Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 238/2019-T
Data da decisão: 2020-04-30   
Valor do pedido: € 1.196.312,86
Tema: IS – Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias pela utilização de caixas automáticas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

 

1.  No dia 01 de Abril de 2019,  A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º..., Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2018..., e respectivas liquidações de juros compensatórios, todas referentes a 2015, no valor de € 1.196.312,86.

 

2.  Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

a. Ocorrência de erro de direito pela não sujeição a Imposto do Selo;

b. Aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS;

c. Isenção de imposto do Selo, por aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março;

d. Inconstitucionalidade da verba 17.3.4. da TGIS por violação do princípio da capacidade contributiva;

 

 

 

 

 

e.  Ilegalidade parcial da correcção efetuada pelos serviços de inspecção tributária, por:

i. Não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões interbancárias de valor inferior a € 0,125;

ii. Não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões interbancárias cobradas a entidades isentas;

iii. Não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões auto-cobradas.

 

 

3.  No dia 02-04-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.  A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.  Em 24-05-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.  Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 14-06-2019.

 

7.  No dia 02-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.  Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.  Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo esse que foi devidamente prorrogado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

 

1-  O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à actividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

2-  Com referência ao exercício de 2015, na sequência de fiscalização realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes à escrita do Requerente daquele exercício, foram efectuadas correções, para além do mais, em sede de Imposto do Selo.

3-  As correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária foram as seguintes:

i. Taxa de serviço do comerciante: correcção no montante de €

467.426,96;

ii. Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de "ATMs": correcção no montante de € 1.095.384,59.

4-  O Requerente foi notificado do relatório final por ofício datado de 01-03-2018.

5- Do referido relatório final consta, para além do mais, o seguinte:

 

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6-  As correcções efectuadas deram origem ao acto tributário de Imposto do Selo objecto da presente acção arbitral, no montante total de € 1.562.811.55.

7-  Por citação pessoal datada de 22-04-2018, o Requerente foi chamado para o processo de execução fiscal n.º ...2018..., cuja quantia exequenda respeita ao valor da demonstração de liquidação do imposto do selo e dos respectivos juros compensatórios apurados, supra referido, acrescido do valor das custas de € 5.766,71, no valor total de

€ 1.713.919,33.

8-  Em 04-05-2018, o Requerente apresentou garantia bancária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira- Unidade dos Grandes Contribuintes, no valor de € 2.158.795,06, acompanhada de requerimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 169.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

9-  Em 10-08-2018, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IS referida.

10- Em 11-12-2018, o Requerente foi notificado do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi convolado em definitivo.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA- Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/1311, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

 

 

 

 

 

 

__________________

1 Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

 

 

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

 

Por delimitação expressa do Requerente, nos presentes autos de processo arbitral, estão apenas em causa as correcções operadas pela AT, relativas à incidência de Imposto do Selo

sobre as quantias relativas a taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATMs, no montante total de € 1.095.384,59.

Conforme se viu já, o Requerente, em suma, suscita quanto a esta matéria as seguintes questões:

a. Ocorrência de erro de direito pela não sujeição a Imposto do Selo;

b. Aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS;

c. Isenção de imposto do Selo, por aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março;

d. Inconstitucionalidade da verba 17.3.4. da TGIS por violação do princípio da capacidade contributiva;

e. Ilegalidade parcial da correcção efectuada pelos serviços de inspecção tributária, por:

i. Não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões interbancárias de valor inferior a € 0,125;

ii. Não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões interbancárias cobradas a entidades isentas;

iii. Não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões auto-cobradas.

 

 

*

No Relatório de Inspeção Tributária, considerou a AT que quer a taxa multilateral de intercâmbio quer as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos (ATM´s) são comissões cobradas pelos bancos detentores de Caixas Automáticos e emissores de cartões, sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do CIS e da verba 17.3.4, da TGIS, que consagra a incidência deste imposto sobre comissões cobradas nas operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.

Funda-se, para além do mais, aquele entendimento na informação constante do Caderno n.º 10 do Banco de Portugal, respeitante a Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos, em que aqueles são definidos, na página 7, como “um dispositivo de aceitação de cartões que permite realizar pagamentos por via eletrónica”, mais se referindo que numa operação de pagamento via TPA, o banco emissor do cartão reembolsa o banco adquirente que lhe paga uma comissão que corresponde à taxa multilateral de intercâmbio.

Mais se fundam, as correcções sub iudice, no ponto 10 do Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.04.2015, que prescreve que “as taxas de intercâmbio são habitualmente aplicadas entre os prestadores de serviços de pagamento adquirentes e os prestadores de serviços de pagamentos emitentes de cartões pertencentes a um determinado sistema de pagamento com cartões. As taxas de intercâmbio constituem uma parte importante das taxas cobradas aos comerciantes pelos prestadores de serviços de pagamento adquirentes por cada operação de pagamento associada a um cartão. Por sua vez os comerciantes incorporam esses custos do cartão, tal como todos os seus outros custos, no preço dos bens e serviços”.

No que concerne aos Caixas Automáticos, estes consistem, de acordo com o Glossário do Banco de Portugal, em “equipamento[s] automático[s] que permite[m] aos titulares de cartões bancários com banda magnética e/ou chip aceder a serviços disponibilizados a esses cartões, designadamente, levantar dinheiro de contas, consultar saldos e movimentos de conta, efetuar transferências de fundos e depositar dinheiro. Os caixas automáticos podem funcionar em sistema de real-time, com ligação ao sistema automático da entidade emitente do cartão, ou em on line, com acesso a uma base de dados autorizada que contém informação relativa à conta de depósitos à ordem associada ao cartão.”

Dos elementos indicados retirou a AT dois tipos de comissões, a saber:

- nas operações de pagamento de compras realizadas através de TPA “o adquirente”, depois de efectuado o pagamento da compra ao comerciante, é depois reembolsado pelo emissor do cartão bancário, pagando-lhe uma comissão, a taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee;

- nas operações realizadas através dos caixas automáticos (pagamentos, transferências consulta de saldos e movimentos, levantamentos em numerário, etc.) é cobrada uma comissão pela instituição bancária detentora do ATM ao banco emissor do cartão bancário (débito ou crédito) pelo serviço prestado.

 

Já a Requerente alega que a AT caracterizou erradamente as operações em causa, pois enquadrou-as no âmbito da norma de incidência prevista na verba 17.3.4 da TGIS, em casos em que as mesmas não podiam ser consideradas comissões ou quaisquer outras contrapartidas por serviços financeiros.

Mais alega a Requerente que, tendo em conta o funcionamento do sistema de pagamentos através de TPA, a interchange fee corresponde ao desconto efectuado pelo emissor do cartão ao valor da transacção, quando o transfere para o adquirente, de onde decorrerá que as operações interbancárias em causa não poderão ser qualificadas como uma prestação de serviços.

Refere ainda a Requerente que, mesmo que se entenda tratar-se de uma prestação de serviços financeiros, sempre seria de aplicar a isenção de IS prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

No que respeita às taxas ATM, alega a Requerente que a existir um serviço, o mesmo apenas poderá existir no âmbito da relação contratual entre o banco emissor do cartão e o seu cliente, dado que o banco titular do ATM não presta qualquer serviço ao banco emissor do cartão quando realiza uma ordem de pagamento ou de transferência ou quando disponibiliza numerário ao cliente daquele, sendo unicamente disponibilizada uma plataforma onde podem ser realizadas as diversas operações, dado que todos os bancos detentores de ATM´s estão unidos por uma convenção interbancária que visa realizar um objectivo de cooperação recíproca, correspondendo os valores pagos à repartição dos custos suportados pelas instituições bancárias para manter o serviço ATM em funcionamento.

 

Para o caso de se entender que a interchange fee e as taxas ATM se qualificam como serviços financeiros entre bancos, enquadráveis na verba 17.3.4, da TGIS, alega a Requerente que sempre se lhes seria aplicável a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, apesar da redação do atual n.º 7 do mesmo artigo, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30-03, ao qual foi atribuída natureza interpretativa, em violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

 

*

 

Em causa nos presentes autos está, em primeira linha, a aplicação da verba 17.3.4, da TGIS, em vigor para o ano de 2015, cuja redacção era a seguinte:

“17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros — 4%”.

Com relevo para a questão sub iudice, o artigo 154.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30-03 (LOE 2016), concedeu natureza interpretativa à alteração introduzida àquela verba 17.3.4, da TGIS, pelo artigo 153.º daquela mesma Lei, que introduziu a seguinte redacção:

“17.3.4 — Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões — 4 %.”.

Já o n.º 1 do artigo 1.º, do CIS, “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”, sendo um encargo do titular do interesse económico subjacente àquelas situações, entre os quais, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 3.º, do CIS, “Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas”.

A Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, aditou a alínea h) ao referido n.º 1 do artigo 3.º, do CIS, segundo a qual “Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba

17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas”.

Por fim, o artigo 7.º, número 1, alínea e) do CIS dispunha que “São também isentos do imposto: (...) e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”.

 

*

 

Nos presentes autos está em causa saber se, de acordo com a legislação vigente à data dos factos tributários ora em causa, a taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s tinham enquadramento naquela verba 17.3.4, da TGIS, e se, tendo-o, se encontravam abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS.

Esta questão já foi objecto de diversas decisões arbitrais, designadamente nos processos n.º 348/2016, 496/2017T, 431/2018-T, 27/2019-T, 239/2019-T e 362/2019-T2.

Assim, no primeiro deles, explicou-se, para além do mais, que:

“56. Realce-se que inicialmente não estava prevista na norma inscrita na Tabela anexa ao Regulamento do Imposto do Selo relativa às “operações bancárias” qualquer isenção para as operações aí identificadas.

57. De acordo com o art. 120º-A da anterior Tabela Geral, aprovada pelo art. 1º do Decreto nº 21.916 de 28 de Novembro de 1932, a tributação das operações financeiras não sujeitas ou isentas de IVA, excluídas da incidência do imposto do selo, nos termos do art. 3º da Lei no 3/86, de 7 de Fevereiro, era regulada pela alínea e) do art. 120º- A, salvo quando fossem por garantias prestadas, caso em que era regulada pela alínea f). (...)

60.  Consultado o art.º 120-A, n.º 2, da Tabela Geral do Imposto do Selo, por exemplo, na redação de 1979 em que ainda se mantinha a redação do Decreto-Lei n.º 16732 de 1929.04.13, observa-se que as operações financeiras sujeitas a imposto do selo – inscritas em apenas 2 números – não beneficiavam de qualquer isenção.

61.  Só mais tarde, foram previstas isenções, mas tão só circunscritas aos juros, da seguinte forma: “Ficam isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria, bem como os devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza” (redação do nº 1 do art. 120º-A dada pelo Decreto-Lei n.º 154/84, de 16.05).

62.  O DL 223/91, que alterou os artigos 13.º, 15.º, 27.º-A, 94.º, 120.º-A, 120.º-B, 141.º e 145.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pelo Decreto 21.916 de 28 de Novembro de 1932, além dos juros, prevêem-se outras isenções, mas não há referência a comissões.

63.  Posteriormente, o nº 2, alínea b), 1ª parte, do art. 120º-A, na redacção dada pelo art. 1º da Lei nº 24/94, de 18 de Julho, adaptando o anterior nº 1 à nova terminologia introduzida pelo RGICSF, passaria a isentar de imposto do selo os juros cobrados por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português.

64.  Com a aprovação do Código do Imposto do Selo da Tabela anexa pelo art. 1º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro*, com a epígrafe “Outras isenções”, o artigo 6.º do CIS, alíneas e) e f), dispunha:

“e) Os juros cobrados e a utilização do crédito concedido por instituições de crédito ...”

f) As comissões cobradas por instituições de crédito ...”

 

 

 

 

___________________

2 Todas disponíveis em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.

 

65.  Em suma, nos termos da alínea e), do n.º 1 do artigo 6.º, na numeração originária do artigo 1.º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, estavam isentos de imposto do selo os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.

66.  A alínea f) desse n.º 1 ampliaria a isenção às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, desde que igualmente cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997.

67.  Com esta alteração, a isenção do imposto do selo, anteriormente limitada aos juros, passaria a também abranger a concessão de crédito e os juros e comissões cobradas, nos termos definidos nessas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6º, no que parecia ser um claro incentivo à atividade financeira, com a consequente atenuação da tributação em cascata que, ao contrário do IVA, caracteriza este tipo de impostos (é referir que a revisão do imposto do selo no sentido de assegurar uma maior neutralidade do imposto e da própria tributação das comissões cobradas vinha prevista na Resolução do Conselho de Ministros nº 119/97, de 14 de Julho, que continha as linhas gerais para a reforma do imposto do selo (ver também o Relatório “Estruturar o sistema fiscal para o Portugal desenvolvido”, publicado pelo Ministério das Finanças, Coimbra, 1998, pp. 282 e 283).

68.  O enquadramento das isenções de imposto do selo das operações financeiras em que interviessem exclusivamente instituições de crédito e sociedades financeiras constaria de alíneas separadas, dado serem distintos os pressupostos das isenções aplicáveis respetivamente à utilização do crédito e aos juros e às comissões cobradas: no primeiro caso, a isenção aproveitava às instituições de crédito e sociedades financeiras, no segundo caso, exclusivamente às instituições de crédito.

69.  A isenção dessas alíneas e) e f) do no 1 do art. 6º do Código do Imposto do Selo, no entanto, como anteriormente se referiu, apenas se aplicava respetivamente à concessão de crédito e juros cobrados por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza, ou seja outras instituições de crédito e sociedades financeiras e às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições de crédito e não às sociedades financeiras e outras instituições financeiras.

70.  No entanto, o artigo 37.º da Lei n.º 30-C [/2000], de 29 de Dezembro de 2000 (Orçamento do Estado para o ano de 2001), veio introduzir ao artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, as seguintes alterações:

 

Artigo 6.º “[...]

 

“e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas. [...]”.

71.  Com a nova redação, dada ao n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, o legislador determinou que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringissem “às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito”.

72.  O legislador veio dizer expressamente que a aplicação da norma de isenção se limitava precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados, de tal modo que a isenção apenas seria de aplicar às comissões da verba 17 quando estivessem diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas nas alíneas anteriores.

73.  Como resulta da expressão “directamente destinadas”, foi propósito do legislador limitar a isenção referida nas alíneas e) e f), às operações diretamente ligadas com a concessão de crédito e, mesmo dentro das operações de crédito as ligadas, ao financiamento da atividade da concessão de crédito desenvolvida pelas instituições de crédito mutuárias.

74.  De fora da isenção ficaria, por exemplo, o crédito obtido por instituições de crédito com vista ao financiamento da aquisição de outras instituições de crédito ou empresas em geral, para aquisição da sede social ou para adoção de planos de reestruturação empresarial.

75.  A isenção em causa ficaria, assim, limitada ao crédito, respetivos juros e comissões associadas ao contrato, com vista ao financiamento da atividade tradicional das instituições de crédito, a concessão de crédito.

76.  Não está em causa, assim, o que o legislador pretendeu dizer: o nº 2 introduzido no art. 6º visa limitar o sentido e alcance das isenções das alíneas e) e f) do nº 1.

77.  O legislador, no entanto, não conferiria formalmente qualquer carácter interpretativo a tal disposição, deixando em aberto o seu carácter interpretativo ou inovatório.

78.  É de referir, no entanto, que até à entrada em vigor da Lei nº 30-C/2000, a Administração Fiscal, não obstante os esclarecimentos abundantes prestados sobre a aplicação dos novos Código e Tabela Geral do Imposto do Selo à atividade bancária (ver em especial a Circular no 15/2000, de 5 de Julho) jamais declararia as isenções das alíneas

e) e f) se aplicarem apenas às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras. Não se conhece igualmente qualquer litígio sobre o assunto, motivado por a Administração Fiscal ter atuado de acordo com essa interpretação da lei que, aliás, jamais publicamente exprimiu.

79.  O art. 30º da Lei nº 32-B/2002, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003) aboliria o nº 2 do art. 6º do Código do Imposto do Selo, na redação introduzida pelo art. 37º, no 1, da Lei n 30-C/2000, passando os nºs 3 e 4 da anterior redação a ser os nºs 2 e 3 da nova redação. Fundiria, por outro lado, em uma só alínea, a e), as anteriores alíneas e) e f).

80.  A referida nova alínea e), resultante da fusão das anteriores alíneas e) e f) passou a isentar de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco*, bem como a sociedades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.

81.  Tal norma legal ampliaria, assim, em primeiro lugar, a isenção do imposto do selo, então limitada ao crédito, incluindo os respetivos juros, concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza ao crédito, incluindo os respetivos juros concedidos por instituições de crédito e sociedades financeiras às sociedades de capital de risco, então reguladas pelo Decreto-Lei nº 319/2002, de 29 de Dezembro.

82.  A isenção seria ampliada, em segundo lugar, às comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras e sociedades de capital de risco.

83.  Foi, assim, expressamente e não apenas tacitamente eliminada a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras.

84.  Segundo a Administração Fiscal, a eliminação do n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo não teria qualquer alcance prático. Para a entidade Requerida, a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras decorria da nova alínea e), resultante da fusão entre as anteriores alíneas e) e f). Por sua vez, a eliminação do anterior n.º 2 terá ficado a dever-se ao facto de com a fusão das referidas alíneas tal norma legal ter deixado de ser necessária a essa limitação, tornando-se, assim, supérflua.

85.  A letra do preceito, atenta a nova redação que lhe foi dada, e a razão de ser da alteração introduzida contrariam, porém, esta tese.

86.  Vejamos.

87.  A primeira inovação substancial introduzida no artigo 6.º do CIS resultaria da remodelação do regime de investimento em capital de risco entretanto operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 29 de Dezembro, que este último instrumento legislativo fortemente estimularia, nomeadamente através de novos incentivos fiscais.

88.  Aquela inovação consistiria na ampliação da isenção às comissões e juros cobrados e ao crédito utilizado pelas sociedades de capital de risco no âmbito das operações realizadas entre as sociedades de capital de risco e instituições de crédito ou sociedades financeiras. Por não serem instituições de crédito, as sociedades de capital de risco não aproveitavam dos benefícios previstos na anterior redação dessas alíneas.

89.  Por outro lado, a isenção passaria a abranger as comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras, incluindo as sociedades de capital de risco.

90.  O legislador harmonizaria os pressupostos da isenção da alínea e) com os da alínea f): tal como a isenção da alínea e), a isenção da alínea f) passaria a abranger as operações que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito, sociedades financeiras e fundos de capital de risco e não apenas as operações em que o destinatário fosse instituição de crédito. Uniformizando-se os regimes em um só, óbvias razões de simplicidade e clareza impunham que deixassem de constar de alíneas separadas, o que foi feito.

91.  Assim sendo, a razão de ser da fusão das alíneas não tem a ver com a incorporação na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º, mas com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras.

92.  No mesmo sentido do propugnado vai a letra do preceito.

93.  Com efeito, a expressão “bem como”, que quer dizer “igualmente”, “também” e “do mesmo modo”, utilizada na nova redação da alínea e) quer dizer claramente a isenção dos juros e comissões cobradas se aplicar em termos idênticos à utilização do crédito. Chama a atenção para a uniformidade dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas, em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras, não tendo qualquer alcance restritivo.

94.  A expressão “utilização do crédito” não limita, assim, retroativamente o alcance da isenção dos juros e comissões anteriormente referidas, no sentido de apenas abranger os juros e comissões relativas a operações de crédito.

95.  A Administração Fiscal interpreta essa alínea e) como se dissesse: “Estão isentos de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades cuja forma e objecto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças, em operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas entidades anteriormente referidas”.

96.  Ora, tal interpretação, além de não ter qualquer suporte legal, é tanto mais absurda quando o objeto das sociedades de capital de risco não é a concessão de crédito mas a aquisição de instrumentos de capital próprio e alheio em atividades de elevado potencial de desenvolvimento.

97.  Como resulta dos arts. 2º e 7º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 319/2002, as sociedades de capital de risco não podiam, aliás, como ainda não podem conceder crédito.

98.  O crédito obtido pelas sociedades de capital de risco não pode, assim, ser utilizado por estas sociedades para conceder crédito.

99.  A produção de efeitos do nº 2 do então art. 6º do Código do Imposto do Selo, para além da sua revogação expressa, implicaria as sociedades de capital de risco estarem sujeitas a imposto do selo nos termos gerais, com a consequente inutilidade do art. 30º da Lei nº 32-B/2002, o que obviamente não se deve presumir ter sido a vontade do legislador.

100. É de referir, mesmo assim, que a nova redação da norma continuaria a não isentar de imposto do selo o crédito concedido e os juros e comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a outras instituições financeiras, ou seja, instituições financeiras não abrangidas no âmbito de aplicação do RGICSF, como as empresas seguradoras, salvo quando a entidade mutuária fosse sociedade de capital de risco.

101. Manteve-se, assim, o enquadramento anterior das comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras, bem como, aliás, das comissões cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de capital de risco.

102. Posteriormente, no entanto, o artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2004), daria nova redação ao artigo 6.º, n.º 1, alínea e), que passaria a isentar de imposto do selo as garantias prestadas, os juros e comissões cobradas e, bem assim, a utilização do crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco a outras sociedades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.

103. Com esta alteração, o âmbito objetivo da isenção seria ampliado às garantias prestadas e no plano subjetivo aos tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em que se incluem os fundos de pensões regulados na Diretiva 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, e não exclusivamente as instituições de crédito e sociedades financeiras reguladas no RGCSF.

104. O objeto principal da atividade das instituições financeiras excluídas da aplicação do RGICSF não é a concessão de crédito. Também o não é, aliás, das próprias sociedades financeiras reguladas no RGICSF.

105. A limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida, preconizada pela Administração Fiscal tornaria, assim, de todo inútil a alteração do artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003 que ampliaria às instituições financeiras que não fossem instituições de crédito e sociedades financeiras incluindo fundos de pensões e fundos de capital de risco, o universo subjetivo dos destinatários da isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 6.º, tudo se passando como tal redação não tivesse sido alterada.

106. Em suma, a evolução histórica do preceito aponta de forma clara que apenas no período em que vigorou a redação dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C[/2000] de 29 de Dezembro (que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º), a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo, no sentido de crédito obtido pelas instituições de crédito junto das instituições de crédito para emprestar posteriormente aos seus clientes.

107. No que se refere em particular às comissões cobradas a isenção apenas se podia aplicar àquelas que tivessem subjacente operações destinadas à concessão de crédito, por força da restrição introduzida no mencionado n.º 2 do artigo 6.º.

108. A partir do momento em que por vontade expressa do legislador aquele n.º 2 foi revogado e se dá a fusão das alíneas e) e f) numa única alínea e), o preceito perdeu homogeneidade inicial, com a consequente erosão do elemento catalisador da concessão do crédito. Perda de homogeneidade que é acentuada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, indo no mesmo sentido a razão de ser que presidiu, como vimos, às sucessivas alterações que o preceito foi sofrendo. Essa homogeneidade inicial apenas se manteria se fosse admissível, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, a sobre-vigência de uma norma revogada e jamais repristinada.

109. Pelas razões expostas não podemos deixar de concluir que a isenção do artigo 7º, nº 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei no 7-A/2016, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, como se defende no relatório de inspeção em que a liquidação se baseou.

110. Aquela restrição apenas voltou a ser expressamente instituída pela Lei nº 7-A/2016. (...)

114. A redação da alínea e) foi dada, como vimos, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e o n.º 7 foi aditado, pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado para 2016), tendo por sua vez o artigo 154.º qualificado de norma interpretativa o referido n.º 7.

115. Como é sabido, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada (artigo 13.º do Código Civil), aplicando-se a situações e factos anteriores. No entanto, ao fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, e uma solução os tribunais poderiam ter adotado, não é suscetível de violar as expetativas seguras e legitimamente fundadas dos cidadãos.

116. O problema emerge quando o legislador designa uma norma de “lei interpretativa” quando na verdade está em causa uma lei inovadora, tratando-se em muitas situações de um disfarce da retroatividade da lei nova.

117. Para Baptista Machado uma lei nova é realmente interpretativa se se verificarem dois requisitos:” que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.

118. Aplicando os critérios expostos ao caso em apreço, a explanação feita supra [A)2-] afigura-se clara quanto ao caráter incerto da solução de direito contida na norma em apreço, pelo menos no sentido que a AT lhe pretende atribuir. De igual modo, ficou também demonstrado que a lei nova veio consagrar um sentido que pelo menos depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 32-B/2002, é claramente inovador. Tanto assim que a lei nova veio precisamente reintroduzir uma redação para este n.º7 do artigo 7.º do CIS muito similar à redação que havia sido instituída pela Lei do Orçamento do Estado para 2001 para o então artigo 6.º do CIS e que vigorou até ser expressamente revogada pela Lei n.º 32-B/2002 (Lei do Orçamento do Estado para 2003).

119. No sentido do caráter inovador do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, repete-se que, se num primeiro momento, o da Lei nº 30-C/2000, o legislador pretendeu restringir a isenção do então artigo 6.º, n.º 1, alínea e), às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, num segundo momento, o da Lei n.º 32-B/2002, o mesmo legislador quis abolir essa limitação, restabelecendo o regime anterior, através da revogação expressa do n.º 2 do artigo 6.º do CIS. Finalmente, num terceiro momento, através das alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, o legislador ampliou ainda mais essa isenção, no sentido de abranger, entre outras operações, as comissões cobradas por instituições financeiras, ainda que não sejam instituições de crédito ou sociedades financeiras, a instituições da mesma natureza.

120. O teor literal da expressão “bem assim”, que tem inequivocamente um alcance ampliativo e não restritivo da 1ª parte do artigo 6º, nº 1, alínea e), não pode extrair-se, como pretende a Requerida, a intenção do legislador do artigo 36.º, n.º1, da Lei nº 107-B/2003, a repor a exclusão da isenção das comissões às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito que tinha sido revogada no ano anterior, pela Lei n.º 32-B/2002.Tal interpretação é, aliás, incompatível com o sentido geral da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que vai no sentido de ampliar a isenção às comissões cobradas por instituições financeiras a outras instituições financeiras.

121. A Lei do Orçamento para 2016 veio, desta forma, restringir o campo de aplicação da isenção em imposto do selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, e, sendo designada pelo legislador de interpretativa, será aplicada desde a vigência da norma interpretada. Os sujeitos passivos serão, desta forma, confrontados com a imposição de um encargo fiscal, apenas balizado pela caducidade do imposto, com que não contavam nem poderiam em princípio prever, de acordo com as regras de hermenêutica aplicáveis.

122. E nem se argumente no sentido não inovador da Lei n.º 7-A/2016, a jurisprudência dos tribunais tributários superiores, iniciada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de Setembro de 2010, processo 2754/08, e confirmada, embora com oscilações de fundamentação, por posteriores e recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, entre outros o de 18 de Janeiro de 2016, processo 0835/16, de 15 de Junho de 2016, processo 770/15, de 9 de Junho de 2016, processo 01630/15, e de 3 de Novembro de 2016, processo 0976/16. É de referir que a argumentação da Fazenda Pública em todos esses processos não foi qualquer interpretação restritiva da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo, mas a mediação de seguros não ser uma atividade financeira. A colocação dos seguros junto do público não seria, assim, uma operação financeira e por isso não estaria abrangida pela incidência da verba 17.3.4. da Tabela Geral. Estaria sujeita a uma tributação diferente, a da verba 22.2.

123. Segundo essa jurisprudência estariam sujeitas e não isentas de imposto do selo as comissões cobradas às empresas seguradoras pelas instituições de crédito ou outras entidades financeiras, legalmente autorizadas, tais como meros particulares, a exercer a atividade de mediação de seguros, nos termos do Decreto-Lei nº 144/2006, de 31 de Julho, sem que do facto resulte a sua redenominação em instituições financeiras.

124. Ora, a referida jurisprudência não abrange, no entanto, ao contrário do que parece resultar da argumentação da Requerida, direta ou indiretamente, as comissões de gestão dos fundos de pensões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras e, em geral, as comissões ou outras contraprestações resultantes da prestação de serviços financeiros, sujeitos à verba 17.3.4.

125. As comissões a que se reporta essa jurisprudência são, na verdade, as comissões cobradas pelo exercício da atividade de mediação seguradora, tributadas pela verba 22.2, que se distingue da prestação de serviços financeiros abrangidos pela verba 17.3.4, ambas da TGIS.

126. O imposto do selo sobre essas comissões tem natureza distinta daquele a que se refere a verba 17.3.4. da Tabela Geral: na verdade, como refere o Acórdão de 15 de junho de 2016 anteriormente citado, essas comissões não são a contraprestação de qualquer serviço financeiro mas um serviço que, embora conexo com uma atividade financeira, no caso, a atividade seguradora e, por isso, isento de IVA nos termos do n.º 29.º, atual 28.º, do Código do IVA e objeto da regulação específica no Decreto-Lei n.º 144/2006, não é materialmente um serviço financeiro, ainda quando prestado por instituição de crédito, como admite o artigo 11.º do referido Decreto-Lei.

127. Aquele imposto não é, ao contrário do previsto nessa sub-verba 17.3.4. um imposto indireto, mas um imposto direto, incidindo sobre o proveito bruto do mediador, através do sistema de retenção na fonte efetuada pela empresa seguradora.

128. É o que diretamente resulta da já referida alínea o) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, que considera esse imposto encargo do mediador e não da empresa seguradora, que se limita a deduzir o imposto nas comissões pagas ao mediador.

129. Em suma, as comissões de mediação, além de a sua causa ser o exercício de uma atividade substancialmente não financeira, não são, segundo essa jurisprudência, cobradas ao cliente do mediador, motivo pelo qual não estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4. nem estão abrangidas pela isenção do artigo 6.º [atual artigo 7.º, n.º 1, alínea e)], do Código do Imposto do Selo.

130. Não é, desse modo, legítima a extrapolação dessa jurisprudência sobre o sentido e alcance do mencionado preceito para o caso dos autos e em ordem a excluir da isenção do imposto do selo as comissões cobradas em virtude do exercício da atividade de gestão de fundos de pensões. Nem tão pouco pode ser invocada essa jurisprudência como corrente jurisprudencial consolidada consagradora de um sentido inequívoco que resultasse claramente da lei antiga e que a lei nova se tivesse limitado a acolher*.

131. Em suma, pelas razões que vão expostas, considera-se que a Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS, de forma inovadora. Aqueles preceitos ao instituírem uma redação que não constava na ordem jurídica desde 2003 têm de considerar-se retroativos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.”.

 

Continuando-se, no mesmo processo 3:

 

“112. Ainda que se entendesse estarmos perante verdadeira norma interpretativa (lei interpretativa material e não puramente formal), a legitimidade do alcance interpretativo do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS conferido pelos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016 estaria sempre ferida de inconstitucionalidade, por violação da proibição constante o artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

113. Senão vejamos.

 

 

 

 

__________________

3 Numeração dos parágrafos sem sequência, por lapso do original.

 

114. Desde a revisão constitucional de 1997 encontra consagração constitucional expressa o princípio da não retroatividade dos impostos, dizendo-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da legislação, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”

115. Como refere Nuno M. Morujão, “a doutrina fiscal maioritária que se debruça especificamente sobre o problema das normas interpretativas, não se lhes opõe, desde que se trate de normas interpretativas “autênticas“”.

116. No entanto, para outros autores, “no domínio fiscal, havendo norma constitucional expressa a proibir a retroatividade pouco importa avaliar se a lei interpretativa o é em sentido material ou apenas em sentido formal (no caso de se tratar de lei inovadora)”. Saldanha Sanches, em anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/98, de 9 /3/1998 (proc n.º 370/97), pondera que “ a mudança constitucional tem de ser interpretada como uma espécie de crítica do legislador à jurisprudência constitucional: o legislador constitucional, ao modificar a lei e ao acrescentar mais uma garantia no texto constitucional, está a afirmar implicitamente que neste campo a jurisprudência constitucional não concedeu uma tutela efetiva aos direitos fundamentais do contribuinte”, concluindo, que “não nos parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal: se até aqui o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas, a revisão constitucional veio impedir os efeitos retroativos de qualquer norma, em matéria fiscal, incluindo os provocados por norma interpretativa”.

117. No mesmo sentido, Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa referem que as normas interpretativas “não têm apenas uma natureza declarativa, produzindo efeitos constitutivos. Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroativa da lei interpretanda”.

118. A mencionada doutrina vai, no fundo, ao encontro da jurisprudência afirmada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, processo 762/98, relativo à constitucionalidade do artigo 28.º, n.º 7, da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, sobre a dedutibilidade da derrama enquanto custo de exercício de IRC. É de referir que o sentido do Acórdão não é contrariado pelos votos de vencido, que divergem apenas sobre a fundamentação da decisão.

119. Aquele Acórdão consideraria as leis interpretativas que vinculem retroativamente o intérprete serem incompatíveis com a proibição da criação de impostos retroativos introduzida pela Quarta Revisão.

120. Sendo certo, para o Tribunal Constitucional, que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expetativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada. Todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, nos casos em que a lei constitucional proíba a sua retroatividade, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários.

121. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas, seguindo ainda esse Acórdão, leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, com a consequente frustração do princípio constitucional da irretroatividade dos impostos.

122. Nesta medida, prosseguiria o Acórdão, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do n.º 1 o artigo 13.º do Código Civil, altera o contexto de auto -vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afeta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroatividade.

123. Haveria, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroatividade.

124. No presente caso, não existia, antes da edição da norma interpretativa, qualquer corrente doutrinária ou até jurisprudencial que sustentasse a posição que adotou, não se podendo considerar como tal, é evidente, a fundamentação do ato impugnado.

125. Nessa medida, no que concerne ao novo n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a interpretação que é dada à alínea e) do anterior n.º 1, pelo artigo 152.º, com o alcance do artigo 154.º ambos da Lei n.º7-A/2016, não pode ser considerada genuinamente autêntica. A genuinidade da interpretação é pressuposto de aplicação de toda e qualquer norma formalmente interpretativa.

126. De facto, a única orientação doutrinária anterior à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, no sentido de as comissões isentas nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto do Selo, é aquela em que se fundamentaram as liquidações impugnadas, pelo que não pode ser considerada, a não ser que se legitime a prática de legislativamente, pela edição de normas apenas formalmente interpretativas, se resolverem os litígios entre a Administração Fiscal e os contribuintes.

127. Mesmo que o fosse, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, a norma interpretativa constante do referido artigo 154.º, por implicar imposto retroativo, sempre violaria o n.º 3 do artigo 103.º da CRP, pelo que, nos termos do seu artigo 204º, não poderia ser aplicada no caso sub judice.

128. Por tudo o que vai exposto, não assiste razão à Autoridade Tributária ao não considerar as comissões cobradas pela Requerente isentas de Imposto do Selo em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.”.

 

Por sua vez, no processo n.º 496/2017-T, com interesse para o presente caso, escreveu-

se que

“A terceira questão, tendo a ver, como a Requerida notou, com duas realidades distintas (a TMI - Taxa Multilateral de Intercâmbio –, e as comissões por operações com cartões em caixas automáticas[10]), pode ser reconduzida a uma questão de aplicação da lei no tempo, ou de sucessão de leis, na medida em que existe uma norma, cuja natureza interpretativa é discutida, que configura expressamente a obrigação tributária preterida pela Requerente, e uma outra norma, cuja natureza interpretativa é igualmente discutida, que estabelece uma delimitação da isenção previamente contemplada em outra norma.

Na verdade, entende a Requerente que a redação complementar dada à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (“Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”), não configura uma verdadeira interpretação autêntica, e que, portanto, aplicada a factos tributários ocorridos em 2014, tal lei é retroativa, e, portanto, inconstitucional. Acrescenta que a norma de incidência seria ainda inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva.

Entende igualmente a Requerente que a taxa multilateral de intercâmbio e as comissões por operações com cartões não constituem contraprestações de serviços financeiros sujeitas a Imposto do Selo (por uma dupla razão: por não subsunção à norma de incidência tributária; e por subsunção a uma norma de isenção).

Neste caso, a procedência do pedido da Requerente depende da verificação de apenas uma de três condições:

não ficarem as duas situações discutidas (taxa multilateral de intercâmbio e comissões por operações com cartões

– ou, noutra abordagem, comissões cobradas em TPA e em ATM) sujeitas à norma de imposição tributária desde a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (o que implicaria que, qualquer que fosse a natureza – interpretativa ou inovadora – dessas alterações, elas não interfeririam com a prática da Requerente);

ficarem essas situações (taxa multilateral de intercâmbio e comissões por operações com cartões – ou, noutra abordagem, comissões cobradas em TAP e em ATM) abrangidas pela verba 17.3.4 da TGIS na nova redação introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, mas não poderem tais alterações ter caráter de interpretação autêntica (serem puramente inovadoras);

tendo tal caráter de interpretação autêntica, ainda assim serem tais alterações constitucionalmente desconformes. Ainda que se conclua, porém, que a nova configuração da norma impositiva (a da verba 17.3.4 da TGIS na redação introduzida pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016) é aplicável para o futuro à taxa multilateral de intercâmbio e às comissões por operações com cartões – ou, noutra abordagem, comissões cobradas em TPA e em ATM- , que tal nova redação tem caráter interpretativo e é constitucionalmente conforme, terá de se retomar o mesmo percurso argumentativo a propósito da norma de isenção: a do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo na redação introduzida pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (que lhe aditou um novo n.º 7: “O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”), e também considerada interpretativa pelo seu artigo 154.º (“As redações dadas ao n.º 1, n.º 3 e alínea b) do n.º 5, todos do artigo 2.º, ao n.º 8 do artigo 4.º e ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo e à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo têm carácter interpretativo.”).

Se dessa indagação resultar que a taxa multilateral de intercâmbio e as comissões por operações com cartões estavam isentas de pagamento de Imposto do Selo antes dessa alteração legislativa, e deixaram de o estar depois, haverá que averiguar do bem fundado da sua natureza interpretativa (ie: não inovadora), invocada pelo legislador no artigo 154.º da mesma lei. Por outro lado, a concluir-se que a norma de isenção foi inovadoramente encurtada, reconduzindo ao perímetro de sujeição da verba 17.3.4 da TGIS montantes que antes estavam isentos da mesma, terá de se aferir da constitucionalidade dessa retirada retroativa da isenção.

Vejamos.

Por efeito do artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, foi alterada a redação da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que passou a explicitar que as “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” sujeitas a essa tributação (que era a redação anterior) incluem “as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

Assim, as taxas cobradas por operações em Terminais de Pagamento Automático (TPA), sendo necessariamente “operações de pagamento baseadas em cartões”, ficaram expressa e claramente sujeitas à dita verba 17.3.4; já no que concerne à utilização das caixas multibanco (ATM) isso ficou igualmente claro quando haja taxas incidentes sobre operações de pagamento nela realizados (sendo que uma “Operação de pagamento” é definida no ponto 26) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 2015/751, como “um ato praticado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário dos fundos a transferir, independentemente das obrigações subjacentes existentes entre o ordenante e o beneficiário;”).

Ou seja: qualquer que seja a qualificação dessa taxa de intercâmbio e das comissões por operações automáticas de pagamento ou levantamento de numerário, dúvidas não restam sobre a sua sujeição, hoje, ao pagamento de Imposto do Selo, por intervenção do legislador de 2016 – bem ou mal fundada do ponto de vista da pureza da equiparação das verbas em causa aos demais tipos de verbas sujeitas a tributação em Imposto do Selo (de resto bastante heterogéneas, atento o n.º 1 do artigo 1.º do CIS: “o imposto de selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral (…)”), ou delas isentas.

Ante o exposto, falha, portanto, a primeira condição necessária a que a Requerente obtenha ganho de causa: a taxa multilateral de intercâmbio e comissões por operações com cartões- ou, noutra abordagem, comissões cobradas em TAP e em ATM, estão para futuro, sujeitas à norma de imposição reformulada – o que, aliás, a própria Requerente admite ao pretender que aplicação do atual regime à situação dos autos configuraria retroatividade. Com efeito, se há, alegadamente, retroatividade, é porque o atual regime é aplicável à situação verificada no passado e aqui discutida.

Importa, pois, apurar se estão preenchidas as demais condições.

 

A questão seguinte é a da correspondência do regime alegadamente interpretativo à situação dos autos: importa apurar se, com o artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que alterou a redação da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, houve uma explicitação de uma solução já alcançável pelo intérprete, num quadro de alguma incerteza aplicativa, ou, pelo contrário, se a qualificação da alteração legislativa como interpretativa visou obter, torneando a proibição de irretroatividade fiscal, uma modificação do regime legal pré-existente.

Já atrás (no início de IV.3.) se invocaram as caraterísticas necessárias para se identificar uma lei como interpretativa e que se reconduzem, no fundo, à existência de uma incerteza prévia quanto a um certo regime e a uma intervenção normativa para consolidar uma das soluções já antes possíveis. O dissídio que aqui existe, prévio à alteração introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, era sobre a inclusão das comissões cobradas pelos bancos nas operações de pagamento realizadas em TPA e ATM estavam sujeitas à aplicação da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Diga-se, preliminarmente, que a própria Requerente parece ter reconhecido que – ao contrário do que entendia ocorrer com a “Taxa de Serviço ao Comerciante” – as comissões em causa cabiam diretamente na anterior previsão da norma (“Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”): “na verba 17.3.4 da TGIS continuam a enquadrar-se, como já acontecia antes da nova redação da norma, as diversas comissões relativas a prestações de serviços associadas a operações de pagamento baseadas em cartões, como sejam as já mencionadas comissões de aluguer e de gestão relativas à disponibilização dos Terminais de Pagamento Automático, as mensalidades de linhas, matrículas, taxas de ligação e comissões por outros serviços adicionais.” (artigo 299.º do Pedido, destaque aditado).

Acresce que em resposta aos pedidos formulados pela AT no decurso da ação inspetiva que deu origem à liquidação ora impugnada, e de acordo com o constante da p. 107 do Relatório de Inspeção Tributária notificado à requerente pelo Ofício ... de 22 de março de 2017, no que se refere a operações em ATM, “a A... facultou os valores mensais (...) tendo como base o valor contabilístico da conta “813931 - Comissões p/ Serviços Interbancários Prestados CE - SGOS” (...)” (negrito aditado), conforme consta também do quadro que se reproduz: Quer dizer que a própria conta de registo dessas operações, tal como, aliás, o fornecimento do “valor das comissões de serviços interbancários de operações de compras e pagamentos (e eventuais levantamentos em TPA) pelas operações efetuadas com cartões, em terminais disponibilizados pela A...”, que é sintetizado no quadro da p. 108 do mesmo Relatório (reproduzido a seguir) assentam na existência de “serviços interbancários” subjacentes (como destacado na citação acima transcrita):

Assim sendo, e face à natureza de Serviços Interbancários que a própria Requerente atribui às operações sobre as quais cobra comissões, parece que a recusa da existência de serviços financeiros como argumento para desconsiderar a subsunção das comissões cobradas em operações de pagamento em TPA e em ATM não corresponde à realidade.

Não está, portanto, preenchida a segunda condição necessária a que a Requerente obtenha ganho de causa: a taxa multilateral de intercâmbio e as comissões por operações com cartões – ou, noutra abordagem, as comissões cobradas em TAP e em ATM – estão sujeitas a tributação, e o regime resultante da intervenção (dita interpretativa) do legislador tem legítima pretensão a ser idêntico ao anteriormente vigente.

Resta apurar se tal pretensão de continuidade é constitucionalmente conforme, já que, como se referiu, a Requerente invoca que toda a lei interpretativa é retroativa e que toda a retroatividade impositiva em matéria de imposição fiscal (mesmo a que decorre da interpretação autêntica) é inconstitucional.

Ora, já houve decisões a considerar que o artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que alterou a redação da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, teve natureza interpretativa no que diz respeito à Taxa de Serviço do Comerciante. No CAAD, veja-se a decisão proferida em 7 de dezembro de 2017, no Proc. 756/2016- T, onde se escreveu que “esta prestação de serviços de pagamento cabe, pois, dentro do conceito “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” onde, como veio confirmar a nova redacção da verba 17.3.4 dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, estão incluídas “as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, estando por conseguinte sujeita a IS, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.”

Acontece, porém, que essa realidade em relação à qual se fixou essa jurisprudência (a Taxa de Serviço ao Comerciante) é – até pelo próprio reconhecimento da Requerente – mais inovadora do que a das comissões interbancárias e das comissões cobradas na utilização de máquinas automáticas em operações de pagamento baseadas em cartões.

Ora, se mesmo nesse caso de inovação máxima (segundo a Requerente) se fixou já o precedente da natureza interpretativa da norma, por maioria de razão assim será numa situação de menor inovação (segundo a Requerente). O que implica que as razões de tutela da confiança e de proteção da segurança jurídica que pesaram na decisão proferida, por maioria, no Acórdão n.º 172/2000 do Tribunal Constitucional, nem sequer podem ser aqui invocadas, justamente porque a nova redação dada à verba 17.3.4. da TGIS não teve caráter inovador no que diz respeito a comissões interbancárias e comissões cobradas em máquinas automáticas por pagamentos com cartões. Finalmente, também a invocada inconstitucionalidade da norma de incidência por violação do princípio da capacidade contributiva não tem, no caso, cabimento: defende a Requerente que está em causa “uma mera definição da repartição de custos de processamento com as prestações em causa.” (artigo 630.º do Pedido), mas a tributação da despesa, incluindo a despesa com a subsistência humana, também é tributada (designadamente com o IVA nos bens essenciais).

Seria certamente anómalo que, alegadamente por não revelarem capacidade contributiva, o legislador estivesse impedido de tributar despesas de instituições de crédito – ainda que necessárias à prestação de serviços ou realização de operações de pagamento – e não estivesse impedido de, pela mesma razão, tributar outras despesas necessárias à produção de bens ou prestação de serviços de outros sujeitos passivos de imposto, ou, mesmo, à mera sobrevivência dos sujeitos passivos.

Em suma, atendendo ao supra exposto, falha, portanto, a terceira via de defesa da Requerente quanto à não subsunção à norma impositiva.”.

Já no processo arbitral n.º 431/2018-T, escreveu-se, para além do mais, que:

 

“3.3. Questão da ilegalidade da liquidação de imposto do selo sobre a taxa multilateral de intercâmbio e comissões cobradas sobre operações efetuadas com cartões em caixas automáticos

As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos (ATM ou multibanco) em operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos [detentores de ATM ou emissores de cartões bancários].

No âmbito dos procedimentos originados pelo pagamento de compras em Terminais de Pagamento Automático, descrito no ponto K. da matéria de facto fixada, depois do pagamento pelo adquirente (acquirer) ao comerciante, aquele é reembolsado e paga-lhe uma comissão (taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee). Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, com base na informação retirada do «Tarifário Interbancário do Sistema de Pagamentos MB» ( [7] ) existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, é cobrada uma comissão peio Banco detentor do ATM ao Banco emissor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) pelo serviço prestado; e, de igual modo, quando o cliente de um banco procede ao levantamento de numerário numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro Banco [Banco detentor do ATM], este cobra uma comissão ao banco emissor do cartão bancário pelo serviço prestado com aquela operação. Estas são, pois, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de CA em operações de pagamentos com cartões, de levantamentos de numerário, de consultas de saldos ou de movimentos, de carregamentos telemóveis, etc..

A Requerente não procedeu a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões TMI nem sobre as comissões interbancárias que cobrou pela utilização de Caixas Automáticas em operações efetuadas com cartões bancários.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção relativamente a estas comissões, por entender que elas também se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS, dizendo o seguinte, em conclusão:

As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos [detentores de ATM ou emissores de cartões bancários];

 

O A... não procedeu a qualquer liquidação de imposto do Selo sobre as comissões TMI ou sobre as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários;

As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários encontrando-se sujeitas a IVA, encontram-se deste isentas, nos termos da subalínea c) da alínea 27) do artº 9.º do CIVA;

Estando isentas de IVA, as comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1.º do CIS;

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado;

De acordo com o disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas "...restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...", quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito);

Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações...";

Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS; O n.º 1 do art.º 22.º do CIS, remete as taxas de Imposto para a TGIS;

As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões (como as acima referidas) têm pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS;

As comissões acima referidas não se encontram abrangidas pela Isenção contemplada na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

 

3.3.1. Erro de interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS

O Requerente defende também quanto a esta correcção que há erro de interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS, porque não se pode extrair do artigo 1.º, n.º 2, do CIS que as operações que estejam isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a Imposto do Selo, mas apenas que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo.

Como se referiu no ponto 3.2.1., esta afirmação de que do artigo 1.º, n.º 2, do CIS apenas pode concluir-se que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo é verdadeira.

No entanto, pelo que nesse ponto se refere, a interpretação correcta dessa parte do Relatório da Inspecção Tributária é a de que Autoridade Tributária e Aduaneira não entendeu que as operações estavam sujeitas a Imposto do Selo apenas por não serem tributadas em IVA, mas sim que, para além desta condição (delimitação negativa de incidência) era necessária a incidência resultante de previsão na Tabela Geral.

Remete-se, assim, para o que se referiu nesse ponto 3.2.1., que tem aqui plena aplicação.

Por isso, esta correcção relativa a comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, não enferma deste vício que o Requerente lhe imputa.

 

3.3.2. Erro de enquadramento das comissões TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários na verba 17.3.4.

 

Como se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as comissões TMI (taxa multilateral de intercâmbio) e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS.

Trata-se de quantias cobradas entre entidades financeiras de cuja actividade concertada decorre a disponibilização aos seus clientes da possibilidade de efectuarem pagamentos em Terminais de Pagamento Automático e realizarem várias operações em Caixas Automáticos (multibanco).

A Requerente alega, em suma, que as quantias em causa decorrem de convenção interbancária de colaboração recíproca e destinam-se a repartir custos, suportados por toda e qualquer instituição bancária, associados à tecnologia utilizada para pôr à disposição dos seus clientes operações automatizada e que entre bancos não existe um específico vínculo jurídico, mas apenas a prática de actos de cooperação material, sustentados na convenção interbancária de colaboração recíproca celebrada, que não configura prestação de serviços e mais não visa que uma repartição de custos nas relações interbancárias.

Defende ainda a Requerente que, a entender-se que as taxas referidas remuneram serviços realizados entre entidades bancárias apenas a compensação líquida poderia assumir relevância e não todos os feixes multilaterais das taxas interbancárias.

A Requerente defende ainda que, estando-se perante factos ocorridos em 2014, não lhe podem ser aplicadas as alterações legislativas posteriores, designadamente as introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para 2016), por força do proibição constitucional da retroactividade de normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP).

Na redacção vigente em 2014, a verba 17.3.4. da TGIS estabelecia o seguinte:

17 - Operações financeiras: (..)

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros ... 4%. A Lei n.º 7-A/2016 deu a esta verba a seguinte redacção:

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ... 4%

O artigo 154.º da mesma Lei atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção.

Posteriormente, a Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, veio aditar uma alínea h) ao n.º 3 do artigo 3.º do CIS estabelecendo o seguinte:

3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

h) Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas;

À face da redacção vigente em 2014, afigura-se que as comissões em causa, cobradas entre entidades bancárias, não eram enquadráveis na verba 17.3.4. da TGIS.

Na verdade, fazia-se referência a «operações financeiras» e a «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» e o artigo 3.º, n.º 3, alínea g) do CIS estabelecia que «considera-se titular do interesse económico»

«nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas».

Do conjunto destas normas, inferia-se que as «operações financeiras» a que se reportava a verba 17.3.4 seriam aquelas que são praticadas entre estas e os clientes, que são os titulares do interesse económico que, neste tipo de actos sujeitos a imposto do selo, constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º.

Sendo assim, não haveria fundamento para tributar as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (TMI), pois é manifesto quem nesses pagamentos interbancários não havia qualquer relevância do interesse dos clientes.

Por outro lado, no que concerne à utilização cartões bancários, estava vedado às instituições de crédito, «cobrar quaisquer encargos directos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 3/201, de 5 de Janeiro). Isto é, se é certo que no que concerne às operações em caixas automáticas (multibanco), havia prestação de serviços financeiros aos clientes de instituições bancárias, também o é que pela prestação destes não poderia haver comissões ou contraprestações enquadráveis na verba 17.3.4.

Neste contexto, é de concluir que a verba 17.3.4., na redacção vigente em 2014, não abrangia a TMI nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários. Sendo assim, tem de se concluir que as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 7-A/20116 e pela Lei n.º 22/2017 não podem ser aplicadas à situação em apreço, por força da proibição constitucional da retroatividade da criação de impostos.

Na verdade, o artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva.

A lei interpretativa, integrando-se na lei interpretando, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, tem forçosamente efeitos anteriores à sua vigência, pelo menos o de eliminar uma ou mais das interpretações possíveis da lei interpretada.

A proibição constitucional de retroactividade das normas criadoras de obrigações fiscais que se retira do n.º 3 do artigo 103.º da CRP visa obstar a violações legislativas do princípio da segurança jurídica, nas suas vertentes de certeza na orientação das condutas dos contribuintes e de segurança dos efeitos criados por situações já ocorridas. Poderá entender-se, na esteira da lição de BAPTISTA MACHADO, que nas situações em que a interpretação que é dada na lei nova vem fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, pelo que não se verificam as razões que justificam a proibição da retroactividade. Como interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não se poderão considerar aquelas que extravasam, restritiva ou extensivamente, o seu teor literal, pelo menos enquanto não houver posições doutrinais ou prática jurisprudencial que as adoptem, mas incluem-se aquelas que são viáveis à face do texto legal anterior numa mera interpretação declarativa.

 

 

É essencialmente neste sentido que tem decidido, recentemente, o Tribunal Constitucional, com o se pode ver pelo acórdão n.º 644/2017, cuja jurisprudência é reafirmada no acórdão n.º 92/2018:

Como se explicou no Acórdão n.º 267/2017, devido à integração da lei interpretativa na lei interpretada estatuída no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, pode em certo sentido falar-se de uma retroatividade formal inerente a toda a lei interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é “formal”, visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior

– cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cfr. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou materialmente retroativa (cfr. idem, ibidem, p. 247).

Na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroativa apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. Pode suceder – e sucede com alguma frequência – que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Uma lei que modifique o direito preexistente – o mesmo é dizer, que constitua direito novo – sob a capa de “lei interpretativa” violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas válida para o seu âmbito de aplicação material.

No caso em apreço, verifica-se uma situação em que a nova lei a que foi atribuída natureza interpretativa é verdadeiramente inovadora, pelo que aquele artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016 é materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com a proibição de retroactividade que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, por estatuir uma aplicação retroactiva da alteração que aquela Lei introduziu na verba 17.3.4 da TGIS.

Por isso, por força do disposto no artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados», tem de ser recusada a aplicação daquele artigo 154.º, bem como da nova redacção da verba 17.3.4. . Estando afastada a possibilidade aplicar a nova legislação, é de concluir, pelo que se referiu, que não se podem enquadrar na verba 17.3.4 da TGIS, vigente em 2014, a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Pelo exposto, a correcção relativa à TMI e às comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários é ilegal, por enfermar de vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação, na parte respectiva (correcção no valor de € 100.741,12), nos termos dos artigos 135.º do CPA de 1991 e 163.º, n.º 1, do CPA de 2015.”.

Na mesma linha, julgou-se no processo n.º 27/2019-T procedente, por violação da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, na redação anterior à introduzida pelo artigo 152º da Lei nº 7-A/2016, o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de Imposto do Selo quanto à Taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efectuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos.

Também nos processos 239/2019-T e 362/2019-T, se chegou a conclusões idênticas, com fundamentos análogos.

 

*

Tendo em conta a exaustividade e a profusão das análises encetadas na jurisprudência arbitral citada, será desprovido de utilidade proceder aqui a um reiterar do quanto foi dito, e que, na generalidade, se subscreve.

Assim, na senda da referida jurisprudência, e tendo presente o imperativo de aplicação uniforme do direito, tal como consagrado no art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil, julga-se, em suma, que:

- Os factos tributários em questão nos presentes autos não têm cabimento na verba

17.3.4. da TGIS, na redacção vigente à data daqueles;

- Mesmo que assim não se entendesse, verificar-se-iam os pressupostos da isenção consagrada no art.º 7.º/1/e) do CIS, na redacção vigente na mesma altura;

- o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março deverá, em concreto, ser desaplicado, por violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal, previsto no n.º 3 do artigo 103.º da C.R.P. .

Face ao exposto, deverá o pedido arbitral ser julgado procedente, e anuladas as liquidações objecto da presente acção arbitral, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelo Requerente.

 

***

O Requerente formulou pedido de indemnização por garantia indevida.

 

A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art.º 24.º do RJAT.

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.”4.

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do art.º 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T5 “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2.    O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

 

 

 

 

 

 

 

 

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4 Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária –Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

5 Disponível em www.caad.org.pt.

 

 

3.    A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

4.    A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, verifica-se que o erro de que padecem os actos de liquidação anulados é imputável à Entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e o Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Tem, por isso, o Requerente direito a indemnização pela garantia prestada.

No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que poderá ser efectuado, se necessário, em execução desta decisão.

 

*

C.   DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a) Anular o acto de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2018..., e respectivas liquidações de juros compensatórios, todas referentes a 2015, no valor de € 1.196.312,86;

b) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos acima determinados;

c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

 

D.   Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.196.312,86, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E.    Custas

 

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 16.218,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se, incluindo o Ministério Público, dada a desaplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

 

Lisboa, 30 de abril de 2020

 

O Árbitro Presidente

 

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

 

(A. Sérgio de Matos)

 

O Árbitro Vogal

 

(Francisco Nicolau Domingos)