Decisão Arbitral
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A...— SUCURSAL EM PORTUGAL (anteriormente designada B...— SUCURSAL EM PORTUGAL), sucursal portuguesa de uma Société Civile de Placement Immobilier constituída ao abrigo do direito francês, com o número de pessoa coletiva português ..., e sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de autoliquidação em IRC referente ao ano de 2017, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto de autoliquidação, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é a sucursal portuguesa da A..., um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier (SPCI) para o exercício da atividade de aquisição e gestão de património imobiliário destinado ao arrendamento.
Nessa qualidade, encontra-se sujeita ao regime previsto nos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil Francês e ao regime dos investimentos de organismo coletivo, estabelecido nos artigos L214 e R.214 do Código Monetário e Financeiro Francês e no Regulamento Geral da Authorité des Marchés Financiers francesa, e, na medida em que desenvolve a sua atividade em Portugal, ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo consagrado na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.
Nesse sentido, a Requerente é uma entidade equiparável às sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas constituídas em Portugal nos termos previstos na Lei n.º 16/2015.
No exercício de 2017, a Requerente obteve em Portugal rendimentos relacionados com a sua atividade (rendimentos prediais, mais-valias e comissões) no valor global de € 2.914.999,78 e registou um resultado líquido positivo de € 1.449.108,71.
Tratando-se de uma sucursal de um organismo de investimento coletivo estrangeiro, a Requerente autoliquidou como lucro tributável, o IRC, a derrama estadual e a derrama municipal nos termos gerais aplicáveis à tributação dos sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável em Portugal, sujeitando dessa forma a imposto todos os rendimentos obtidos neste território, de acordo com o regime previsto nos artigos 4.º, n.ºs 2 a 5, 87.º e 87.º-A do Código do IRC e no artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.
Tendo apurado, em aplicação desse regime legal, matéria coletável não isenta no valor de € 1.957.670,44, IRC no montante de € 410.510,79, derrama estadual no montante de € 13.730,11, e derrama municipal no montante de € 29.365,06, perfazendo uma coleta total de € 453.605,96.
Sucede que, se lhe tivesse sido aplicado o regime especial previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), relativo à tributação do lucro dos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, a coleta total teria sido de € 0,00, uma vez que todos os rendimentos auferidos e todos os gastos incorridos no período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2017 se encontrariam excluídos do cálculo do lucro tributável.
Nesse sentido, em 24 de outubro de 2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra aquele ato, que foi indeferida por despacho do Diretor de finanças adjunto da Direção de finanças de Lisboa, e em que se sustenta que a Administração Tributária se encontra subordinada ao princípio da legalidade, não lhe competindo avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem apreciar a sua constitucionalidade.
No entanto, o artigo 22.º do EBF elimina da tributação na esfera dos fundos de investimento contratuais e das sociedades de investimento a generalidade dos seus rendimentos típicos, fazendo com que o factor fiscal passe essencialmente a ter impacto na esfera dos investidores e já não na esfera dos organismos de investimento coletivo. E, nesses termos, os organismos de investimento coletivo passaram a ser entidades excluídas ou isentas de tributação relativamente aos seus rendimentos mais comuns (rendimentos de capitais, rendimentos prediais, mais-valias e comissões), ainda que se encontrem sujeitas à generalidade dos deveres acessórios previstos no Código do IRC e ao pagamento do imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma e do imposto incidente sobre os rendimentos não excluídos.
Importa realçar ainda que o regime especial de tributação acima descrito se aplica, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, aos fundos de investimento e às sociedades de investimento "que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional". Todavia, de acordo com a interpretação sufragada pela Administração Tributária na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, esta norma determinaria que o regime especial só se aplicaria aos organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa e que, cumulativamente, tenham sido constituídos de acordo com a legislação nacional, de tal modo que ficariam excluídos do seu âmbito subjetivo de aplicação todos organismos de investimento coletivo que foram constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, mesmo que sejam equiparáveis aos organismos de investimento coletivo portugueses e operem de acordo com a legislação portuguesa na medida em que tenham atividade em território nacional.
Assim sendo, a única interpretação daquela norma que se coaduna com a liberdade de circulação de capitais e com a liberdade de estabelecimento é a que lhe atribui o efeito de sujeitar ao regime especial de tributação do rendimento dos organismos de investimento coletivo todos os fundos de investimento e sociedades de investimento que se constituam e operem de acordo com a lei portuguesa, e, bem assim, todos os fundos de investimento e sociedades de investimento que foram constituídos noutro Estado-Membro da União Europeia e estão parcialmente sujeitos à lei portuguesa, na medida em que operam em território nacional.
De outro modo, a norma viola o princípio da proibição da discriminação em função da nacionalidade ou da residência, bem como os princípios da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento, consagrados nos artigos 63.º e 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Embora o Tratado não defina o conceito de movimento de capitais, a nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE permite incluir no seu âmbito os investimentos imobiliários e, mais precisamente, os investimentos imobiliários efetuados no território nacional por não-residentes. E, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as medidas proibidas pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE incluem todas aquelas que potencialmente possam dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados.
Nestes termos, a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE "não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes, em função do lugar onde residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais, é automaticamente compatível com o Tratado". E tal como sucede relativamente à liberdade de circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento, as restrições só são admissíveis se houver uma justificação atendível.
Atentas as premissas expostas, a não aplicação à Requerente do regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do EBF traduz-se numa discriminação proibida à luz do disposto nos artigos 49.º e 63.º do TFUE, na medida em que estará sujeita a tributação sobre a totalidade do seu lucro tributável obtido em Portugal, nos termos previstos nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b), 3.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 2, do Código do IRC, enquanto que as suas congéneres portuguesas beneficiam da exclusão da generalidade dos seus rendimentos do cálculo do lucro tributável e encontram-se totalmente isentas de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos previstos no artigo 22.º, n.º s 3 e 6, do EBF.
E se se entender que o regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do EBF não lhe é aplicável será de concluir que essa disposição viola os princípios da igualdade (na vertente da proibição da discriminação) e o princípio da justiça tributária, consagrados nos artigos 5.º e 55.º da Lei Geral Tributária e nos artigos 13.º, n.º 2, e 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de Janeiro, procedeu à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando a redacção do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituem e operem de acordo com a legislação nacional, estabelecendo para esses sujeitos passivos de IRC uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS e uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 dessa norma. O que significa que esse regime de tributação não é aplicável a uma pessoa coletiva que opere no território nacional, mas se encontra constituída segundo o direito francês.
A Requerida não ignora que os artigos 63.º e seguintes do TFUE consagram o princípio da liberdade de circulação dos capitais e a proibição de adopção de medidas restritivas. Todavia, artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do Tratado permite que os Estados-Membros apliquem "as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido".
Por outro lado, a Requerida encontra-se vinculada ao princípio da legalidade, não lhe competindo apreciar a desconformidade das normas internas com o TFUE, nem apreciar a sua constitucionalidade, pelo que, encontrando-se vinculada ao princípio da legalidade, não pode desaplicar normas por suposta violação do direito europeu ou da Constituição da República, competência essa que apenas é atribuída aos tribunais.
Acresce ainda que, a jurisprudência invocada pela Requerente respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, com o TFUE. E, por outro lado, o Tribunal de Justiça tem aceite que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes."
Caso assim se não se entenda, a Autoridade Tributária requer o reenvio prejudicial para o TJUE para de dirimir a questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia que está subjacente ao objecto do processo.
2. No seguimento do processo, foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à inquirição da testemunha indicada pela Requerente, tendo-se determinado, na sequência, o prosseguimento do processo para alegações por prazo sucessivo.
Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.
Face à necessidade de aguardar o decurso do prazo para alegações e o reduzido tempo disponível para a preparação da decisão arbitral, findo esse prazo, o tribunal prorrogou o prazo inicialmente previsto por dois meses, nos termos do disposto no artigo 21,º n.º 1, do RJAT.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente. Os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15 de Julho de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é a sucursal portuguesa da A... (anteriormente designada B...), um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier (SPCI) para o exercício da atividade de aquisição e gestão de património imobiliário destinado ao arrendamento (documentos n.ºs 3, 4 e 5 juntos com o pedido arbitral);
B) A Requerente é uma sociedade civil de capital variável que se rege pelos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil Francês, pelos artigos L214 e R.214 do Código Monetário e Financeiro Francês e pelo Regulamento Geral da Autoridade dos Mercados Financeiros Francês, e, bem assim, pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo consagrado na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (documento n.º 5):
C) A Requerente dedica-se ao investimento coletivo em património imobiliário, através da contribuição de vários investidores, de acordo com a política de investimento definida pela respetiva sociedade gestora e em obediência a um princípio de repartição de riscos (documentos 7 e 8);
D) A Requerente tem a sua atividade sujeita a autorização do regulador competente, a Authorité des Marchés Financiers (AMF), que lhe emitiu o visto S.P.C.I. n.º ...-..., de 24 de julho de 2012 (documento n.º 9);
E) A Requerente é gerida por uma sociedade gestora de fundos de investimento, a C..., matriculada no Registo de Comércio e de Sociedades de Paris sob o n.º..., autorizada e sujeita à supervisão da referida AMF (documentos n.ºs 3 a 9);
F) A Requerente é uma entidade equiparável às sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas constituídas em Portugal nos termos previstos na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, desempenha o mesmo papel económico que essas entidades, concorrendo com elas pela angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus investidores o mesmo tipo de condições de mercado (documentos 7 e 8);
G) Em 27 de junho de 2018, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2017 (documento n.º 2);
H) Em resultado da aplicação do regime geral de tributação, apurou em autoliquidação matéria coletável não isenta no valor de € 1.957.670,44, IRC no montante de € 410.510,79, derrama estadual no montante de € 13.730,11 e derrama municipal no montante de € 29.365,06, perfazendo a coleta total de € 453.605,96 (documento n.º 2);
I) Se tivesse sido aplicado o regime especial previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativo à tributação do lucro dos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, a Requerente teria apurado a colecta de € 0,00, uma vez que todos os rendimentos auferidos e todos os gastos incorridos no período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2017 se encontrariam excluídos do cálculo do lucro tributável (documento n.º 10);
J) Em 24 de outubro de 2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação, por entender que lhe devia ser aplicado o regime especial consignado no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (documento n.º 11);
L) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor de finanças adjunto da Direção de finanças de Lisboa, datado de 11 de janeiro de 2019 (documento n.º 1);
M) A reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos que constam do documento n.º 1, que aqui se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:
(...)
V. Análise do pedido e parecer
1- A Reclamante, não residente fiscal em Portugal com estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artº 2.º do CIRC, incidindo o imposto sobre o lucro imputável ao seu estabelecimento estável (Sucursal) nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 3 e art.º 5.º, ambos do CIRC, o qual é determinado nos termos do disposto no art.º 55.º do CIRC.
Quanto à aplicação à Reclamante dos benefícios previstos nos n.ºs 3 e 6 do art.º 22.º do EBF, no que diz respeito ao apuramento do lucro tributável e isenção das derramas municipal e estadual, cumpre dizer o seguinte.
2- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015''.
3- Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de
capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal.
4- Regime de tributação este, não aplicável à reclamante - pessoa coletiva de direito francês -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação.
5- A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE, concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.
6- Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que c seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.
7- Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta, embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado.
8- Cumpre referir que, não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artº 281.º da CRP.
9- E, por outro lado, não pode a AT, aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE. quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
10- Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pela Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE.
11- Todavia, e sem conceder, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, (...) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)" considerando a autora que "A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação Interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.
12- Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.
N) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 10 de Abril de 2019.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e na prova testemunhal produzida em audiência.
Matéria de direito
5. Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento e às sociedades de investimento "que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional", nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, deve ser interpretado conforme o direito europeu, e, se assim se não entender, viola o princípio da proibição da discriminação em função da nacionalidade ou da residência, bem como os princípios da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento, consagrados nos artigos 63.º e 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A Autoridade Tributária contrapõe que o regime de tributação previsto no artigo 22.º do EBF, no sentido literal do seu n.º 1, não é aplicável a uma pessoa coletiva que opere no território nacional mas foi constituída segundo o direito francês, acrescentando que, encontrando-se vinculada, enquanto entidade administrativa, ao princípio da legalidade, não lhe compete desaplicar normas por suposta violação do direito europeu ou do direito constitucional.
Refere, em todo o caso, que o Tribunal de Justiça tem aceite que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes.
A questão que nestes termos vem colocada foi já analisada na decisão arbitral de 19 de Setembro de 2019, tirada no Processo n.º 194/2019-T - em que era Requerente a mesma entidade e que incidia sobre o período de tributação de 2015 – e não há motivo para alterar o entendimento que aí foi sufragado.
O citado artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
(…).
Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento colectivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno mas tenham sido constituídos segunda legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.
A exigência cumulativa de os organismos de investimento coletivo terem sido constituídos e actuarem de acordo com a legislação nacional, tal como resulta dessa disposição, não permite efectuar uma interpretação conforme ao direito europeu, em termos de se entender que o âmbito de incidência subjectiva da norma poderia abranger os organismos de investimentos colectivo que operem em Portugal ainda que se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro. Isso porque uma interpretação conforme apenas tem lugar se for admissível à luz das regras de hermenêutica jurídica, ou seja, se essa for uma das interpretações plausíveis da norma de direito interno, sob pena de a interpretação se converter em verdadeira modificação do sentido da lei.
A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da discriminação em função da nacionalidade ou da residência, bem como os princípios da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento.
6. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é sucursal portuguesa de um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier, constituída ao abrigo do direito francês, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas, efectuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.
Alega a Requerente, neste contexto, que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF se torna incompatível com o princípio da proibição da discriminação em função da nacionalidade ou da residência, bem como os princípios da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento, consagrados nos artigos 18.º, 63.º e 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade apenas deve ser objecto de aplicação autónoma quando esses mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito ao estabelecimento previsto no artigo 49.º ou da livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).
O artigo 49.º proíbe as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro, abrangendo igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro. Ainda nos termos do artigo 63.º, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Em relação à liberdade de circulação de capitais a que se refere o artigo 63.º do TFUE, o TJUE esclareceu já o seu âmbito de aplicação, em caso similar ao dos presentes autos, através do acórdão do TJUE de 10 de Abril de 2014, proferido no processo n.º C-190/12 de onde se extraem os seguintes considerandos:
38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).
39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).
40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.
41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.
42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado-Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o, já referido, n.º 17).
43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.
Com base nesta jurisprudência, e em situação em tudo idêntica à do presente caso, ainda que referente a um outro período de tributação, o citado acórdão arbitral proferido no Processo n.º 194/2019-T formulou o seguinte entendimento.
Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica, por paridade ou mesmo maioria de razão, esta jurisprudência do TJUE, pois, à face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o benefício fiscal não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.
Na verdade, as sociedades constituídas noutro Estado-Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro», desde logo porque tem de enfrentar a concorrência das sociedades que usufruem do benefício fiscal, ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.
É certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «a alínea a) do n. 1 do Art.º 65.º do TFUE, permite que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal».
Mas, como se refere no n.º 3 deste artigo 65.º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».
Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, como ressalta da decisão da reclamação graciosa e da posição assumida no presente processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que não é aventada qualquer justificação para a diferença de tratamento.
Por outro lado, se é certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)", também o é que no caso presente, actuando a Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.
Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, «para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral», se «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação».
Neste caso, não há qualquer norma da Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de Março, que permita neutralizar a maior tributação da Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, o que, aliás, nem sequer é aventado pelas Partes.
(…)
De harmonia com o exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.
Toda esta argumentação é inteiramente transponível para a situação do presente caso.
Como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos imobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).
O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento imobiliário que constituem e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.
Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Havendo de entender-se que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).
De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de Julho de 2015).
O acto de autoliquidação em IRC impugnado e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele apresentado são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.
Vícios de conhecimento prejudicado
7. Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMT, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Reenvio prejudicial
9. A Autoridade Tributária solicitou o reenvio prejudicial para o TJUE por considerar que não existe jurisprudência sobre a desconformidade do artigo 22.º do EBF com o direito europeu.
No entanto, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência aplicável à liberdade de circulação de capitais.
O Acórdão Cilfit (§16) afirma que a ausência de dúvida razoável implica estar o tribunal convicto de que a matéria é igualmente óbvia para outros tribunais de outros Estados-Membros tanto quanto para o TJUE. Apenas nesse caso poderá o tribunal nacional refrear o envio prejudicial, assumindo a responsabilidade de resolver, por si, a questão.
Não é de somenos importância para a formação de tal convicção a existência de um precedente na jurisprudência do TJUE que analisa as restrições ao movimento de capitais à luz do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE em situação similar à dos presentes autos.
Em primeiro lugar cite-se o acórdão do TJUE de 10 de Abril de 2014, proferido no processo n.º C-190/12. Ainda que esteja em causa um caso de entidade residente em país terceiro e a invocação de uma Convenção para Evitar e Eliminar a Dupla Tributação, os outros elementos fácticos são semelhantes e permitem a sustentação da comparabilidade. Aqui, trata-se de um caso da legislação da Polónia, o que permite activar a convicção de que os tribunais dos outros Estados Membros conhecem a posição do TJUE quanto à matéria.
Igualmente a orientação sufragada pelo TJUE no Acórdão Comissão Europeia c. Portugal (C-493/09, de 6 de outubro de 2011) auxilia a formação da convicção deste tribunal. Neste acórdão, especificamente sobre opção legislativa portuguesa semelhante, ainda que no domínio dos dividendos auferidos por fundos de pensões não residentes, o TJUE decidiu que “ao reservar o beneficio da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992”. Note-se que o regime em causa previa a diferenciação de tratamento fiscal entre entidades residentes e não residentes, limitando o benefício fiscal às entidades que se constituam e operem de acordo com a legislação portuguesa. Para essas previa-se isenção de IRC, algo não extensível, na interpretação do Estado Português, às entidades não residentes, mas residentes em Estado-Membro. Acresce ainda que nesse caso houve extensa invocação, por parte do Estado Português, de razões justificativas para o tratamento diferenciador, não tendo nenhuma delas colhido a aceitação do TJUE. Refira-se que actualmente o normativo em causa (artigo 16.º, n.º 1 do EBF) foi alterado em conformidade não procedendo actualmente à diferenciação.
Tudo o atrás exposto permite activar a aplicação da doutrina do acte clair. Ou seja, tendo-se já decidido em caso semelhante, não se justifica o reenvio prejudicial, porquando tenha havido pronúncia do TJUE sobre a mesma matéria ainda que as questões não sejam estritamente idênticas (acórdão de 6 de Outubro de 1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81, considerando 14).
Acresce ainda que no acórdão arbitral proferido no Processo n.º 194/2019, em que se coloca a mesma questão sobre o mesmo Requerente e mesma situação, embora referente a um outro período de tributação, o tribunal prescindiu de proceder ao reenvio prejudicial.
Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de autoliquidação de IRC impugnado, referentes ao ano de 20147, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto de liquidação;
b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 453.605,96, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Notifique.
Lisboa, 9 de Março de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro Vogal
João Taborda da Gama
A Árbitro Vogal
Rita Calçada Pires
(com Declaração de Voto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Ainda concordando com o sentido da decisão, manifesta-se defender-se análise dos factos também tendo em atenção a liberdade de estabelecimento. A necessidade de assumir dupla fundamentação surge por poder ser diferente ordem de análise dos factos, tendo em atenção a construção jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Explica-se.
Como escrito no presente acórdão, “A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da discriminação em função da nacionalidade ou da residência, bem como os princípios da liberdade de circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento.” Ou seja, a análise do contido no artigo 22.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) implica reconhecer a necessidade de avaliar o potencial impacto negativo em duas liberdades fundamentais previstas no Tratado de Funcionamento da União europeia (TFUE): a liberdade de circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento.
Ainda que seja assumida a liberdade de circulação de capitais como aquela que pode merecer maior atenção e através da qual a presente decisão apresenta a sua linha de argumentação, julgo relevante, ainda assim, atender ao impacto do artigo 22.º, n.º 1 do EBF na liberdade de estabelecimento.
Tal análise não só poderia fortalecer a decisão, contribuindo para maior coerência argumentativa, como igualmente julgo ser adequada por forma a justificar a existência de um verdadeiro acte clair, base para desconsiderar o pedido de reenvio prejudicial manifestado por uma das partes e aplicar o decorrente de prévia interpretação judicial do TJUE.
Como referido, no caso em apreço é invocado tanto o seu impacto na liberdade de estabelecimento quanto o impacto na liberdade de circulação de capitais. Aqui, como em múltiplas outras situações, ocorre a combinação e sobreposição das duas liberdades em análise. A criação de uma sucursal e o desenvolvimento de actividade económica através desta implica, usualmente, que tanto a liberdade de estabelecimento quanto a liberdade de circulação de capitais estejam activadas e ocorram em paralelo. Pode-se inclusivamente afirmar haver sobreposição pelo tipo de protecção quer à actividade (liberdade de estabelecimento) como ao investimento decorrente do desenvolvimento da actividade após o estabelecimento (liberdade de circulação de capitais).
Nestas circunstâncias, ainda que diferentes, à partida, não tende a existir qualquer questão de prioridade de um dos tipos de liberdade em face do outro por não haver diferenças materiais nos resultados obtidos (cfr. e.g. WOLFGANG SCHÖN, Free Movement of Capital and Freedom of Establishment, Max Planck Institute for Tax Law and Public Finance Working Paper 2015 – 03). Auxilia este raciocínio o facto de, no caso em apreço, não haver a invocação de uma situação com entidade de país terceiro. Não estando em causa a verificação do impacto em face de países terceiros, não tende a existir diferença em analisar a liberdade de circulação de capitais ou a liberdade de estabelecimento em primeiro lugar.
Todavia, pode afirmar-se dever ser o critério prioritário o da maior relevância e maior proximidade à matéria de facto, entendendo-se, usualmente, que o impacto nessa liberdade trará impacto extensível aquela que a si está igualmente ligada e presente (cfr. WOLFGANG SCHÖN, Free Movement of Capital and Freedom of Establishment, Max Planck Institute for Tax Law and Public Finance Working Paper 2015 – 03).
Tendencialmente a maior ligação ocorre, para a liberdade de estabelecimento, quando a norma nacional pretende regular uma actividade profissional ou comercial e, para a liberdade de circulação de capitais, quando a legislação nacional promove, em primeira linha, o investimento e o acto de investir em si mesmo considerado.
O TFUE não oferece nenhuma regra de prevalência para a análise quando são duas as liberdades em causa. Porém, o TJUE, por várias vezes, formulou posição em relação ao tema, tendo inclusivamente a sua jurisprudência evoluído até ao momento. Pode mesmo afirmar-se ser vasta a doutrina do TJUE sobre a relação de primazia entre as duas liberdades em questão neste caso, sendo possível encontrar orientações quanto a qual das liberdades deve ser primeiramente analisada, quando simultaneamente sejam suscitadas.
Muitos são os casos trabalhados numa área paralela à do caso presente – limitações legais nacionais consoante a percentagem da participação societária -, porém, da multiplicidade dos casos, ao longo dos tempos, verifica-se ausência de uma direcção inequívoca. Se é certo que, nos primeiros casos em que a temática surgiu, o TJUE não indicou qualquer precedência (e.g. Acórdão Bachmann - C-204/90, de 28 de Janeiro de 1992), em outros casos o TJUE foi, ora optando por uma doutrina de domínio (Acórdão Canal Satélite Digital - C-390/99, de 22 de Janeiro de 2002), defendendo a análise da liberdade predominante e prioritária e prescindindo do exame da liberdade secundária. Contudo, não existe definitividade no raciocínio apresentado.
Quanto a saber qual é a liberdade prioritária, o TJUE tem oscilado nos critérios utilizados. Por exemplo, no Acórdão X e Y (Case C-200/98, 18 de Novembro de 1998) o TJUE apenas analisou, sem justificar, a liberdade de estabelecimento. Porém, já no Acordão Konle (C-302/97, 1 de Junho de 1999), o TJUE apenas analisou a liberdade de circulação de capitais, novamente sem justificar. No acórdão Cadbury Schweppes (C-196/04,
12 de Setembro de 2006) o TJUE afirmou mesmo que os efeitos restritivos na liberdade de circulação de capitais eram inevitáveis consequências das restrições à Liberdade de estabelecimento e não justificavam análise independente. Porém, no Acórdão Glaxo Wellcome (Case-182/08, de 17 de Setembro de 2009), já afirma que apenas a liberdade de circulação de capitais deve ser analisada, utilizando uma expressão usual na sua jurisprudência de que a os efeitos restritivos na liberdade de estabelecimento são consequências inultrapassáveis de qualquer restrição à liberdade de capitais. Acumula à dúvida ainda a posição demonstrada pela Advogada-Geral Kokoot no Acórdão SGI (C-311/08, de 21 de Janeiro de 2010 – opinião de 10 de Setembro de 2009, §36 a 38). Aí afirma-se a possibilidade de apenas uma das liberdades ser o mote da análise, permitindo-se ausência de análise da questão pelo prisma de uma das liberdades, uma vez que se tratava de caso em que ocorria impacto em entidade de terceiro país.
Assim, poderá haver espaço para afirmar ora a primazia da liberdade de estabelecimento em detrimento da liberdade de circulação de capitais, ora a primazia da liberdade de circulação de capitais em detrimento da liberdade de estabelecimento.
Atendendo à dúvida quanto à primazia da análise, e aplicando o raciocínio ao caso em causa, defende-se que também teria sido relevante o colectivo ter analisado e fundamentado o resultado com base também no impacto negativo da norma do EBF na liberdade de estabelecimento. Não que se fosse chegar a diferente conclusão, mas em nome da sistematização e da clareza da fundamentação da decisão, julga-se importante essa análise. Sobretudo quando está em causa aplicação directa de Direito da União Europeia, em especial, aplicação da doutrina do acte clair.
Tenho então em atenção que à fundamentação apresentada se deveria ter incluído a demonstração de que o artigo 22.º, n.º 1 do EBF igualmente contraria a liberdade de estabelecimento. Demonstra-se.
O artigo 49.º proíbe as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro, abrangendo igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro.
A liberdade de estabelecimento é orientada em prol da protecção da actividade económica e seus agentes. E neste domínio é relevante atender à diferença entre a actividade económica através de um Estabelecimento Estável e através de presença frugal e não enraizada. Ao ocorrer a selecção, por parte do agente económico, de intervenção através de um estabelecimento estável, tal implica a existência de um espírito de relação de longo termo, implica a tendencial presença duradoura no Estado-Membro. Algo não comparável a outros tipos de intervenção não estabelecidas em território de outro Estado-Membro. Esta distinção é relevante para oferecer justificação ao tratamento equiparado entre sucursais (tendencialmente consideradas Estabelecimentos Estáveis à luz dos critérios legais) e outros tipos de intervenção menos consistentes e projectados no tempo.
Esta construção é sustentada pelo TJUE em múltipla da sua jurisprudência. A título de exemplo, cite-se o expresso no Acórdão Cadbury Schweppes (C-196/04, de 12 de setembro):
“52. Para a apreciação do comportamento do contribuinte há que ter especialmente em conta o objectivo prosseguido pela liberdade de estabelecimento (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Centros, n.° 25, e X e Y, n.° 42).
53.EsseobjectivoéodepermitirqueumnacionaldeumEstado-Membroconstituaum estabelecimento secundário noutro Estado-Membro para aí exercer as suas actividades e favorecer assim a interpenetração económica e social no interior da Comunidade no domínio das actividades não assalariadas (v. Acórdão de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74, Colect.,p. 325, n.° 21). A liberdade de estabelecimento visa, para essa finalidade, permitir que um nacional comunitário participe, de modo estável e contínuo, na vida económica de um Estado-Membro diferente do seu Estado de origem e dela retire benefício (acórdão de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C-55/94, Colect.,p. I-4165, n.° 25)
54 .Tendo em conta esse objectivo de integração no Estado-Membro de acolhimento, o conceito de estabelecimento, na acepção das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, implica a prossecução efectiva de uma actividade económica, através de um estabelecimento fixo nesse Estado por um período indefinido (v. Acórdãos de 25 de Julho de 1991, Factortame e o., C-221/89, Colect., p. I-3905, n.° 20, e de 4 de Outubro de 1991, Comissão/Reino Unido, C-246/89, Colect.,p. I-4585, n.° 21). Por conseguinte, pressupõe uma implantação real da sociedade em causa no Estado-Membro de acolhimento e o exercício de uma actividade económica efectiva neste.”
Ora, como no presente acórdão se demonstrou, o artigo 22.º, n.º 1 do EBF diferencia o regime fiscal consoante a entidade em causa seja ou não residente em Portugal. Não se identifica qualquer outro elemento distintivo. Aquilo que apenas surge é o critério da residência ou da não residência. Ou seja, analisando a norma, verifica-se ser a actividade desenvolvida a mesma e ser o regime legal aplicável às entidades em causa o mesmo. Igualmente não se encontra qualquer outra excepção significativa, designadamente, não se vislumbra nenhuma excepção quanto à sujeição à mesma entidade reguladora tanto das entidades residentes como das entidades não residentes, tal como não se identificam parâmetros de exigência diferenciados para a regulação da actividade desenvolvida. Insiste-se. Aquilo que se encontra como elemento justificador do diferente tratamento fiscal é apenas a diferença da residência e da não residência da entidade.
Da qualificação como entidade não residente, através de uma aplicação literal da norma, resulta um tratamento diferente para essa entidade, resultando esse tratamento na maior tributação da entidade não residente em face de uma entidade residente em exacta igualdade de circunstâncias. Ora, um tal tratamento diferenciador negativo parece ser susceptível de criar obstáculo ao exercício da liberdade de estabelecimento pelas sociedades não residentes, dissuadindo-as de constituir ou manter uma sucursal no território português, quando comparada com entidades residentes nas mesmas circunstâncias.
Como previsto no TFUE, apenas no caso de o Estado-Membro comprovadamente apresentar razões imperiosas capazes de demonstrar o interesse geral, se pode admitir a diferenciação de tratamento fiscal. Para tal, os juízos de adequação, necessidade e proporcionalidade têm de estar presentes e fundamentados expressamente (conforme jurisprudência do TJUE, e.g., Acórdãos Futura Participations e Singer - C-250/95, de 15 de Maio de 1997 -, De Lasteyrie du Saillant - C-9/02, de 11 de Março de 2004, - ou Marks & Spencer – C-466/03, de 13 de Dezembro de 2005).
Ora, em nenhum momento do processo a Requerida demonstrou a existência destes requisitos justificativos da norma legal em apreço.
O exposto demonstra que, mesmo que a fundamentação revele o impacto negativo no domínio da liberdade de circulação de capitais – aliás, o tipo de análise e de argumentação utilizado no Acórdão Comissão Europeia c. Portugal (C-493/09, de 6 de Outubro de 2011), situação paralela ao caso em apreço -, caso se defenda existir primazia de análise da liberdade de estabelecimento sobre a liberdade de capitais, o mesmo resultado seria atingido, como agora revelado.
Ainda que reconheça e concorde com o princípio legal de que o tribunal não deve conhecer das questões que fiquem prejudicadas pela solução de outras a si prévias, atendendo a que a jurisprudência do TJUE, em caso de presença simultânea, pode suscitar tanto interpretações de primazia da análise da liberdade de estabelecimento como de primazia da análise da liberdade de circulação de capitais, julgo essencial fundamentar a decisão, tando na violação da liberdade de estabelecimento como na liberdade de circulação de capitais, por forma a garantir a total aplicação da doutrina do acte clair ao artigo 22.º, n.º 1 do EBF e satisfazer a certeza e segurança jurídicas de uma adequada interpretação da jurisprudência do TJUE.
Rita Calçada Pires