DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
1 - Relatório
1.1 – A..., SA, contribuinte n.º ..., com sede na ..., ..., ..., em ..., doravante designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).
1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 7 de agosto de 2019, tem por objeto a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao ano de 2016, emitida pela AT em 8 de julho de 2019, a que respeita a demonstração de acerto de contas de IRC (ID 2019...) e respetivos juros compensatórios (liquidação n.º 2019...), respetivamente nos montantes de 8 843,83 € e 657,98 €, no montante global de 9 501,81 € (nove mil, quinhentos e um mil e oitenta e um cêntimos), com data limite de pagamento em 19 de agosto de 2019.
1.3 – Requer ainda a extinção dos processos de contraordenação fiscal n.ºs ...2019... e ...2019..., instaurados pela entidade competente.
1.4 – A Requerente optou por não designar árbitro.
1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 8 de agosto de 2019.
1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.7 - Em 26 de setembro de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 16 de outubro de 2019.
1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.
1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
1.11 - Em 19 de novembro de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção quanto à decisão de aplicação de sanções em processos de contraordenação fiscal (incompetência material do tribunal arbitral) cfr. artigos 3.º a 9.º do articulado, e por impugnação, pugnando pela procedência da exceção e improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação, com a consequente absolvição do pedido.
1.12 - Na mesma data juntou aos autos o processo administrativo referido no artigo 111.º do CPPT.
1.13 – Em 21 de novembro de 2019 foi proferido despacho, concedendo à Requerente o prazo de 10 dias para, querendo, responder à referida exceção, e informar se, face à posição assumida pela Requerida, mantém interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas e requerer a declaração de parte de B..., nos termos do n.º 1 do artigo 466.º do Código de Processo Civil, caso este seja administrador da Requerente.
1.14 – Em 29 de novembro de 2019 a Requerente vem indicar os factos a inquirir às testemunhas arroladas e as declarações a prestar pelo referido B..., administrador da sociedade.
1.15 – Requer ainda o desentranhamento da Resposta por a mesma haver sido apresentada extemporaneamente.
1.16 – Tendo em vista o exercício do contraditório, foi proferido despacho, em 2 de dezembro de 2019, determinando a notificação da Requerida para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, quanto ao alegado pela Requerente.
1.17 – O que aquela fez, por requerimento de 10 de dezembro de 2019, pugnando pelo indeferimento do peticionado pela Requerente.
1.18 – Por despacho de 11 de dezembro de 2019, foi indeferido o pedido de desentranhamento da referida peça processual.
1.19 – Por despacho de 21 de dezembro de 2019, foi designado o dia 29 de janeiro de 2020, pelas 10H45, para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a realizar nas instalações do CAAD, na qual foi produzida a prova requerida (testemunhal e por declarações de parte).
As Partes foram notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias, sendo designada a data de 15 de abril de 2020 para a prolação da decisão arbitral, em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Da reunião foi lavrada a respetiva ata, sendo a inquirição das testemunhas e as declarações de Parte realizadas com reprodução sonora dos depoimentos prestados.
1.20 – Não foram apresentadas alegações pelas Partes.
Posição das Partes
Da Requerente -
Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:
Que foi sujeita a uma ação inspetiva externa por parte da AT, com o objetivo de controlar as aquisições e transmissões intracomunitárias efetuadas à sociedade espanhola «C...», NIPC..., com sede em ... .
Mas a AT, debruçando-se sobre os gastos não admitidos com o combustível nas viaturas e máquinas industriais alugadas, não mencionou essa alteração no Relatório nem notificou a Requerente de tal alteração, pelo que não atuou dentro dos limites dos poderes que lhe foram atribuídos, desrespeitando os princípios do procedimento tributário em conformidade com o artigo 55.º da Lei Geral Tributária e do artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, desvirtuando princípios fundamentais do procedimento de inspeção tributária, como o do contraditório e da cooperação, conforme artigo 5.º e seguintes do RIT.
Assim, de acordo com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-09-2018 (Processo n.º 01460/17), a ação inspetiva em causa deve ser considera inválida e, em consequência, serem anulados os atos de liquidação adicionais em sede de IRC e IVA relativos ao exercício de 2016.
No âmbito da ação inspetiva, a AT não aceitou como gastos as faturas n.ºs 5, 7 e 8, emitidas pela “C...” em 01-07-2016, 20-09-2016 e 01-12-2016, respetivamente, no montante global de 20 750,00 € (vinte mil setecentos e cinquenta euros), com o argumento de que “é verdade que o sujeito passivo português apresentou os orçamentos, relativos aos serviços antes referidos, mas estes só por si não são suficientes para fazer prova de que realmente os serviços foram realizados”, e que “nos foi comunicado que a sociedade espanhola não possui estrutura para o exercício da sua atividade”. Contudo naquele exercício a mesma sociedade declarou o montante de 73.687,62€ a título de aquisições intracomunitárias de bens.
Pelo que “impele sobre a AT a obrigação e responsabilidade de densificar os fundamentos das suas deduções, (…) exigindo-se uma ponderação e reflexão sobre os motivos que fundamentam a prática de determinado acto”.
A AT também desconsiderou os gastos com combustíveis em máquinas alugadas pela Requerente, a qual deveria “(…) indicar o tipo de serviço, bem como os locais em que foram utilizados cada um dos veículos por mês, com a indicação das matrículas das respetivas viaturas, o nome dos clientes com a indicação do número de contribuinte, as faturas, os comprovativos dos respetivos meios de pagamento utilizados, em que conta bancária foram depositados os valores dos serviços prestados e listagem com a identificação do percurso e quilometragem do veículo no início e no termo do serviço realizado com referência à fatura ou documento que suportou a operação (…)”.
Muito embora a Requerente adote a figura de sociedade anónima possui uma pequena estrutura, sendo os procedimentos internos rudimentares e pouco eficientes, pelo que não lhe foi possível juntar a informação requerida no tempo disponibilizado, tendo sido a AT informada do sucedido.
A Requerente, no âmbito da sua atividade, utilizou diversos veículos matriculados e máquinas industriais (sem matrícula), que fazem parte do seu património. Porém, quando existam outros serviços contratados, como no caso, uma vez que se dedica sobretudo à valorização de resíduos metálicos e não metálicos, alugou veículos a outras entidades, nomeadamente à sociedade “D..., S.A.”, com a qual celebrou oito contratos de aluguer, conforme cópias que juntou bem como as respetivas faturas. Anteriormente estes veículos tinham sido objeto de venda por parte da Requerente à referida sociedade, no âmbito de uma restruturação financeira operada pela Requerente, face a dificuldades financeiras em manter as máquinas e veículos.
Porém para a AT, os gastos com o gasóleo dizem respeito a outras máquinas, que não consegue identificar, mas que, afirma, não são as que foram alugadas à «D..., S.A.», sendo à Requerente difícil de discriminar em faturas de suporte separadas o combustível de cada um dos veículos abastecidos, considerando a sua estrutura e tipo de atividade. Com efeito a Requerente adquire em média mais de 400 litros de combustível por dia que depois utiliza em todos os veículos e máquinas industriais, quer os que são da sua propriedade quer os alugados, assim como os matriculados e os não matriculados.
Para determinar o gasto anual com o combustível consumido por cada veículo alugado, a Requerente baseia-se no número de quilómetros efetuados; no consumo anual provável a cada 100 km; e ainda no preço do combustível, tendo concluído que, no ano de 2016, o combustível consumido pelos oito veículos alugados à “D..., S.A.” importou em 25 591,89 €. Admite que uma gestão criteriosa e precisa dos gastos com o combustível é praticamente impossível, considerando a sua estrutura bem como a forma de utilização de combustível nas máquinas e veículos, na medida em que não adquire combustível apenas para um veículo em concreto, ou seja, que não se desloca apenas com uma viatura a um posto de combustível, abastece e solicita a emissão da fatura com aquela matrícula concreta. Isto é, que o abastecimento é feito por colaboradores da Requerente, sendo por vezes colocado nas faturas emitidas matrículas que se referem ao veículo que serviu, única e simplesmente para transportar aquela quantidade de litros de combustível para as instalações da Requerente ou para os locais onde se encontram as máquinas a trabalhar.
Deste modo a Requerente admite que o valor alocado aos veículos alugados não se encontra correto, pelo contrário, até deveria ser muito superior, como pela mesma demonstrado, sendo certo que todo o gasóleo referido nas faturas lançadas na contabilidade é por ela consumido.
Estima em 52 800,00 € o custo do combustível consumido nas máquinas não matriculadas, sendo que as sobras são utilizadas nos oito veículos com matrícula que são propriedade da Requerente, e que se encontravam no seu imobilizado.
A Requerente considera que os veículos foram utilizados em regime de locação e não foram ultrapassados os consumos normais, sendo cumpridas as condições elencadas no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea j) do CIRC, encontrando-se plenamente justificado o gasóleo consumido pelo número de veículos e máquinas e pela média do consumo de cada um, devendo tais gastos ser aceites para efeitos de tributação em sede de IRC.
Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso:
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Pela anulação, por inválida, da ação inspetiva realizada pela AT - Direção de Finanças de ..., com o n.º de ordem de serviço OI2018...;
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Pela anulação do ato de liquidação adicional do IRC relativo ao exercício de 2016, decorrente da desconsideração das aquisições intracomunitárias consubstanciadas nas faturas n.ºs 5, 7 e 8, no montante de 20 750,00€, bem como dos encargos com combustível consumido pelos veículos alugados à sociedade “D..., S.A.”, no montante de 19 287,72€, por vício de falta de fundamentação, bem como da liquidação dos respetivos juros compensatórios; e
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Extinção dos processos de contraordenação n.ºs ...2019... e ...2019..., instaurados pela entidade competente.
Da Requerida -
Defendendo-se por exceção, invoca os seguintes argumentos:
Que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido formulado pela Requerente quanto à extinção dos processos de contraordenação fiscal, uma vez que tal matéria não consta quer do RJAT, nomeadamente do artigo 2.º que define a competência dos tribunais arbitrais, quer do objeto da vinculação, prevista no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/11, de 22 de março.
Com efeito, de acordo com o referido artigo 2º do RJAT a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Que a instauração dos processos de contraordenação fiscal e termos subsequentes, encontra-se regulada no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), não cabendo no âmbito do RJAT nem na referida Portaria de Vinculação.
Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:
Que a Ordem de Serviço foi emitida para a análise de IVA e IRC, relativo ao período de 2016, pelo que está no seu âmbito a deteção de outras irregularidades além das atinentes às aquisições intracomunitárias. Deste modo inexiste qualquer ilegitimidade que possa ser assacada à ação inspetiva.
Quanto à desconsideração de gastos em aquisições intracomunitárias e combustíveis refere que, de acordo com o n.º 3 do artigo 23.º do CIRC, tais gastos para serem dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. E que, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo “No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; e e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados”.
Refere ainda que, de acordo com o n.º 6 do referido artigo 23.º do CIRC, quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.
Que o artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção de verdade das declarações do contribuinte, mas que essa presunção cessa, nos termos do mesmo artigo, quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Ou seja, encontrando a AT indícios fundamentados de falta de veracidade do declarado, o ónus probatório desloca-se para a esfera do contribuinte. Neste sentido cita o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 27-03-2012 (Processo n.º 05312/12) bem como o acórdão do Supremo tribunal Administrativo (STA) de 19-10-2016 (Processo n.º 0511/15).
Assim, quanto às aquisições intracomunitárias, os indícios que abalaram a presunção de veracidade das declarações da Requerente, foram a informação das autoridades espanholas (mais concretamente a Agência Tributária – Delegação Especial da Extremadura), de 19-09-2017, de que a C..., SL não possui estrutura para o exercício da sua atividade, sendo uma “entidade fantasma”, e o facto de o actual administrador da Requerente ser também o proprietário e administrador da C... (além de familiar dos anteriores administradores da Requerente).
Quanto aos encargos com combustíveis refere que, de acordo com o disposto no artigo 23.º-A do CIRC, para serem fiscalmente aceites mostra-se necessário que sejam consumidos em bens pertencentes ao ativo imobilizado da Requerente ou por ela utilizados em regime de locação e que não sejam ultrapassados os consumos normais. Porém, estes, não podem ser “aquilatados pela AT, pois a Requerente não trouxe documentos comprovativos de qual foi o veículo abastecido com combustível, para que a AT pudesse fazer uma comparação com outros veículos de características semelhantes”, apesar de aceita a prorrogação para a apresentação de tais documentos e ter tido a oportunidade de o fazer aquando do direito de audição do projeto de relatório de inspeção.
O Requerente escuda-se na sua organização interna rudimentar e pouco eficiente, apresentando talões ilegíveis, sem qualquer indicação de matrícula do automóvel, ou com menções efetuadas posteriormente à emissão do documento, não havendo indicação das obras ou serviços a que os veículos estiveram afetos ou a identificação dos clientes, de modo a permitir aferir a quilometragem de cada veículo balizada por datas (por exemplo, serviços de oficina), sendo deste modo impossível fazer corresponder os gastos com combustível aos veículos utilizados pelo Requerente.
Termina pugnando pela procedência da exceção invocada e improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados, uma vez que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos.
2. Saneamento
2.1 – Nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º do CPC, deverão as mesmas ser oficiosa e prioritariamente conhecidas.
Exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral (artigo 89.º, n.º 4, alínea a) do CPTA):
Para a Requerida o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido formulado pela Requerente, no que respeita à extinção dos processos de contraordenação fiscal instaurados com os n.ºs ...2019... e ...2019... pelo Serviço de Finanças de ..., o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
Com efeito, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”.
Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos administrados pela mesma.
Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de atos que são objeto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT.
No caso em apreço estão em causa procedimentos respeitantes a processos de contraordenação fiscal, regulados pelo Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, procedimentos esses que não se inserem em nenhuma das alíneas do artigo 2.º do RJAT.
Deste modo procede a exceção de incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
2.2 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
2.3 - O processo não enferma de nulidades.
2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Matéria de Facto
3.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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Em 31 de maio de 2017 a Requerente apresentou a declaração de rendimentos do modelo 22 de IRC, identificada com o n.º..., relativa ao exercício de 2016, apresentando um lucro tributável no montante de 10 883,51€, cfr. pp. 211/216 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
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No campo 752 do quadro 07, destinado a outros acréscimos, não foi declarado qualquer montante, cfr. pág. 213 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Igualmente foi entregue pela Requerente a declaração anual de informação contabilística e fiscal, cfr. pág. 58 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Tendo por base a Proposta de Inspeção n.º PI..., por despacho da Chefe da Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., de 16 de abril de 2018, no uso de competência delegada do Diretor de Finanças de ..., foi determinada a abertura da ordem de serviço externa em sede de IRC e IVA, para os exercícios de 2015 e 2016, de âmbito parcial, tendo em vista o procedimento de inspeção à Requerente, cfr. pág. 1 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Quanto ao âmbito do procedimento de inspeção, relativamente ao ano de 2016, foi referido o seguinte: “No que diz respeito ao ano de 2016, a nível de VIES, a sociedade A... declara ter efetuado Transmissões Intracomunitárias, no montante de 26.500,00. Todavia na empresa espanhola C..., NIF..., consta o valor de 51.550,00 a nível de aquisições intracomunitárias, relativas a bens/prestações de serviços adquiridos ao sujeito passivo português. Em face do descrito, deverá ser aberta ordem de serviço externa em sede de IRC/IVA, para o ano de 2016. À consideração Superior. O Inspetor Tributário”, cfr. pág. 2 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Por despacho da entidade referida na alínea d) supra, de 26-04-2018, proferido nos termos do artigo 46.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), foi determinado o procedimento externo de inspeção à Requerente, de âmbito parcial e relativa ao IRC e IVA do ano de 2016, com base na ordem de serviço n.º OI2018..., cfr. pág. 5 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Em 07 de novembro de 2018 a Requerente tomou conhecimento do conteúdo da Ordem se Serviço, sendo-lhe entregue uma cópia, cfr. pág. 5 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Pelo ofício n.º ... dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de..., de 26-09-2018, a Requerente foi notificada, nos termos da alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49.º do RCPITA, “de que, a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos serviços de Inspeção tributária. A visita do(s) técnico(s) tem como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias e terá o âmbito e extensão a seguir indicados:
Refere ainda o citado ofício de que “A eventual alteração, ao âmbito e extensão da ação inspetiva, resultará de despacho fundamentado da entidade que a ordenou (artigo 15.º do RCPITA“, cfr. pág. 4 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Em 15-01-2019 a Requerente foi notificada na pessoa de E..., NIF..., administrador único, para, no prazo de cinco dias, remeter à Direção de Finanças de ... determinados elementos ou esclarecimentos relacionados com encargos com combustíveis consumidos por veículos pertencentes ao seu ativo, como a seguir se refere:
cfr. pp. 45/46 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
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Em 19 de janeiro de 2019 a Requerente vem solicitar que o prazo para entrega dos documentos solicitados fosse prorrogado por cinco dias, cfr. pág. 33 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
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Em 26 de janeiro de 2019 a Requerente vem informar que, por se tratar de uma pequena empresa e com poucos funcionários, não conseguia satisfazer o pedido formulado pela Direção de Finanças de ..., cfr. pág. 34 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
Em 01 de abril de 2019 foi elaborado o projeto de conclusões do relatório de inspeção tributária, cfr. pp. 56/63 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, referindo a parte com mais relevância para os presentes autos, o seguinte:
Conta 62421113 – Viaturas Alugadas
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Gastos não aceites fiscalmente
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Doc. interno
n.º
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Data Doc.
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Descrição
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Valor
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94
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31-01-2016
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Av. 107
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€3.977,26
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83
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29-02-2016
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Av. 163
|
€1.258,54
|
68
|
31-03-2016
|
Av. 254
|
€1.051,22
|
27
|
30-04-2016
|
Av. 335
|
€1.367,48
|
28
|
30-04-2016
|
Av. 336
|
€351,22
|
67
|
30-06-2016
|
Av. 472
|
€1.833,33
|
41
|
31-07-2016
|
Av. 562
|
€2.244,72
|
53
|
31-08-2016
|
Av. 631
|
€1.977,24
|
55
|
31-08-2016
|
Av. 633
|
€147,51
|
105
|
30-09-2016
|
Av. 721
|
€1.795,93
|
106
|
30-09-2016
|
Av. 722
|
€32,59
|
107
|
30-09-2016
|
Av. 723
|
€110,15
|
77
|
31-10-2016
|
Av. 792
|
€1.175,61
|
101
|
30-11-2016
|
Av. 858
|
€190,26
|
102
|
30-11-2016
|
Av. 857
|
€997,56
|
108
|
31-12-2016
|
Av. 940
|
€489,43
|
109
|
31-12-2016
|
Av. 935
|
€287,67
|
TOTAL
|
€19.287,72
|
1.3 Lucro Tributável Corrigido
Lucro Tributável Corrigido
|
Lucro Tributável Declarado
Prestações de Serviços
Gastos não aceites fiscalmente
Lucro Tributável Corrigido
|
€10.883,51
€19.287,72
€20.750,00
€50.921,23
|
M) No projeto de conclusões do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) vem referido, a pág. 3 (55 do PA), o seguinte:
II.2. Motivo, âmbito e Incidência temporal
Esta ação externa foi selecionada a nível distrital, tendo como objetivo “O controlo das Aquisições e das transmissões intracomunitárias efetuadas pela sociedade portuguesa “A..., SA” à sociedade espanhola “C...”, com o NIPC: ...”.
O seu âmbito é parcial/univalente – IRC e IVA, nos termos dfa alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA, abrangendo o período de 2016, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo.
N) O projeto de RIT mereceu os seguintes pareceres, cfr. pp. 4950 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
Do chefe de Equipa – “O procedimento inspetivo tem um âmbito parcial, abrangendo o IRC/IVA do período de 2016, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira-RCIPTA, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo. Está na génese do mesmo quer a situação de reporte de IVA em períodos sucessivos e sem pedido de reembolso, quer as operações intracomunitárias efetuadas com o sujeito passivo espanhol C..., SL. A análise efetuada aos elementos contabilísticos permitiu concluir por omissões e inexatidões as quais dão origem a correções aritméticas com reflexos no resultado sujeito a tributação e imposto sobre o valor acrescentado. Das correções efetuadas, será o sujeito passivo notificado para nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, exercer. À consideração superior. ..., 2 de Abril de 2019. O Inspetor Técnico Assessor”.
Da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, no uso de competência delegada pelo Diretor de Finanças de ... – “Visto. Concordo com as conclusões e propostas de tributação evidenciadas no Projeto de Relatório de Inspeção Tributária que antecede, na sequência da análise efetuada e do parecer emitido, face aos factos localizados e objeto de análise. Notifique-se para efeitos e nos termos dos art.ºs 60.º da LGT e do RCIPTA. DF ..., 2019-04-02. A Chefe de Divisão”.
O) Pelo ofício n.º ... dos referidos serviços de inspeção tributária, de 02-04-2019, foi a Requerente notificada do projeto de conclusões do relatório para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de audição nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, cfr. pág. 48 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
P) Tendo decorrido o prazo concedido pela AT para o sujeito passivo e ora Requerente se pronunciar sobre o projeto do referido RIT, e não o tendo feito, foi emitido o seguinte parecer do inspetor tributário assessor e o despacho da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, no uso de competência delegada pelo Diretor de Finanças de ..., sendo mantidas as correções projetadas, cfr. pp. 81/82 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas:
Do chefe de Equipa – “O procedimento inspetivo tem um âmbito parcial, abrangendo o IRC/IVA do período de 2016, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira-RCIPTA, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo. Está na génese do mesmo quer a situação de reporte de IVA em períodos sucessivos e sem pedido de reembolso, quer as operações intracomunitárias efetuadas com o sujeito passivo espanhol C..., SL. A análise efetuada aos elementos contabilísticos permitiu concluir por omissões e inexatidões as quais dão origem a correções aritméticas com reflexos no resultado sujeito a tributação e imposto sobre o valor acrescentado. Das correções efetuadas, foi o sujeito passivo notificado para nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, exercer, querendo, o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária. Decorrido o prazo para o exercício do mesmo, o sujeito passivo não se pronunciou, pelo que as correções projetadas se tornem definitivas, recolhendo-se documento de correção único. Foi levantado auto de notícia. ..., 30 de Abril de 2019. O Inspetor Tributário Assessor”.
Da Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, no uso de competência delegada pelo Diretor de Finanças de ...– “Concordo com as conclusões e propostas de tributação evidenciadas no Relatório de Inspeção Tributária que antecede, face aos factos localizados e objeto de análise no âmbito da ação inspetiva realizada. Proceda-se em conformidade com o parecer subsequente ao referido Relatório. Notifique-se para efeitos e nos termos do art.º 62.º do RCIPTA. DF ..., 2019-04-30. A Chefe de Divisão”.
Q) Por carta registada com o código n.º RH...PT, de 30-04-2019, a Requerente foi notificada do RIT, nos termos do n.º 2 do artigo 62.º do RCPITA, cfr. pág. 102 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida:
R) O procedimento inspetivo teve início em 07-11-2018, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do RCPITA (data do recebimento de cópia da ordem de serviço) e terminou em 03 de abril de 2019, nos termos do n.º 2 do artigo 62.º do mesmo diploma (data da notificação da relatório de inspeção tributária – RIT), cfr. pp. 5 e 103 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
S) Em 08-07-2019 foi efetuada a liquidação n.º 2019 ... do ano de 2016, ora impugnada, a que respeita a demonstração de acerto de contas de IRC (ID 2019...) e respetivos juros compensatórios (liquidação n.º 2019...), respetivamente nos montantes de 8 843,83 € e 657,98 €, no montante global de 9 501,81 € (nove mil, quinhentos e um mil e oitenta e um cêntimos), com data limite de pagamento em 19 de agosto de 2019;
T) A sociedade espanhola “C..., S.L.”, NIPC: ..., com sede na ..., n.º..., Pl..., em ..., emitiu as seguintes faturas em nome da cliente “A..., S.A.”:
Fatura n.º 5, de 01-07-2016, no montante de 4 000,00€, relativa a 800 m2 de “pave”;
Fatura n.º 7, de 20-09-2016, no montante de 5 250,00€, relativa a 3 500 ml de “lancil guia”; e
Fatura n.º 8, de 01-12-2016, no montante de 11 500,00€, relativa a serviços prestados na obra da Requerente em ...(regularização de terreno e abertura de caixa), cfr. documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o ppa e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
U) A sociedade “D..., S.A.”, NIPC..., com sede na ..., ..., ..., em ..., é titular do alvará n.º ... para exercício da atividade de aluguer de veículos de mercadorias sem condutor, emitido pelo Chefe do Departamento de Licenciamento de Atividades de Transporte, em 12 de janeiro de 2015 e válido desde a mesma data, cfr. documento n.º 11 (verso) junto com o ppa e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
V) A sociedade “D..., S.A.”, NIPC..., com sede na ..., ..., ..., em ..., é titular da licença n.º ... para transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem, emitido pelo Diretor Regional de ... do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., em 12 de dezembro de 2014 e válido até 10 de dezembro de 2019, cfr. documento n.º 11 (rosto) junto com o ppa e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
X) Em 2 de janeiro de 2016 a Requerente celebrou com a sociedade “D..., S.A.” oito contratos de aluguer, referentes aos veículos com as matrículas ..., ..., ... e..., ..., ..., ..., ..., cfr. documentos n.ºs 12 a 19 juntos com o ppa e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Z) De acordo com os referidos contratos a “D..., S.A.” emitiu mensalmente as respetivas faturas, cfr. documentos n.ºs 20 a 27 juntos com o ppa e que aqui se dão por integralmente reproduzidos e depoimento da testemunha F...;
AA Os referidos veículos foram alugados sem fornecimento de combustível, cfr. declaração de parte de B... e depoimento da referida testemunha F...;
AB) Ao longo do ano de 2016, a Requerente adquiriu gasóleo às sociedades “G..., Ld.ª” e “H..., Ld.ª”, respetivamente com os NIPC ... e ..., cfr. documentos n.ºs 29 a 35 juntos com o ppa e que aqui se dão por integralmente reproduzidos; e
AC) O consumo de gasóleo dos veículos automóveis pesados ronda os 35/40 litros aos 100 km, cfr. declaração de parte de B... e depoimento da testemunha F... .
AD) À data dos factos (ano de 2016) o Sr. B... não fazia parte da administração da Requerente, cfr. declaração de parte por este prestada.
AE) Em 7 de agosto de 2019 a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, tendo juntado 35 documentos e requerida a produção de prova por declarações de parte e testemunhal.
3.2 Factos não provados
Não se provou a que veículos ou máquinas se destinou o gasóleo referido na alínea AB) do probatório.
Também não se provou qual o consumo efetivo de combustível, no ano de 2016, relativamente a cada um dos veículos automóveis propriedade da Requerente ou por esta alugados à “D..., S.A.”, bem como das diversas máquinas não matriculadas.
3.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas Partes bem como nas declarações de parte do administrador da Requerente B..., administrador da Requerente, e no depoimento da testemunha F..., que demonstraram conhecimento acerca da matéria em discussão nos presentes autos, revelando-se a declaração e o depoimento esclarecidos, assertivos, consistentes e espontâneos, resultado de um discurso fluido e sem dificuldades de recordar, expressar e contextualizar os factos afirmados.
4 - Matéria de Direito (fundamentação)
Objeto do litígio
A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber da validade da ação inspetiva e da liquidação impugnada, no que concerne à desconsideração de gastos relativos a aquisições intracomunitárias de bens e serviços, no montante de 20 750,00€, previstas na alínea a), n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e a encargos com combustíveis na parte em que o sujeito passivo não fez prova de que não foram ultrapassados os consumos normais, no montante de 19 287,72€, previstos na alínea j), n.º 1 do artigo 23.º-A do mesmo código.
Questões a decidir:
- Da (in)validade da ação inspetiva; e
- Da (i)legalidade da liquidação impugnada.
- Da (in)validade da ação inspetiva –
Para a Requerente o procedimento inspetivo efetuado pela AT é inválido, uma vez que o respetivo âmbito, delimitado na competente ordem de serviço, foi posteriormente alterado com a inclusão da verificação do cumprimento dos deveres previstos na alínea j), n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC (relativos a encargos com combustíveis respeitantes a bens pertencentes ao seu ativo ou pela mesma utilizados em regime de locação e de que não foram ultrapassados os consumos normais), sem que tivesse sido proferido despacho fundamentado da entidade competente (Diretor de Finanças de ...) a notificar à inspecionada/Requerente, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA.
Sendo o objeto do pedido de pronúncia arbitral a (i)legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao ano de 2016, e respetivos juros compensatórios, não pode o Tribunal Arbitral deixar de conhecer do pedido supra formulado, até porque, como refere Carla Castelo Trindade[1], os Relatórios de Inspeção são autónoma e diretamente sindicáveis, sendo que “Esta é uma inovação do RJAT, ao permitir a impugnação autónoma de atos preparatórios – os Relatórios de Inspeção – em termos mais abrangentes que os previstos no CPPT – à luz do princípio da impugnação unitária aí consagrado no artigo 54.º”. Aliás, esta, já era a posição defendida por Sérgio Vasques[2].
Por outro lado a avaliação direta é suscetível de impugnação contenciosa autónoma, cfr. o n.º 1 do artigo 86.º da LGT.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias, podendo, no que se refere ao âmbito, ser geral ou polivalente e parcial ou univalente, cfr. o n.º 1 do artigo 14.º do referido diploma.
Porém o âmbito, assim como os fins e a extensão do procedimento de inspeção, podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada, cfr. o n.º 1 do artigo 15.º do mesmo diploma.
A falta de despacho a alterar o âmbito do procedimento provoca a invalidade/ilegalidade da alteração em causa.
João Damião Caldeira e Joaquim Freitas da Rocha[3], comentando o n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT, referem “(…) A alteração em causa deve, evidentemente, ser juridicamente enquadrada e obedecer a requisitos precisos: (i) por um lado, do ponto de vista orgânico-competencial deve ser efetuado pela entidade que tiver ordenado a inspeção; (ii) do ponto de vista formal, deve revestir a forma de despacho, o qual, também evidentemente, deverá ser fundamentado (de um modo claro, preciso, direto, atual e completo); e (iii) do ponto de vista procedimental deve ser adequadamente notificado aos respetivos destinatários (entidades inspecionadas). A ausência ou preterição dos dois primeiros requisitos acarretará a invalidade/ilegalidade da alteração em causa com fundamento em incompetência ou vício de forma, enquanto a ausência ou preterição do terceiro implicará a respetiva ineficácia, uma vez que a notificação configura uma simples condição de eficácia.
A notificação legal e válida do despacho que ordene a alteração da extensão do procedimento inspetivo assume extrema relevância, na medida em que a partir desse momento o sujeito passivo deixa de poder opor-se à realização dos respetivos atos inspetivos (…)”.
Neste sentido foi proferido o douto acórdão do STA de 19-09-2018 (Processo n.º 01460/17), que acompanhamos, “(…) Tais formalidades são formalidades previstas na lei como formalidades essenciais, na ausência de disposição legal em contrário, estruturantes do procedimento inspetivo, que uma vez não observadas serão invalidantes dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta, dado não poder concluir-se, face à prova produzida com um grau de certeza razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, caso a formalidade tivesse sido cumprida, ou que o sujeito passivo prestou a sua colaboração com o ato inspetivo nesse âmbito alargado sem haver colocado em causa a falta de tal despacho.
Não estando em causa um procedimento de inspecção em que, nos termos do disposto no art.º 50.º do RCPIT, exista dispensa de notificação prévia do procedimento de inspecção, a ausência de notificação do correto âmbito da inspecção tributária traduz-se em omissão de uma formalidade essencial do procedimento inspectivo, invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta” (sublinhado nosso).
Também no sumário do douto acórdão do STA de 16-06-2016 (Processo n.º 01101/15) é referido:
“I - Na pendência do procedimento de inspeção podem ser alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, o art.º 15.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro).
II - Verifica-se falta de fundamentação da decisão que determinou o alargamento da acção inspectiva quando foi alargado o âmbito da acção inspectiva, sem que disso fosse dado conhecimento ao contribuinte, pois diz-se «houve necessidade de alargar o seu âmbito» quando o art.º 42.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária apenas prevê que a notificação dos actos de inspecção possa ser efectuada ou no momento da prática dos actos de inspecção ou em momento anterior e nunca em momento posterior, como aqui ocorreu.
III - Tendo em conta, que o sujeito passivo, não foi devidamente notificado através de despacho fundamentado, da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo pela entidade que o ordenou, todas as conclusões referentes ao relatório de inspecção, relativas a tal alargamento são ilegais e, não poderão ter validade fiscal, nem fundamentar qualquer acto de liquidação.
IV - São impugnáveis os actos lesivos praticados no procedimento inspectivo, por desconformes com a lei, ofendendo, em consequência disso, os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da necessidade, ao causar transtornos superiores aos que a realização do direito à tributação implicava, da imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade e da garantia do sujeito passivo em ser constrangido a um procedimento inspectivo confinado aos limites fixados na lei”.
Como consta das alíneas D) do probatório, por despacho da Chefe da Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., de 16 de abril de 2018, no uso de competência delegada pelo Diretor de Finanças de..., foi determinada a abertura de ordem de serviço externa em sede de IRC e IVA, para os exercícios de 2015 e 2016, de âmbito parcial, tendo em vista o procedimento de inspeção à Requerente.
Relativamente ao ano de 2016 o âmbito do procedimento de inspeção consistia no seguinte: “No que diz respeito ao ano de 2016, a nível de VIES, a sociedade A... declara ter efetuado Transmissões Intracomunitárias, no montante de 26.500,00. Todavia na empresa espanhola C..., NIF..., consta o valor de 51.550,00 a nível de aquisições intracomunitárias, relativas a bens/prestações de serviços adquiridos ao sujeito passivo português. Em face do descrito, deverá ser aberta ordem de serviço externa em sede de IRC/IVA, para o ano de 2016”, conforme alínea E) do probatório.
Por despacho da entidade antes referida, de 26-04-2018, proferido nos termos do artigo 46.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), foi determinado o procedimento externo de inspeção à Requerente, de âmbito parcial e relativa ao IRC e IVA do ano de 2016, com base na ordem de serviço n.º OI2018..., conforme alínea F) do probatório.
Em 7 de novembro de 2018 a Requerente tomou conhecimento do conteúdo da Ordem se Serviço, tendo-lhe sido entregue uma cópia, conforme alínea G) do probatório.
No projeto de conclusões do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) vem referido, a pág. 3 (55 do PA), o seguinte:
“II.2. Motivo, âmbito e Incidência temporal
Esta ação externa foi selecionada a nível distrital, tendo como objetivo “O controlo das Aquisições e das transmissões intracomunitárias efetuadas pela sociedade portuguesa “A..., SA” à sociedade espanhola “C...”, com o NIPC:...”.
O seu âmbito é parcial/univalente – IRC e IVA, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA, abrangendo o período de 2016, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo”, conforme alínea M) do probatório.
Porém o projeto de conclusões do RIT (alínea K) do probatório) abrangeu não só as questões que constavam no âmbito do procedimento de inspeção, ou seja, o controlo das aquisições e das transmissões intracomunitárias efetuadas pela Requerente à sociedade espanhola “C...”, mas também a verificação do cumprimento dos deveres previstos na alínea j), n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC (relativos a encargos com combustíveis respeitantes a bens pertencentes ao ativo da Requerente ou pela mesma utilizados em regime de locação e de que não foram ultrapassados os consumos normais).
O referido documento mereceu o seguinte parecer do chefe de Equipa: “O procedimento inspetivo tem um âmbito parcial, abrangendo o IRC/IVA do período de 2016, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira-RCIPTA, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo. Está na génese do mesmo quer a situação de reporte de IVA em períodos sucessivos e sem pedido de reembolso, quer as operações intracomunitárias efetuadas com o sujeito passivo espanhol C..., SL”, conforme alínea N) do probatório.
Tendo decorrido o prazo concedido pela AT para o sujeito passivo se pronunciar sobre o projeto do referido RIT, e não o tendo feito, foi emitido o seguinte parecer do chefe de equipa e mantidas as correções projetadas: “O procedimento inspetivo tem um âmbito parcial, abrangendo o IRC/IVA do período de 2016, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira-RCIPTA, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo. Está na génese do mesmo quer a situação de reporte de IVA em períodos sucessivos e sem pedido de reembolso, quer as operações intracomunitárias efetuadas com o sujeito passivo espanhol C..., SL”, conforme alínea O) do probatório.
O procedimento inspetivo teve início em 07-11-2018, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do RCPITA (data do recebimento de cópia da ordem de serviço) e terminou em 03 de abril de 2019, nos termos do n.º 2 do artigo 62.º do mesmo diploma (data da notificação do relatório de inspeção tributária – RIT), conforme alínea R) do probatório.
Conclui-se deste modo que o âmbito do procedimento de inspeção foi alterado por inclusão da verificação do cumprimento dos deveres tributários previstos na alínea j), n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, sem que tivesse sido proferido despachado fundamentado da entidade competente a notificar à inspecionada.
Facto que viola o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA, traduzindo-se em omissão de uma formalidade essencial do procedimento inspetivo, tendo como consequência a invalidade/ilegalidade do RIT, na parte relativa à alteração em causa, invalidante, também nessa parte, da liquidação impugnada.
- Da (i)legalidade da liquidação impugnada -
Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Por sua vez referem os n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º do mesmo diploma:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.
Resulta daquele artigo que a administração tributária tem o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos têm o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.
Como referem Jorge Lopes de Sousa e outros[4], que acompanhamos, “Porém, isso não significa que a administração tributária apenas deva procurar carrear para o procedimento prova dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objetivo provar factos invocados pelos interessados (art. 58.º da LGT)”.
Por sua vez no n.º 1 do artigo 75.º supra, estabelecem-se presunções legais de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à administração tributária (AT) e dos dados que constarem da sua contabilidade e escrita, se estiverem de acordo com a legislação comercial e fiscal, pelo que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro.
Por outro lado, como refere o autor supra citado[5], “Se as declarações ou a contabilidade e escrita apresentarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções” e dá-se a inversão do ónus da prova.
Assim, como refere o sumário do acórdão do TCAS de 22-02-2018 (Processo n.º 08342/15) “ I. A AT pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as facturas não correspondem a operações efectivas (facturas falsas ou fictícias);
II. É que nos termos do disposto no art. 63.º da LGT sob a epígrafe, “Inspecção” os órgãos competentes podem desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, trata-se de um poder-dever, atendendo, também, ao princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma (…)”.
Também no acórdão do STA de 19-10-2016 (Processo n.º 0511/15) encontramos a necessidade de a AT abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, através da existência de indícios sérios e credíveis, a fim de inverter o ónus da prova: “(…) II - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução”.
No mesmo sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STA de 17-02-2016 (Processo n.º 0591/15) e do TCAS de 06-02-2020 (Processo n.º 3367/12.8BELRA), este, sumariado nos seguintes termos: “I - Tendo a Administração Tributária, no âmbito de uma inspecção, reunido indícios sérios e credíveis de que um conjunto de facturas inscritas na contabilidade do sujeito passivo não titulam efectivas operações materiais e concluı́do que a falta de credibilidade da contabilidade se esgota em facturas relativas a compras, não lhe está imposto o recurso a métodos indirectos para determinar a matéria colectável, podendo e devendo, tão só, proceder a essa determinação, por métodos directos, desconsiderando aquela facturação falsa.
II - Embora compita à Administração Tributária assegurar que a matéria colectável determinada corresponda o mais fielmente possível à realidade económica desenvolvida pelo sujeito passivo e, consequentemente, no âmbito de inspecção, e para efeitos de decisão quanto a indícios de facturação falsa, lhe incumba reunir o máximo de elementos possíveis que permitam concluir pela sua verificação ou não, já não lhe compete provar que eventuais fornecedores, mercadorias ou preços terão realizado outros eventuais fornecimentos capazes de sustentar as vendas realizadas”.
No caso concreto, a AT não fez prova de quaisquer factos que permitam indiciar a simulação das operações subjacentes à contabilização das faturas n.ºs 5, 7 e 8, no montante de 20 750,00€, respeitantes a aquisições intracomunitárias que a Requerente teria feito à empresa espanhola “C..., SL”, as duas primeiras respeitantes ao fornecimento de bens (800 m2 de pave e 3500 ml de lancil guia) e a terceira de prestação de serviços (regularização de terreno e abertura de caixa para colocação do material fornecido), pelo que não cumpriu com o ónus de prova a que estava adstrita.
Com efeito, para desconsiderar tais faturas, a AT bastou-se na seguinte informação prestada pela Agência Tributária – Delegação Especial da Extremadura - Dependência Regional de Inspeção, constante do RIT (pág. 59 do PA):
“1.º Que o administrador da C..., SL é o Sr. B..., que tem uma participação de 100% no capital social e é atualmente administrador da Requerente; e
2.º Também nos foi comunicado que a sociedade espanhola não possui estrutura para o exercício da sua atividade”.
Ora estes indicadores não constituem indícios suficientes para abalar a presunção de veracidade da contabilidade e dos respetivos documentos de suporte, desconsiderando as referidas faturas na contabilidade da Requerente como gastos ou perdas, de acordo com o disposto na alínea a), n.º 2 do artigo 23.º do CIRC.
Com efeito é perfeitamente irrelevante que as duas sociedades tenham o mesmo administrador, sendo certo que à data dos factos (ano de 2016) o Sr. B... até nem fazia parte da administração da Requerente, cfr. alínea AD) do probatório.
Por outro lado dizer que a sociedade espanhola não possui estrutura para o exercício da atividade é muito vago. Em todo o caso sempre poderia recorrer à subcontratação quando não tivesse capacidade para executar a obra.
Deste modo a liquidação impugnada deverá ser anulada, também nessa parte, por vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
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5 - Decisão
Em face do exposto, decide-se:
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Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, prevista na alínea a), n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, invocada pela Requerida;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do procedimento de avaliação direta na parte respeitante aos encargos com combustíveis relativos a máquinas alugadas;
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Julgar procedente, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2019..., efetuada pela “AT” em 08 de julho de 2019, com referência ao ano de 2016 e respetivos juros compensatórios (liquidação n.º 2019...), respetivamente nos montantes de 8 843,83 € e 657,98 €, no montante global de 9 501,81 € (nove mil, quinhentos e um mil e oitenta e um cêntimos); e
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Condenar a Requerida nas custas arbitrais.
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 9 501,81€ (nove mil, quinhentos e um euros e oitenta e um cêntimos).
Custas
Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, CAAD, 27 de março de 2020.
O Árbitro,
(Rui Ferreira Rodrigues)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
[1] Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, Anotado, Almedina, 2016, pág. 108
[2] Sérgio Vasques/Carla Castelo Trindade, in “Âmbito material da arbitragem Tributária”
[3] in “Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária RCPIT”, Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, pág. 90
[4] “Lei Geral Tributária”, Anotada e comentada, 4.ª ed., Encontros de Escrita, 2012, pág. 656