Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 560/2019-T
Data da decisão: 2020-02-21  IMI  
Valor do pedido: € 5.637,17
Tema: IMI - cláusula de salvaguarda prevista no artigo 25º do Decreto-lei 287/2003
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1 – A..., NIF[1]: ..., na qualidade de representante da herança aberta em nome de B..., que tinha o NIF ... apresentou em 26/08/2019 um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a ATA[3], com vista à anulação parcial da liquidação de IMI[4], doc. n.º 2018 ... do ano de 2018, na parte referente ao prédio rústico com o artigo ..., ... da freguesia de ..., concelho de ..., no valor de €5.637,17, conforme documento n.º1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais  , por estar convencido da sua ilegalidade, uma vez que não foi aplicada cláusula de salvaguarda prevista no artigo 25º do Decreto-lei 287/2003, e por isso, solicita a redução do valor da referida liquidação de IMI no montante de € 5 637,17 e a consequente devolução por ser esse o valor pago em excesso.

                                                       

 

 

 2- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à ATA em 27/08/2019.                   

3- Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado o árbitro singular Arlindo José Francisco, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao CAAD a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 – As partes foram notificadas dessa designação e nenhuma delas a recusou, em consequência, veio o Tribunal a ser constituído em 14/11/2019 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5 – Com o seu pedido, visa a requerente, como já se disse, a declaração de ilegalidade da citada liquidação, uma vez que, na sua perspetiva, a mesma não teve em conta a cláusula de salvaguarda a que alude o artigo 25º do Decreto-lei 287/2003.

6 – Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no facto do prédio em questão ter sido objeto de avaliação cadastral em 1995, que motivou a atualização do seu valor patrimonial ficando o aumento da coleta, em virtude dessa atualização, condicionado à cláusula de salvaguarda prevista no CCA[6] e com a revogação deste Código pelo Decreto-Lei 287/2003 de 12 de Novembro ficou também limitada pela cláusula a que se refere o nº 1 do seu artigo 25º.

7 – Refere também que apesar dos fracionamentos a que o prédio original foi submetido, originando o prédio rústico com o artigo .., Secção 2, não houve lugar a novas avaliações, por não terem ocorrido alterações nas culturas originais de harmonia com o artigo 36º do CIMI, mantendo-se, por isso, inalteráveis em 2018 o valor patrimonial de 1995 após a avaliação cadastral. 

8 – Considera que os motivos que levaram à aplicação das cláusulas de salvaguarda para a CA[7] e IMI não foram alterados, pelo que será forçoso aplicar o regime previsto no artigo 25º do Decreto-Lei 287/2003, ao ato de liquidação de IMI, respeitante ao ano de 2018.

9 – Concluindo que a conjugação do artigo 36º do CIMI[8] com a cláusula de salvaguarda não pode a sua aplicação ser afastada à situação aqui em apreço, como fez a ATA, devendo, por isso, ser o presente pedido declarado procedente.

10 – Por sua vez, a requerida pugna pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado por corresponder a uma correta aplicação do direito à realidade material controvertida.                                           

11 – Sustenta o seu ponto de vista, também em síntese, no facto do requerente invocar que a “cláusula de salvaguarda deixou inexplicavelmente de ser aplicada” desde 2005, mas não prova que esta cláusula tenha alguma vez sido aplicada ao imóvel em causa nos presentes autos, bem como aos artigos anteriores que lhe deram origem.

12 – Por outro lado o artigo ... da secção 2, resulta da desanexação do artigo ... da mesma secção, ao qual foi fixado, em 2006, o valor patrimonial no montante de €704.645,80, valor patrimonial esse, com o qual a proprietária do imóvel se conformou e nunca a este novo artigo foi aplicada a cláusula de salvaguarda tal como o próprio requerente afirma.

13 - O regime de salvaguarda constante no artigo 25.º apenas era aplicável às situações em que ocorresse a atualização transitória prevista nos artigos 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, sendo que esta atualização apenas se destinava aos prédios urbanos e o regime apenas teve aplicação até 2011.

14 – Concluindo que a liquidação de IMI ora controvertida não padece de ilegalidade alguma, devendo, por isso, permanecer na ordem jurídica e, por conseguinte, não assiste ao Requerente o direito ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios, devendo ser considerada como improcedente a pretensão do Requerente e a Entidade Requerida absolvida de todos os pedidos.

 

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

                                                            

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Em 06/01/2020, após a resposta da ATA, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:” Não é requerida prova testemunhal e não há exceções a apreciar, deste modo, consideramos desnecessária a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dispensando-se também a junção do processo administrativo.                                    

Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da aludida reunião e determina-se que o processo prossiga com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do presente despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente o prazo para alegações da Requerida.

Indica-se o dia 21/02/2020 para prolação da decisão arbitral. Até essa data, o Requerente deverá fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente.

Notifique”

O requerente produziu as alegações constantes no requerimento junto aos autos em 10/01/2020 que se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. A sua apresentação foi, na mesma data, notificada à requerida que no prazo concedido nada disse.

 O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, estando reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

Decidir se a liquidação de IMI nº 2018 ... do ano de 2018, no montante de € 5 637,17, sofre da ilegalidade aduzida pelo requerente, não aplicação da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 25º do Decreto-lei 287/2003, devendo por isso ser anulada com a consequente devolução do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, ou se pelo contrário a mesma não sofre de qualquer ilegalidade, como contrapõe a requerida, devendo a mesma permanecer na ordem jurídica.

 

 

2 – Matéria de Facto                   

                             

 

A matéria de facto considerada pelo Tribunal relevante para a decisão e provada é a seguinte:

 

  1. O requerente exerce o cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito de sua mãe B..., ocorrido em 05/05/2019.
  2. Da referida herança faz parte, entre outros, o artigo rústico nº ... secção ... da freguesia de ..., concelho de ..., que resultou da divisão de um prédio rústico, designado herdade da ..., ... e ..., da aludida freguesia e concelho.
  3. A referida herdade, inscrita na matriz da freguesia de ... sob o artigo ... da secção .., com a área de 956 hectares, foi objeto de escritura pública para divisão de coisa comum, celebrada 28 de Janeiro de 1993, no quarto Cartório Notarial de Lisboa e que instruiu o processo de cadastro nº .../93 que ficou concluído em Março de 2007.
  4. Enquanto decorria o processo de cadastro referido, foi a aludida herdade objeto de uma desanexação de 10 hectares, que correu seus termos através do processo de cadastro nº .../2005 e concluído no mesmo ano, ficando a herdade agora com 946 hectares e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ... da secção 2.
  5. Em 2007, em resultado do términus do processo de cadastro .../93, foi atribuída à mãe do requerente a parcela que foi inscrita na matriz sob o artigo rústico nº                                                 ... da secção 2 com a área de 296,2075 hectares, o VPT[9] de € 704 645,80 que produziu em 2018 a coleta de € 5 637,17, aqui em causa.                                              
  6. A este artigo ... da secção 2 já referido, nas sucessivas tributações de IMI, não lhe foi aplicada a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 25º do Decreto-Lei 287/2003 de 12 de Novembro, incluindo em 2018.

 

Estes são os factos considerados pertinentes pelo Tribunal para a solução da causa e a sua prova resulta dos documentos juntos aos autos e dos articulados das partes.

 

 

3- Matéria de Direito

                                    

As cláusulas de salvaguarda visam evitar um agravamento desconforme de imposto em relação à última tributação, quando são introduzidas reformas fiscais substanciais. Em regra são limitadas no tempo ou tratadas anualmente na Lei do Orçamento do Estado. No âmbito da reforma da tributação do património surgiram com a publicação do CCA, aprovado pelo DL 442-C/88 de 30 de Novembro, Código que veio a ser revogado pelo nº1 do artigo 31º do DL 287/2003, que aprovou, entre outros o CIMI e introduziu a cláusula de salvaguarda relativamente à coleta de IMI, no seu artigo 25º, que se transcreve:

“1 - O aumento da colecta do IMI resultante da actualização dos valores patrimoniais tributários não pode exceder, por prédio, os seguintes valores anuais adicionados à colecta da contribuição autárquica ou do IMI devido no ano anterior ou que o devesse ser, no caso de prédios isentos:
Ano de 2004 - (euro) 60;
Ano de 2005 - (euro) 75;
Ano de 2006 - (euro) 90;
Ano de 2007 - (euro) 105;
Ano de 2008 - (euro) 120;
Ano de 2009 - (euro) 135;
Ano de 2010 - (euro) 150;
Ano de 2011 - (euro) 165.
2 - A limitação prevista no número anterior não se aplica aos prédios avaliados, no período temporal aí referido, com aplicação das regras de avaliação previstas nos artigos 38.º e seguintes do CIMI.
3 – (Revogado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro).
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável:
a) Aos prédios que sejam propriedade das entidades referidas no n.º 4 do artigo 112.º do CIMI;
b) Aos prédios devolutos e aos prédios em ruínas referidos no n.º 3 do artigo 112.º do CIMI.”                                                                          

Pretende o requerente que seja aplicada esta norma à tributação, levada a efeito pela ATA, relativamente ao imóvel, inscrito na matriz rústica sob o artigo nº ... da secção 2 da freguesia de ..., concelho de ..., tecendo, todo um largo conjunto de argumentos, na sua petição que aqui consideramos inteiramente reproduzida para  todos os efeitos legais, no sentido de demonstrar a ilegalidade da liquidação operada pela ATA, ao não ter em conta as disposições constantes do artigo 25º do DL 287/2003 já referido.                        

 Entende o Tribunal desnecessário, pronunciar-se sobre as questões de saber se a cláusula de salvaguarda, prevista no artigo 25º do DL 287/2003, se aplicava só às coletas de prédios urbanos ou também às dos prédios rústicos, ou se a referida cláusula foi aplicada às coletas produzidas pelo VPT dos artigos de onde proveio o artigo rústico número ... seção 2 da freguesia de ... concelho do ... . Na verdade, as conclusões a que se chegasse não trariam qualquer acréscimo para a questão que é posta ao Tribunal, decidir se a liquidação de IMI nº 2018 ... do ano de 2018, no montante de € 5 637,17, na parte referente ao prédio rústico com o artigo ..., Secção ... da freguesia de ... sofre da ilegalidade aduzida pelo requerente, não aplicação da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 25º do Decreto-lei 287/2003, devendo por isso ser anulada com a consequente devolução do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, ou se pelo contrário a mesma não sofre de qualquer ilegalidade, como contrapõe a requerida, devendo a mesma permanecer na ordem jurídica.

 Como já se referiu os regimes de salvaguarda ou as cláusulas de salvaguarda são limitadas no tempo e, no caso da prevista no citado artigo 25º do DL 287/2003, a sua aplicação expirou no ano de 2011, conforme se retira do seu nº 1, pelo que não poderia ser aplicada à liquidação de IMI nº 2018... do ano de 2018 aqui em causa.

 Entende, por isso, o Tribunal que a aludida liquidação não sofre da ilegalidade aduzida pelo requerente, dado, como se viu, a referida cláusula de salvaguarda só teve aplicação até 2011e a liquidação respeita ao ano de 2018.

Nesta perspetiva, deve a liquidação ser mantida na ordem jurídica por não sofrer da ilegalidade aduzida pelo requerente.

 

 

4- Juros Indemnizatórios

                                   

 

 

Atendendo ao concluído anteriormente, não há necessidade do Tribunal apreciar esta matéria.

 

IV – DECISÃO                                           

 

Deste modo o Tribunal decide:

 

  1. Declarar o pedido de pronúncia arbitral improcedente, mantendo na ordem jurídica a liquidação de IMI nº 2018 ... do ano de 2018, no montante de € 5 637,17.
  2. Fixar o valor do processo em € 5 637,17, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 do CPC[10], 97-A do CPPT[11] e 3º nº 2 do RCPAT[12].
  3. Fixar as custas, no montante de € 612,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo do requerente.

 

Notifique.

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal

 

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2020

 

O árbitro singular,

 

Arlindo Francisco

 



[1] Acrónimo de Número de Identificação fiscal

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Código da Contribuição Autárquica

[7] Acrónimo de Contribuição Autárquica

[8] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[9] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[10] Acrónimo de Código de Processo Civil

[11] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[12] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária