Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 478/2019-T
Data da decisão: 2020-03-18  IRC  
Valor do pedido: € 51.398,76
Tema: IRC – Tributação autónoma – Ajudas de custo.
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Decisão Arbitral

 

1. RELATÓRIO

1.1. A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., Lote..., ...-..., ... (doravante designada por “Requerente”) apresentou em 17-07-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

1.2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade e anulação das demonstrações de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativas aos anos de 2014, 2015 e 2016, com os n.ºs 2019..., 2019 ... e 2019..., que deram origem às demonstrações de acerto de contas, com os n.ºs 2019..., 2019... e 2019..., no montante global de € 51.398,76 Euros (cinquenta e um mil trezentos e noventa e oito euros e setenta e seis cêntimos), com as consequências legais, nomeadamente a restituição do imposto pago em excesso e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

1.3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

1.4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 18-07-2019.

1.5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

1.6. As partes foram notificados, em 10-09-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 30-09-2019.

1.8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 30-09-2019, apresentou, em 04-11-2019, a sua Resposta.

1.9. O Tribunal Arbitral, por despacho de 07-11-2019, notificou o Requerente para, no prazo de cinco dias, manifestar interesse na produção de prova testemunhal e indicar os pontos de facto sobre os quais deveria incidir.

1.10. Em 13-11-2019, a Requerente indicou os fatos sobre os quais pretendia as declarações de parte e a inquirição das testemunhas.

1.11. Por despacho, de 13-11-2019, o Tribunal Arbitral determinou designar o dia 20 de dezembro, às 10h, para as declarações de parte e inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.

1.12. A Requerida, em 11-12-2019, e a Requerente, em 13-12-2019, declararam a impossibilidade de comparência na data indicada, pelo despacho arbitral de 13-11-2019, para as declarações de parte e a produção da prova testemunhal.

1.13. Por despacho arbitral de 13-12-2019, a Requerida foi notificada para se pronunciar sobre as datas alternativas sugeridas pela Requerente para a realização da diligência. A Requerida pronunciou-se em 17-12-2019. O Tribunal Arbitral, por despacho de 17-12-2019, determinou o dia 30 de janeiro, às 10h30m, como nova data para as declarações de parte e a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.

1.14. O Tribunal Arbitral, em 30-01-2019, procedeu à inquirição das testemunhas B... e C... e às declarações de parte, de acordo com o disposto no artigo 466.º do Código de Processo Civil, de D... e E..., conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida. Na referida sessão o Tribunal: (i) notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem as alegações escritas no prazo de 15 dias; (ii) designou o dia 16-03-2020 como data para a prolação da decisão arbitral; (iii)

1.15. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 13-02-2020, e pela Requerida, em 04-03-2020.

1.16. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

1.16.1. A Requerente é uma sociedade por quotas tendo como seu escopo principal, o projeto, construção, execução e manutenção de instalações de climatização. A quase totalidade dos seus clientes encontram-se situados em território espanhol, pelo que a sua atividade é quase exclusivamente exercida fora das suas instalações, e bem ainda fora de Portugal, o que obriga os seus funcionários a deslocações constantes àquele país.

1.16.2. A requerente sempre imputou os encargos tidos com as suas ajudas de custo – relativas aos anos de 2014, 2015 e 2016 - aos seus clientes finais.

1.16.3. A Requerente carreou para os presentes autos os elementos aptos a demonstrar que no preço final indicado aos clientes sempre contemplara os valores relativos a despesas com ajudas de custo.

1.16.4. Pese embora as faturas emitidas pela Requerente não refletirem, de forma expressa, os encargos tidos com essas mesmas ajudas de custo, o certo é que não teriam que delas constar, sendo manifesto que não existe nenhuma disposição legal que a tal obrigasse. 

1.16.5. Efetivamente, a articulação da orçamentação, contratualização, mapas mensais de ajudas de custo e faturação, aliadas ao facto de os serviços serem quase em exclusivo prestados em Espanha, bem como o lucro obtido pela Requerente, no período em análise, representam, per se, elementos suficientes para que se possa aferir, com absoluta certeza, que o preço faturado aos seus clientes repercutiu as ajudas de custo por si abonadas e contabilizadas como dedutíveis e não sujeitas a tributação autónoma.

1.16.6. O entendimento que a Requerente perfilha é que os gastos a que se reporta o n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC não necessitam de ser refletidos/inscritos, de forma expressa, nas faturas emitidas aos clientes, bastando possuir elementos bastantes e adequados à demonstração de que o preço final imputado ao cliente, e por este concretamente pago, repercute os custos tidos pela Requerente relativamente às ajudas de custo.

1.16.7. Assim, conclui-se que os atos tributários objeto da presente demanda arbitral enfermam de erro de direito, na interpretação e aplicação da norma do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, já que os mesmos assentam exclusivamente no entendimento segundo o qual “da documentação apresentada a título de orçamentos e respetiva facturação, constata-se que os elementos descritivos não permitem inferir se as ajudas de custo subjacentes aos serviços realizados foram de facto faturadas ao respetivo cliente”, entendimento este que, pelo que atrás se expôs, não é o que se deverá considerar como resultando da citada disposição legal.

1.16.8. Verificam-se elementos suficientes para que se possa aferir que o preço faturado pela Requerente aos seus clientes repercutiu as ajudas de custo por si abonadas, contabilizadas como dedutíveis e não sujeitas a tributação autónoma. Ao desconsiderar tais elementos, incorreram os atos tributários também em erros de facto, igualmente geradores da respetiva anulabilidade.

1.16.9. Uma vez obtida a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da L.G.T., e do artigo 61.º do C.P.P.T., calculados sobre as quantias que a Requerente pagou indevidamente, contabilizados desde a data dos pagamentos indevidos até ao momento do respetivo reembolso.

1.17. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

1.17.1. No caso em apreço os Serviços de Inspeção Tributária não questionaram a qualificação dos encargos relativos a ajudas de custo como encargos dedutíveis, à luz dos critérios do artigo 23.º do Código do IRC, tendo considerado suficientes os documentos de prova apresentados pela Requerente. Pelo que, não sendo questionada a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, deverão os mesmos sujeitar-se às regras aplicáveis à tributação autónoma que constam no n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC.

1.17.2. Não tendo sido sujeitos a tributação em sede de IRS na esfera dos respetivos beneficiários, os encargos efetuados ou suportados com as ajudas de custo só ficarão excluídos de tributação autónoma se faturados aos clientes. Verifica-se, pois, que, há uma exigência suplementar para que os encargos com ajudas de custo, já aceites como encargos dedutíveis para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, não sejam sujeitos a tributação autónoma, que é a prova de que foram faturados aos clientes.

1.17.3. Conforme concluiu a Inspeção Tributária “os elementos descritivos não permitem inferir se as ajudas de custo subjacentes aos serviços realizados foram de facto faturadas ao respetivo cliente''. Efetivamente fica por demonstrar, por parte do ora Requerente, que as despesas com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria estão incluídas no valor faturado aos clientes.

1.17.4. Verifica-se, pois, que, os encargos dedutíveis relativos às ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria dos trabalhadores, ao serviço da entidade patronal, ficarão sujeitos a tributação autónoma, à taxa de 5%, nos termos do n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC, exceto se o sujeito passivo fizer prova de que esses encargos foram faturados aos clientes ou tributados em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.

1.17.5. Assim, não deverá ser atendida a pretensão da Requerente, porquanto não conseguiu demonstrar que os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria dos trabalhadores, ao serviço da entidade patronal, foram faturados aos clientes ou sujeitos a tributação em sede de IRS na esfera do beneficiário, condições previstas no n.º 9 do artigo 88.º do CIRC para afastar esses encargos de tributação autónoma. É, portanto, sobremaneira evidente a conformação da atuação dos serviços à lei, pelo que devem as liquidações impugnadas, ser mantidas na ordem jurídica.

1.17.6. As empresas estão obrigadas a possuir elementos que permitam "conhecer o nome do beneficiário, o local para onde se deslocou e a respetiva data, o montante diário que lhe foi atribuído e o valor faturado, com menção do serviço a que tais gastos vão ser imputados, nos termos da já mencionada alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º - A do Código IRC. Sendo tais gastos efetivamente faturados aos clientes, ou seja, expressamente evidenciados na fatura emitida, não ficam sujeitos à tributação autónoma prevista no n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC. Verifica-se, pois, que, há uma exigência suplementar para que os encargos com ajudas de custo, já aceites como encargos dedutíveis para efeitos do artigo 23.º do CIRC, não sejam sujeitos a tributação autónoma, que é a prova de que foram faturados aos clientes

1.17.7. Relativamente aos juros indemnizatórios peticionados, considerando a hipótese, que se acautela por dever de patrocínio, de o pedido de pronuncia arbitral vir a ser julgado procedente, parcialmente ou na sua totalidade, os esclarecimentos e documentos apresentados pela Requerente no decurso da ação inspetiva não foram suficientes para sustentar de forma comprovada aquilo que ora vem alegado,

1.17.8. Donde resulta que, a existir erro de facto ou de direito o mesmo não pode ser imputável à Requerida, mas antes à Requerente por não ter cumprido o ónus que lhe incumbia de esclarecimento da sua situação jurídico-tributária, não estando quanto aos mesmos reunidos os pressupostos necessários para o pretendido direito a juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

1.17.9. Sem conceder, caso a pretensão da Requerente venha a ser julgada procedente, tendo por fundamento a prova efetuada através da inquirição das testemunhas arroladas, ou tendo por fundamento documentação apresentada apenas na presente instância arbitral, não deverá prevalecer o princípio da condenação em custas da parte vencida nos autos, por se entender que foi a Requerente quem deu azo à ação arbitral ao não efetuar a prova que lhe incumbia através da apresentação de documentos idóneos para o efeito. Daqui resulta que toda a atuação da AT se pautou pelo cumprimento da lei, e que a decisão ora recorrida não está ferida de qualquer vício de legalidade quanto aos factos que a sustentam uma vez que a prova apresentada pela Requerente no âmbito da ação inspetiva não permitiria alcançar conclusão diferente daquela que ora se discute. Nestes termos, será sempre de imputar à Requerente a responsabilidade quanto a custas.

1.18. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

As partes não suscitaram exceções e não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, verificam-se todos os pressupostos processuais para o Tribunal Arbitral conhecer do pedido.

 

2. MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           A Requerente é uma sociedade por quotas tendo como objeto principal, o projeto, construção, execução e manutenção de instalações de climatização, ao qual corresponde o CAE principal – 43992 (Outras Atividades Especializadas de Construções Diversas) encontrando-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável (vd., n.ºs 11 e 12 do pedido de pronuncia arbitral);

 

B)           Nos anos de 2014 a 2016 os trabalhadores da Requerente deslocavam-se a Espanha para realizarem a montagem e a colocação das estruturas de isolamento nos edifícios e/ou armazéns localizados naquele País (vd., alínea a), b) e c) III do Auto de Notícia da Inspeção Tributária e Aduaneira, de 08-04-2019, constante do Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e Documentos Emitidos de Vendas, relativos aos períodos de 01-01-2014 a 31-12-2014 e de 01-01-2015 a 31-12-2016, constante do Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral, e depoimentos das testemunhas B... e C... e depoimentos das partes D... e E...);

 

C)           Os serviços prestados pela Requerente aos seus clientes eram antecedidos de um orçamento com a estimativa da globalidade dos custos previsivelmente associados à prestação do serviço e estabelecimento do preço final (vd., Documentos n.ºs 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 anexos ao pedido de pronuncia arbitral, e depoimentos das partes D... e E...);

 

D)           Os contratos celebrados pela Requerente com os seus clientes estrangeiros (F... datados de 11-02-2014, 29-07-2014, 21-10-2014, 10-03-2015, 24-04-2015, 19-05-2015, 02-06-2016 e 29-11-2016 e G..., SL) regulam os termos e condições em que assenta a prestação do serviço por parte daquela, estabelecem o preço final, que inclui a totalidade dos custos associados à prestação do mesmo (vd., Documentos n.ºs 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 anexos ao pedido de pronuncia arbitral, e depoimentos das partes D... e E...);

 

E)            O registo das ajudas de custo relativamente aos trabalhadores deslocados em serviço era efetuado pela Requerente através de mapa onde consta: (i) nome do trabalhador; (ii) mês e ano; (iii) local da obra; (vi) hora de partida e hora de chegada; (vii) valor diário das ajudas de custo; (viii) valor total das ajudas de custo (vd., Documento n.º 21 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e depoimentos das partes D... e E...);

 

F)            Nas faturas emitidas aos clientes a Requerente não faz referência expressa aos encargos com as ajudas de custo (vd., alínea e) III do Auto de Notícia da Inspeção Tributária e Aduaneira, de 08-04-2019, constante do Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e depoimentos das partes D... e E...);

 

G)           A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção externa por parte da Inspeção Tributária e Aduaneira, em cumprimento das ordens de serviço n.ºs. OI 2017..., de 28-12-2017, referente ao ano de 2014, OI 2017... de 28-12-2017, referente ao ano de 2015, e OI 2017..., de 28-12-2017, referente ao ano de 2016, tendo o seu início em 11-10-2018 e conclusão em 10-04-2019 (vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

H)           O procedimento de inspeção externa, identificado na alínea anterior, de âmbito parcial, nos termos do artigo 14.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), teve como principal objetivo o enquadramento das operações ativas e passivas em sede de IRC (vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

I)             Através do ofício n.º..., de 16-04-2019, do Serviço de Finanças de ... a Requerente foi notificada da instauração do processo de contra-ordenação n.º ...2019..., com base em Auto de Notícia, elaborado ao abrigo do n.º 1 do artigo 57.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) (Ordem de Serviço n.º OI2017...) levantado em 08-04-2019, no qual são relatados os factos constitutivos de contra-ordenação por violação de normativos legais puníveis pelo RGIT (vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

J)            O Auto de Notícia, identificado na alínea anterior, refere o seguinte:

“III – D – Tributações autónomas em sede de IRC

a) De acordo com o n.º 9 do artigo 88.º do CIRC e conforme redação ao tempo, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, são ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%.

b) Analisando as declarações de rendimentos dos anos de 2014 a 2016, verifica-se que foram tributadas autonomamente os encargos relativos às ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria pagos aos gerentes, não havendo tributação relativamente aos encargos adstritos aos restantes trabalhadores;

c) Indagados os responsáveis sobre esta situação, foi esclarecido que as ajudas de custo pagas aos funcionários, não estão a ser alvo de tributação autónoma, uma vez que estas são imputadas aos clientes, estando implicitamente conexas com a natureza da prestação de serviços efectuada pela empresa.

d) Conforme se verifica da documentação apresentada a título de orçamentos e respetiva faturação, constata-se que os elementos descritivos não permitem inferir se as ajudas de custo subjacentes aos serviços realizados foram de facto faturadas ao respetivo cliente.

e) De facto, do orçamento apresentado e respetiva fatura não se depreende quais as componentes de gastos que constituem a formação do preço orçamentado. Acresce que, não foram apresentados quaisquer outros elementos para demonstração do preço do orçamento, alegando os responsáveis que todos os custos necessários para a realização dos serviços estão implicitamente imputados aos clientes. A ser assim, ao tributar autonomamente as ajudas de custos atribuídas aos gerentes, a empresa teve um comportamento contraditório, porquanto, é admissível que as ajudas de custo dos gerentes que estão directamente relacionados com a realização/supervisão das prestações de serviços também estariam/poderiam estar implicitamente imputadas aos clientes, não havendo demonstração por parte da empresa de umas poderem estar e outras não.

g) Também conforme processo n.º 735/2014 da mesma entidade, para que as ajudas de custo não sejam tributadas autonomamente, compete ao sujeito passivo provar que os gastos em causa, tenham sido efetivamente faturados aos seus clientes;

h) Do exposto, conclui-se que estão sujeitas a tributação autónoma a totalidade das ajudas de custo elegíveis, i.e, após expurgo das verbas que foram desconsideradas como ajudas de custo e como compensação pela utilização de viatura própria, (porquanto ao serem tributadas em sede de IRS, deixam de estar sujeitas ao n.º 9 do artigo 88º do CIRC);

i) No ano de 2014, o valor das tributações autónomas declarado ascende a 7.630,00. Consultando o quadro 13 da declaração de rendimentos constata-se que não foram detalhadas as bases de incidência das diferentes rubricas sujeitas a tributação. No entanto, facilmente se depreende que o montante declarado está aquém do valor correto, porquanto, mesmo considerando uma taxa de 5%, a base necessária para implicar o valor de 7,630,00 ascende a 152.600,00, sendo que esta importância é inferior ao valor das ajudas de custo;

j) Considerando as diferentes rubricas sujeitas a tributação autónoma, tendo em atenção a retificação da base de incidência, por força do cálculo errada em 2014, bem como, pela consideração da totalidade das ajudas de custo, conclui-se que não foram declarados como tributação autónoma os montantes de 11.412,56, 17.564,99 e 18.681,26, respetivamente para os anos 2014, 2015 e 2016.”

(vd., Auto de Notícia da Inspeção Tributária e Aduaneira, de 08-04-2019, constante do Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

 

K)           Em consequência da ação inspetiva, identificada nas alíneas G) e H), foi determinada a correção dos valores indicados no campo 365 do quadro 10, respeitante a tributações autónomas, das declarações de rendimentos Modelo 22, dos exercícios de 2014, 2015 e 2016 (vd., n.º 6 da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira constante dos presentes autos arbitrais);

 

L)            A AT, relativamente ao exercício de 2014, emitiu a Demonstração de Liquidação n.º 2019..., de 10-04-2019, tendo a tributação autónoma o montante de € 19.042,56 (na liquidação anterior o montante era de € 7.630,00) e a Demonstração de Acerto de Contas (Documento n.º 2019...) resultante da compensação n.º 2019..., de 12-04-2019, sendo o valor a pagar de € 12. 999,29 (data limite de pagamento 22-05-2019) (vd., Documentos n.ºs 1 e 4 anexos ao pedido de pronuncia arbitral);

 

M)          A AT, relativamente ao exercício de 2015, emitiu a Demonstração de Liquidação n.º 2019..., de 10-04-2019, tendo a tributação autónoma o montante de €28.266,70 (na liquidação anterior o montante era de € 10.701,71) e a Demonstração de Acerto de Contas (Documento n.º 2019...) resultante da compensação n.º 2019..., de 15-04-2019, sendo o valor a pagar de € 18.440,72 (data limite de pagamento 23-05-2019) (vd., Documentos n.ºs 2 e 5 anexos ao pedido de pronuncia arbitral);

 

N)           A AT, relativamente ao exercício de 2016, emitiu a Demonstração de Liquidação n.º 2019..., de 10-04-2019, tendo a tributação autónoma o montante de €28.835,89 (na liquidação anterior o montante era de € 10.154,63) e a Demonstração de Acerto de Contas (Documento n.º 2019...) resultante da compensação n.º 2019..., de 17-04-2019, sendo o valor a pagar de € 19.958,75 (data limite de pagamento 27-05-2019) (vd., Documentos n.ºs 3 e 6 anexos ao pedido de pronuncia arbitral);

 

O)           A Requerente procedeu ao pagamento das quantias, referidas nas alíneas L), M) e N), em 21-05-2019 (vd., Documentos n.ºs 4, 5 e 6 anexos ao pedido de pronuncia arbitral).

 

2.2. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa e no depoimento das testemunhas B... e C... e nas declarações de parte, estabelecidas de acordo com o disposto no artigo 466.º do Código de Processo Civil, de D... e E... . As testemunhas e as partes aparentaram depor com conhecimento pessoal dos factos que relataram.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, a prova testemunhal e os depoimentos de parte supra identificados consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3. MATÉRIA DE DIREITO

3.1. A principal questão decidenda nos presentes autos diz respeito à apreciação da legalidade da sujeição a tributação autónoma, nos termos do n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC, dos encargos relativos a ajudas de custo pagas pela Requerente aos seus trabalhadores. 

Depois, o Tribunal terá de analisar o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.

Cumpre apreciar.

 

3.2. A tributação autónoma foi introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30-12 (Lei do Orçamento do Estado para 2005), que alterou o artigo 81.º do Código do IRC, tendo aditado o n.º 9, que corresponde ao mesmo número do atual artigo 88.º do Código do IRC.

O n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC, na redação vigente à data dos factos tributários ora em causa, tem o seguinte teor:

“São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.”

 

A norma do artigo 23.º-A do Código do IRC tem a redação seguinte:

“1. Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(…)

h) As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário;”

 

3.3. O presente Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa na Decisão Arbitral n.º 266/2017-T, de 18 de fevereiro de 2018, relativamente à interpretação do n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC, na qual salientamos o seguinte: 

 “(…) os dois requisitos fundamentais da dedutibilidade dos gastos em sede de IRC que, como se sabe, são:

i) a efectividade do gasto (e respectiva comprovação por meios idóneos);

ii) a necessidade daquele para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

As tributações autónomas de natureza não penalizadora, pode-se dizer que, de uma forma ou de outra, visam acudir a situações em que o regime geral de comprovação dos referidos requisitos fundamentais da dedutibilidade dos gastos em sede de IRC, consagrado no artigo 23.º do CIRC, é insuficiente na prática, face à realidade da vida económica, para assegurar, com a necessária credibilidade, a sua verificação.

Como refere J.L. Saldanha Sanches, “[n]este tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros.” Ora, no caso concreto, nada parece fazer presumir que as ajudas de custo pagas se traduzem em remunerações em espécie ou em distribuições ocultas de lucros.

Aquelas que são as notas habitualmente atribuídas às tributações autónomas não penalizadoras, podem reconduzir-se à referida constatação. Assim, o combate à erosão ilegítima da base tributável, o desincentivar de determinados gastos de causação presumidamente não empresarial, ou a tributação de distribuição encapotada de rendimentos a terceiros, não tributados na esfera destes, por meio das tributações autónomas, terá subjacente a constatação que o regime normal da dedutibilidade dos gastos, assente no artigo 23.º do CIRC, não é, nos gastos sujeitos àquela, adequado, de per si, a garantir que as referidas situações, contrárias àquela, não se verificam na realidade.

Ou seja: relativamente a determinados gastos, o legislador entendeu que os procedimentos contabilísticos e fiscais vigentes para a generalidade dos casos, não eram suficientemente eficazes para assegurar que aqueles cumpriam com um ou ambos dos referidos requisitos fundamentais da dedutibilidade, e, em ordem a mitigar as consequências daí decorrentes, optou por sujeitá-los a tributação autónoma, diminuindo, no fundo, o seu quociente de dedutibilidade.

(…)

Compreende-se assim, a esta luz, a razão de ser do requisito da facturação a clientes consagrado na norma do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, como dirigindo-se a assegurar que as ajudas de custo em questão hajam sido incorridas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Coloca-se, então, a questão de apurar se o requisito em questão deve ser entendido na sua aparente literalidade, ou seja, se quando a norma em causa utiliza a expressão “não faturados a clientes”, está a exigir que sejam mencionadas expressa e discriminadamente na facturação os dados relativos às ajudas de custo incluídas no valor facturado, ou se o texto legal se reporta antes à exigência de demonstração que o valor das ajudas de custo se encontra abrangido pelo valor facturado a clientes, como comprovação de que aquelas foram incorridas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

(…)

Com efeito, e desde logo, tem sido reiteradamente afirmado pelos Tribunais Tributários superiores, que a facturação para efeitos de IRC é menos exigente do que para o IVA, e que se destina essencialmente a veicular “os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.”.

No mesmo sentido, o Tribunal Central Administrativo Norte, por exemplo, decidiu que “[n]a redacção da Lei 87.º-B/98, de 31/12, a expressão ajudas de custo “facturadas a clientes”, que constava da alínea f) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC para efeitos da dedutibilidade integral do seu valor, correspondia a encargos a esse título debitados aos clientes e incluídos no valor da factura, não se exigindo a discriminação do seu montante na própria factura, nem qualquer formalidade na sua escrituração.”.

Tendo em vista este entendimento, que se perfilha, não será de presumir que o legislador fiscal tenha pretendido adicionar ao já complexo emaranhado de obrigações e deveres contabilísticos e declarativos dos sujeitos passivos abrangidos pelo regime de contabilidade organizada, a imposição de passar, como sugere a Requerida “fazer constar nas facturas emitidas o montante correspondente a ajudas de custo e aos quilómetros percorridos.”, ou “o local exacto (… da obra), o tempo ou a distância percorrida”, tanto mais que tais dados são absolutamente irrelevantes para o controlo fiscal quer do destinatário da factura, quer do emitente.

Por outro lado, e sob pena, crê-se, de inconstitucionalidade, a sujeição a tributação autónoma dos valores relativos a ajudas de custo, não sujeitas a IRS, por simplesmente “não faturados a clientes”, não poderá ser entendida na sua literalidade já que a facturação dos encargos aos clientes não será, em variadas situações, como sejam os casos de deslocações no interesse geral da empresa, de todo viável. Ou seja, se se entender que os encargos com ajudas de custo são “não faturados a clientes” se não estiverem expressa e discriminadamente mencionados numa factura, estar-se-á a sujeitar imperativamente a tributação autónoma, obstando à sua dedutibilidade integral, uma série encargos insusceptíveis (nesse sentido) de facturação, por terem sido contraídos no interesse geral da empresa, e não no serviço a um cliente concreto. Esta consequência será ainda mais problemática, se se atentar que a dedutibilidade dos gastos com ajudas de custo estava (como está) expressamente garantida pelo artigo 23.º do CIRC (à data dos factos tributários, como ainda hoje, na al. d) do n.º 1), normativo que se verá contrariado pelo entendimento de que a tributação autónoma em causa inviabiliza, tout court, a dedução integral de tais gastos, no caso de não serem tributadas em IRS nem facturadas a clientes, mesmo que se comprovem devidamente e para lá de qualquer dúvida razoável a efectividade do gasto e a sua necessidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Cair-se-ia então, naquela situação descrita pela Professora Ana Paula Dourado, em que “Se o objectivo fosse o de desincentivar a dedução de despesas a que as empresas têm direito, a tributação autónoma (...) seria difícil de compatibilizar com a Constituição e a tributação da capacidade contributiva e do lucro real.” sendo que “o legislador não pode recorrer a presunções inilidíveis, ficções e todas as técnicas presuntivas semelhantes, sempre que (a partir do momento que) a utilização das mesmas ponha em causa a prevalência da tributação sobre o rendimento real”

(…) É, em suma, este o entendimento que se perfilha, ou seja, que os gastos a que se reporta o n.° 9 do artigo 88.° do CIRC não necessitam de ser reflectidos/inscritos, de forma expressa, nas facturas emitidas aos clientes, devendo os sujeitos passivos de imposto que pretendam não sujeitar aqueles gastos a tributação autónoma possuir, para além do mais, elementos aptos à demonstração que, não obstante tal facto, o preço final indicado e efectivamente facturado ao cliente contempla os valores relativos a despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.” (sublinhado nosso)

3.4. Face ao entendimento exposto no n.º anterior, e à factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., alíneas B), C), D) e E) do 2.1. supra) resulta que existem elementos suficientes para demonstrar que o preço final imputado aos clientes, nos anos de 2014 a 2016, incluiu a totalidade dos custos suportados pela Requerente, abrangendo também as despesas com as ajudas de custo pagas aos seus trabalhadores pelas deslocações a Espanha para a realização dos serviços de montagem e colocação das estruturas.

Perante tais factos provados resulta que os valores relativos às despesas com as ajudas de custo, apesar de não estarem expressamente mencionados na fatura, estão incluídos no preço final indicado e faturado aos clientes.

Verifica-se que os atos tributários objeto da presente ação arbitral enfermam de erro na interpretação e aplicação da norma constante do n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC. Além disso, os referidos atos tributários ao desconsiderarem elementos demonstrativos que o preço final indicado e faturado aos clientes incluiu os valores relativos às despesas com as ajudas de custo, incorreram em erro sobre os pressupostos de facto, o que justifica também a sua anulação.

Atendendo ao exposto, consideramos procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários objeto da presente ação por enfermarem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito e de fato, o que justifica a sua anulação.

3.5. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

A existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal constitui a condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios.

Verifica-se que a Requerente comprovou o pagamento integral das liquidações ora impugnadas (vd., alínea O) do n.º 2.1. supra).

3.6. No caso em apreço, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efetuou as liquidações tendo incorrido em erro sobre os pressupostos de direito e de facto.

O presente Tribunal Arbitral entende que o erro só passará a ser imputável à Administração Tributária a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos. (vd., Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6.ª ed., 2011, pp. 537). Ora, esse momento ocorreu durante a Inspeção Tributária e não constam dos autos quaisquer elementos que permitam sustentar a falta de cooperação, por parte da ora Requerente, no referido procedimento de inspeção. Atendendo ao exposto, improcede o alegado pela AT relativamente à falta de cumprimento do alegado ónus, que incumbia à ora Requerente, sobre o esclarecimento da sua situação jurídico-tributária.

3.7. Nestes termos, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força do ato anulado e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

3.8. Cabe, por fim, apreciar a questão da responsabilidade pelas custas suscitada pela Requerente nas alegações (vd., 1.17.9 supra).

De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral».

A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Dos presentes autos arbitrais resulta que a AT incorreu em erro sobre os pressupostos de direito e de fato gerador de anulabilidade (vd., n.º 3.6. supra).

Em consequência do exposto, deve ser imputada à Requerida a responsabilidade pelas custas, na sua totalidade, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

4. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação n.º 2019..., relativa ao exercício de 2014, e a correspondente Demonstração de Acerto de Contas (Documento n.º 2019...) resultante da compensação n.º 2019..., a liquidação n.º 2019..., relativa ao exercício de 2015, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas (Documento n.º 2019...) resultante da compensação n.º 2019... e a liquidação n.º 2019..., relativa ao exercício de 2016, correspondente à Demonstração de Acerto de Contas (Documento n.º 2019...) resultante da compensação n.º 2019...;

 

b)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;

 

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 51.398,76 Euros (cinquenta e um mil trezentos e noventa e oito euros e setenta, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos referidos no n.º 3.6. supra, uma vez que o pedido foi considerado procedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 18 de março de 2020.

 

O Árbitro

 

Olívio Mota Amador