Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 450/2019-T
Data da decisão: 2020-03-13  IRS  
Valor do pedido: € 427,95
Tema: IRS – Tributação de pensão de alimentos – Categoria H – Artigo 11.º do Codigo do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A..., com o n.º de identificação fiscal ... (doravante designado por “Requerente”), residente na Avenida ..., n.º..., ...-... ..., apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada sobre a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), referente ao período de tributação de 2017, no montante total de € 427,95, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A)           Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 18 de setembro de 2019.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 18 de setembro de 2019.

B)           História Processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente veio deduzir impugnação do ato de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada contra o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2018..., incidente sobre os rendimentos por si auferidos durante o período de tributação de 2017, juntamente com a anulação do mesmo.

5. A Requerente pede ainda o reembolso da quantia de € 427,95 e juros indemnizatórios.

6. A AT veio apresentar Resposta, peticionando, por sua vez, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, seja mantido na ordem jurídica.

7. Em 3 de dezembro de 2019, o Requerente veio aos autos requerer o ampliamento do pedido e da causa de pedir.

8. A AT pronunciou-se sobre este requerimento.

9. Por despacho de 14 de fevereiro de 2020, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

10. Decidiu o presente Tribunal Arbitral convidar as partes, querendo, a produzir alegações finais, no prazo de 10 dias, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou como prazo limite para a decisão arbitral o dia 15 de março de 2020.

11. Na sequência do aludido despacho, veio o Requerente reiterar os argumentos já mobilizados no processo.

12. A Requerida, por sua vez, não se pronunciou.

13. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

14. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

15. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

16. A questão fulcral a apreciar e decidir, relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais apresentadas pelas partes, prende-se com saber se a liquidação de IRS supracitada padece do vício de ilegalidade que o Requerente lhe aponta, isto é, se o rendimento por si auferido em resultado da pensão de alimentos que recebeu do seu pai deverá, ou não, ser sujeita a tributação em sede deste imposto.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

A) Prova Documental

17. Examinada a prova documental produzida pelas partes, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

a)            O Requerente auferiu, no período de tributação de 2017, um rendimento total de € 8.121,62.

 

b)           Da totalidade do rendimento auferido pelo Requerente no referido período de tributação, a parcela de € 1.617,86 diz respeito a rendimento do trabalho (categoria A), ao passo que a parcela de € 6.503,76 respeita a uma pensão de alimentos (categoria H), devida ao Requerente desde 16/09/2013 pelo seu pai, B..., em resultado da decisão proferido pelo ... Juízo de Família e Menores do Porto, no âmbito do Processo n.º .../2002.

 

c)            Em 27/09/2019, a Requerida abriu um procedimento de gestão de divergências ao Requerente por falta de apresentação da declaração de IRS de 2017.

 

d)           Na origem da abertura deste procedimento de gestão de divergêncas esteve o confronto, por um lado, entre a declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS entregue pelo seu pai, por referência ao período de tributação correspondente ao ano civil em causa nos presentes autos, na qual vinha referido o aqui Requerente como beneficiário de uma pensão de alimentos no valor de € 6.503,76 e, por outro, a ausência de entrega de qualquer declaração de rendimentos por parte deste último.

 

e)           Em face da falta de apresentação da declaração Modelo 3 do IRS referente ao ano de 2017 do aqui Requerente, o mesmo foi notificado para cumprir a obrigação declarativa que se lhe impunha.

 

f)            Não obstante a notificação expedida pela Requerida com vista ao cumprimento da obrigação declarativa do Requerente, este permaneceu em incumprimento, pelo que foi recolhida oficiosamente a declaração, nos termos conjugados do n.º 3 e da alínea b) do n.º 1, ambos do artigo 76.º do Código do IRS.

 

g)            Da declaração recolhida oficiosamente constam, no Anexo A, sem opção pelo englobamento, os rendimentos do tipo 401 (trabalho dependente – categoria A) comunicados à AT, bem como os rendimentos do tipo 405 (pensão de alimentos – categoria H), constantes da já aludida declaração de rendimentos do pai do Requerente.

 

h)           Com base na totalidade dos rendimentos auferidos pelo Requerente no período de tributação em análise, foi emitida pela AT a liquidação n.º 2018..., da qual resultou imposto a pagar no valor de € 427,95.

 

i)             Confrontado com a liquidação sub judice, veio o Requerente deduzir Reclamação Graciosa, com base na sua não concordância com o valor a liquidar em sede de IRS, alegando desconhecimento total da base de tributação uma vez que o único rendimento que haveria obtido, por referência ao período de tributação de 2017, havia sido o valor de € 1.617,86 (categoria A).

 

j)             Não obstante, admitiu o Requerente a possibilidade de, por alegado erro por parte dos serviços da AT, do cruzamento de dados do sistema resultar um rendimento, em 2017, no valor de € 6.503,76, relativo à aludida pensão de alimentos.

 

k)            Indeferida a Reclamação Graciosa, o Requerente reagiu através de Recurso Hierárquico, o qual não suscitou qualquer decisão por parte da Requerida.

 

l)             Em face do exposto, veio o Requerente peticionar a constituição do presente tribunal arbitral, pedindo a condenação da Requerida com a declaração de ilegalidade do ato de liquidação, bem como a devolução dos valores penhorados no seu vencimento, assim como a devolução do crédito fiscal penhorado de € 279,00, referente ao reembolso de IRS do período de tributação de 2018, valores acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos e a vencer, desde a data de citação até total e efetivo pagamento.

 

m)          Adicionalmente, após a constituição do Tribunal e na pendência da presente decisão, o Requerente veio, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA e da alínea c) do artigo 29.º do RJAT, acrescentar à argumentação de direito já vertida no pedido de pronúncia arbitral e peticionar a ampliação do pedido e da causa de pedir.

 

n)           A referida coima, emitida pela Requerida, teve o valor de € 153,30, acrescida de custas processais na quantia de € 76,50, perfazendo um total de € 229,80.

 

o)           Assim, mediante o referido requerimento, o Requerente veio pedir a declaração de ilegalidade e a anulação do ato tributário consubstanciado na aplicação da coima, assim como a atribuição à impugnação do valor da causa de € 657,75 (€ 427,95 + € 229,80).

 

18. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

 

IV. Do Direito

A)           Quadro Jurídico

 

19. De acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do IRS, estão incluídos, na incidência objetiva de tributação em sede deste imposto, os rendimentos de categoria H – Pensões.

20. Ora, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Código do IRS, estão incluídos na categoria H os rendimentos obtidos a título de pensão de alimentos.

21. Por sua vez, o artigo 72.º, n.º 9 (anterior n.º 5) do Código do IRS diz-nos que as pensões de alimentos constituem um rendimento sujeito a tributação autónoma a uma taxa de 20% na esfera do respetivo beneficiário, quando enquadradas no artigo 83.º-A do mesmo diploma, isto é, quando a obrigação ao seu pagamento haja surgido por sentença judicial ou por acordo homologado na lei civil.

22. Conforme resulta dos factos dados como provados na presente sentença, o Requerente é beneficiário de uma pensão de alimentos, a cujo pagamento está obrigado o seu pai, por força da sentença proferida a 23/09/2013 no âmbito do processo n.º .../2002, que correu termos no ... Juízo de Família e Menores do Porto.

23. Pelo que, tratando-se o Requerente de uma pessoa singular residente em Portugal, os rendimento obtidos pelo Requerente a título de pensão de alimentos, paga pelo seu pai, deverão, em princípio, ser sujeitos a tributação em sede de IRS, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Código deste imposto.

24. Não obstante, o Requerente poderia estar excluído da obrigação de entrega de declaração de IRS, no caso de poder ser considerado como dependente no contexto do seu agregado familiar.

25. Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Código do IRS, existindo agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto.

26. Por força da alínea b) do n.º 4, ainda do artigo 13.º do Código do IRS, o agregado familiar é composto por “cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, respetivamente, nos casos de separação judicial de pessoas e bens ou de declaração de nulidade, anulação ou dissolução do casamento, e os dependentes a seu cargo”.

27. Neste contexto, importa ter presente o conceito de dependentes, definido na alínea b) n.º 5 do mesmo artigo, que define como dependentes os “filhos, adotados ou enteados, maiores, bem como aqueles que até à maioridade estiveram sujeitos à tutela de qualquer dos sujeitos a quem incumbe a direção do agregado familiar, que não tenham mais de 25 anos nem aufiram anualmente rendimentos superiores ao valor da retribuição mensal garantida”. 

28. Ora, resulta dos factos dados como provados nos presentes autos que o Requerente auferiu, no período de tributação em análise, um rendimento total que ascendeu ao montante de € 8.121,62, decomposto da seguinte forma:

             Rendimentos de categoria A (trabalho dependente): € 1.617,86;

             Rendimentos de categoria H (pensões): € 6.503,76.

29. Aqui chegados, importa referir que o valor da retribuição mínima mensal garantida era, no ano sub judice, de € 557,00 por mês, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 86-B/2016, de 29 de dezembro, ou seja, € 7.798,00 (557,00 x 14) anuais – valor esse que o Requerente ultrapassou.

30. Em face do exposto, o Requerente não poderá ser considerado como dependente, pelo que estará sujeito à obrigação de entrega da declaração de rendimentos em sede de IRS, sendo sujeito passivo da relação jurídica tributária, à luz do n.º 1 do artigo 13.º do Código deste imposto. 

B)           Argumentos das Partes

 

31. O Requerente alegou, quer em sede administrativa quer em sede arbitral, que o rendimento correspondente à pensão de alimentos nunca lhe poderia ser imputável, uma vez que os valores em causa haviam sido transferidos diretamente para a conta da sua mãe.

32. Nessa medida, refere o Requerente que o montante correspondente à pensão de alimentos nunca foi integrado no seu património, pelo que não lhe poderia ser tributado um rendimento que nunca teve.

33. Adicionalmente, refere também o Requerente que, muito embora no período em análise fosse já maior de idade (19 anos), encontrava-se ainda a estudar, pelo que não poderia deixar de ser considerado dependente e que, por essa razão, o montante recebido a título de pensão de alimentos nunca poderia ser considerado um rendimento tributável na sua esfera.

34. Em razão da argumentação exposta, conclui o Requerente que deverá ser declarada ilegal a liquidação de IRS n.º 2018..., incidente sobre os rendimentos por si auferidos durante o período de tributação de 2017.

35. Em sentido divergente, a argumentação desenvolvida pela Requerida, ao deduzir Resposta, assentou essencialmente nos seguintes aspetos:

a)            O valor da pensão de alimentos constitui rendimento do Requerente, sujeito a tributação autónoma à taxa de 20%, conforme dispõe o n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS (antigo n.º 5, na redação em vigor à data dos factos);

 

b)           O Requerente estava obrigado à entrega da declaração de IRS, uma vez que era maior de idade e os rendimentos advindos da pensão de alimentos e do trabalho por conta de outrem ultrapassaram na sua totalidade o valor da retribuição mensal mínima garantida, pelo que não podia ser considerado dependente;

 

c)            O facto da pensão ter sido transferida para a conta da sua mãe não altera a sua natureza de sujeito passivo da relação tributária, porquanto se trata de um facto do foro pessoal, sem acolhimento em sede fiscal.

36. Em face do exposto, conclui a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, devendo ser mantida na ordem jurídica a liquidação de IRS sub judice.

C)           Apreciação

 

37. Não existe controvérsia quanto ao rendimento total obtido pelo Requerente no decurso do período de tributação de 2017, porquanto as partes concordam no montante total de € 8.121,62, composto por rendimentos do trabalho dependente e pela pensão alimentos paga pelo seu pai.

 

38. Ora, o Requerente alegou que os valores referentes à pensão de alimentação haviam sido transferidos diretamente para a conta da sua mãe, razão pela qual nunca integraram os seu património e, por essa razão, nunca poderiam ser considerados como rendimento seu.

 

39. No entanto, a lei é explícita quanto à natureza das pensões de alimentos enquanto rendimento, quando auferido por pessoa singular, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do Código do IRS citada supra.

 

40. A natureza da pensão de alimentos como rendimento do respetivo beneficiário é confirmada pela doutrina administrativa, conforme estatuído no ponto 7.º do despacho da Sra. Subdiretora-Geral da AT, proferido no âmbito do processo n.º 3447/17, de 31/10/2017, que “o valor da pensão de alimentos (…) constituirá rendimento” do respetivo beneficiário, “o qual será tributado à taxa autónoma de 20%, conforme dispõe o n.º 5 do artigo 72.º do CIRS, sem prejuízo do direito de opção pelo seu englobamento nos termos do n.º 8 do mesmo artigo, beneficiando da dedução específica constante do n.º 1 do artigo 53.º daquele Código.”

 

41. Ademais, não poderá ter acolhimento a ideia de que o pagamento da pensão de alimentos mediante uma transferência dos montantes em causa para a conta da mãe do Requerente lhe poderão retirar a natureza de rendimento próprio deste.

 

42. Com efeito, a pensão de alimentos é paga pelo pai do Requerente em benefício deste, nos termos da douta sentença proferida no âmbito do processo n.º .../2002, que correu termos no ... Juízo de Família e Menores do Porto, já aludida.

 

43. Neste sentido, e como muito bem referiu a Requerida ao deduzir Resposta, não poderá aqui ganhar relevância juridico-fiscal a forma como ocorreu o pagamento desta pensão, uma vez que, sendo o Requerente o beneficiário da pensão de alimentos, ordenada por sentença, não poderá deixar de ser considerado como o sujeito passivo do imposto.

 

44. Alegou também o Requerente não estar sujeito à obrigação de entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, prevista no artigo 57.º do Código deste imposto, em razão de ser dependente, muito embora fosse já maior de idade à data dos factos, e se encontrasse ainda a estudar, motivo pelo qual não estaria sujeito àquela obrigação tributária.

 

45. Assim, importa ter presente que os critérios de aferição de um sujeito passivo enquanto dependente de outro, dentro do respetivo agregado familiar, se encontram plasmados no n.º 5 do artigo 13.º do Código do IRS.

 

46. No entanto, a alínea b) desta norma, já em vigor na data relevante para a decisão, diz-nos com clareza que não têm a natureza de dependentes os “filhos, adotados e enteados, maiores, bem como aqueles que até à maioridade estiveram sujeitos à tutela de qualquer dos sujeitos a quem incumbe a direção do agregado familiar, que não tenham mais de 25 anos nem aufiram anualmente rendimentos superiores ao valor da retribuição mínima mensal garantida”.

 

47. Da leitura da norma que acabámos de transcrever, podemos concluir que o facto de o Requerente se encontrar ainda a estudar não tem relevância para a sua condição, ou não, de dependente em relação à sua mãe.

 

48. Neste sentido, e conforme já concluído no ponto 28.º da presente sentença, o Requerente auferiu, ao longo do ano de 2017, um rendimento tributável superior ao que resultaria da retribuição mínima mensal garantida, pelo que não se poderá concluir pela respetiva dependência em relação à sua mãe.

 

49. Por todo o exposto, é entendimento do Tribunal Singular que o indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2018..., no valor total de € 427,95, relativo aos rendimentos auferidos pelo Requerente no período de tributação correspondente ao ano civil de 2017, não padece de ilegalidade, pelo que deverá ser mantido na ordem jurídica.

 

V. Do requerimento de ampliação do pedido e da causa de pedir

50. Conforme já referido no histórico processual e na exposição dos factos relevantes para a presente decisão, após a constituição do Tribunal e na pendência da presente decisão, o Requerente veio, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do CPTA e da alínea c) do artigo 29.º do RJAT, peticionar a ampliação do pedido e da causa de pedir.

 

51. Neste contexto, alegou o Requerente que, após a submissão do pedido de pronúncia arbitral, foi notificado da decisão de aplicação de coima por falta de entrega da declaração Modelo 3 do IRS em causa nos presentes autos, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código do IRS.

 

52. A referida coima, emitida pela Requerida, teve o valor de € 153,30, acrescida de custas processais no montante de € 76,50, perfazendo um total de € 229,80.

 

53. Mediante o referido requerimento, o Requerente veio aos autos pedir a declaração de ilegalidade e a anulação do ato tributário consubstanciado na aplicação da coima, assim como a atribuição à impugnação do valor da causa de € 657,75 (€ 427,95 + € 229,80), com fundamento na ilegalidade do ato tributário sub judice.

 

54. Notificada do requerimento de ampliação da instância, veio a Requerida aos autos pronunciar-se sobre o respetivo conteúdo, alegando “erro na forma do processo e incompetência material do Tribunal Arbitral.”

 

55. No entendimento da Requerida, o qual, desde já se adianta, mereceu acolhimento por parte deste Tribunal, apesar das decisões de aplicação de coimas poderem ser objeto de recurso para os tribunais arbitrais de 1.ª instância, nos termos dos artigo 53.º e 80.º, n.º 1, do RGIT, o mesmo não poderá ser dito em relação ao processo de impugnação judicial.

 

56. Com efeito, nos termos da alínea c) do artigo 101.º da LGT, o meio processual adequado para a contestação de atos de aplicação de coimas e sanções acessórias é o recurso no próprio processo.

 

57. Fundamentando a sua posição, a Requerida trouxe à colação a jurisprudência do STA, o qual, no âmbito da decisão proferida no âmbito do processo n.º 087/11, de 13/04/2011, entendeu que o meio processual indicado para a sindicabilidade de uma decisão administrativa de aplicação de coima seria o recurso da mesma.

 

58. A Requerida citou ainda as doutas palavras de Jorge Lopes de Sousa e de Manuel Simas Santos, cujo entendimento vai no sentido da impossibilidade de utilização do processo de impugnação judicial para o desafio da legalidade de uma decisão administrativa de aplicação de coima.

 

59. No que respeita à competência específica do Tribunal Arbitral, assiste também razão à Requerida ao referir que a impugnação de uma decisão administrativa de aplicação de coima não cabe no âmbito da competência do Tribunal Arbitral, uma vez que, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais se encontra limitada à apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de actos de fixação da matéria tributável quando esta não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

 

60. Alega ainda a Requerida que se encontra excluída da competência para a representação do Estado neste tipo de matérias, porquanto a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se encontra, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, dependente de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

 

61. Ora, nos termos da referida portaria , o pedido de declaração da ilegalidade de coimas não se encontra, com efeito, incluído no âmbito de competências do Tribunal Arbitral.

 

62. A título adicional, cumpre referir que, no requerimento de ampliação da instância, o Requerente, sem prejuízo da argumentação de direito já vertida no pedido de pronúncia arbitral, aproveitou também para alegar que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código do IRS, estaria dispensado da obrigação de entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 daquele imposto, alegando que a totalidade dos rendimentos que auferiu no período de tributação correspondente ao ano civil de 2017 (€ 8.121,62) seria inferior ao montante ali previsto para a dispensa dessa mesma obrigação (€ 8.500,00).

 

63. No entanto, o pedido de ampliação da instância não tem esta finalidade, uma vez que, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, do CPTA, “o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.”

 

64. Nesta medida, torna-se claro que a argumentação de direito mobilizada pela Requerente no pedido de ampliação da instância e da causa de pedir não corresponde à impugnação de nenhum ato surgido no âmbito ou na sequência do ato submetido à apreciação arbitral, nem, tão-pouco, a uma nova pretensão do Requerente.

 

65. Sem prejuízo do exposto, a norma convocada pelo Requerente prevê, com efeito, a dispensa da obrigação de entrega da declaração Modelo 3 do IRS para os sujeitos passivos que aufiram rendimentos provenientes “de trabalho dependente ou pensões, desde que o montante total desses rendimentos seja igual ou inferior a (euro) 8 500 e estes não tenham sido sujeitos a retenção na fonte, sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 3.”

 

66. No entanto, o Requerente não atentou à remissão presente na parte final da norma convocada, a qual estabelece uma exclusão da dispensa da obrigação para os sujeitos passivos que aufiram “rendimentos de pensões de alimentos a que se refere o n.º 9 do artigo 72.º de valor superior a € 4104.”

 

67. Ora, como já vimos, no período de tributação a que corresponde o ano civil de 2017, o total auferido pelo Requerente a título de pensão de alimentos foi de € 6.503,76, pelo que fica excluído da dispensa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código do IRS.

 

68. Neste sentido, mesmo que a argumentação de direito movida pelo Requerente no seu requerimento de ampliação da instância devesse ser apreciada pelo Tribunal Arbitral, por caber no âmbito do artigo 63.º do CPTA, a mesma não teria, aqui, acolhimento.

 

69. Em face do exposto, é negado provimento ao requerimento de ampliação da instância.

 

VI. Decisão

70. Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada contra o ato tributário de liquidação de IRS sub judice.

VII. Valor do processo

71. De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC, da alínea a) do n.º 1do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 427,95 (quatrocentos e vinte e sete euros e noventa e cinco cêntimos).

VIII. Custas

72. Nos termos do número 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 13 de março de 2019

 

O Árbitro

 

(Sérgio Santos Pereira)