DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., com sede social em ..., n.º..., ..., ..., Alemanha, titular do número de identificação de pessoa coletiva ... e o número de identificação fiscal ..., enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra os actos tributários de retenção na fonte em IRC sobre juros auferidos em Portugal, nos períodos de 2016 e 2017, no valor global de € 6.082.187,10, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
O Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em território português e está legalmente autorizado a desenvolver a actividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira, em regime de livre prestação de serviços.
No decurso da sua atividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo B..., o Requerente adquiriu, no dia 13 de maio de 2016, um portefólio de créditos ao C... AG, tendo passado a auferir juros de fonte portuguesa.
Sobre os referidos juros, o Requerente sofreu retenção na fonte, a título definitivo, em regime de substituição tributária, que, no período de 16 de maio de 2016 e 31 de dezembro de 2017, atingiu o montante total de € 6.082.187,10.
Nesse contexto, o Requerente deduziu, em 27 de dezembro de 2018, reclamação graciosa, na qual solicitou a anulação dos atos tributários de retenções na fonte de IRC e o reembolso do imposto indevidamente retido, por entender que existe uma violação dos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, consequentemente, do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
A Autoridade Tributária não proferiu decisão no prazo legal, pelo que, em 27 de abril de 2019, se formou ato tácito de indeferimento.
As entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, como é o caso do Requerente, apenas são tributadas pelos rendimentos que obtenham em território português (artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC), sendo que, ao abrigo da cláusula residual estabelecida no ponto 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do mesmo diploma, poderia ser tributada por «outros rendimentos de aplicação de capitais», entre os quais se incluem os juros pagos por devedores que tenham residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável aí situado.
Por sua vez, o artigo 87.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 94.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, à data dos fatos estabelecia a sujeição daqueles rendimentos a retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 25%, sobre o montante bruto dos juros, que poderá ser reduzida para 15%, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º da CDT Portugal – Alemanha.
Assim, à luz do referido enquadramento legal, o Requerente sofreu retenções na fonte, à taxa de 15%, muito embora esses atos tributários devam ser tidos como ilegais pela sua desconformidade com o Direito da União Europeia.
Com efeito, o Código do IRC previa um tratamento distinto consoante os juros fossem auferidos por entidades residentes ou por entidades não residentes, impondo uma carga fiscal mais elevada para as instituições financeiras não residentes, porquanto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IRC, os juros auferidos por entidades residentes não seriam objecto de retenção na fonte, sendo antes incluídos no lucro tributável do titular dos rendimentos, nos termos gerais do Código do IRC, e, como tal, a respetiva tributação seria realizada sobre o montante líquido dos juros.
Ao contrário, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, os juros de fonte portuguesa auferidos por entidades não residentes – qualificação em que se subsume a Requerente – eram tributados por via de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25% ou à taxa reduzida que resulte de Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação aplicável, sem possibilidade de dedução de despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade desenvolvida.
Em suma, enquanto as entidades residentes são tributadas sobre os juros líquidos auferidos, considerando os encargos relacionados com a obtenção desses mesmos juros e conexos com a atividade desenvolvida, as entidades não residentes eram tributadas sobre os juros ilíquidos, não se prevendo, para o efeito, a consideração de quaisquer encargos relacionados com a obtenção desses juros.
O que implica, desde logo, um tratamento desigual e discriminatório, vedado pelas liberdades fundamentais que enformam o ordenamento jurídico da União Europeia, designadamente à luz da liberdade da prestação de serviços e da liberdade de circulação de capitais, com previsão legal nos artigos 56.º e 63.º do TFUE.
Sendo que, as normas de Direito da União Europeia têm supremacia em relação às normas de direito interno e que, como tal, a norma contida no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC por ser discriminatória face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC, não deve ser aplicada ao caso concreto.
Por fim, caso o Tribunal entenda que subsiste alguma dúvida interpretativa sobre estas disposições do TFUE, o Requerente peticiona o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do TFUE.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que, no caso concreto, não ocorreu discriminação negativa da Requerente por ser entidade não residente, uma vez que não foi ultrapassado, pelas retenções na fonte efectuadas, o limite de 15% previsto no artigo 11.º, n.º 2, alínea b), da Convenção, sendo menor a tributação através das retenções na fonte do que a que seria aplicada se a Requerente fosse residente em Portugal.
No caso das entidades residentes, visto que o imposto incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, a obrigação tributária periódica somente é liquidável após o decurso do período de tributação, porque apenas no final deste se completa o facto tributário, só então podendo ser conhecido com exatidão o quantum sobre o qual o imposto deve incidir.
A tributação através de retenção na fonte surge assim justificada pela inviabilidade ou dificuldade de efectuar tributação de não residentes com base no lucro tributável e, sendo o regime fiscalmente favorável à Requerente, não se pode ver nele qualquer restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
Acresce ainda que a Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está adstrita ao princípio da legalidade.
Por outro lado, deverá ter-se em conta que, no plano fiscal, um tratamento diferenciado de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes.
Como é reconhecido pelo TJUE, a situação destas duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças objectivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes.
Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a Requerente teria que demonstrar que suporta uma tributação mais elevada no seu conjunto.
Por outro lado, segundo a jurisprudência do TJUE, não colide com as liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais, o estabelecimento de um mecanismo a prever que a consideração das despesas profissionais conexas com a obtenção dos juros seja materializada após ter sido efetuada a retenção na fonte, mediante a apresentação, junto da Autoridade Tributária, de um pedido de reembolso da totalidade ou de uma parte do imposto retido na fonte, competindo ao interessado o ónus de oferecer as provas para demonstrar o montante das despesas que pretende sejam dedutíveis.
Ora, quer na reclamação graciosa quer no pedido arbitral, a Requerente omite qualquer referência à recuperação total ou parcial do imposto no Estado de residência e nada indica sobre eventuais despesas e encargos relacionados com os rendimentos de juros obtidos em Portugal. E a Autoridade Tributária não dispõe das informações que lhe permitam verificar se foi exercido o direito ao crédito de imposto no Estado de residência da Requerente e não lhe é exigível que apresente provas das despesas efectuadas.
O TJUE já se pronunciou sobre uma questão materialmente idêntica no processo C-18/15 e, nesse sentido, julga-se ser desnecessário o reenvio prejudicial.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 5 de Dezembro de 2019, foi designada para o dia 22 de Janeiro de 2020 a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal indicada pela Requerente.
Entretanto, por requerimento de 13 de janeiro de 2020, a Requerente solicitou a junção de 8 documentos destinados a demonstrar que, no âmbito da sua atividade, incorreu, no decurso do ano de 2016, em custos de financiamento e honorários relacionados com o portefólio de créditos português, nos montantes globais de € 5.676.323,33 e € 2.012.499,70, respectivamente, e uma declaração fiscal que pretende demonstrar que a Requerente não pode aplicar na Alemanha o método do crédito de imposto recuperável (documento n.º 9). Ainda por requerimento de 21 de Janeiro, a Requerente juntou tradução para a língua portuguesa da declaração fiscal a que se refere o documento n.º 9.
Na reunião de 22 de Janeiro de 2020, o tribunal arbitral concedeu prazo à Requerida para se pronunciar sobre os documentos juntos com os requerimentos probatórios de 13 e 21 de janeiro de 2020. No exercício do direito de resposta, a Autoridade Tributária requereu o desentranhamento dos documentos por considerar terem sido apresentados extemporaneamente, e, no caso de serem admitidos, requereu que fosse junta a tradução em língua portuguesa, nos termos dos artigos 133.º e 134.º do CPC.
Em 28 de Janeiro de 2020, o tribunal arbitral determinou o prosseguimento do processo para alegações, por prazo sucessivo, e quanto à prova documental junta após a fase dos articulados, emitiu o seguinte despacho:
Ao abrigo do princípio da prova e da autonomia do tribunal na condução do processo, e tendo em atenção que o artigo 425.º do CPC, subsidiariamente aplicável, não exclui que os documentos possam ser apresentados até ao encerramento da discussão, admite-se a requerida junção de documentos pela impugnante.
Considerando que os documentos 1 a 8 correspondem a facturas de transações comerciais dispensa-se a sua tradução.
Em alegações, as partes pronunciaram-se sobre a prova produzida e quanto à matéria de direito reiteraram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21 de Outubro de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
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A Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em território português;
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A Requerente está legalmente autorizada a desenvolver a atividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira, em regime de livre prestação de serviços;
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E nessa condição detém número de identificação fiscal, nomeadamente, para efeitos de retenção na fonte;
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No decurso da sua atividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo B..., a Requerente adquiriu, no dia 13 de maio de 2016, um portefólio de créditos ao C.. AG (documento n.º 2 junto com o pedido arbitral e depoimento prestado pela testemunha D...);
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No período compreendido entre 16 de maio de 2016 e 31 de dezembro de 2017, a Requerente auferiu juros no montante total bruto de € 40.547.913,98 (€ 16.646.908,60 + € 23.901.005,38);
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Nesse mesmo período, por referência aos juros auferidos nesse indicado valor, a Requerente sofreu retenções na fonte, a título definitivo, no montante total de € 6.082.187,10 (€ 2.497.036,29 + € 3.585.150,81), que resultaram da aplicação da taxa reduzida de 15% por efeito da alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital celebrada entre Portugal e Alemanha (Documento n.º 3 junto com o pedido arbitral);
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Relativamente ao período de 2016, desde maio até dezembro, o Requerente auferiu juros de fonte portuguesa, no montante total de € 16.646.908,60, tendo sofrido retenções na fonte, com caráter definitivo, que ascenderam ao montante total de € 2.497.036,29;
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Relativamente ao período de 2017, desde janeiro até dezembro, a Requerente auferiu juros de fonte portuguesa, no montante total de € 23.901.005,38, tendo sofrido retenções na fonte, com caráter definitivo, que ascenderam ao total de € 3.585.150,81;
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Neste contexto, a Requerente deduziu, em 27 de dezembro de 2018, reclamação graciosa, na qual solicitou a anulação dos atos tributários de retenções na fonte de IRC e o reembolso do imposto indevidamente retido, por entender que existe uma violação dos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, consequentemente, do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa;
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No decurso do procedimento, a Autoridade Tributária solicitou elementos de informação que foram prestados pela Requerente (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido arbitral);
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A reclamação graciosa não foi decidida dentro do prazo legalmente previsto;
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A Requerente incorreu em custos de financiamento e honorários relacionados com o portefólio de créditos português (documentos n.ºs 1 a 8 juntos com o requerimento apresentado a 21 de janeiro e depoimento prestado pela testemunha D...).
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, na prova testemunhal produzida em audiência e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
5. Em debate está a questão de saber se as instituições financeiras não residentes e sem estabelecimento estável no território português podem ser tributadas pelos rendimentos de capitais obtidos em Portugal através de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, sem a possibilidade de deduzirem os encargos directamente relacionadas com a sua actividade, ao contrário do que sucede com as entidades residentes relativamente às quais a tributação incide sobre o lucro tributável.
Com efeito, nos termos do artigo 4.º do Código do IRC, as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos (n.º 2), considerando-se como obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, são especificados nas diversas alíneas do n.º 3, e, entre estes, os rendimentos de aplicação de capitais (alínea c), subalínea e)).
Por sua vez, o artigo 87.º, n.º 4, prevê que a taxa de IRC aplicável a rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável é de 25 %, e o artigo 94.º sujeita a retenção na fonte os rendimentos obtidos em território português que aí se encontram referenciados (n.º 1), estipulando que a retenção na fonte tem carácter definitivo (não podendo, por isso, ser entendido como pagamento por conta do imposto) quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em Portugal (artigo 94.º, n.º 3, alínea b)).
Na situação do caso, está em causa a obtenção de juros no território português por uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em Portugal, e que, por efeito do disposto em Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, foi sujeita a retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa reduzida de 15%.
Neste contexto, a Requerente sustenta que, não lhe sendo dada oportunidade de deduzir aos rendimentos obtidos as despesas profissionais e de funcionamento, foi objecto de um tratamento discriminatório relativamente às entidades residentes, em violação do disposto nos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
A Autoridade Tributária contrapõe que a tributação através de retenção na fonte se encontra justificada pela dificuldade de efectuar tributação de não residentes com base no lucro tributável e, por outro lado, ela não envolve uma restrição à livre circulação de capitais por se tratar de um regime fiscalmente mais favorável.
Acrescenta que a situação entre as duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças objectivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer quanto à possibilidade de se fixar o lucro tributável em função da capacidade contributiva dos contribuintes, e que não colide com a liberdade de prestação de serviços e de circulação de capitais a imposição ao interessado o ónus da prova do montante das despesas que se entende serem dedutíveis.
6. Questão idêntica à que assim vem colocada foi já analisada no acórdão do STA de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 0298/13), na sequência de um pedido reenvio prejudicial que originou o acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016 (Processo n.º C-18/15). No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STA de 22 de Março de 2017 (Processo n.º 0165/13) e não há motivo para alterar o entendimento que foi então sufragado.
O Tribunal de Justiça, respondendo às questões prejudiciais que haviam sido suscitadas pelo STA, concluiu nos seguintes termos:
O artigo 49.º do Tratado da Comunidade Europeia (a que corresponde o actual artigo 56º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) não se opõe a uma legislação nacional por força da qual a remuneração paga às instituições financeiras não-residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes não está sujeita a tal retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não-residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objectivo prosseguido.
Todavia, aquela disposição opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não-residentes pelos rendimentos de juros obtidos em Portugal sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade em questão, inviabilizando a tributação do rendimento líquido, ao passo que reconhece essa possibilidade às instituições financeiras residentes.
O Tribunal de Justiça responde, por outro lado, às diversas objecções que, no âmbito do presente processo, são colocadas pela Autoridade Tributária, como se depreende dos seguintes considerandos:
23 No que diz respeito ao segundo aspecto do pedido de decisão prejudicial, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto à tomada em consideração das despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, que os prestadores residentes e os prestadores não residentes se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.º 27; de 6 de julho de 2006, Conijn, C‑346/04, EU:C:2006:445, n.º 20; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).
24. O Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 49.º CE se opõe a uma legislação nacional que, regra geral, ao tributar os não residentes, toma em conta os rendimentos ilíquidos sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas (acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.ºs 29 e 55; de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.º 42; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).
25 No caso vertente, tendo em conta o argumento invocado, nomeadamente pela República Portuguesa, segundo o qual as prestações de serviços das instituições financeiras devem, à luz do princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49º CE, em princípio, ser tratadas de maneira diferente das prestações de serviços noutros domínios de atividade, na medida em que não é possível fazer qualquer ligação característica entre os custos suportados e os rendimentos de juros obtidos, o órgão jurisdicional de reenvio questiona-se sobre se a jurisprudência referida no número anterior pode ser transposta para o processo principal.
26 A este respeito, há que precisar que o Tribunal de Justiça não distingue entre as diferentes categorias de prestações de serviços. Além disso, o artigo 49º CE, lido em conjugação com o artigo 50º CE, visa indistintamente todas as categorias de prestações de serviços enumeradas nesta última disposição. Apenas o artigo 51º, nº 2, CE dispõe que a liberalização dos serviços bancários ligados a movimentos de capitais se deve efectuar de harmonia com a liberalização da circulação dos capitais. Ora, as disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de capitais não contêm nenhum elemento suscetível de corroborar a tese segundo a qual os serviços bancários devem ser tratados de maneira diferente das outras prestações de serviços pelo facto de ser impossível estabelecer qualquer ligação característica entre os custos suportados e os rendimentos de juros obtidos.
27 Por conseguinte, em princípio, as prestações de serviços efectuadas por instituições financeiras não podem, à luz do princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49º CE, ser tratadas de maneira diferente das prestações de serviços noutros domínios de atividade.
28 Daqui decorre que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual as instituições financeiras não residentes são tributadas pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes ser dada a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em causa, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida, em princípio, por força do artigo 49º CE.
29 Todavia, como decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre prestação de serviços pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Neste caso, é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objectivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 36).
30 Importa, pois, verificar se uma restrição como a que está em causa no processo principal pode ser validamente justificada pelas razões invocadas no caso vertente.
31 A este respeito, por um lado, resulta da decisão de reenvio que a justificação apresentada perante o órgão jurisdicional de reenvio se baseia na aplicação, às instituições financeiras não residentes, de uma taxa de tributação mais favorável do que a que é aplicada às instituições financeiras residentes.
32 No entanto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de, eventualmente, existirem outros benefícios (v., neste sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman - Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, nº 41, e de 18 de outubro de 2012, X, C - 498/10, EU:C:2012:635, nº 31).
33 Daqui decorre que uma restrição à livre prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não pode ser justificada pela circunstância de as instituições financeiras não residentes estarem sujeitas a uma taxa de tributação menos elevada do que as instituições financeiras residentes.
34 Por outro lado, no âmbito do processo no Tribunal de Justiça, a República Portuguesa sustentou que a regulamentação em causa no processo principal se justifica simultaneamente pela exigência de preservar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados-Membros, pela vontade de evitar a dupla dedução das despesas profissionais em causa e pela necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto.
35 Em primeiro lugar, no que respeita à repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados-Membros, há que recordar que o Tribunal de Justiça reconheceu, efectivamente, que a preservação da repartição do poder tributário entre os Estados-Membros constitui um objectivo legítimo e que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização adotadas pela União Europeia, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário, de modo a eliminarem as duplas tributações (acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C-657/13, EU:C:2015:331, nº 42).
36 Todavia, também decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando os Estados-Membros utilizam esta liberdade e fixam, no âmbito de convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação, os factores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União (v., neste sentido, acórdão de 19 de novembro de 2015, Bukovansky, C-241/14, EU:C:2015:766, nº 37).
37 Ora, como observou a advogada-geral nos n.ºs 59 a 62 das suas conclusões, não há, no caso em apreço, nenhum elemento que permita explicar em que medida é que a repartição dos poderes de tributação exige que as instituições financeiras não residentes devem, no que respeita à dedução das despesas profissionais diretamente relacionadas com os seus rendimentos tributáveis nesse Estado-Membro, ser tratadas de maneira menos favorável do que as instituições financeiras residentes.
38 Em segundo lugar, quanto à intenção de prevenir a dupla dedução das despesas profissionais, que pode ser associada à luta contra a fraude fiscal, basta salientar que, ao limitar-se a evocar, sem mais explicações, a eventual existência de um risco de que as despesas em causa possam ser deduzidas uma segunda vez no Estado de residência do prestador dos serviços, sem demonstrar em que medida a aplicação do disposto na Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos e dos impostos sobre os prémios de seguro (JO 1977, L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), conforme alterada pela Diretiva 2001/106/CE do Conselho, de 16 de novembro de 2004 (JO 2004, L 359, p. 30), em vigor à data dos factos no processo principal, não teria permitido evitar esse risco, a República Portuguesa não coloca o Tribunal em condições de apreciar o alcance deste argumento (v., neste sentido, acórdão de 24 de fevereiro de 2015, Grünewald, C-559/13, EU:C:2015:109, nº 52).
39 Em terceiro lugar, quanto à necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que esse objectivo constitui uma razão imperiosa de interesse geral que pode justificar uma restrição à livre prestação de serviços (v., nomeadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C-290/04, EU:C:2006:630, nºs 35 e 36, e de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 39), é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objectivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 36).
40 Ora, há que constatar que uma restrição como a que está em causa no processo principal não é necessária para garantir a eficácia da cobrança do IRC.
Em suma, o TJUE considera que o facto de a entidade não-residente não poder deduzir em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira em causa, inviabilizando a tributação do seu rendimento líquido, constitui um tratamento discriminatório, contrário a uma liberdade fundamental constante de norma de direito europeu, independentemente de quaisquer outras considerações como seja a sujeição a uma taxa de tributação comparativamente mais favorável que a taxa que vigora para as entidades residentes, por efeito da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.
Por outro lado, a TJUE sublinhou que os prestadores de serviços residentes e não residentes se encontram numa situação comparável, não tendo relevo para o caso que as regras de determinação do lucro tributável ou a taxa de tributação aplicável não sejam coincidentes com as que vigoram no Estado de residência do sujeito passivo.
E, por identidade de razão, não é possível opor à exigência de tratamento igualitário das entidades residentes e não residentes as vicissitudes relativas ao crédito do imposto pago em Portugal ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, situação essa que carece de ser analisada à luz do direito convencional.
Torna-se, assim, indiscutível que as instituições financeiras não-residentes devem ser tratados do mesmo modo que as instituições residentes, tendo o direito de ver reconhecidas, perante a administração tributária portuguesa, os encargos e as despesas relacionadas com os rendimentos em causa, e o direito de as deduzir antes da tributação, isto é, de serem tributadas em Portugal apenas pelo rendimento líquido.
7. A Autoridade Tributária alega ainda que a jurisprudência do TJUE não exclui a possibilidade de as despesas profissionais conexas com a obtenção dos juros vir a ser considerada através de um pedido de reembolso da totalidade ou de uma parte do imposto retido na fonte, e, nesse caso, compete ao interessado o ónus da prova do montante das despesas que pretende que sejam dedutíveis. Sendo que, a Requerente não faz qualquer referência, na reclamação graciosa ou no pedido arbitral, às despesas e encargos que poderiam ser considerados gastos fiscais para efeitos de dedução aos rendimentos obtidos.
No entanto, estas questões foram também analisadas no acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-18/15.
O acórdão assinala que a actividade financeira da entidade não residente origina necessariamente despesas profissionais e de funcionamento a que haverá de atender-se para o cálculo do imposto devido, ainda que possam subsistir dúvidas quanto à relação directa com a actividade ou o montante efectivo que deve ser considerado (parágrafos 48 e 49). E acrescenta que “a simples circunstância de esta prova ser mais difícil de produzir não autoriza um Estado‑Membro a recusar de modo absoluto aos não residentes, sujeitos passivos parcialmente tributados, a dedução que concede aos residentes, sujeitos passivos integralmente tributados, uma vez que não se pode excluir a priori que um não residente esteja em condições de fornecer provas pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado‑Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, a realidade e a natureza das despesas profissionais cuja dedução é solicitada” (parágrafo 49).
Por outro lado, o acórdão esclarece que “nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem ao não residente as provas que considerarem necessárias para apreciar se os requisitos de dedutibilidade das despesas previstas pela legislação em questão estão preenchidos e, consequentemente, se há ou não que conceder a dedução solicitada” (parágrafo 50),
O Tribunal de Justiça não afasta, por conseguinte, que possa ser exigido ao contribuinte não residente a prova das despesas relacionadas com os rendimentos obtidos no território português, no pressuposto de que essas despesas são dedutíveis em igualdade de circunstâncias com o regime aplicável aos residentes. No entanto, como se reconhece na jurisprudência do STA citada, esse é um mecanismo que teria de ser criado por via legislativa, de forma a ser accionado perante a administração tributária em termos de permitir a dedução de despesas a posteriori - e era ainda inexistente à data dos factos -, não competindo aos tribunais a indagação oficiosa, no âmbito do processo jurisdicional, das despesas passíveis de dedução para efeito do apuramento do imposto devido, visto que é essa é uma actividade que incumbe primariamente à Administração no exercício da sua função administrativa.
O que importa reter é que as normas dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC são consideradas incompatíveis com o Direito Europeu, por violação do artigo 56.º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia, o que gera a sua inaplicabilidade por efeito da prevalência do direito europeu sobre o direito interno.
E nesse sentido os actos tributários de retenção na fonte e a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida são ilegais por violação de artigo 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Juros indemnizatórios
8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Nos termos desse artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. E como se refere no acórdão do STA de18 de Janeiro de 2017 (Processo n.º 0890/16), nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte, como sucede quando haja lugar a retenção na fonte, o erro passará a ser imputável à Autoridade Tributária a partir do momento em que, tendo sido deduzida impugnação administrativa, a Administração, indeferindo a pretensão, toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. E o erro manter-se-á se, em impugnação judicial, for julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário e da decisão de indeferimento da impugnação administrativa.
Por outro lado, o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma de direito europeu também não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a Autoridade Tributária “não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito europeu do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da EU”.
Com efeito, as normas e princípio de direito internacional comum são parte integrante do direito português com o conteúdo e extensão que possuem no plano jurídico-constitucional e vinculam o Estado Português (artigo 8.º da CRP), e, encontrando-se a Administração subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), não pode deixar o cumprir o disposto nas disposições convencionais.
Por força do princípio da legalidade, a Administração apenas se encontra impedida de desaplicar uma lei a pretexto da sua inconstitucionalidade, tarefa que, em termos difusos, e conforme o disposto no artigo 204.º, se encontra apenas conferida aos tribunais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, pág. 800). E só na circunstância de a decisão judicial recusar a aplicação de norma por inconstitucionalidade – quando ela constitua fundamento do acto tributário impugnado – é que se não verifica o pressuposto de que depende a condenação em juros indemnizatórios.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos actos tributários de retenção na fonte ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Reenvio prejudicial
9. A Requerente solicitou a título subsidiário o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciar as questões que estão em análise.
No entanto, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da livre prestação de serviços e, como se deixou exposto, existe jurisprudência do TJUE que se pronunciou expressamente sobre as questões de direito que relevam para a apreciação do objecto do processo e de que o tribunal se serviu para fundamentar a sua posição.
Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.
III – Decisão
Termos em que se decide:
-
Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos tributários de retenção na fonte impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra ele deduzida;
-
Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 6.082.187,10, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 76.194,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 16 de Abril de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
António Martins
A Árbitro vogal
Carla Castelo Trindade (vencida nos termos da declaração de voto que junta)
Declaração de voto
Não acompanho a decisão perfilhada nos presentes autos, designadamente no que respeita à extensão da anulação e à questão dos juros indemnizatórios pelos motivos que sucintamente passo a enunciar:
Resulta da mais recente jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Janeiro de 2019, no processo n.º 0436/18.0BALSB, que “[o] acto tributário, enquanto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial”, sendo que “[n]ão impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória”. (destacado meu)
Ante o exposto, sempre me inclinaria para a anulação parcial dos actos tributários de retenção na fonte em análise, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida, em razão da sua ilegalidade – com a qual não deixo de concordar, em face dos fundamentos aduzidos por este Tribunal Arbitral –, ao invés da sua anulação total. Cabendo em momento ulterior à Autoridade Tributária, em sede de execução de julgados, proceder ao apuramento do montante das despesas directamente relacionadas com a actividade do Requerente, in concreto, em cumprimento do disposto na alínea a) do artigo 24.º do RJAT, bem como do n.º 2 do artigo 609.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
De tal modo que, no que respeita à condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, a mesma não deveria dizer respeito ao acto como um todo, por não ser possível determinar o concreto montante de imposto indevidamente pago pela Requerente. Recorde-se que à Autoridade Tributária incumbe a “prática do acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral”, como se retira do referido artigo 24.º do RJAT (alínea a) do seu n.º 1) e, bem assim, do próprio efeito anulatório que dimana da presente decisão. Implicando que em execução de julgados tivesse lugar a reconstituição da situação “actual e hipotética”, decorrente da anulação efectuada, sendo esse, também, o momento adequando para aferir o quantum devido a título de juros indemnizatórios (vide, por exemplo, a decisão do CAAD de 1 de Julho de 2015, proferida no processo n.º 664/2014-T).
Isto posto, entendo que é verdade que são devidos juros indemnizatórios, como de resto não poderia deixar de ser em virtude da procedência do pedido de pronúncia arbitral, mas não deixo por isso de entender que o seu montante sempre estará dependente da quantia que concretamente venha a ser apurada nos termos acima referidos, computados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Termos em que, pelas razões expostas, daria provimento parcial ao pedido arbitral de declaração de ilegalidade anulando o acto tributário na parte em que desconsiderou as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade financeira do Requerente em Portugal, a quantificar pela Administração Tributária em execução da presente decisão, devendo a respectiva condenação em juros indemnizatórios acompanhar a medida dessa anulação.
Carla Castelo Trindade