possam existir sobre qualquer ponto da matéria de facto devem ser valoradas processualmente a favor do sujeito passivo, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.

 

Pelo exposto, o acto de liquidação de IRC impugnado enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação (artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT).

 

INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDAMENTE PRESTADA

 

A Requerente pretende, ainda, a condenação da AT em indemnização por garantia prestada em processo de execução tendo em vista a sua suspensão.

 

Estabelece o art. 53º da LGT:

 

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 -. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Dispõe o artigo 171.º do CPPT que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”.

 

É indiscutível que tendo o pedido arbitral como objectivo discutir a «legalidade da dívida exequenda», é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Tendo, no caso em apreço, sido prestada garantia bancária e sendo o erro subjacente à liquidação impugnada imputável à AT, verificam-se os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 53.º, pelo que a Requerente tem direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da garantia prestada, dentro dos limites previstos no n.º 3 do mesmo artigo.

 

Não havendo, contudo, elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado, anulando-se a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2015 com o n.º 2019 ... e demais actos que lhe são subsequentes.

b)           Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser liquidada em execução da presente decisão.

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 70.255,76 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.448,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 20 de Junho de 2020

              

Os Árbitros

 

(Fernanda Maçãs)

(António Alberto Franco)

(Henrique Nogueira Nunes)