DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Jónatas E. M. Machado e Maria do Rosário Anjos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., S.A. titular do NIPC..., com sede na Rua..., no..., ..., sala ..., ...-... Porto, doravante designada apenas por "A...” ou “Requerente", inserida na área da competência territorial do Serviço de Finanças de Porto-..., vem, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º2 do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º, e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e a alínea a) do n.º 1, do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as respetivas alterações subsequentes, apresentar pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante designado por IMT), Notificado à Requerente em 10.04.2019, pelo Ofício n.º 2019..., datado de 9/4/2019, do Serviço de Finanças de Gaia ... . no montante de € 80.750,00, a que acrescem juros compensatórios correspondentes ao período de incumprimento que decorre desde o 30.º dia subsequente à caducidade da isenção, 14.05.2012, até à data de pagamento.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD na data de 27.08.2019 e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14.11.2019.
6. A fundamentar o presente pedido, a Requerente vem aos autos afirmar, em síntese, o seguinte:
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A liquidação de IMT em causa é ilegal, uma vez que a Requerente procedeu à alienação dos imóveis cuja compra inicial foi sujeita a IMT, mediante um contrato de dação em cumprimento, que consubstancia uma revenda para efeitos de isenção de IMT, sendo que a suposta dívida tributária se encontra prescrita;
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Por escritura pública lavrada no dia 15.04.2010, de fls 16 a fls 18, do Livro n.° 155A do Cartório da Notária B..., a Requerente comprou, pelo preço de € 1.200.000,00, o prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o art. ... e, pelo preço de € 175.000,00, o prédio rústico descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o art.°..., ficando os imóveis destinados a revenda e a aquisição dos imóveis isenta do pagamento de IMT, tendo a respetiva guia sido liquidado a zero, nos termos do disposto no art.° 7.º, do CIMT;
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Por escritura pública lavrada no Cartório da Notária C... em 12.04.2012, de fls. 38 a fls. 40, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.° 165, dentro do 3 anos para a revenda previsto no artigo 11.º, nº 5, do CIMT, a Requerente outorgou um contrato de dação em cumprimento, pelo qual, para pagamento integral de responsabilidades com a credora aí mencionada, lhe deu, em cumprimento do montante então em débito, os imóveis acima identificados;
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O imposto é devido quanto à aquisição onerosa de direitos reais e por aquele que adquire os direitos, sendo que, no caso, a credora identificada na escritura pública pagou o IMT correspondente à dação em cumprimento, não tendo declarado que pretendia revendê-los, nos termos do artigo 7º, no 1º, que afastaria o direito de benefício da isenção da Requerente nos termos do artigo 11º, n.º 5.;
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O sujeito passivo tem, necessariamente, de transmitir o imóvel com o mesmo destino, afastando-se logo as situações de renovações profundas ou novas edificações, e o mesmo imóvel tem de ser transmitido para um adquirente que não beneficie igualmente da isenção do art. 7º, nº 1 do CIMT;
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As características e requisitos de um contrato no qual há uma dação em cumprimento do artigo 834º, do Código Civil, foram cumpridas no negócio jurídico celebrado pela Requerente em 12.04.2012, verificando-se os três efeitos da compra e venda, nos termos do art.° 879º do Código Civil, a saber, a transmissão da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço, verificando-se a intenção de venda por parte da Requerente;
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O CIMT inclui, na sua esfera, todas as transmissões a título oneroso do direito de propriedade (excluído as doações e sucessões), conclusão que se retira da letra da lei, em especial no n.º 2, do artigo 2.º, que utiliza uma enumeração não restritiva da qual se retira que com a utilização do termo "ainda", o legislador pretende apenas incluir as situações previstas no n.º 2, para alem das já incluídas no n.º1, do artigo 2º, o qual é bastante abrangente;
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O primeiro parágrafo do preâmbulo do CIMT, refere que o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), que substitui o imposto municipal de sisa, continua a incidir sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis e das figuras parcelares desse direito, podendo estes direitos transmitir-se sob diversas formas ou ocorrer na constituição ou extinção de diversos tipos de contratos;
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Os prédios referidos são imóveis, nos termos e para os efeitos do artigo 204º, do Código Civil, pelo que a sua transmissão constitui uma transferência do direito de propriedade de bens imóveis e, assim, encontra-se preenchido a segunda parte que compõe o primeiro requisito da incidência objetiva do artigo 2º, nº 1, do CIMT;
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Os imóveis foram alvo de uma dação em cumprimento para extinção de uma dívida existente entre a Requerente (devedora) e a credora, do qual resultou um negócio avaliado em € 1.326.275,58, correspondente ao valor da dívida, sendo por isso uma transmissão onerosa para efeitos do artigo 2º, nº 1, do CIMT;
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Para efeitos do art. 7º do CIMT, são relevantes todas as formas de transmissão do direito de propriedade, o que inclui todos os contratos celebrados nos termos da lei civil para a transmissão de direitos reais, tal como contrato de compra e venda, o contrato do qual resulte a dação em cumprimento e outros contratos que preencham os requisitos;
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Nas obrigações tributárias relativas a impostos de obrigação única, como é o caso do IMT (art.º 48º, n.º 1, da LGT), a prescrição começa a correr a partir da data em que o facto tributário ocorreu, consubstanciado na transmissão, e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu;
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O facto tributário ocorreu em 15.04.2010, sendo o prazo de prescrição aplicável de oito anos, por força do disposto neste art.° 48.º, n.º 1, da LGT, para o qual remete o artigo 40.º n.º 1, do CIMT;
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A lei reguladora do regime de prescrição da dívida tributária (porque de direito substantivo) é a que vigorar à data da sua constituição;
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A Lei do Orçamento do Estado para 2012, veio conferir nova redação ao n.º 3, do art.. 40.º, do CIMT, que passou a prever que, verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro);
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Nos termos do artigo 297.º n.º 2 do Código Civil – de aplicação subsidiária nos termos do artigo 2.º alínea d) da LGT – com a entrada em vigor de uma lei que alterou o momento inicial da contagem do prazo de prescrição, alongando-o, deve contar-se aquele prazo nos termos da lei nova desde o seu momento inicial;
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Tendo o facto tributário ocorrido em 15.04.2010, considerando a nova redação dada pelo art.° 143º, da Lei n.º 64-B/2011, de 31.12, ao n.º 3, do CIMT, ter-se-á sempre de ter em conta o prazo decorrido antes da entrada em vigor desta lei nova, nos termos do art.° 297º, n.º 2, do Código Civil;
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Tendo o ato de liquidação do IMT em causa sido notificado à Requerente em 10.04.2019, o mesmo sofre de ilegalidade, uma vez que a sua notificação ocorreu para além do prazo de 8 anos previsto no art.° 48º, nº 1, da LGT, altura em que o direito do credor tributário de exigir o pagamento da dívida já estava extinto por prescrição.
7. Em face do exposto, a Requerente vem pedir que o presente tribunal conclua pela declaração de ilegalidade das liquidações em apreço, por enfermarem de vício de violação do artigo 2º, nº 1, 7º, nº 1, e 11º, nº 5, todos do CIMT, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135º, do CPA), anulem a liquidação de IMT, de € 80.750,00 e juros compensatórios vencidos e vincendos, por força do decurso do prazo de prescrição.
8 A Requerida respondeu por exceção e impugnação, sustentando que o presente pedido deve ser julgado improcedente, com os seguintes fundamentos:
Exceção
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A competência dos Tribunais Arbitrais resulta das disposições contidas no citado artigo 2.º do RJAT, impondo o legislador uma vinculação prévia da ATA (n.º 1 do artigo 4° do RJAT), ocorrendo essa vinculação através da portaria 112-A/2011, de 22 de março;
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Resulta, assim, a desvinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, referente a questões relacionadas com o processo de execução, nomeadamente a prescrição que é fundamento de oposição (art.º 204.º, al. d) do CPPT), estão afastadas da competência dos tribunais arbitrais, como é o caso em apreço;
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Considerando que a AT não se vinculou à jurisdição arbitral em matérias relacionadas com o processo de execução e uma vez que a prescrição não constitui um vício de ilegalidade que se possa assacar à liquidação, mas sim uma causa de inexigibilidade da dívida, (i.e. nada tem a ver com a legalidade da liquidação), tal facto impossibilita o Tribunal de decidir a alegada prescrição, urna vez que estamos perante a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
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A incompetência absoluta do Tribunal constitui uma exceção dilatória, que obsta a que o mesmo conheça do mérito da causa e a consequente absolvição da instância, sendo de conhecimento oficioso (artigos 577 alínea a), artigo 576 n° 2 e artigo 578° todos do CPC).
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Consubstanciando a alegada prescrição da dívida um fundamento que se reconduz à apreciação da (in)exigibilidade da divida, será a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para a requerente ver analisada a prescrição (artigo 204°. n° 1, alínea d) da CPPT);
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A prescrição não pode ser invocada, como uma ilegalidade imputada à própria liquidação, mas sim à execução fiscal, pois trata-se de sindicar a exigibilidade da divida, não a liquidação, em si mesma, dispondo a Requerente da faculdade de impugnar a liquidação de imposto a par da faculdade de se opor à execução, pois são garantias que a própria lei lhe assegura;
Impugnação
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Os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, normas de carácter excecional, pois encerram urna derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação, e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, econômico, social ou cultural;
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As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto;
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No caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a interpretação estrita do art.º 11.º, n.º 5 do CIMT há de entender-se que a lei exige, sem mais, a efetivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de ato ou contrato.
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O conceito de "revenda” deve ser entendido no seu sentido técnico-jurídico, concretizado na celebração de um contrato de compra e venda;
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As normas que regulam a isenção de imposto são insuscetíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objeto de uma interpretação estrita ou declarativa. E dado que a interpretação estrita ou declarativa do art.º 7.º do CIMT não contempla a “dação em cumprimento”, só pode relevar, para efeitos de obstar à caducidade da isenção, a “revenda” dos prédios no seu sentido técnico-jurídico”.
9. Em face do acima exposto, a Requerida conclui que a) a liquidação efetuada pela AT está em absoluta conformidade com a lei, não ocorrendo qualquer vício que deva ditar a anulação da liquidação, concluindo-se pela improcedência total da argumentação expendida pela Requerente, devendo, como tal, a referida liquidação manter-se na ordem jurídica e b) o pedido de pronúncia arbitral a que requerente lançou mão para atacar a liquidação não é o meio próprio para invocar a prescrição da divida, pois sendo esta uma questão a analisar no âmbito de um processo de execução fiscal terá de ser atacado através dos meios de defesa próprios desse processo, no caso concreto, por meio da oposição à execução fiscal, pois que o fundamento invocado se reconduz à inexigibilidade da divida, fundamento este previsto na al. d) do n° 1 do art.º 204° do CPPT.
10. A Requerente, em 14.01.2020, respondeu à exceção dilatória de incompetência suscitada pela AT, tendo sustentado a respetiva improcedência com o fundamento de que a prescrição da dívida tributária põe em causa a legalidade do ato que procede à respetiva liquidação.
II. Saneamento
II.1 Constituição do tribunal e sujeitos processuais
11. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
II.2 Questão prévia: exeção dilatória e competência do tribunal
13. Tendo sido alegada pela Requerida a exceção de incompetência do tribunal – com o fundamento de que a prescrição, configurando uma causa de inexigibilidade da dívida, deve ser invocada em sede de oposição à execução – e uma vez que a violação das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência do tribunal e o seu conhecimento é uma questão de ordem pública cujo conhecimento, nos termos do artigo 13.º do CPTA, precede o de qualquer outra matéria, cumpre analisar e decidir a questão, por sinal especialmente importante no caso dos tribunais arbitrais do CAAD, de natureza facultativa e desprovidos de competência residual.
14. Em causa está a questão de saber se a apreciação da prescrição da dívida tributária se encontra abrangida pela competência dos tribunais arbitrais, prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de tributos e se, consequentemente, a AT se encontra vinculada, nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, por uma decisão que, sobre a questão, por eles venha a ser proferida.
15. Importa ter presente que, nos termos do artigo 48.º da LGT e tendo em conta a respetiva inserção na secção III do Capítulo IV, a prescrição da prestação tributária constitui, a par do pagamento da prestação tributária e da caducidade do direito de liquidação, uma forma de extinção da relação jurídica tributária. Essa extinção é indissociável do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio constitucionalmente estruturante do Estado de direito, e dos inerentes valores da estabilidade, certeza e previsibilidade no desenvolvimento da atividade económica. Nos casos da caducidade do direito de liquidação e da prescrição da prestação tributária, impede-se que os sujeitos passivos permaneçam indefinidamente numa situação de incerteza jurídica e económica por causa da falta de diligência da administração tributária. Porque assim é, dificilmente se poderia considerar compatível com o princípio da legalidade tributária a emissão pela AT de um ato de liquidação de um imposto respeitante a uma relação jurídica tributária entretanto extinta.
16. Com base neste pressuposto, poder-se-ia considerar que a competência para a declaração da legalidade de um ato de liquidação de imposto inclui, necessariamente, a competência para a verificação da ocorrência de quaisquer causas de extinção da relação jurídica tributária. Na verdade, tem sido sustentado que quando os tribunais arbitrais apreciam a legalidade da liquidação de impostos têm que ter em conta todo o percurso do íter tributário, a saber, incidência, exclusões tributárias, determinação da matéria coletável, taxa, coleta e pagamento[1]. Conclui-se, nesta linha, que se os tribunais arbitrais têm competência para apreciar a ilegalidade de um ato de liquidação de imposto, nos termos do artigo 2.º, n.º1, do RJAT, também têm competência para apreciar as causas dessa ilegalidade, entre as quais se encontra precisamente a prescrição da prestação tributária, pois que, como foi dito, a sua ocorrência tem como efeito necessário a extinção da relação jurídica tributária, viciando de ilegalidade o próprio ato de liquidação[2].
17. O Presente tribunal segue, porém, uma orientação diferente, sufragada pelo STA, Secção II, no Processo n.º 01/99.0BUPRT de 08-01-2020, adiante desenvolvida, segundo a qual sustenta que, embora a prescrição da dívida resultante do ato tributário de liquidação não constitua vício invalidante desse ato e, por isso, não sirva de fundamento à respetiva impugnação (cfr. arts. 99.º e 124.º do CPPT), tal não afasta a competência do tribunal, na medida em que, segundo o mesmo STA, deve conhecer-se da mesma em sede de impugnação judicial, na medida em que é inútil apreciar a invalidade de um ato que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição. É, precisamente, o que se passa no caso em apreço.
Assim sendo improcede a alegada exceção de incompetência e, consequentemente, a alegada impropriedade do meio processual utilizado.
18. O processo não enferma de nulidades e não há, em face do exposto, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
III. Do Mérito
III.1. Factos provados
19. Consideram-se provados os seguintes factos:
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Por escritura pública lavrada no dia 15.04.2010, de fls 16 a fls 18, do Livro n.° 155A do Cartório da Notária B..., a Requerente comprou, pelo preço de € 1.200.000,00, o prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o art. ... e, pelo preço de € 175.000,00, o prédio rústico descrito na ... Conservatória do Registo Predial de V ..., sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o art.°... (Documento 2);
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Na escritura pública constava que os imóveis se destinam a revenda, tendo a aquisição dos imóveis ficou isenta do pagamento de IMT tendo a respetiva guia sido liquidado a zero, nos termos do disposto no art.° 7.º, do CIMT (Documento 2);
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A Requerente preenche os restantes requisitos do artigo 7º, nº 1, quanto à apresentação da declaração prevista na alínea a), do no 1, do artigo 109º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício da atividade de comprador de prédios para revenda (Documento 2);
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Por escritura pública lavrada no Cartório da Notária B... em 12.04.2012, de fls. 38 a fls. 40, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.° 165, a Requerente outorgou um contrato de dação em cumprimento, pelo qual, para pagamento integral de responsabilidades com a credora aí mencionada, lhe deu, em cumprimento do montante então em débito, os imóveis acima identificados (Documento 3);
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A credora pagou o IMT correspondente à dação em cumprimento (Documento 3);
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A 09.04.2019 a AT emitiu o ofício n.º 2019..., contendo a liquidação de IMT no montante de € 80.750,00, tendo sido a Requerente notificada a 10.04.2019 (Documento 1).
III.2. Factos não provados
20. Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.
III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
21. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
22. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
23. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, as provas documental e testemunhal apresentadas, bem como a declaração de parte que foi prestada, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.4. Matéria de direito: prescrição
24. Na Petição Inicial, a Requerente, depois de impugnar a legalidade da liquidação de IMT, alega que a suposta dívida tributária se encontra prescrita. Entende este tribunal arbitral, na senda das decisões do STA, Secção II, nos Processos n.º 0980/06, de 07.02.2007, e n.º 01/99.0BUPRT de 08.01.2020, que a prescrição da dívida resultante do ato tributário de liquidação, apesar de não constituir a se um vício invalidante desse ato e, por isso, não servir de fundamento à respetiva impugnação (cfr. artigos. 99.º e 124.º do CPPT), deve ser conhecida em sede de impugnação judicial, em ordem a averiguar da utilidade da prossecução da lide, na medida em que será inútil apreciar a invalidade de um ato que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição. Não se trata de subsumir a questão da prescrição da dívida tributária no âmbito da ilegalidade da liquidação, mas sim, em termos estritamente processuais, de aferir da utilidade da uma lide impugnatória versando sobre um ato entretanto ineficaz, cuja tramitação seria manifestamente inútil por insuscetível de produzir quaisquer efeitos na relação substancial respetiva.
25. Nos termos do artigo 48.º, n.º 1, da LGT, as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu. No feito submetido a este coletivo arbitral, verifica-se que os imóveis inicialmente adquiridos pela Requerente, por escritura pública lavrada no dia 15.04.2010, foram destinados a revenda ficando por esse motivo a aquisição isenta do pagamento de IMT, tendo a respetiva guia sido liquidado a zero, nos termos do disposto no artigo 7.º, do CIMT. Entretanto, os imóveis foram dados em dação em cumprimento pela Requerente a uma entidade credora, por escritura pública de 12.04.2012, como pagamento integral de responsabilidades.
26. Ainda que, quanto à questão de fundo, assista razão à AT e se entenda, além do mais, que a dação em cumprimento extravasa o exercício normal e habitual da atividade comercial de compra de prédios para revenda, que esteve na base da a isenção em causa – posição sufragada pelo mencionado Acórdão do STA, Secção II, no Processo n.º 0174/17, de 08.11.2017 – a verdade é que, nas obrigações tributárias relativas a impostos de obrigação única, como é o caso do IMT, como decorre do artigo 48.º, n.º1, da LGT, o prazo de prescrição começa a correr a partir da data em que o facto tributário ocorreu e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu[3].
27. O facto tributário é geralmente definido como o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária. É ele, enquanto facto típico revelador de capacidade contributiva, o objeto da tipificação legal que constitui o pressuposto de facto cuja realização origina um determinado efeito jurídico: no caso, o nascimento da obrigação tributária[4]. O facto tributário gerador da obrigação de IMT consiste, especificamente, nas transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.
28. A transmissão inicial que consubstancia o facto tributário ocorreu em 15.04.2010, sendo o prazo de prescrição aplicável de oito anos, por força do disposto neste artigo 48.º, n.º 1, da LGT, para o qual remete o artigo 40.º n.º 1, do CIMT, pelo que o prazo deveria terminar em 15.04.2018. Considerando que a liquidação do IMT em causa sido notificada à Requerente em 10.04.2019 – quase 9 anos depois do facto tributário –, o ato de liquidação em causa apoia-se numa relação jurídica tributária entretanto extinta, uma vez que a sua notificação ocorreu para além do prazo de 8 anos previsto no artigo 48º, nº 1, da LGT, altura em que o direito do credor tributário de exigir o pagamento da dívida já estava extinto por prescrição.
29. É certo que a isenção do artigo 7.º, n.º 1, do CIMT, pela aquisição dos prédios para revenda – que tinha como fim evitar uma dupla tributação quando fosse de todo evidente que as aquisições dos prédios se inseriam no exercício da atividade comercial e industrial de aquisição de prédios para revenda – não estava definida em termos absolutos e definitivos, ficando sujeita a uma condição resolutiva, sendo que os beneficiários perderiam a isenção logo que se verificasse que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda, alegando a AT que foi isso que aconteceu, que desde aí é que surgiu a dívida tributária e que só a partir daí é que ela tinha a possibilidade de proceder à respetiva liquidação e cobrança.
30. No entanto, nas obrigações tributárias decorrentes de impostos, salvo lei especial, a prescrição começa a correr, nos termos do artigo 48.º da LGT, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, independentemente de estar ou não já liquidada a obrigação tributária pois a prescrição refere-se diretamente ao facto tributário, pelo que pode ter lugar sem que tenha ocorrido a respetiva liquidação.
31. Como sublinhou o Pleno da Secção do CT do STA, “A transmissão ocorre, no caso, com a aquisição do prédio para revenda e é nessa data que ocorre o facto gerador da obrigação de imposto. É nessa data, e em face desse facto, que nasce a relação jurídica tributária, sendo que, porém, a obrigação de liquidação e de pagamento do imposto só nasce quando decorrerem os 3 anos sem que o prédio tenha sido revendido[5]. Nenhuma indicação há, no respetivo teor literal, de que a norma constante do artigo 48°, n° 1, da LGT se deva interpretar restritivamente, com o sentido de que nos impostos de obrigação única o prazo de prescrição se inicia a partir da data da ocorrência do facto tributário apenas quando este gerar a formação imediata da obrigação tributária, por inexistência de facto impeditivo configurado em isenção.
32. Não prevendo o n.º 1 do artigo 48.º da LGT a suspensão do prazo de prescrição no caso de benefícios fiscais de natureza condicionada (ao contrário do que sucede com o prazo de caducidade da liquidação do imposto – al. c) do nº 2 do artigo 46º da LGT), integrando a matéria da prescrição da obrigação tributária (quer os pressupostos da prescrição, quer os pressupostos relativos ao regime do respetivo prazo) o âmbito das garantias dos contribuintes e fixando a LGT, como momento relevante para o termo inicial do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário (sendo este o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária), deve interpretar-se a norma contida no n.º 1 do artigo 48º da LGT com o sentido de que o prazo de prescrição do IMT devido (imposto de obrigação única) se inicia a partir da data em que ocorreu a transmissão (aquisição por parte do sujeito passivo respetivo) e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu.
33. É igualmente certo que a Lei do Orçamento do Estado para 2012, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, veio conferir nova redação ao n.º 3, do artigo 40.º, do CIMT, que passou a prever que, verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito. O objetivo desta alteração legislativa consistiu, indiscutivelmente, em ampliar as possibilidades de liquidação e cobrança das dívidas tributárias por parte da AT. Independentemente do mérito substantivo da solução, e não obstante o mesmo não ter alterado formalmente o prazo de prescrição – que continuou a ser de 8 anos – limitando-se a adiar o termo inicial da respetiva contagem, a verdade é que aplicação desta norma às dívidas geradas por factos tributários anteriores à sua entrada em vigor traduzir-se-ia, para os sujeitos passivos afetados, de facto, num aumento ou alongamento do prazo de prescrição.
34. O artigo 103.º da CRP dispõe, no seu n.º 2. que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” No n.º 3, estabelece-se que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.” Neste mesmo sentido dispõe o artigo 12.º, n.º 1, da LGT, sobre a aplicação da lei tributária no tempo, que “as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.” Por norma tributária deve entender-se aquela que determine a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, sendo que dentro destas se encontra a prescrição da dívida tributária[6].
35. Em face do artigo o artigo 12.º, n.º 1, da LGT, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, veio conferir nova redação ao n.º 3, do artigo 40.º, do CIMT – que passou a prever que, verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição se conta partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito – deve aplicar-se aos factos tributários posteriores à sua entrada em vigor. Integrando a prescrição a matéria das garantias dos contribuintes e sendo o princípio da legalidade tributária especialmente sensível à salvaguarda da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, como decorre do princípio do Estado de direito, deve-se considerar a alteração das regras da prescrição abrangida pela proibição da retroatividade dos impostos e pela regra da aplicação prospetiva das normas tributárias. Isto, sem prejuízo de o princípio da segurança jurídica não ser entendido de forma absoluta, admitindo a aplicação retrospetiva de determinadas normas, nomeadamente no caso de factos tributários de formação sucessiva e de normas de procedimento e processo. No entanto, mesmo nestes casos é assegurada a salvaguarda das garantias e dos direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes (artigo 12.º, n,os 2 e 3 da LGT).
36. Mesmo que se entendesse que a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, ao conferir nova redação ao n.º 3, do artigo 40.º, do CIMT, não é uma lei tributária propriamente dita mas apenas uma lei que versa sobre a contagem dos prazos de dívidas fiscais legalmente constituídas, a verdade é que, na medida em que está aqui diante de uma alteração legislativa que tem como efeito, no caso concreto, um aumento do prazo de prescrição, deveria aplicar-se, por analogia, a solução do artigo 297.º n.º 2 do Código Civil – de aplicação subsidiária nos termos do artigo 2.º alínea d) da LGT – nos termos do qual, “A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial”. Assim é, porquanto a segurança jurídica é um valor estruturante do Estado de direito democrático, promovendo a certeza, a confiança e a previsibilidade na interação económica e social, pelo que se impõe – e essa é a razão de ser do instituto da prescrição no direito fiscal – incentivar a atuação pronta, diligente e conclusiva da administração tributária e, acima de tudo, impedir a eternização da indefinição, insegurança e indeterminação em torno da existência e conteúdo de dívidas tributárias.
37. Na linha da solução preconizada pelo artigo 297.º n.º 2 do Código Civil, com a entrada em vigor de uma lei que alterou o termo inicial da contagem do prazo de prescrição, alongando-o em termos práticos, deve contar-se aquele prazo nos termos da lei nova desde o seu momento inicial. Esta solução deve valer em concreto, mesmo considerando que, em abstrato, o prazo continua a ser de 8 anos, tendo sido alterada apenas a data de início da sua contagem. Se assim não fosse, o legislador poderia, sempre que quisesse, aumentar o prazo de prescrição de dívidas fiscais geradas por factos tributários ocorridos anteriormente por via do sucessivo adiamento do termo inicial da respetiva contagem.
38. Ora, de nada valeria o legislador tributário manter inalterado o prazo de prescrição de 8 anos se o mesmo pudesse ir adiando livre e sucessivamente do termo inicial da sua contagem. Esse poder conferiria ao legislador tributário e à AT uma incontornável e injustificada vantagem substantiva e processual sobre os contribuintes, desconsiderando as respetivas garantias e neutralizando a parametrização teleológica e axiológica, subjetiva e objetiva, abstrata e concreta, inerente ao instituto da prescrição. Na dúvida, os tribunais devem interpretar as normas sobre prescrição no sentido mais favorável aos direitos legalmente consolidados na esfera jurídica do contribuinte e às finalidades de repouso, segurança e paz jurídicas inerentes ao instituto. A garantia de um sentido, conteúdo e efeito útil ao prazo de prescrição impõe a adoção, por parte do julgador, de uma orientação hermenêutica e metódica que não resulte na neutralização e desnaturação prática desse prazo.
39. Tendo o facto tributário que deu origem à dívida fiscal ocorrido em 15.04.2010, deve entender-se, nos termos do artigo 297º, n.º 2, do Código Civil, que a nova redação dada pelo artigo 143º, da Lei n.º 64-B/2011, de 31.12, ao n.º 3, do CIMT, deve ser interpretada e aplicada tendo em conta o prazo decorrido antes da entrada em vigor desta lei nova. Tendo o ato de liquidação do IMT em causa sido notificado à Requerente em 10.04.2019, o mesmo sofre de ilegalidade, uma vez que a sua notificação ocorreu para além do prazo de 8 anos previsto no artigo 48º, nº 1, da LGT, altura em que o direito do credor tributário de exigir o pagamento da dívida já estava extinto por prescrição.
40. Atentas as razões supra expostas, julga este coletivo que o prazo de prescrição relevante no caso concreto se conta a partir do facto tributário, tal como resulta do artigo 48.º, nº1, da LGT.
41. Ora, tendo o ato de liquidação do IMT em causa sido notificado à Requerente em 10 de abril de 2019, o prazo de 8 anos fixado no artigo 48.º da LGT, contado desde a data da transmissão do imóvel (15 de abril de 2010), já havia decorrido, o que implica a prescrição do direito da Requerida de liquidar o tributo em causa.
42.Termos em que, se julga verificada a inutilidade da prossecução da lide, na medida em que é inútil apreciar a invalidade de um ato que titula uma obrigação tributária entretanto extinta por prescrição.
IV. DECISÃO
Em face do supra exposto, este Tribunal Coletivo julga:
-
Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide, em virtude de estar extinta a dívida tributária;
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 80.750,00 (oitenta mil e setecentos e cinquenta euros), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €2754,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de março de 2020.
A Árbitro Presidente
(Fernanda Maçãs), vencida, porquanto entendo que a nova redação dada pela Lei n.º 64-B/2012, de 30 de dezembro, ao n.º 3 do artigo 40.º do CIMT, ao passar a prever que, verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito, não é inovadora. Com efeito, essa já a era a solução a retirar do artigo 48.º da LGT, atenta a natureza da figura da prescrição e do respetivo prazo, tal como melhor explicitado da declaração de voto constante do Acórdão do Pleno do CT de 10 de abril de 2013, proc 01135/12, que se dá por reproduzido. Aí se refere, entre o mais, que o artigo 48.º da LGT teria de ser objeto de interpretação racional e teleologicamente adequada no sentido de que o termo inicial da prescrição se inicia com a ocorrência do facto tributário, salvo se o mesmo nascer sujeito a condição suspensiva. Na prescrição, diferentemente da caducidade, o prazo surge com a exigibilidade. Não oferecendo dúvida que o prazo de prescrição só pode começar a correr quando a dívida fiscal for exigível, isto é, com o vencimento, no caso em apreço, o legislador estaria dispensado de o dizer expressamente, uma vez que tal só pode acontecer se não se der a revenda no prazo de três anos. Durante esse período o facto tributário encontra-se como que congelado, o que impede que a dívida se torne exigível.
Fernanda Maçãs
O Árbitro Vogal
(Jónatas E. M. Machado)
A Árbitro Vogal,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Nestes termos, Decisão arbitral do CAAD, no Processo n.º 594/2017-T, 15.05.2018.
[2] No mesmo sentido, as decisões arbitrais do CAAD, nos Processos n.º 57/2012/T, de 08.03.2013 e nº 414/2016-T, de 27.01.2017.
[3] Cfr., em sentido convergente, Acórdão do STA, Processo n.º 1024/10.5BELRS, de 17-10-2019.
[4] Cfr., neste sentido, Acórdão do STA, Pleno da Secção de CT, no Processo n.º 01135/12, de 10.04.2013.
[5] Cfr., nestes termos, Acórdão do STA, Pleno da Secção de CT, no Processo n.º 01135/12, de 10.04.2013.
[6] Cfr., neste sentido, Acórdão do STA, Pleno da Secção de CT, no Processo n.º 01135/12, de 10.04.2013.