Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 453/2019-T
Data da decisão: 2020-05-07  IRC  
Valor do pedido: € 392.649,76
Tema: IRC - Tributação Autónoma. Pagamento a não-residentes
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), Profª. Doutora Clotilde  Celorico Palma e  Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo  (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam o seguinte:

 

I- RELATÓRIO

 

A... - Sociedade Imobiliária Lda. (doravante designada por “Requerente”), com sede na Rua …, Lote …, …, …, titular do número de identificação de pessoa colectiva …, apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112A/2011, de 22 de Março, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração da ilegalidade da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2016 ... relativa ao período de 2015, tributação autónoma e respectivos juros compensatórios, formalizadas pela decisão de indeferimento do Processo de Reclamação Graciosa com o n.º ...2018....

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação.

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 16 de Outubro de 2019.

No dia 29 de Novembro de 2019 teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, tendo-se procedido à audição das testemunhas indicadas, conforme a acta da respectiva reunião e o seu registo áudio, que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais. As Partes foram notificadas para produzirem alegações escritas sucessivas, no prazo de 20 dias, e designado o dia 18 de Abril para o efeito da prolação da Decisão Arbitral. Prazo este prorrogado para o dia 18 de Maio.

 

I.1. Argumentos da Requerente

 

  1. Como, com a crise económica iniciada em 2008, as vendas de imobiliário no mercado interno caíram acentuadamente, os Vistos Gold criaram uma nova área de negócio, a que quase todas as empresas imobiliárias recorreram;
  2. O mercado da China tornou-se especialmente importante, e a celebração de contratos de angariação com empresas de Hong-Kong tornou-se comum no sector;
  3. A Requerente invoca que ficaram comprovados no processo administrativo os contratos celebrados com as entidades estrangeiras, a sua razão de ser, e os montantes envolvidos;
  4. Invocou em abono o decidido pelo CAAD no processo n.º 198/2017-T;
  5. Mais invocou que ficaram igualmente documentadas a situação das empresas estrangeiras e a relação dos pagamentos feitos com as transacções realizadas pela Requerente;
  6. Os serviços prestados pelas referidas empresas incluíam não apenas a prospecção de clientes, mas também toda a logística da deslocação a Portugal para tomar conhecimento dos imóveis, e os necessários serviços de apoio (viagens, alojamento, alimentação, tradução, relações com bancos, registos, serviços administrativos e de fornecimentos essenciais – água, electricidade, gás, telecomunicações –, aconselhamento jurídico, etc.);
  7. Por outro lado, tais serviços eram necessários para a concretização das vendas dos imóveis da carteira da Requerente e, portanto, para a sua actividade normal, e não podem ser comparados com os serviços prestados por angariadores nacionais;
  8. Competindo à gestão da Requerente, e não à AT, a aferição do custo/benefício dos serviços contratados;
  9. Também a retenção na fonte não tem cabimento, por força da entrada em vigor do Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento;
  10. Uma vez que a Requerente juntou o RFI das empresas de Hong-Kong, como previsto no referido acordo, a retenção na fonte não deveria ter lugar, mesmo a terem-se por verificados os pressupostos do n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC;
  11. Sendo ilegal a liquidação do imposto, também o será a liquidação de juros compensatórios.

Termina pedindo “a anulação das liquidações de IRC de 2015, de tributação autónoma e de juros compensatórios e de mora por vício de violação de lei”.

Nas alegações manteve substancialmente a mesma argumentação, actualizando a listagem das decisões proferidas no CAAD a propósito da prova dos requisitos do artigo 23.º-A do Código do IRC: Ac. 198/2017-T; Ac. 362/2017-T; Ac. 368/2017-T; 382/2017-T; Ac. 419/2017-T; Ac. 483/2017-T; Ac. 152/2018-T; Ac. 171/2018-T; Ac. 34/2019-T.

 

I.2. Argumentos da Requerida

 

  1. A criação de regimes especiais de tributação para relações com entidades sedeadas em territórios com regimes fiscais mais favoráveis visa prevenir práticas de evasão e fraude fiscais, crescentemente de dimensão internacional, acolhendo medidas designadas anti-abuso, com vista a restringir a deslocalização de rendimentos para tais territórios;
  2. A lei impõe ao sujeito passivo a obrigação de demonstração da ocorrência das operações e da razoabilidade dos pagamentos efectuados, estabelecendo a inversão do ónus da prova;
  3. São dois os requisitos essenciais para que os gastos suportados sejam valorados e aceites fiscalmente: o da ligação aos rendimentos sujeitos a imposto e o da respectiva comprovação;
  4. Não basta a existência de facturas, comprovativos de transferências bancárias e escrituras de compra e venda de imóveis para provar a razão do gasto e o seu nexo causal com as vendas, sendo necessários outros elementos justificativos complementares, nomeadamente comprovativos de acções ou demonstrações relacionadas com os objectivos pretendidos pelo cliente;
  5. A Requerente não provou que os pagamentos efectuados correspondessem a operações efectivamente realizadas, nem provou que os pagamentos efectuados se enquadram nos normais valores de mercado;
  6. Nenhuma das três empresas sedeadas em territórios com regimes fiscais mais favoráveis tem uma plataforma informática própria na internet, publicitando os respectivos serviços;
  7. Além da falta de documentos comprovativos das diligências de “consulting and marketing”, a Requerente não apresentou mensagens de correio electrónico com as empresas alegadamente prestadoras dos serviços, nem indicou outra forma de contacto que corroborasse a existência real e efectiva das sociedades em apreço;
  8. A Requerente não demonstrou a ligação entre os pagamentos a essas sociedades e a actividade por si desenvolvida, como não demonstrou o intuito que a levou a recorrer àquelas entidade e àqueles serviços, de tal forma que não é possível estabelecer uma relação causal e justificada com a sua actividade produtiva, pondo em causa a dedutibilidade fiscal desses gastos;
  9. Nas escrituras figuravam, na qualidade de mediadoras imobiliárias, entidades com sede em território nacional que facturaram as respectivas comissões à Requerente;
  10. Tendo a Requerente incumprido o seu ónus de prova, no caso específico do artigo 23.º-A, n.º 1, al. r) do CIRC (norma anti-abuso) afasta-se a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT;
  11. Citando em abono o decidido em 19-02-2015 pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 08126/14:

«No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos. nomeadamente contratos celebrados entre as partes. já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser obiecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de IRC. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.»;

  • A falta de prova material que permita aferir da natureza intrínseca dos gastos, ou da sua consentaneidade para com a actividade negocial, impossibilita também aferir se esses gastos assumiram carácter normal face à actividade desenvolvida;
  • Os elementos apresentados pela Requerente são insuficientes para aferir se os encargos suportados com as empresas com sede em Hong-Kong, correspondem a operações efectivamente realizadas e que não têm carácter anormal ou um montante exagerado, conforme prevê o artigo 23.º-A do CIRC;
  • No que concerne aos encargos suportados com os serviços prestados pela empresa com sede em Malta, não foi produzida qualquer prova material que permita aferir da natureza intrínseca daqueles gastos, não sendo possível aferir se os mesmos foram incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, impossibilitando a sua justificação em face do teor do artigo 23.º do CIRC;
  • Tudo isto sem prejuízo da tributação das aludidas despesas em sede de tributação autónoma, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 8 do CIRC;
  • O facto de Portugal ter assinado convenções para evitar a dupla tributação com os territórios de Hong Kong e Malta não obsta a que o Estado Português continue a aplicar normas que limitam a dedutibilidade fiscal dos gastos justificados com pagamentos efectuados a sociedades sedeadas em territórios de tributação mais favorável ou a aplicação de taxas de tributação autónoma mais elevadas.

Termina invocando uma decisão do CAAD (proferida no processo n.º 102/2019-T) e pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente.

Nas suas alegações, em que analisou os testemunhos apresentados pela Requerente e sublinhou a impossibilidade de a AT se poder basear neles no decurso da sua actividade, manteve a mesma argumentação.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como decorre do artigo 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa).

O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída em 12-12-2013 na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o objecto de compra e venda de bens imóveis (CAE Rev. 3-68 100), e o capital social de € 5.000,00;
  2. No exercício de 2015 os clientes da Requerente foram essencialmente cidadãos originários da República Popular da China, tendo obtido um Resultado Líquido positivo de € 59.949,65;
  3. Nos termos do artigo 46.º do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira) foi promovida uma acção inspectiva, credenciada pela ordem de serviço n.º OI2017…/…, emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, com referência ao período de 2014 e 2015;
  4. No respeitante ao exercício de 2015, dessa acção de inspecção resultaram correcções meramente aritméticas ao lucro anteriormente apurado em sede de IRC no montante de € 658.549,98, e o apuramento de um valor de tributação autónoma de € 212.919,64 (por aplicação da taxa de 35% ao valor pago a entidades com sede em territórios com tributação privilegiada);
  5. Com a imputação dos juros compensatórios, essas correcções deram origem ao acerto de contas n.º 2018 …, de 15 de Junho de 2018, no valor de € 392.649,76;
  6. No exercício de 2014 o sujeito passivo tinha celebrado um contrato de prestação de serviços de consultadoria e marketing com a sociedade 'B...', e encetado relações comerciais com a sociedade 'C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED', ambas com sede em Hong Kong;
  7. No exercício de 2015, além das sociedades mencionadas, estabeleceu relações comerciais com a sociedade 'D... CONSULTING LIMITED', com sede em Malta;
  8. No sentido do consignado, como já foi referido, a A..., nos exercícios em análise, desenvolveu a actividade de compra e venda de imóveis, incluindo a revenda de imóveis adquiridos para esse fim. Nesses exercícios, o sujeito passivo, celebrou um Contrato de Prestação de Serviços de Consultadoria e Marketing ("Agreement for Marketing and Consultancy Services") com a sociedade 'B...' e estabeleceu relações comerciais com a sociedade 'C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED', ambas com sede em Hong Kong e, com a sociedade 'D... CONSUL TING LIMITED' com sede em Malta, não sendo estas relações comerciais suportadas por qualquer contrato;
  9. Há comprovativos nos autos de que todas essas três sociedades se encontram sedeadas em jurisdições consideradas pela legislação fiscal portuguesa como de regime fiscal privilegiado;
  10. Os valores envolvidos na compra e venda dos imóveis, a margem obtida nas vendas, e o peso relativo dos serviços adquiridos a essas empresas externas foram assim resumidos num quadro apresentado pela AT:

  1. O contrato com o B... GROUP LIMITED, celebrado em 1 de Setembro de 2015, consta do processo administrativo;
  2. Como prova das entidades com as quais foram realizadas as operações de intermediação e marketing a Requerente apresentou, com o Pedido Arbitral, os dosc n.ºs 7, 8, e 9.
  3. Os Docs 7 e 8 correspondem a cópias de várias escrituras de compra e venda realizadas, em 2015, entre E…, que outorgou na qualidade de sócio gerente e em representação da A..., e representantes de cidadãos chineses, não residentes em Portugal, duramente o ano de 2015;
  4. O Doc 9 corresponde a um mapa (documento interno) com relação de aquisições e vendas de imóveis realizadas em 2014 e 2015; 
  5. O Doc 10 corresponde a cópias de transferências bancárias tendo como beneficiárias a C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED, a D... CONSULTING LIMITED e a B... GROUP LIMITED;
  6. A Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º ...2018..., que veio a ser indeferida por despacho de 5 de Abril de 2019 do Director Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, por delegação de competências;
  7. De entre a fundamentação do indeferimento de reclamação destaca-se, entre o mais:

“A - Correções à Matéria Tributável

A.1 Despesas não aceites fiscalmente nos termos do art.23° do CIR.

A reclamante desenvolveu a atividade de compra e venda de imóveis, incluindo a revenda, celebrando para tal um Contrato de Prestação de Serviços de Consultadoria e Markeling com a sociedade "B..." e estabeleceu relações comerciais com a sociedade “C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED" ambas com sede em Hong Kong e com a sociedade "D... CONSULTING LIMITED" com sede em Malta. Para que os gastos relacionados com estes serviços sejam considerados fiscalmente dedutíveis teremos que atender ao disposto no art.23°-A do CIRC, cabendo ao sujeito passivo demonstrar o cumprimento cumulativo, de duas condições:

 - Os gastos correspondem a operações efetivamente realizadas;

 - Os gastos não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

Como prova de efetiva realização dos gastos, a reclamante apresentou alguns elementos em sede de inspeção tributária, que a equipa de IT analisou e concluiu que: "não foi produzida qualquer prova material que permita aferir da natureza intrínseca daqueles gastos registados na contabilidade da reclamante ou da sua consentaneidade para com a atividade negocial, não sendo possível aferir da sua indispensabilidade para a concretização dos rendimentos ao que acresce, de acordo com os esclarecimentos prestados o pagamento a vários intermediários do mesmo negócio.”

Ora, na situação agora em análise opera a inversão do ónus da prova, que incumbirá ao sujeito passivo produzir, o qual. em primeiro lugar, tem de demonstrar que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal, tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.

Ora, da análise da argumentação da reclamante e da análise documental continua a carecer a comprovação de forma substancial, tal como é referido no relatório de inspeção, não se comprovando:

-Que tenha sido praticada qualquer ação, campanha publicitária ou equivalente, concreta e efetiva, pelas empresas prestadoras de serviços visando a venda de frações, ou a promoção de diversos empreendimentos junto do mercado chinês, de forma a promover a obtenção de investidores, que permitam a aquisição dos empreendimentos e posterior gestão;

 - Qualquer tipo de prova de que o serviço foi na realidade prestado, mediante a apresentação, designadamente, de estudos de prospeção de mercados, vantagens no investimento, campanhas de marketing, porquanto não foram apresentadas evidencias dos mesmos em papel, gravações, vídeo, suporte informático, digital ou qualquer outro suporte .

- E ainda que fossem exibidas as evidências físicas dos trabalhos efetuados, seria ainda necessário demonstrar a adequação de cada um deles aos requisitos do art.23° do CIRC. - Sobre o montante das comissões cobradas pelas sociedades B..., C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED E D... CONSULTING LIMITED, a reclamante não apresentou prova de serviços análogos no mercado. Sobre esta matéria, veracidade da operação, carácter anormal ou ao montante exagerado das operações, transcreve-se parte do Acórdão proferido em 19/02/2015 no processo 08126/14 do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, evidenciando a importância da demonstração das provas: "Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas  o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei  (cf, v.g. art. 352 e sg. Do C. Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos nomeadamente contratos celebrados entre as partes já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objeto de prova é antes a efetiva prestação de serviços. ou o recebimento de um empréstimo, ou seja. o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de IRC. Já quanto à prova da inexistência do caracter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado, Para esse efeito, o Sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova de que os ençargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado (…)”.

E se a reclamante não logrou produzir tal prova, nem em sede de inspeção, nem em sede de reclamação graciosa, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação no montante de 668.549,98€.

B - Correções ao cálculo do imposto - Tributações Autónomas

 B.1 Tributações Autónomas de despesas de representação

 Em sede de reclamação graciosa, a reclamante nada disse sobre esta matéria, pelo que se nos afigura que as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontram carretas e que a reclamante se conformou com elas.

B.2 Tributações Autónomas de pagamento a não residentes

A não comprovação dos gastos anteriormente mencionados, tem ainda como consequência a tributação autónoma à taxa de 35% nos termos do n.º 8 do art.88° do CIRC. Como a aplicação desta taxa foi determinada pela IT e a reclamante não apresentou quaisquer argumentos contra esta correção ao imposto, em sede de reclamação graciosa, remetemos para a argumentação supracitada no capítulo das correções à matéria coletável, dado a interdependência entre estas duas realidades tributárias.

Em sede de reclamação graciosa, "a reclamante contesta as correções que terão estado na origem dos atos de liquidação de IRC e de JC na medida em que essas correções padecem de erro sobre os pressupostos, quer de facto, quer de direito, o que deverá determinar a sua anulação", não juntando ao processo factos/documentos novos suscetíveis de alterar as correções propostas pelos SIT. Nesta senda, afigura-se-nos que as correções efetuadas pelos Serviços de lnspeção Tributária se encontram corretas. Com efeito, e encontrando-se o sujeito passivo investido na condição de reclamante. cabe-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do n.º1 do artigo 74.º da LGT ”O ónus da prova dos fatos constitutivos  dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque", o que não se verifica no caso em apreço. Consequentemente, os factos só devem ser considerados provados quando forem determinados com uma certeza absoluta, razão pela qual a não prestação de prova ou a sua prestação insuficiente não poderá deixar de influenciar o mérito da pretensão.”(…)”;

   Desde 3 de Junho de 2012 está em vigor o Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2012, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2012, e publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 75, de 16 de Abril de 2012.

 

III.2. Factos não provados

 

Apesar de a Requerente afirmar no pedido arbitral, e reiterar nas alegações, que celebrou contratos de relações comerciais de prestação de serviços com a C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED e a D... CONSULTING LIMITED, a verdade é que:

a) Não se provou que tivesse havido um contrato de prestação de serviços escrito entre a Requerente e a C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED;

b) Não se provou que tivesse havido um contrato de prestação de serviços escrito entre a Requerente e a D... CONSULTING LIMITED;

c) Logo, não se provou que as facturas emitidas tenham subjacente uma efectiva prestação de serviços no âmbito da promoção de imóveis ou angariação de clientes.

Alega a Requerente a celebração de tais contratos é reconhecida no Relatório de Inspeção. Ora, da análise e leitura daquele o que resulta, entre o mais, em diversos pontos, incluindo no indeferimento da reclamação, é o seguinte:

“Como já foi referido, a A..., nos exercícios em análise, desenvolveu a atividade de compra e venda de imóveis, incluindo a revenda de imóveis adquiridos para esse fim. Nesses exercícios, o sujeito passivo, celebrou um Contrato de Prestação de Serviços de Consultadoria e Marketing ("Agreement for Marketing and Consultancy Services") com a sociedade 'B...' e estabeleceu relações comerciais com a sociedade 'C... INTERNATIONAL BUSINESS LIMITED', ambas com sede em Hong Kong e, com a sociedade 'D... CONSUL TING LIMITED' com sede em Malta, não sendo estas relações comerciais suportadas por qualquer contrato.”

Ora, recaindo o ónus de prova sobre a Requerente, verifica-se que a mesma não satisfez aquele ónus, fazendo nos autos prova da existência de tais contratos.

Não foram dados como não-provados outros factos relevantes para a apreciação do caso.

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelas partes, na posição assumida pelas Partes e a livre apreciação pelo Tribunal, e na documentação constante do processo administrativo.

A prova testemunhal produzida em audiência não é convincente quanto à efectiva prestação de serviços por parte das entidades emitentes das facturas: seja porque a única testemunha que tinha conhecimento directo dos factos é filho do sócio gerente da Requerente, seja porque as demais não tinham qualquer conhecimento directo das relações comerciais da Requerente, nem conheciam o conteúdo dos contratos em apreço. Os depoimentos limitaram-se a uma descrição e caracterização genéricas deste tipo de negócio, incluindo sobre a prática no sector quanto ao pagamento das comissões.

 

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são as seguintes:

  1. enquadramento jurídico-tributário dos montantes pagos pela Requerente às sociedades sedeadas em jurisdições com regime fiscal privilegiado, nos termos da Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, e pela Portaria n.º 345/2016, de 30 de Dezembro, e do Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento;
  2. comprovação do montante desses encargos e sua conformidade com parâmetros de normalidade e adequação.

 

1. Enquadramento jurídico-tributário dos montantes pagos pela Requerente

 

A questão a decidir é saber se os valores pagos pela Requerente às residentes fiscais em Hong-Kong devem ser tidos como gastos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável da Requerente, face ao que dispõe o artigo 23.º-A, 1, r), do CIRC; e, consequentemente, se estes valores devem ser sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º, 7, do CIRC.

A atual redação do artigo 23.º, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que procedeu à reforma da tributação do rendimento das pessoas colectivas, estabelece o seguinte:

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

A alteração introduzida, no entender da Comissão para a Reforma do IRC, visava aproximar o texto legal da interpretação da jurisprudência e da doutrina quanto ao conceito de indispensabilidade. Diz-se no Relatório Final o seguinte:

“…na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal dos gastos que não se inscrevam no âmbito da atividade das empresas sujeitas a IRC.”[1]

Ainda que a versão final da redacção se distinga da versão apresentada pela Comissão, parece claro que a aplicação do preceito assenta claramente na necessidade de existir uma relação entre os gastos e a actividade empresarial.

Insiste-se que esta redacção se aproxima do sentido já defendido pela jurisprudência, podendo, a título de exemplo e de síntese da jurisprudência, ver-se o Acórdão do STA de 15/11/2017, proferido no Proc. 0372/16, que sintetiza com mestria o pensamento do STA sobre esta matéria:

“[…] Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?

Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).

Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11 […].

Mais recentemente, o acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 627/16 […].

Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).

Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.”

De destacar ainda a decisão arbitral, proferida no âmbito do processo n.º 12/2013-T do CAAD, em que se refere que

A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.

A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.”

Além deste requisito previsto no n.º 1, os n.os 3, 4 e 6 do artigo 23.º estabelecem como requisito cumulativo a comprovação documental.

Independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados, os gastos devem estar documentados.

O n.º 4 estabelece os elementos mínimos que o documento comprovativo deve conter:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

O n.º 6 dispõe no sentido de que, quando há obrigatoriedade de emissão de factura, esta deverá ser o documento comprovativo do gasto, aproximando-se, deste modo, das regras previstas no Código do IVA.

Este requisito tem como objectivo provar, por documento idóneo, que os gastos estão directamente relacionados com a actividade normal do sujeito passivo; ou seja, visa demonstrar inequivocamente que está cumprido o requisito previsto no n.º 1.

Se assim não suceder, estaremos perante encargos não devidamente documentados.

Como refere o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 30/01/2007, relativo ao Proc. 01486/06,

os encargos são não-documentados quando não se encontram devidamente apoiados em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, evidenciando a causa, natureza e montante”.

Estes princípios gerais de dedutibilidade dos gastos são objecto de um dever acrescido de fundamentação e comprovação no caso de pagamentos a entidades não residentes em Portugal e localizadas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, como forma de obviar à erosão da base tributável – casos em que, por princípio, não bastará a comprovação formal da existência dos gastos, mas será ainda necessária a comprovação material dos serviços prestados.

À aplicação das regras gerais previstas nos artigos 23.º e 23.º-A, acrescem necessidades reforçadas de demonstração da realidade e verdade dos factos tributáveis, dadas as vantagens fiscais que podem advir da existência de operações como entidades residentes em paraísos fiscais, dadas as possibilidades de deslocação daqueles factos para zonas de tributação mais favorável, em detrimento elisivo, eventualmente abusivo, da tributação que normalmente decorreria do apuramento dos factos tributáveis. Daí a desconsideração de gastos e a sujeição a tributação autónoma – reveladores ambos das opções do legislador face à possibilidade de práticas elisivas consumadas através de operações com entidades residentes em jurisdições claramente mais favoráveis.

Daí o artigo 23.º-A, que, na versão aplicável à data dos factos, estabelecia o seguinte:

1- Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo que contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal mais favorável por portaria do membro do governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

(...)

8- A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para a produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.”

E também o artigo 88.º, n.º 8, que, na redacção à data, determinava que:

São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

Transparece destes preceitos o objectivo legislativo de vedação de condutas que visem a pura vantagem fiscal através de simulação, ou através de operações que, tendo sido efectivamente realizadas, se apresentem distorcidas – para lá de um juízo de verosimilhança ou de razoabilidade – quanto à sua configuração típica, ou quanto aos montantes neles envolvidos.

Como sinteticamente enunciado no Acórdão relativo ao Proc. n.º 198/2017-T,

Trata-se de uma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo produzir, o qual, em primeiro lugar, tem de demonstrar que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.”

Impõe-se transcrever também um excerto do Acórdão proferido em 19/02/2015, no processo 08126/14 do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, evidenciando a importância da demonstração das provas:

No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.''

Na falta da comprovação destes requisitos conclui-se pela não dedutibilidade dos gastos em apreço e o consequente acréscimo dos respetivos montantes no resultado fiscal.

A produção desta prova deverá ser feita pelo sujeito passivo perante a AT. apresentando-lhe os meios de prova da efetividade do gasto e do caráter normal e não exagerado, a quem competirá a sua apreciação com vista à formação dum juízo administrativo sobre a validade dos pagamentos.

Trata-se, pois, duma solução legislativa em que é revertido para o contribuinte um "onus probandi" em que, por força do disposto nas normas em referência, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção de veracidade das declarações do contribuinte constante do n.º 1 do art. 75.º da LGT de que são verdadeiras e de boa-fé "as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal". E se o contribuinte não lograr produzir tal prova, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação.”

 

2. Comprovação dos montantes pagos pela Requerente, e sua conformidade com parâmetros de normalidade e adequação

 

Resta então analisar se ao caso é aplicável a norma da alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC; e, em caso afirmativo, avaliar se a prova apresentada pela Requerente comprova os requisitos de efectividade, carácter normal e montante não exagerado.

 

2.1. Quanto à existência de regime fiscalmente mais favorável

 

O território de Hong Kong constava já, à data dos factos, da lista a que se refere o n.º 2 do artigo supra, aprovada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

Assim, tendo os montantes em causa sido pagos a entidades residentes num território constante da referida lista, não restam dúvidas de que o disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, al. r) se deve aplicar, recaindo assim o ónus da prova sobre a Requerente.

 

2.2. Quanto à exigência da realização efectiva das operações

 

Para que o sujeito passivo possa beneficiar da dedução de certos custos, para afastar a respectiva desconsideração, esses custos devem corresponder, em primeiro lugar, a operações efectivamente realizadas, e não a operações meramente simuladas.

Como refere o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 19/02/2015, não basta a exibição de documentos escritos, nomeadamente os contratos ou as facturas, porque sobre ele recai o princípio geral de desconsideração – a menos que o sujeito passivo demonstre que a prestação de serviços foi efectivamente realizada, de forma normal e razoável – o que, no caso, envolveria uma cabal demonstração de qual a actividade concreta desenvolvida pelas contrapartes da Requerente para angariar clientes ou para promover os imóveis na China.

Ora, a prova produzida sobre a efectividade das operações está longe de considerar-se suficiente.

Por um lado, quanto à prova documental, as facturas emitidas pelas sociedades de Hong-Kong não especificam os imóveis que terão sido publicitados ou promovidos, e nas escrituras públicas celebradas não há qualquer referência à intervenção daquelas entidades nos negócios.

A prova testemunhal, como já se indicou oportunamente, não é satisfatória, não passando senão da caracterização muito genérica de um modelo de negócio e sem especificação dos negócios ora em apreço.

Mesmo assim, a prova testemunhal evidenciou uma incongruência entre, por um lado, o cálculo e o pagamento de comissões a todas as partes envolvidas nos negócios – de acordo com um procedimento que foi unanimemente confirmado nos depoimentos, e que todas as testemunhas asseveraram ser um procedimento invariável no sector –, e, por outro lado, a facturação que deixa pressupor ser possível apresentar despesas às contrapartes após o pagamento das comissões – o que, insiste-se, todas as testemunhas sublinharam enfaticamente ser inaceitável e impraticável, já que, de acordo com os costumes do sector, se esgota no próprio cálculo e pagamento de comissões a distribuição de risco entre todas as partes envolvidas no negócio (cumprindo, aliás, as obrigações legalmente impostas pela Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, que estabelece o regime da mediação imobiliária, e pelo Decreto-Lei nº 92/2010, de 26 de Julho, para o qual aquela Lei remete).

Se é verdade que, como alega a Requerente, as escrituras realizadas e os pagamentos efetuados comprovam que existiu um trabalho de angariação, por não haver vendas sem um trabalho prévio de angariação, também é verdade que aquela documentação não é suficiente para comprovar que os serviços de angariação foram efectivamente realizados por aquelas duas entidades – e portanto também não que os negócios não tenham revestido alguma anomalia quanto ao seu tipo, ou não tenham envolvido um inaceitável empolamento de montantes.

Ainda que os elementos solicitados pela AT possam ter-se por exagerados – identificação dos recursos humanos, horas e taxas pagas –, decerto haveria outros elementos para, com razoabilidade e fiabilidade, demonstrar a materialidade desses serviços, nomeadamente a troca de correspondência, a apresentação de um modelo de prestação de serviços ou projeto de promoção, contactos efectuados, parceiros, cálculo e pagamento de comissões, etc...

O Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 05/11/2015, proferido no Proc. 07022/13, estabeleceu que:

Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr. v.g. artº.352 e seg. do C. Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.

E o legislador fiscal é muito claro: cabe ao contribuinte comprovar a veracidade e materialidade das operações realizadas com entidades residentes em jurisdições de fiscalidade privilegiada para afastar a presunção legal de artificialidade.

Para tal, competiria, em primeiro lugar, explicitar de forma clara como foram concretizadas e contratadas estas parcerias, a relação entre as várias entidades angariadoras, quer nacionais, quer internacionais – incluindo a quantificação dessa relação, em termos de repartição dos riscos e dos ganhos entre todos.

De seguida, caberia apresentar as provas destas operações, admitindo-se toda a prova legalmente admissível em direito: prova documental, prova pericial, prova testemunhal (incluindo declaração de parte). A aceitação da mais ampla prova constitui também a expressão de que o contribuinte não é objecto de uma qualquer restrição desproporcionada ou irrazoável que torne frágil ou insustentável a sua posição.

Finalmente, caberia à Requerente, no seu próprio interesse, demonstrar quais as práticas dominantes no seu sector, especificamente no que respeita aos termos costumeiros de negócio e aos montantes habitualmente envolvidos – para se poder proceder ao preenchimento dos requisitos estabelecidos no artigo 23.º-A, n.º 1, al. r) do CIRC, na redação aplicável.

Em suma, a inversão do ónus da prova faz recair integralmente sobre a Requerente a demonstração da efectividade dos gastos. Mas após a análise cuidada de toda a documentação apresentada, não encontrámos qualquer prova directa ou indirecta da intervenção daquelas entidades na promoção dos imóveis ou na angariação dos compradores. Com efeito, num conjunto amplo de contratos celebrados, com um número considerável de intervenientes, não nos foi apresentada qualquer evidência de actividade efectiva destas entidades: o que fizeram, de que modo, quando e onde.

Sendo assim, não tendo sido provada a veracidade e carácter efectivo da prestação de serviços, não carece de demonstração se essa prestação de serviços teve um carácter normal ou exagerado, porque tal pressupõe a prévia comprovação da existência de uma prestação de serviços – o que, no caso, não foi logrado.

 

IV. DECISÃO

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Colectivo:

  1. Julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral por falta de fundamento legal;
  2. Manter na ordem jurídica a Liquidação Adicional de IRC n.º 2016 ... relativa ao período de 2015, bem como a decisão de indeferimento do Processo de Reclamação Graciosa com o n.º ...2018...;
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 392.649,76 (trezentos e noventa e dois mil seiscentos e quarenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do RCPAT.

 

VI. CUSTAS

 

Custas a cargo da Requerente, no montante de € 6.426,00 (seis mil e quatrocentos e vinte e seis euros), nos termos da Tabela I do Regime de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 7 de Maio de 2020.

 

A Árbitro Presidente

 

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

Clotilde Celorico Palma (vogal)

 

 

Fernando Araújo (vogal)



[1] Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Relatório Final, Lisboa, Ministério das Finanças, 2013, pp. 97 e 98.