ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz Poças Falcão (árbitro presidente), Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos e Mestre João Taborda da Gama (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
1. A..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., ..., Estoril, apresentou em 17/06/2019 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, respeitante à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, no montante de € 106 383,86 (valor que inclui € 4 247,43 a título de juros compensatórios) por, no seu juízo, padecer do vício de violação de lei no que concerne à desconsideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional e embora tenha declarado os rendimentos prediais brutos no anexo J, deveria ter declarado os rendimentos líquidos, o que determina a devolução de € 19 785,08 (correspondentes à aplicação da taxa de 28% [aplicável em Portugal aos rendimentos prediais], à diferença entre os rendimentos prediais brutos, declarados no anexo J e os rendimentos líquidos que deveriam ter sido declarados).
2. No dia 28/08/2019 ficou constituído o tribunal arbitral.
3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), foi a Requerida em 09/09/2019 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
4. Em 14/10/2019 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende a incompetência do tribunal coletivo em razão do valor da ação e a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade da liquidação controvertida.
5. Por despacho de 06/01/2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.
6. As alegações finais escritas, em que as partes mantiveram as suas posições iniciais, foram apresentadas pela Requerente no dia 21/01/2020 e pela Requerida em 29/01/2020.
POSIÇÃO DAS PARTES
7. A Requerente sustenta que a liquidação de IRS que é objeto do pedido de pronúncia arbitral é ilegal por vício de falta de fundamentação e por vício de violação de lei.
A falta de fundamentação, no seu juízo, verifica-se em relação à decisão sobre os rendimentos prediais (revenues fonciers), pois o rendimento declarado não está correto e a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), uma vez verificada a incorreção declarativa, apesar de a correção ser favorável ao contribuinte, o princípio da legalidade impunha a respetiva correção. Conclui que é da exclusiva competência do Estado da fonte a sua qualificação e quantificação, de acordo com a lei interna.
Nesta linha ainda acrescenta que se revelam destituídas de qualquer suporte convencional, ou legal interno, as instruções, embora aprovadas por Portaria, que são dadas relativamente ao preenchimento do quadro 7 do anexo J à declaração modelo 3 (Rendimentos obtidos no estrangeiro – Rendimentos prediais – categoria F), visto que reproduzem o previsto no artigo 41.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), relativamente às deduções internamente permitidas aos rendimentos prediais.
Conclui que, quanto aos rendimentos prediais obtidos em França, a importância de € 125 481,00, incluída na linha 701 do campo 7A do Anexo J da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2015, valor correspondente aos rendimentos prediais brutos obtidos e declarados em França (declarações de rendimentos apresentados às autoridades fiscais Francesas) deve ser substituído pelo montante líquido, naquelas apurado de acordo com a legislação francesa de € 54 820,00. A este rendimento corresponde o imposto português de (€ 125 481,00 - € 54 820,00) x 28% = € 19 785,08, montante cuja devolução é requerida em cumulação com aquele que estima ilegalmente liquidado.
Relativamente aos rendimentos declarados sob a qualificação de trabalho dependente, no valor de € 3 000,00, com retenção de € 900,00, correspondem a “senhas de presença” – o documento apresentado sob o n.º 4 no âmbito da audição prévia comprova o declarado. Como também os rendimentos pagos a membros de órgãos das sociedades francesas podem ser qualificados como rendimentos de trabalho dependente se tiverem essa natureza, nos termos do artigo 62.º do Code General des Impôts francês ou de rendimentos de valores mobiliários quando, como é o caso, não correspondem a trabalho assalariado, aplicando-se, para efeitos de tributação, o disposto no artigo 117.º bis do mesmo Código. Para além do mais é o artigo 17.º da Convenção entre Portugal e França que se aplica à referida modalidade de remunerações de órgãos estatutários, v.g. regem as disposições de cada país e existindo dupla tributação, o Estado da residência tem de eliminá-la.
No que tange aos dividendos que foram distribuídos à Requerente pela sociedade B..., em França, através do Banco depositário C... e na Suíça, através do banco depositário D... alega, nomeadamente, que os documentos, embora particulares, mas autenticados contêm informação indispensável para o reconhecimento do crédito por dupla tributação internacional e a informação neles constante corresponde àquela que a própria AT alude na sua fundamentação: “comprovativos dos rendimentos e do correspondente imposto pago nos estrangeiro emitidos por quem tem delegação implícita, outorgada pelo instituto da retenção na fonte, da autoridade fiscal dos Estados de onde são provenientes os rendimentos”.
Assim, quando se reconhece a natureza de “documentos oficiais”, porque emitidos por entidades com competência para tal finalidade (como sucede à luz da lei interna nacional – artigo 119.º do CIRS) no âmbito da “delegação de cobrança em nome e por conta do sujeito ativo da relação jurídica tributária que se constitui pelo facto tributário ocorrido na esfera jurídica do contribuinte e que, quando tem natureza liberatória, até tem a virtualidade de dispensar este de qualquer contacto com esse mesmo sujeito ativo, em regra do Estado” que é o instituto da substituição tributária, não colhe motivo válido para exigir, em tais casos, “documento autenticado pelas autoridades fiscais do Estado da fonte”. Por seu turno, ainda propugna que, não se lhe reconhecendo a natureza de “documentos oficiais”, também se não entende, quer no âmbito da teoria geral da prova que o artigo 128.º do CIRS não afasta, como assume expressamente ao permitir que o contribuinte a faça com os elementos de que dispuser, se não se reconhece aos documentos emitidos pelas entidades que procedem à “cobrança do imposto” a natureza de documentos particulares e se lhes aceita o valor probatório que a lei civil lhes reconhece (artigo 365.º do Código Civil) ou se argui a sua falsidade e se não lhes reconhece nenhum valor probatório para o que deles consta.
Em resumo, quanto a esta questão defende: um imposto retido na fonte, ao titular de rendimentos, sobre estes e no momento do seu pagamento, à taxa prevista no Código do Imposto sobre o Rendimento do Estado da fonte, é, em qualquer caso, um imposto pago por ele, enquanto contribuinte de facto, pois é o que decorre do regime da substituição tributária que não é inventado, nem exclusivo, do sistema fiscal português. Prova essa que, no seu juízo, se encontra inquestionavelmente realizada.
Termina solicitando o reembolso do valor pago em excesso e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, pois entende que é manifesto o erro que subjaz ao ato tributário em crise.
8. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:
i) Exceção dilatória em razão do valor da ação
Na sua defesa começa por referir que se o valor do benefício económico que a Requerente pretende obter com o deferimento do pedido de pronúncia arbitral é de € 45 296,16, ainda que acrescido de juros legais, o pedido de pronúncia arbitral devia ser julgado por tribunal singular, pois não ultrapassa duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo – artigo 5.º, n.º 2 do RJAT.
Assim, com base no valor da causa indicado pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral (€ 65 081,00) foi constituído o Tribunal Coletivo, circunstância que constitui uma infração às regras da competência do Tribunal Arbitral em função do valor da causa – artigo 102.º do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 5.º, n.º 2, do RJAT.
Em resumo, propugna que o Tribunal é incompetente em razão do valor da ação.
ii) Crédito de imposto por dupla tributação internacional
A este respeito sustenta que, relativamente aos rendimentos do trabalho dependente de natureza privada e aos dividendos oriundos de França, a Requerente não conseguiu provar que efetivamente suportou os montantes de imposto que alega ter pago, na medida em que os documentos constantes dos autos constituem meras declarações das entidades pagadoras de rendimentos e não foram emitidos ou certificados pelas autoridades fiscais, quando o artigo 128.º do CIRS o exige.
A dedução a que se alude no artigo 24.º da Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento reporta-se a imposto pago e não a retenção na fonte e, no seu juízo, o legislador entendeu reservar para a AT o modo de aferir a prova do pagamento. Por isso, a retenção na fonte não constitui prova plena do imposto pago a final no Estado da fonte, até porque nada impede que a Requerente acione o pedido de reembolso dos montantes indevidamente retidos na fonte – país da fonte.
Por conseguinte, defende que a pretensão da Requerente deve improceder.
QUESTÕES A DECIDIR
Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar (sem prejuízo da solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT):
a) Se o Tribunal é competente em razão do valor da ação;
b) Quais os efeitos da revogação parcial do ato de liquidação no que respeita ao crédito de imposto relativo a dividendos;
c) Se a liquidação adicional de IRS padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, dado que não considera o crédito por dupla tributação internacional e embora a Requerente tenha declarado os rendimentos prediais brutos no anexo J, deveria ter declarado os rendimentos líquidos, o que determina a devolução de € 19 785,08 (correspondentes à aplicação da taxa de 28% [aplicável em Portugal aos rendimentos prediais], à diferença entre os rendimentos prediais brutos, declarados no anexo J e os rendimentos líquidos que deveriam ter sido declarados);
d) Se a determinação do rendimento líquido (respeitante aos rendimentos prediais) deve seguir as regras previstas na legislação fiscal francesa ou portuguesa;
e) Se a Requerente tem direito ao reembolso de € 19 785,08 e a juros indemnizatórios.
f) Se a prova produzida quanto ao pagamento do imposto no estrangeiro deve ser considerada bastante?
Saneamento do processo
A questão da competência do tribunal em razão do valor da ação
Nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, do RJAT “[p]ela constituição de tribunal arbitral é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa.”.
No entanto, o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (Regulamento) não dispõe de norma habilitante para regular mais do que a fixação da taxa de arbitragem. Por outras palavras, o Regulamento apenas rege a matéria relativa ao valor da causa dos litígios sujeitos à jurisdição arbitral.
Assim, importa aplicar o artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a título subsidiário, por força do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT.
O artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, determina que: “1 – Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;”.
Ou seja, o valor da causa consiste na “quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o sujeito passivo deixará de pagar ou lhe será devolvida” (cfr. Acórdão arbitral proferido no processo 579/2018-T, de 18/07/2019).
No caso sub judice, a Requerente apresentou a declaração modelo 3 do IRS, da qual resultou uma coleta (bruta) de €115.198,96. Assumindo um crédito por dupla tributação internacional de € 52 786,08, e demais deduções à coleta no valor de €250, resultou um montante a pagar de € 61 087,70, valor que foi pago.
Na sequência do procedimento instaurado, a Requerida liquidou (adicionalmente) oficiosamente € 45 296,16, incluindo juros compensatórios, tendo desconsiderado parte do crédito por dupla tributação internacional.
Todavia, a Requerente entende que apesar de ter declarado os rendimentos prediais brutos no Anexo J da declaração modelo 3 do IRS, deveria ter declarado os rendimentos prediais líquidos pelo que pede a devolução de € 19 785,08 correspondentes à aplicação da taxa de 28% (taxa aplicável aos rendimentos prediais em Portugal), à diferença entre os rendimentos prediais brutos, declarados no anexo J e os rendimentos líquidos que deveriam ter sido declarados. A Requerente entende que estes montantes, embora declarados por si, foram mal declarados, pelo que pede, além da anulação do montante liquidado adicionalmente, o reembolso de € 19 785,08.
Desta feita, a Requerente considera que o valor da causa é de € 65 081,24, porque subtrai à liquidação adicional no valor de € 106 383,86, o imposto pago da primeira liquidação (€ 61 087,70) perfazendo o montante total de € 45 296,16. Ao montante de € 45 296,16, acresceu € 19 785,08, relativos ao imposto correspondente à diferença entre os rendimentos prediais brutos e os rendimentos prediais líquidos.
Assim, a importância cuja anulação a Requerente pretende perfaz o montante de € 65 081,24.
Ou seja, o valor da causa - que corresponde à quantia cuja anulação se pretende - é € 65 081,24.
Nestes termos, tendo em consideração o valor da causa, o presente tribunal coletivo considera-se competente para conhecer do pedido.
Improcede, em consequência, a exceção suscitada.
Não há outras questões prévias e/ou exceções a apreciar.
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
II – FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados
1.1. A Requerente no exercício fiscal de 2015 foi residente fiscal em Portugal.
1.2. A Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS de 2015 no dia 25/09/2016 na qual declarou ter pago no estrangeiro:
Convenção Rendimento Montante Imposto estrangeiro Limite da Convenção Crédito de imposto considerado
França Trabalho Dependente € 3 000,00 € 900 100% € 442,33
França Prediais € 125 481,00 € 10 964,00 100% € 10 964,00
França Dividendos € 112 095,00 € 33 628,50 15% € 16 814,25
França: Estado fonte Dividendos € 163 770,00 € 49 131,00 15% € 24 565,50
Total € 52 786,08
1.3. Em resultado da declaração foi praticada a liquidação n.º 2016..., com um montante a pagar de € 61 087,70 e na qual se incorporou um crédito de imposto por dupla tributação internacional no montante de € 52 786,08.
1.4. A Requerente por ofício de 28/06/2018 foi notificada para, no prazo de 15 dias, remeter para a Direção de Finanças de Lisboa os comprovativos dos montantes inscritos no anexo J da declaração modelo 3 de IRS nos seguintes termos:
a) “Declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do(s) respetivo(s) Estado(s), contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago para o ano de 2015;
b) Liquidação final de imposto obtida no outro Estado, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final. O envio dos documentos enunciados nesta alínea anula o envio dos mencionados na alínea anterior, desde que contendo todos os elementos aí referidos”.
1.5. A Requerente não cumpriu o seu dever de prova dos elementos constantes da declaração modelo 3 de IRS no prazo aludido no número anterior.
1.6. A Direção de Finanças de Lisboa por ofício datado do dia 20/09/2018 notificou a Requerente para, querendo, exercer o direito de audição prévia relativamente ao projeto de alterações à declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2015, no qual se propunha a desconsideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
1.7. A Requerente em 12/10/2018 exerceu o seu direito de audição no qual juntou documentos que, no seu juízo, provam a natureza dos rendimentos, montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos no estrangeiro e imposto total e final pago relativamente ao ano de 2015.
1.8. A Senhora Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa por despacho datado de 15/01/2019 aceitou que os documentos apresentados na audição relativamente ao rendimento da categoria F (crédito de imposto suportado relativamente aos rendimentos prediais em França) são válidos, pois “são emitidos pela autoridade fiscal francesa, e tanto o rendimento como o imposto estão corretos”, mantendo no remanescente a proposta de correção à declaração modelo 3 – os restantes documentos apresentados não foram emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais que constam na declaração modelo 3: França e Suíça (cfr. Informação da Direção de Finanças de Lisboa sancionada por despacho da Senhora Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa – doc. n.º 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
1.9. Consequentemente, foi praticada a liquidação adicional n.º 2019... com o valor a pagar de € 106 383,86.
1.10. O montante de € 61 087,70 foi voluntariamente pago pela Requerente.
1.11. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 17/06/2019.
2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
III – DO DIREITO
(A) Da revogação parcial do ato de liquidação
i) À luz do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, “[q]uando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.”.
ii) Por despacho, de 11/07/2019, a Requerida revogou parcialmente o ato de liquidação no valor de € 49 131,00, considerando que “[n]os termos do nº2 do artº9º do Acordo (em vigor desde 01/01/2005) entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, celebrado em conformidade com a Diretiva nº2003/48/CE (Diretiva Poupança), com vista à aplicação de medidas equivalentes às ali constantes, o Estado-Membro da residência fiscal (Portugal) aceita os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou da retenção na fonte, desde que a autoridade competente no Estado-Membro de residência fiscal possa obter da autoridade competente suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços”.
iii) Em resposta ao despacho de revogação parcial do ato de liquidação, parece ler-se no requerimento apresentado pela Requerente que, em sendo possível uma revogação parcial, o processo deverá apenas prosseguir quanto à parte não revogada do ato de liquidação, por força do disposto do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT. Com efeito, no requerimento de 13/08/2019, a Requerente invoca que “vem, na dúvida sobre a melhor interpretação do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, considerando que a AT apenas revogou parcialmente o ato impugnado e não praticou um novo ato (teoria da divisibilidade do ato de liquidação), vem pronunciar-se, obviamente, pela continuação do processo.”.
iv) Esta intenção parece sair reforçada pelas alegações apresentadas pela Requerente, que refere que “a anulação tinha sido parcial e que apenas respeitava a uma das questões que a p.i. coloca à apreciação do Douto Tribunal Arbitral (crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional), quando outras duas, que a Requerente considera igualmente incontornáveis, devem ser apreciadas e sobre elas proferida decisão jurisdicional (rendimentos de trabalho dependente e rendimentos prediais).” (ponto 12 das Alegações da Requerente”).
v) Pese embora se trate de um comentário ao artigo 122.º do CPPT (e não ao artigo 13.º, n.º 2, do RJAT), o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa sustenta que “[s]e o impugnante, em face da revogação parcial, nada disser nesse prazo ou declarar que mantém a impugnação, ela prosseguirá para apreciação quanto à parte do acto não revogada. Neste caso, se a impugnação improceder, o impugnante será condenado em custas, mas apenas relativamente à parte do acto que não foi revogada.” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, Áreas Editora, 2011, p. 248) (negrito e sublinhado nossos).
vi) A propósito dos efeitos da revogação parcial no processo arbitral, Carla Castelo Trindade afirma que “[n]ão há dúvidas que se está, uma vez mais, perante a consagração do princípio da economia processual, deixando-se claro na lei que, em caso de silêncio do sujeito passivo, se considera ter havido modificação objectiva da instância, não se seguindo, neste caso, a regra. Assim, considera-se que só existe extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade da lide, a qual se consubstancia, no caso em concreto, na extinção do objecto da relação jurídica e que pressupõe a absolvição da Administração Tributária do pedido deduzido pelo sujeito passivo, se houver declaração expressa do sujeito passivo. Deste modo, ou (1) o sujeito passivo declara expressamente que não pretende prosseguir com o processo arbitral, ou (2) o sujeito passivo declara pretender prosseguir com o processo arbitral ou, surtindo o mesmo efeito, nada diz.” (cfr. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, p. 337).
vii) Perante o contexto descrito, entende o presente tribunal arbitral que deve ser aceite a revogação parcial do ato, no montante de €24.565,50.
viii) Salienta-se que, sem prejuízo de no Despacho da Exma. Sr.ª Subdiretora-Geral com competências delegadas na área do IRS, Dr.ª..., proferido a 2019-07-11 “ser aceite, a título de crédito, o valor de €49.131,00, relativo aos dividendos auferidos pela contribuinte, provenientes da Suíça (…)”, como bem identifica a Requerente nas suas alegações, a anulação efetuada pela AT apenas se limita ao crédito de imposto, que se encontra limitado a 15% do montante dos dividendos distribuídos, ou seja, €24.565,50.
(B) Dos rendimentos prediais
ix) No que respeita aos rendimentos prediais, considera este Tribunal que o valor a declarar deverá corresponder ao valor líquido. Contudo, o valor líquido deve ser determinado de acordo com as regras do Código do IRS e não de acordo com a legislação francesa.
x) O Anexo J da declaração modelo 3 do IRS (no modelo aplicável a rendimentos de 2015), aprovado pela Portaria n.º 404/2015, de 16 de novembro, refere-se expressamente a rendimentos líquidos, sendo que das respetivas instruções de preenchimento do anexo resulta que “[n]a terceira coluna (Rendimento líquido) deve ser inscrito o montante dos rendimentos líquido dos gastos suportados com a respetiva obtenção, mas ilíquido de imposto pago no estrangeiro, devendo ainda atender-se ao seguinte:
• Os gastos a considerar correspondem aos efetivamente suportados e pagos no ano pelo sujeito passivo, pelo período em que o(s) prédio(s) esteve(iveram) arrendado(s), nomeadamente os que digam respeito à conservação e manutenção do(s) prédio(s), a despesas de condomínio, a impostos e taxas autárquicas. Também podem ser deduzidos os gastos relativos a obras de conservação e manutenção do(s) prédio(s) que tenham sido suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento, desde que entretanto o(s) imóvel(eis) não tenha(m) sido utilizado(s) para outro fim que não o arrendamento;
• Não podem ser considerados os gastos de natureza financeira, os relativos a depreciações e os relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração (n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRS);
• Caso o SP arrende parte de prédio suscetível de utilização independente, os encargos a deduzir são imputados de acordo com o respetivo valor patrimonial tributário ou, na falta deste, na proporção da área utilizável de tal parte na área total utilizável do prédio.” (disponível em: https://dre.pt/application/conteudo/71019980)”.
xi) O objetivo da declaração – ao exigir que os rendimentos sejam declarados líquidos - é determinar qual o imposto que seria pago em Portugal sobre os rendimentos prediais obtidos em França, para que se possa aplicar o crédito ordinário (ou método da imputação ordinária). Ou seja, pretende-se determinar qual é o valor mais baixo entre o imposto pago em França e o que seria pago em Portugal sobre o mesmo rendimento (dedução máxima).
xii) Para que a comparação seja feita, é necessário que se conheça o rendimento líquido tal como ele seria determinado em Portugal.
xiii) As diferenças na determinação do rendimento líquido entre o estado da residência e da fonte são inclusivamente identificadas pelos comentários à Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“CMOCDE”), que parecem estar em linha com o entendimento defendido acima por este tribunal.
xiv) De acordo com os comentários ao artigo 23.º-A e B da CMOCDE:
“39. O montante dos rendimentos a isentar de imposto pelo Estado da residência é o montante que, na ausência de convenção, teria ficado sujeito a imposto interno sobre o rendimento, de harmonia com a legislação nacional que regula esse imposto. No entanto, pode diferir do montante do rendimento sujeito a imposto pelo Estado da fonte, nos termos da sua legislação interna.
40. Normalmente, a base de cálculo do imposto sobre o rendimento é o rendimento líquido global, ou seja, o rendimento bruto menos as deduções autorizadas. É, pois, o rendimento bruto proveniente do Estado da fonte menos todas as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com a aquisição desse rendimento a isentar.
61. O montante do imposto estrangeiro relativamente ao qual deve ser concedida a imputação é o imposto efectivamente pago, nos termos da Convenção, no outro Estado Contratante. Podem suscitar-se problemas, por exemplo quando o imposto não é calculado sobre o rendimento do ano em relação ao qual é cobrado, mas sobre o rendimento de um ano anterior ou sobre o rendimento médio de dois ou mais anos anteriores. Outros problemas prendem-se com métodos diferentes de determinação do rendimento ou com variações das taxas de câmbio (desvalorização ou revalorização). No entanto, estas questões não podem ser resolvidas antecipadamente através de uma disposição expressa da Convenção.
62. Em conformidade com o disposto no segundo período do número 1 do artigo 23.º-B, a dedução de que o Estado da residência (R) deve conceder é limitada à fracção do imposto sobre o rendimento do Estado R correspondente aos rendimentos provenientes do Estado S ou E (que designamos por «dedução máxima»). Esta dedução máxima pode ser calculada quer mediante a repartição do imposto global incidente sobre os rendimentos globais em função da relação existente entre os rendimentos relativamente aos quais a imputação deve ser concedida e os rendimentos globais, quer mediante a aplicação da taxa de imposto respeitante aos rendimentos globais aos rendimentos relativamente aos quais deve ser concedida a imputação. De facto, o método de imputação produz o mesmo efeito que o método de isenção com progressividade sempre que o imposto do Estado E (ou S) seja igual ou superior ao imposto correspondente do Estado R. Na aplicação do método de imputação podem surgir problemas idênticos aos mencionados nos Comentários relativos ao artigo 23.º-A (cf., designadamente, os parágrafos 39 a 41 e 44 supra), no concernente ao montante dos rendimentos, à taxa de tributação, etc. Pelas mesmas razões invocadas nos parágrafos 42 e 43 supra, é preferível não propor, também para o método de imputação, uma solução expressa e uniforme, ao abrigo da Convenção, deixando a cada Estado a possibilidade de aplicar a sua própria legislação e prática. Isto é igualmente válido para alguns problemas tratados nos parágrafos seguintes.
63. A dedução máxima é normalmente calculada do mesmo modo que o imposto sobre o rendimento líquido, ou seja, sobre o rendimento do Estado E (ou S) menos as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com tais rendimentos (cf. o parágrafo 40 supra). Por este motivo, em muitos casos, a dedução máxima pode ser inferior ao imposto efectivamente pago no Estado E (ou S). Isto é particularmente verdade no caso, por exemplo, de um residente do Estado R que obtém juros do Estado S e que contraiu um empréstimo junto de uma terceira pessoa a fim de financiar o empréstimo gerador dos juros. Dado que os juros devidos sobre o empréstimo contraído podem ser deduzidos dos juros provenientes do Estado S, o montante do rendimento líquido sujeito a imposto no Estado R pode ser muito baixo ou pode, inclusivamente, não haver rendimento líquido. Este problema poderia ser resolvido mediante a aplicação do método de imputação integral no Estado R, como referido no parágrafo 48 supra. Uma outra solução consiste em isentar esse rendimento de imposto no Estado S, como se sugere no comentário respeitante aos juros de vendas a crédito ou de empréstimos concedidos por estabelecimentos bancários (cf. o parágrafo 15 dos Comentários ao artigo 11.º).” (cfr. Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, 210 Cadernos de Ciências e Técnica Fiscal, dezembro de 2013, pp. 528, 539-540).
xv) Em suma, considera este Tribunal que a Requerente tem razão quanto à necessidade de declarar o rendimento líquido.
xvi) Contudo, entende-se que a determinação do rendimento líquido deve ser efetuada de acordo com a lei Portuguesa (com o Código do IRS) e não com a lei francesa.
xvii) Nestes termos, a liquidação de IRS sobre os rendimentos prediais, tendo considerado o rendimento bruto, é ilegal, devendo ser anulada nesta parte.
xviii) Conforme decorre do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de abril, no processo n.º 01374/12, “[c]onstitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, ainda muito recentemente afirmada pelo Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do STA (cfr. o Acórdão do Pleno de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.º 298/12) que «(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.). Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.»”.
xix) Tendo em consideração a jurisprudência acima transcrita, considera-se que o cálculo – por este Tribunal - do exato montante do imposto líquido de acordo com o Código do IRS, afrontaria já o núcleo essencial da função administrativa.
xx) Desta feita, considera-se a parte do ato tributário relativa à tributação de rendimentos prediais ilegal.
(C) Do trabalho dependente e restantes dividendos
xxi) Relativamente aos rendimentos relativos a jetons de présence e outros dividendos, foi invocado pela Requerida, que ficou por provar que o imposto retido corresponde ao imposto pago no estrangeiro.
xxii) Com efeito, a determinação do crédito implica determinar qual o imposto pago no Estado da fonte, sendo que o imposto pago pode não corresponder ao imposto retido.
xxiii) Em todo o caso, à luz do artigo 58.º da Lei Geral Tributária (LGT) (sob a epígrafe – “Princípio do inquisitório”), a administração tributária deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, pelo que poderia ter obtido a informação necessária por outros meios, como é o caso do mecanismo da troca de informações.
xxiv) A respeito do artigo 58.º da LGT escrevem, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que a “Administração possui, na instrução dos procedimentos administrativos, de uma larga margem de iniciativa (princípio do inquisitório) podendo proceder oficiosamente a diligências tendentes à verificação e comprovação dos factos alegados pelo interessado.” (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da escrita, 2012, p. 488).
xxv) Ora, no caso concreto, a Requerente alega e demonstra que lhe foram retidos €900,00, pela E... relativamente aos jetons de présence.
xxvi) Também no caso dos dividendos distribuídos pela B..., em França através do banco depositário C... e na Suíça através do banco depositário D..., a Requerente apresenta documentos emitidos pelos bancos depositários que identificam o imposto retido.
xxvii) Em ambos os casos, a Requerente defende que o imposto retido corresponde ao imposto efetivamente pago, referindo que as retenções são liberatórias.
xxviii) Assim, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, ao interessado “só em princípio incumbe a prova dos factos constitutivos do direito ou interesse invocado (ónus da prova), cabendo à Administração um papel dinâmico na recolha dos elementos com relevância para a decisão”. (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada4, Encontro da escrita, 2012, p. 488).
xxix) Desta feita, entende este Tribunal que competia à AT proceder oficiosamente à verificação e comprovação dos referidos factos (i.e. de que o imposto retido corresponde ao imposto pago) na medida em que estes foram alegados pelo Requerente, tendo sido apresentada prova que – de acordo com a Requerente - os fundamenta.
xxx) Neste contexto, o TCA-Norte, no processo n.º 107/03 de 04/14/2005 decidiu que “competia à A. Fiscal, caso lhe subsistissem quaisquer dúvidas, designadamente quanto à coincidência entre o valor retido na fonte e o imposto liquidado, proceder à troca de informações com aquelas autoridades, o que lhe é autorizado e consentido pelo tratado destinado a evitar a dupla tributação (cfr. art. 26° da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça).
Na falta de demonstração pela A. Fiscal da falta de veracidade da situação declarada pelo contribuinte e que se encontra atestada pelos documentos que juntou, não podia aquela, sem mais diligências, desconsiderar o montante de imposto que o impugnante declarou ter pago na Suiça”.
xxxi) No mesmo sentido decidiu o TCA-Norte no processo n.º 190/02, de 04/28/2005.
xxxii) Na verdade, no caso de não residentes, geralmente sujeitos a uma tributação real, seria extremamente oneroso impor-lhes a obrigação de obter junto de uma administração fiscal estrangeira um documento adicional que, em muitos casos, não existe.
xxxiii) Veja-se a este respeito a jurisprudência do CAAD, nomeadamente o processo n.º 552/2016-T, de 13/04/2017, em que a Requerente juntou aos autos, o requerimento que dirigiu ao Ministério de Finanças Federal da Bélgica, solicitando a emissão de documento comprovativo dos valores de imposto retido sobre os juros, e no respetivo email de resposta, os serviços belgas afirmaram não emitiam tal tipo de declaração e que são as entidades bancárias que comprovam a declaração de imposto retido na Bélgica.
xxxiv) No referido caso, o Tribunal Arbitral entendeu que: “(…) a Requerente apresentou à AT portuguesa os documentos que tinha e apenas os que podia apresentar, pois que não dependia dela (requerente) apresentar qualquer outro. Resulta provado que o Ministério das Finanças da bélgica lhe respondeu negativamente ao solicitado documento. O que poderia fazer a Requerente? E o que poderia fazer a AT, ora requerida? É claro que a Requerente não podia fazer mais nada. Não tinha poder nem competência para obrigar um Estado (Bélgica) a emitir um documento na forma pretendida pelo outro Estado (Portugal). Mas ambos os Estados contratantes dispõem de um sistema de troca de informações, por via do qual foi a Requerente advertida e “obrigada” a cumprir a sua obrigação fiscal em Portugal. Logo, a ora requerida AT, através da sua DSRI, seguramente poderia ter solicitado alguma informação adicional, para esclarecimento de alguma dúvida sobre a veracidade da declaração contida nos documentos apresentados pela Requerente para efeitos de dedução do crédito de imposto para eliminação da dupla tributação internacional. O que não pode é, pura e simplesmente negar-lhe esse direito, violando o disposto no art.º 22º da CDT e no art.º 81º do CIRS.” (cfr. Acórdão arbitral proferido no processo n.º 552/2016-T, de 13/04/2017)
xxxv) Desta feita entende este Tribunal ser de aceitar o crédito de imposto por dupla tributação internacional no presente caso, considerando-se a documentação apresentada bastante para a obtenção do crédito de imposto.
IV – DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
De acordo com o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente cumula com o pedido de anulação da liquidação um pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si indevidamente paga.
São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, Vol. I, Áreas Editora, 2006, p. 472).
No caso em apreço, a ilegalidade da liquidação de imposto é diretamente imputável à Requerida na medida em que, por sua iniciativa, praticou o ato de liquidação.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios por aplicação do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
V - DA DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente a exceção dilatória em razão do valor da ação;
b) Aceitar procedente a revogação parcial do ato de liquidação no montante de €24.565,50;
c) Anular a liquidação de IRS sobre os rendimentos prediais;
d) Aceitar o crédito de imposto relativo aos rendimentos de trabalho dependente e restantes dividendos;
e) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 2 448,00.
V – VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 65 081,24 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI – CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 448,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
• Notifique-se.
Lisboa, 10 de abril de 2020
O Presidente do Tribunal Arbitral,
(José Poças Falcão)
O Árbitro vogal,
Francisco Nicolau Domingos
O Árbitro vogal,
João Taborda da Gama