DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 18 de Setembro de 2019, acorda no seguinte:
I – Relatório
1.1. A..., S.A., NIF n.° ..., doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral, tal como configurado, tem por objecto a anulação dos actos de liquidação adicionais de IVA com os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e demonstração de liquidação de IVA n.º 2019..., com as compensações n.º 2019... e 2019..., e em sede de IRC a demonstração da liquidação n.º 2019..., com referência ao ano fiscal de 2015, no valor global de € 22.229,47.
1.3. A fundamentar o seu pedido imputa a Requerente, em síntese, os seguintes vícios:
(i) Começa por referir que a AT debruçou-se sobre os gastos não admitidos com o combustível nas viaturas e máquinas industriais alugadas, não tendo o Relatório de Inspecção Tributário mencionado tal alteração com o respectivo despacho fundamento e não tendo sido notificada do mesmo.
(ii) E que a Direcção de Finanças de ... não actuou dentro dos limites dos poderes que lhe foram atribuídos, tendo desrespeitado os princípios do procedimento tributário em conformidade com o art. 55.° da Lei Geral Tributária e do art. 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
(iii) Que com a sua actuação, a AT desvirtuou princípios fundamentais do procedimento de inspecção tributária, como sejam o do contraditório e da cooperação, pelo que entende que a acção de inspecção tributária externa realizado pela AT – Direção de Finanças de ..., com o n.° de ordem de serviço OI2018... deve ser considera inválida e, em consequência, serem anulados os actos de liquidações adicionais em sede de IRC e IVA no exercício de 2015 em causa nos autos.
(iv) Não obstante o referido nos pontos supra, e no que se refere às aquisições Intracomunitárias efectuadas com o sujeito passivo espanhol “B..., S.L” não aceites em sede de IRC, entende que a prestação contratada com a entidade B..., S.L. foi efectivamente cumprida, porquanto em causa estava o aluguer e transporte de máquinas industriais para a “demolição de um pavilhão na escola(.)”, transporte para o qual foram apresentadas as guia de CMR” n.º ... e ..., das quais a AT tem conhecimento, tendo sido juntas ao Relatório Final de inspecção, pelo que entende que a factura que lhe foi emitida deve ser fiscalmente aceite.
(v) No que se refere aos encargos com combustíveis relativos a máquinas alugadas não aceites em sede de IRC e IVA, entende que a AT não observou o princípio da proporcionalidade da acção inspetiva, não tendo adoptado uma actuação proporcional e adequada ao objectivo pretendido — descobrir a verdade material proporcionando-lhe um período adequado ao requerido para juntar a respectiva documentação.
(vi) Em todo o caso considera que no âmbito da sua actividade, utiliza diversos veículos matriculados e máquinas industriais (sem matrícula), que são propriedade sua ou alugados. Tendo a necessidade de alugar veículos e máquinas a outras entidades quando existam outros serviços como é o caso do aluguer de veículos à sociedade “C..., S.A.”.
(vii) Sustenta que a dedução que a AT elabora, de que “(*) somos levados a crer que os gastos com o gasóleo dizem respeito a outras máquinas que não se sabe quais são. Mas que estes gastos em gasóleo não são referentes às máquinas que a sociedade «C... » alugou à sociedade «A... »” é desprovida de qualquer raciocínio lógico e ponderação da sua actividade.
(viii) Mas que lhe é difícil, considerando a sua estrutura e tipo de actividade, discriminar em facturas de suporte separadas o combustível de cada um dos veículos abastecidos.
(ix) Refere que adquire em média mais de 400 litros de combustível por dia que depois utiliza em todos os veículos e máquinas industriais, quer da sua propriedade, quer os alugados, quer os que têm matrícula, quer os que não têm matrícula.
(x) E que atribui um determinado gasto de combustível a cada veículo alugado com base nos seguintes critérios:
a. Quantos quilómetros por ano o veículo efetuou;
b. Quantos litros de combustível gasta a cada 100 Km;
c. Qual o preço do combustível.
(xi) Que o abastecimento é feito por algum dos seus colaboradores, sendo por vezes colocado nas facturas emitidas as matrículas que se referem ao veículo que serviu, única e simplesmente para carregar aquela quantidade de litros de combustível, para as suas instalações ou para os locais onde se encontram as máquinas a trabalhar.
(xii) Sustenta que tendo feito prova de que tais veículos foram utilizados em regime de locação e que não ultrapassam os consumos normais, considera que cumpriu as condições elencadas no artigo 23..°- A, n.° 1, alínea j) do CIRC, encontrando-se plenamente justificado pelo número de veículos e máquinas e pelo consumo média de cada um, o gasóleo consumido.
(xiii) Pugna, assim, pela anulação das liquidações adicionais em causa nos autos e pela procedência do pedido arbitral.
1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
(i) Vem defender-se por impugnação.
(ii) Considera que os vícios apontados pela Requerente, ou seja, de que a Requerente (i) não foi notificada do despacho fundamentado que continha a alteração do fim, do âmbito ou da extensão do procedimento inspectivo, tendo sido violado o disposto no artigo 15° do RCPIT; (ii) Que as aquisições intracomunitárias efectuadas com o sujeito passivo espanhol “B..., S.L deveriam ter sido aceites em sede de IRC; e que (iii) os encargos com combustíveis relativos a máquinas alugadas deveriam ter sido aceites em sede de IVA e IRC, não se verificam.
(iii) Quanto à invalidade da acção de inspecção e consequente anulabilidade do ato de liquidação adicional de IRC, entende que não ocorreu qualquer alteração do fim, do âmbito ou da extensão da acção inspectiva realizada, e que, consequentemente, falece a alegação da Requerente de falta de notificação a efectuar nos termos do disposto no artigo 15° do RCIPTA, da alteração dos fins, âmbito ou extensão do procedimento de inspecção, pois não ocorreu qualquer alteração no decorrer do procedimento inspectivo;
(iv) Defendendo inexistir qualquer ilegalidade.
(v) E que ainda que se diga no relatório inspectivo que a acção externa foi seleccionada a nível distrital, tendo como objetivo “O controlo das Aquisições e da transmissões intracomunitárias efetuadas pela sociedade portuguesa "A..., SA" à sociedade espanhola "B... S.L", com o NIPC: ..." entende que tal não se confunde com as noções legais de fim, âmbito ou extensão do procedimento inspectivo definidos no artigo 12º e 14º do RCIPTA; pois que o fim do procedimento, tal como consta na OI, foi «a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias», o seu ÂMBITO – IRC e IVA e a sua EXTENSÃO – o ano económico-fiscal de 2015, e tal foi levado previamente à realização do procedimento inspectivo, ao conhecimento da Requerente.
(vi) Quanto aos gastos não aceites fiscalmente referentes a aquisições intracomunitárias efectuadas ao Sujeito Passivo espanhol "B..., S.L" entende que através da troca de informação com as autoridades tributárias espanholas, os SIT obtiveram informação de que a sociedade espanhola em causa não possui(a) estrutura para o exercício da sua actividade e que através de um email enviado à AT ao abrigo do convénio Hispano/Luso de Intercâmbio directo de Informação Fiscal, as autoridades Espanholas, em concreto da Agência Tributária - Delegação Especial da Extremadura, referem-se à sociedade B..., SL como «entidade fantasma».
(vii) Entendem que da informação obtida sobre a identidade dos sócios da sociedade espanhola resultou a constatação da existência de relações entre as duas sociedades ao nível dos proprietários/gerentes, nomeadamente que, à data dos factos, o proprietário e administrador da sociedade espanhola já havia sido sócio da Requerente e que tem relações familiares com os proprietários desta.
(viii) E que resultaram indícios fundados, que a AT devidamente demonstrou, de que a transacção titulada pela factura que documenta o gasto contabilizado não corresponda à efectiva transacção que titula, tendo, no seu entender, cessado a presunção de veracidade do registo contabilístico efectuado.
(ix) Sustenta que a Requerente não logrou demonstrar que o gasto que registou contabilisticamente, aqui em causa, respeita a gasto efetivamente ocorrido (atentos os indícios sérios recolhidos pela AT em contrário) e nos termos titulados pela fatura que suporta o registo.
(x) Quanto aos gastos não aceites fiscalmente relativos a encargos com combustíveis relativos às máquinas alugadas, entende que está desde logo em falta a comprovação de que o combustível contabilizado foi adquirido e utilizado para consumo nos «bens pertencentes ao seu ativo imobilizado ou por si utilizado em regime de locação», e que analisados os documentos juntos pela Requerente ao pedido arbitral constata-se que parte dos talões emitidos pelo posto de abastecimento não é legível e que nos que o são na maioria não está indicada a matrícula da viatura onde foi efetuado o abastecimento, e que, como tal, não se afigura que seja (quando existe) uma indicação de matrícula ou de um nome aposto pela Requerente em fase posterior à emissão do documento por entidade externa e à revelia desta que irá constituir prova bastante de qual a viatura a que correspondeu o abastecimento titulado.
(xi) Quanto ao segundo requisito necessário à aceitação fiscal dos gastos com combustíveis, i.e. quanto à comprovação que os gastos não ultrapassam os consumos normais afigura-se-lhe que os quadros apresentados não logram alcançar o objetivo pretendido, na medida em que se resumem a quadros elaborados pela Requerente, com valores inscritos que, sem mais, se revelam insusceptíveis de sindicar e de concluir pela sua bondade ou não.
(xii) Pelo exposto, concluem não ter a Requerente comprovado que os gastos em questão não estão excepcionados de aceitação fiscal pela previsão da alínea j) do artigo 23º -A do CIRC.
(xiii) Pugna pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida dos pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
1.5. Entendeu o Tribunal realizar a primeira reunião do Tribunal Arbitral e inquirição de testemunhas arroladas pela Requerente conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.
Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações simultâneas, querendo, tendo a Requerente optado por fazê-lo reforçando a sua argumentação.
Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral no termo do prazo legal.
* * *
1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. QUESTÕES A DECIDIR
Vem a Requerente suscitar:
1- A ilegalidade da acção inspectiva realizada com o n.º de ordem de serviço OI2018..., e, em consequência, serem anulados os actos de liquidações adicionais em sede de IRC e IVA, e caso não seja esse o entendimento do Tribunal;
2 – A ilegalidade da liquidação adicional em sede de IRC relativamente à aquisição intracomunitária efetuada à entidade espanhola B..., S.L, por ter sido provada e ser a referida liquidação adicional ilegal por ausência de fundamentação.
3 – A ilegalidade da liquidação adicional em sede de IRC e IVA com os encargos com o combustível para as máquinas alugadas à sociedade “C..., S.A.”, por ter sido provada a sua utilização a título de locação e o consumo médio normal de cada viatura e ser a referida liquidação adicional em sede de IRC e IVA ilegal por ausência de fundamentação.
4- E que o Tribunal dê sem efeito o processo de contraordenação instaurado com número ...2019..., porquanto não existiu nenhuma omissão ou inexatidão nas declarações ou outros documentos fiscalmente relevantes entregues pela Requerente no exercício de 2015 e seja extinto o processo de execução fiscal n° ...2019... e apensos, porquanto as liquidações adicionais em sede de IRC e IVA são ilegais por ausência de fundamentação.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:
A) A Requerente é uma sociedade comercial, constituída sob a forma de sociedade anónima, que se dedica á actividade principal de “valorização de resíduos não metálicos” (código CAE 38322) cfr. RIT junto pela Requerente e Requerida nos autos
B) No âmbito da sua actividade, para efeitos de IRC, está enquadrada no regime geral e, para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal (por opção), tendo as suas obrigações fiscais declarativas sido cumpridas – cfr. RIT junto pela Requerente e Requerida nos autos.
C) Consta do Processo Administrativo junto pela Requerida, na Proposta de Inspecção, que a mesma teve como actividade o “Controlo dos sujeitos passivos com reporte de IVA sem pedido de reembolso – 20113 e 2014” – cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida.
D) E consta igualmente da referida Proposta, no campo “Observações” com referência ao ano de 2015 o seguinte: “A Sociedade A... S.A., NIF: PT..., não evidencia quaisquer valores a nível de Transmissões Intracomunitárias no VIES. Todavia, na empresa espanhola B..., NIF ..., consta o valor de 24.300 a nível de aquisições intracomunitárias, relativas a bens/prestações de serviços adquiridos ao sujeito passivo português. Em face do descrito, deverá ser aberta ordem de serviço externa em sede de IRC/IVA, para o ano de 2015.” cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida.
E) A Requerente foi notificada, através do Ofício (n. º inexistente) de 2018-09-26 (registo nº RH...PT), da carta-aviso dos SIT da Direcção de Finanças de ... que a muito curto prazo se deslocarão os SIT para efeitos do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias e terá como âmbito parcial – IRC e IVA e extensão o ano de 2015, a efectuar necessariamente em cumprimento do mandado conferido pela Ordem de Serviço nº OI2018..., emitida pela referida Direção Distrital de Finanças, tendo a mesma sido elaborada com base no teor da Proposta de Inspeção nº PI2018..., de 16-04-2018, dos SIT daquela Direcção de Finanças, junto ao processo administrativo pela Requerida com a sua Resposta e tendo em consideração os motivos indicados nos pontos C) e D) supra - cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida.
F) A acção inspectiva identificada teve como objectivo o controlo das aquisições e das transmissões intracomunitárias efectuadas pela Requerente à sociedade espanhola B..., NIPC..., foi de âmbito parcial em sede de IRC e IVA, teve início em 10-10-2018 e foi concluída em 21-03-2019 – cfr. RIT junto pela Requerida com a sua Resposta.
G) A Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspeção Tributária, através do Ofício (n.º inexistente) de 14-02-2019 (registo nº RH...PT) bem como para de exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição relativamente às propostas de correção notificadas, o que optou por não fazer - cfr. RIT junto pela Requerida com a sua Resposta.
H) A Sociedade Espanhola B... emitiu uma factura com o n.º 004, no valor de € 14.500 à Requerente com o seguinte descritivo “Demolição de um Pavilhão na Escola ... em ...” – cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerente.
I) A Requerente emitiu a factura n.º 826 ao Município de ... com o seguinte descritivo: “Auto único - Trabalhos normais referentes à empreitada de “Demolição dos Pavilhões A e D da Escola ...” - cfr. Documento n.º 2 junto pela Requerente.
J) O Senhor D... é sócio único da sociedade espanhola B... sendo igualmente, seu administrador – cfr. Anexo 3 junto ao RIT.
K) Por Depoimento de Parte o Senhor D..., confrontado com o Documento n.º 1 junto pela Requerente, declarou que era ele o sócio e único trabalhador da sociedade espanhola B... e que foi ele que fez o trabalho titulado pela factura identificada como Documento n.º 1 junto pela Requerente. Mais declarou que a referida Sociedade aluga veículos a outras entidades e que quanto ao registo de Kms nas máquinas só tinha registos manuais.
L) A Requerente foi notificada das liquidações adicionais em sede de IVA, com os n.°..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e demonstração da liquidação de IVA n° 2019..., com as compensações n° 2019... e 2019..., e em sede de IRC com a demonstração de liquidação n.° da compensação – 2019..., referentes ao exercício do período de 2015, no valor global de € 22.229,47.cfr. Documentos juntos pela Requerente com o pedido arbitral.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
5. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. DO DIREITO
Da alegada ilegalidade da acção inspectiva externa.
Cumpre preliminarmente analisar se, no âmbito do procedimento de inspeção que deu origem às correcções aritméticas que estão na base das liquidações de IVA e IRC objecto do pedido arbitral, houve ou não uma alteração dos fins do procedimento e, em consequência, se houve ou não preterição na fundamentação da alegada alteração porquanto, em caso afirmativo, ocorrerá a invalidade dos actos de liquidação adicional de IVA e IRC posteriores que nele se suportaram.
Em termos gerais, o artigo 12º, nº 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), dispõem que “o procedimento de inspeção classifica-se, quanto aos fins em: a) Procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários; b) Procedimento de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspeção tributária seja legalmente incumbida.”.
Já o artigo 13º do RCPITA refere quanto ao lugar da realização do procedimento de inspeção que este pode classificar-se em “a) interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento; b) externo, quando os actos de inspeção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”.
Já o disposto no artigo nº 1 do 14º do RCPITA prevê, quanto ao âmbito, que o procedimento de inspeção que este pode ser “a) geral ou polivalente, quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários; b) parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários. 2 - Considera-se ainda procedimento parcial o que se limite à consulta, recolha de documentos ou elementos determinados e à verificação de sistemas informáticos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, ou ao controlo de bens em circulação.”.
Já quanto à extensão, o nº 3 do artigo 14º do RCPITA dispõe que “(…) o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação.”.
No que diz respeito ao disposto no artigo 15º do RCPITA (alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento), está previsto que “os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada”, ou seja, é inequívoca a obrigação de notificação ao contribuinte do despacho de alteração dos fins, do âmbito ou da extensão do procedimento de inspeção “durante a sua execução.”.
Feita esta introdução importa agora analisar e decidir se tem razão a Requerente quando invoca no seu pedido que a AT ao debruçar-se sobre os gastos não admitidos com o combustível nas viaturas e com a dedução do IVA nas máquinas industriais alugadas, não tendo nem o Projecto de Relatório, nem o Relatório de Inspecção Tributário mencionado tal alteração com o respectivo despacho fundamento e não tendo sido notificada do mesmo, incorreu em ilegalidade.
E parece-nos que sim, porquanto apesar do âmbito do procedimento de inspeção se manter, o certo é que houve uma alteração dos fins não comunicado à Requerente.
Como se decidiu no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito n.º 01290/17.5BEBRG, 2ª Secção - Contencioso Tributário , convocando o excerto relevante do que aí se decidiu para a boa decisão desta questão:
“ (…) Todavia, a questão essencial em dissídio prende-se com a falta de fundamentação legalmente exigível quanto ao acto administrativo de selecção dos Recorrentes para serem alvo de mais uma inspecção tributária externa (2014), no que respeita ao âmbito geral da mesma. Vislumbra-se uma contradição ou incongruência da fundamentação expressa com a constatação fáctica de que somente estarão em causa infracções tributárias em sede de IRS, especificamente no que concerne aos rendimentos auferidos provenientes de rendas.
Como havíamos referido, a fundamentação tem que se mostrar congruente; não fazendo sentido só apontar eventual infracção em sede de IRS, mas pretender realizar uma inspecção tributária de âmbito geral, em violação da classificação prevista no artigo 14.º do RCPITA já mencionado supra.
A classificação decorre da lei – artigo 14.º - mas se da fundamentação do acto resulta, à face da lei, que a AT irá efectuar uma inspecção parcial, não se alcançando o motivo da indicação de que a inspecção é geral, então, verifica-se uma omissão ou uma deficiência na fundamentação por não haver correspectividade entre os factos constantes da fundamentação e o tipo de inspecção que efectivamente a AT queria levar a cabo (geral). É da fundamentação do acto que decorre, mesmo implicitamente, a correspondência com as classificações previstas legalmente; mostrando-se, in casu, deficiente a motivação para realizar uma inspecção geral.
Na prática, o que não pode acontecer, pelos motivos garantísticos referidos supra, é estar em causa, afinal, unicamente justificação para levar a efeito uma inspecção parcial e a AT aproveitar para realizar uma fiscalização global à situação tributária dos Recorrentes. Por semelhança e por maioria de razão, o artigo 15.º do RCPITA, a que já nos referimos, acaba por dar cobertura à conclusão a que chegamos.”.
Negrito e sublinhado do Tribunal.
No mesmo sentido tendo decidido o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 01101/15, de 15-06-2016 .
Ora, no caso, a ação inspetiva externa a que foi sujeita a Requerente relativamente ao ano de 2015 “(…) tinha como objetivo o controlo das aquisições e das transmissões intracomunitárias efetuadas pela sociedade portuguesa A..., S.A à sociedade espanhola B... (…)”, conforme descrito no relatório final e na matéria de facto dada como provada, tendo a Requerida decidido alargar o âmbito da acção inspectiva, durante o decurso da mesma, a outras operações praticadas, no ano 2015, em sede de IVA e de IRC, que não estavam relacionadas com o fim do procedimento inspectivo, tal como comunicado à Requerente e como constava da própria proposta de inspecção, equacionado pelos SIT - de controlo das aquisições e das transmissões intracomunitárias efectuadas pela Requerente à referida sociedade espanhola.
Não obstante, e como acima ficou descrito, ainda que o âmbito do procedimento inspectivo não tenha sido alterado (IVA e IRC) nem o respectivo período (2015) o certo é que houve uma alteração do fim do procedimento inspectivo não consentâneo com os fins do procedimento e com as garantias dadas aos contribuintes face ao disposto no artigo 15.º do RCPITA.
Ora, atento o normativo do RCPITA supra enunciado, verifica-se que o procedimento inspectivo credenciado pela Ordem de Serviço identificada no ponto E da matéria de facto dada como provada, com fundamento na Proposta de Inspeção e no próprio projecto de RIT almejava quanto ao seu fim um procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações da Requerente no que diz respeito às aquisições e transmissões intracomunitárias, efectuadas pela Requerente com a sociedade espanhola B... .
Adicionalmente, não há no RIT, nem foi reconhecido por qualquer das Partes, que o mandato inicial conferido pela Ordem de Serviço nº OI2018..., emitido pela Direção de Finanças de ..., tenha sido objecto de alteração quanto ao seu fim, durante o decurso do procedimento de inspeção, de acordo com o disposto no artigo 15º do RCPITA, mediante despacho fundamentado daquela Direção Distrital de Finanças o qual, deveria ainda ter sido notificado à Requerente enquanto entidade inspecionada.
Nestes termos, não há qualquer evidência de ter havido, na pendência do procedimento inspectivo em análise, qualquer despacho de fundamentação da “decisão” que terá determinado o alargamento da acção inspectiva, por alteração dos fins da mesma, e consequentemente, não há evidência de ter sido a Requerente notificada da mesma.
Ora, se o legislador, suportado pelos entendimentos jurisprudenciais melhor identificados nesta decisão arbitral, impôs que a decisão de alteração dos fins, para além de ter de ser notificada, fosse fundamentada, naturalmente que o fez com o objectivo de que o teor da mesma pudesse ser compreendido, questionado e escrutinado pela entidade inspecionada (no caso, pela Requerente), de modo a salvaguardar o princípio geral de notificação das decisões que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes.
Em consequência, deverá considerar-se que a omissão do acto procedimental invalida, por anulabilidade, o procedimento arrastando necessariamente a validade dos actos de liquidação adicional de IVA e IRC que nele obtiveram os seus fundamentos legais, o que significa que a análise da legalidade das liquidações de IVA e de IRC e juros compensatórios respeitante ao ano de 2015 e referentes à dedutibilidade do gasto com encargos de combustíveis e com a dedução de imposto respeitante à aquisição de gasóleo de máquinas alugadas pela Requerente fica aqui prejudicada.
Está-se, assim, perante um vício de violação de lei, equiparável a erro sobre os pressupostos de facto, pois não de podem considerar válidos os pressupostos fácticos em que as liquidações relativas a essa correção assentaram.
Pelo exposto, as liquidações relativas ao exercício de 2015 na parte referente à desconsideração do gasto com encargos de combustíveis em sede de IRC e da dedutibilidade do IVA referente à aquisição de gasóleo de máquinas alugadas pela Requerente, referente ao exercício de 2015, enfermam de vício que justifica sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 1.º, alínea d), do artigo 29.º do RJAT.
Gastos não aceites relativamente à transmissão intracomunitária realizada à B....
Está em causa a não aceitação de um gasto no valor de €14.500 relativamente à factura emitida pela Requerente à Sociedade Espanhola B... com o n.º 004, com o seguinte descritivo “Demolição de um Pavilhão na Escola ... em ...”.
Em sede de inspecção tributária, a AT veio dizer que tal custo não podia ser aceite porque não havia evidência de que o serviço titulado pela factura em causa tinha sido prestado, socorrendo-se, para tanto, de informação prestada pela Agência Tributária Espanhola e que consta do anexo 3 ao RIT - de que o Administrador da sociedade espanhola B... era o Senhor D... sendo igualmente seu sócio único - e que a referida sociedade não teria estrutura para o exercício da sua actividade, embora tal informação não conste da informação oficial prestada pela Agência Tributária Espanhola - anexo 3 junto ao RIT.
No que se refere às aquisições Intracomunitárias efectuadas com o sujeito passivo espanhol “B..., S.L” não aceites em sede de IRC, entende a Requerente que a prestação contratada com a entidade B..., S.L. foi efectivamente cumprida, porquanto em causa estava o aluguer e transporte de máquinas industriais para a “demolição de um pavilhão na escola(.)”, transporte para o qual foram apresentadas as guia de CMR” n.º ... e ..., das quais a AT tem conhecimento, tendo sido juntas ao Relatório Final de inspecção, pelo que entende que a factura que lhe foi emitida e cujo gasto suportou deve ser fiscalmente aceite.
Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente o gasto incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
Como bem decidiu o STA no processo n.º 01424/05.2BEVIS 0292/18, de 27-02-2019, do Pleno da Secção do CT , e convocando o excerto relevante:
“(…) E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2ª edição, pág, 269: "há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos"» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. nº 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os ac.s de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015.).
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:
«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349º e 350º do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.”.
Negrito do Tribunal.
Por outro lado, no Acórdão proferido no processo 509/09.0BELRA, de 14-02-2019, do Tribunal Central Administrativo Sul , retira-se o seguinte entendimento:
“Sumário: 1. A Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada das operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade.
2. Os indícios de facturação falsa postulam, normalmente, a realização de fiscalização cruzada, seja no emitente, seja no utilizador, por forma a descaracterizar o circuito económico e financeiro subjacente às facturas invocadas.
3. Não é consistente o juízo de falsidade das facturas apenas assente na falta de estrutura empresarial do emitente e no preço excessivo inscrito nas facturas.”.
Negrito do Tribunal
Aqui chegados, e percorrendo o RIT no segmento decisório referente a esta correcção, rapidamente se atinge a conclusão de que, in casu, imputa a AT à referida factura um teor de falsidade, embora não o referindo expressamente, porquanto refere que os serviços não foram prestados, pelo que importa determinar se a AT fez prova através de indícios fundados de que a operação titulada pela factura em causa nos autos não existiu.
Ora segundo o juízo do Tribunal essa prova manifestamente não existe porquanto não foi minimamente produzida pelos SIT aquando da realização da inspecção tributária à Requerente.
Efectivamente, a mera constatação de que o Administrador e sócio único da empresa espanhola B... é a mesma pessoa e o facto de ser mencionado que a sociedade Espanhola não teria estrutura empresarial adequada em Espanha para o exercício da sua actividade, mas sem que tal se prove minimamente no decurso da própria acção inspectiva, pois o RIT limita-se a “declarar” tal suposta realidade baseado num email que terá sido enviado por alguém da Agência Tributária Espanhola, mas sem que, a final, tal informação conste sequer da informação oficial prestada pela Agência Tributária Espanhola - anexo 3 ao RIT – aliás, curiosamente, retirando-se do conteúdo desse documento precisamente a ideia contrária - não pode levar à conclusão, sem mais, de que o serviço não ocorreu.
Adicionalmente, constata-se a existência de (i) documentos CMR relativos ao transporte dos bens em causa de Espanha para Portugal e (ii) pelo Depoimento de Parte que o Tribunal considerou credível e que não foi posto em causa pela Requerida, do Senhor D..., que confrontado com o Documento n.º 1 junto pela Requerente, declarou que era ele o sócio e único trabalhador da sociedade espanhola B... e que foi ele que fez o trabalho titulado pela factura.
É a AT e não o contribuinte que tem de provar a existência de indícios sérios, fundados, de que tal operação não existiu, apesar de coberta pelo formalismo consubstanciado na existência de uma factura.
Ora, in casu, essa prova manifestamente não existe, e se existe não consta do processo, pelo que, sem necessidade de mais, deve o pedido proceder igualmente nesta parte, devendo por isso ser anuladas as liquidações de imposto e juros incidente sobre a correção em análise.
Quanto ao pedido feito pela Requerente para que o Tribunal dê sem efeito o processo de contraordenação instaurado com número ...2019..., porquanto não existiu nenhuma omissão ou inexatidão nas declarações ou outros documentos fiscalmente relevantes entregues pela Requerente no exercício de 2015 e para que extinga o processo de execução fiscal n° ...2019... e apensos, porquanto as liquidações adicionais em sede de IRC e IVA são ilegais por ausência de fundamentação, cumpre informar que tanto o procedimento de contraordenação, quer o processo de execução fiscal, ambos identificados pela Requerente, não fazem parte (nem podem fazer) dos autos arbitrais, pelo que não pode o Tribunal tomar conhecimento dos mesmos e cumprir com o peticionado nos exactos termos em que o foi pela Requerente.
A competência dos Tribunais Arbitrais Tributários que funcionam no CAAD restringe-se, para o que aqui interessa, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (cfr. art.º 2.º, n.º 1 do RJAT).
O contencioso tributário (onde se insere o arbitral) é um contencioso de mera anulação visando a apreciação, sequencialmente, dos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado (aqui as liquidações adicionais de imposto) e dos vícios arguidos que conduzam à sua anulação – art.º 124, n.º 1 do CPPT, ou seja, a impugnação judicial (e nesta sede a arbitral) visa a anulação de actos, é este o seu objecto, até por razões de optimização da tutela jurisdicional dos administrados.
No entanto, e não obstante o acima referido, deve a AT no âmbito da sua actuação cumprir com o disposto no artigo 24º, nº 1 do RJAT.
7. DECISÃO
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
1. Julgar procedente o pedido arbitral e em consequência anular as liquidações adicionais em sede de IVA, com os n.° ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e demonstração da liquidação de IVA n° 2019..., com as compensações n° 2019... e 2019..., e em sede de IRC com a demonstração de liquidação n.° da compensação – 2019..., referentes ao exercício do período de 2015, no valor global de € 22.229,47.
2. Não tomar conhecimento dos pedidos de dar sem efeito o procedimento contraordenacional e de dar por extinto o processo de execução fiscal identificados pela Requerente por não se inserirem nos presentes autos arbitrais.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euro 22.229,47, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Condena-se a Requerida em custas no montante de Euro 1.224,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Março de 2020.
O Árbitro,
(Henrique Nogueira Nunes)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.