Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 359/2019-T
Data da decisão: 2020-01-31  IRS  
Valor do pedido: € 504.846,26
Tema: IRS – Retenção na fonte; Cláusula Geral Anti-abuso.
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DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 23 de Maio de 2019, A... SGPS SA, NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ... ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS (retenções na fonte) n.º 2019..., relativo ao ano de 2014, no valor de € 162.414,71, e n.º 2019..., relativo ao ano de 2016, no valor de € 342 341,55.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que as referidas liquidações estão feridas de ilegalidade, por:

a.            Vício de violação de lei, por ofensa de caso julgado, nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo;

b.            Vício de violação de lei, nos exatos termos em que foi considerada a liquidação anterior contestada no Processo n.º 296/2017-T, por força da autoridade de caso julgado;

c.            Caducidade do direito à aplicação da CGAA, por violação do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, com a redação à data dos factos;

d.            Não estar provado que foram os dividendos que estiveram na origem da amortização da dívida;

e.            Aplicação indevida da CGAA e consequente violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;

f.             Inoponibilidade à Requerente, como substituta tributária, da desconsideração de efeitos fiscais resultantes da aplicação da CGAA.

 

3.            No dia 24-05-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 16-07-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-08-2019.

 

7.            No dia 27-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se (por excepção e) por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Com início em 03-09-2018, e com base nas Ordens de Serviço n.ºs OI2018...- 2014, OI2018... – 2015, OI2018... – 2016, a Requerente foi objecto de uma acção de inspeção externa, de âmbito parcial, abrangendo os períodos de 2014, 2015 e 2016, no âmbito da qual foi também desencadeado o procedimento de aplicação de Cláusula Geral Antiabuso (CGAA) previsto no art.º 38.º n.º 2 da LGT, com recurso ao procedimento do art.º 63.º do CPPT.

2-            Este procedimento foi precedido de diligência inspectiva externa e procedimentos inspectivos internos realizados junto da entidade B..., SA, NIPC..., empresa operacional detida desde Setembro de 2013, pela Requerente em 99% e pelo contribuinte C..., NIF..., em 1%, tendo sido credenciados pela Ordem de Serviço n.º OI2018... e Despacho Externo n.º DI2018..., que abrangeu os anos de 2014 e 2015.

3-            A Requerente foi notificada do teor do projecto de relatório de Inspeção Tributária elaborado, nos termos previstos nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, para no prazo de 30 dias exercer o direito de audição prévia, conforme previsto no n.º 5 do artigo 63.º do CPPT.

4-            A Requerente exerceu esse direito mediante apresentação de exposição que deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa em 04-01-2019.

5-            A AT manteve as conclusões que constavam do projecto de relatório e as respectivas correcções em sede de Relatório Final de Inspeção.

6-            No decurso do procedimento inspectivo, considerou a AT que foram realizadas amortizações de dívida efectuadas pela Requerente durante os anos de 2014 e 2016 ao seu acionista C..., NIF..., com a utilização de fundos resultantes dos pagamentos referentes a prestação de serviços e de lucros distribuídos pela entidade filha B... SA, NIPC..., no valor total de € 1.590.000, conforme quadro infra:

 

7-            Esta operação foi antecedida pela alienação de 50% das participações que aquele mesmo accionista detinha no capital social da B... à A... SGPS, no ano de 2004, pelo valor global de € 8.105.465,83 e da consequente constituição de um crédito por parte do mesmo sobre a Requerente.

8-            A compra das restantes participações (49%) ocorreu no ano de 2013, no valor de € 7.000.000, operação esta que levou à constituição do correspondente crédito por parte do mesmo accionista sobre a Requerente.

9-            Do relatório de inspecção consta, para além do mais, o seguinte:

 

10-         Consta, ainda do mesmo Relatório, em sede de pronúncia sobre o direito de audição:

 

11-         Mais consta daquele Relatório, na mesma sede:

 

12-         A Administração Fiscal considerou ineficaz no âmbito tributário, o que considerou ser a transformação dos dividendos em reembolsos de dívidas, uma vez que concluiu que tais actos/negócios foram praticados com abuso das formas jurídicas e tiveram como objectivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios.

13-         Em consequência, considerou a AT que, nos anos de 2014 e 2016, a Requerente distribuiu ao seu accionista os seguintes rendimentos:

 

14-         Na sequência das conclusões do procedimento inspectivo, em 07-03-2019, os serviços da AT emitiram a Liquidação de retenção na fonte de IRS 2014 n.º 2019... de 07- 03-2019, com valor a pagar de € 162.414,71 (nota de cobrança no 2019... com data limite de pagamento de 15-04-2019) e a Liquidação de Retenção na fonte de IRS 2016 n.º 2019... de 07-03-2019 com valor a pagar de € 342.431,55 (nota de cobrança no 2019 ... com data limite de pagamento de 15-04-2019), entretanto regularizadas com data de 05-04-2019.

15-         Aquelas liquidações foram acompanhadas da liquidação de juros compensatórios no valor de € 25.214,71 (ano de 2014) e € 34.431,55 (ano de 2016).

16-         A Requerente tem como rendimentos não só os dividendos distribuídos pela sua participada B..., mas igualmente os que decorrem de prestações de serviços a essa mesma participada.

17-         No período compreendido entre 2004 e 2016, a Requerente facturou, à sua participada B... prestações de serviços que ascenderam a € 3 194 400,00 e os dividendos distribuídos pela B... à A... ascenderam a € 2 079 000,00, como resulta do quadro infra:

Amortização da dívida   Prestações de serviços  Dividendos distribuídos

1 590 000,00      3 194 400,00      2 079 000,00

 

18-         A B... foi objecto de uma avaliação, em Dezembro de 2000, por uma Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, que fixou o valor global da empresa num intervalo entre € 16.465.986,63 e € 16.919.084,20.

19-         O Sr. C..., em 2001, vendeu a sua participação financeira na B..., por € 8.105.465,83, à E..., operação que foi igualmente comunicada à então Direção-Geral das Contribuições e Impostos.

20-         Em 01-01-2004, a B... tinha Resultados Transitados no montante de € 4 906 935,22.

21-         Nos anos subsequentes, os Resultados Líquidos da B... e a distribuição de resultados tiveram a seguinte evolução:

DADOS RELATIVOS À B...

ANO      RESULTADO

LÍQUIDO              LUCROS DISTRIBUÍDOS

2004      1 359 835, 20   -

2005          838 817, 85    -

2006          959 805, 08    -

2007          461 162, 23    -

2008          972 676, 78    -

2009          897 844, 96    -

2010      2 126 943, 06   -

2011      1 643 567, 42        1 000 000, 00

2012      1 089 895, 44        1 000 000, 00

2013      1 840 663, 78        1 650 000, 00

2014      2 214 954,60      1 350 000,00

2015      1 712 975,06      750 000,00

2016      2 192 090,07      -

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que a criação da Requerente, enquanto SGPS, teve como objectivo assegurar que, em cada um dos ramos da família, independentemente das eventuais alterações da estrutura familiar em cada um dos ramos, por eventual falecimento ou divórcio de algum dos acionistas (como já havia acontecido e voltou a acontecer) tais acontecimentos pudessem repercutir-se directamente na estrutura accionista da B..., pulverizando as participações e viabilizando maiorias accionistas diferentes da composição inicialmente estabelecida, que conferia uma participação maioritária ao ramo da família do Sr. C..., de mod a que as alterações que viessem a ocorrer em cada um dos ramos da família ficassem circunscritas à governação da respectiva SGPS, sem afetar a composição societária da B..., de acordo com a vontade do sócio fundador da empresa, o pai dos Srs. F... e C... .

2- A Requerente, assegurou a prestação de serviços técnicos de administração e gestão, nos termos de um contrato escrito, assumindo uma presença e intervenção activas, como sócia da referida sociedade participada, através do seu administrador.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Os factos dados como não provados devem-se à ausência de prova a seu respeito, designadamente, no que diz respeito ao facto constante do ponto 1., do propósito da constituição da Requerente, no que diz respeito ao facto constante do ponto 2., de que os serviços hajam sido prestados pela pessoa ali indicada.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

                Como se viu já, a Requerente imputa aos actos tributários sub iudice os seguintes vícios:

a.            Vício de violação de lei, por ofensa de caso julgado, nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo;

b.            Vício de violação de lei, nos exatos termos em que foi considerada a liquidação anterior contestada no Processo n.º 296/2017-T, por força da autoridade de caso julgado;

c.            Caducidade do direito à aplicação da CGAA, por violação do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, com a redação à data dos factos;

d.            Não estar provado que foram os dividendos que estiveram na origem da amortização da dívida;

e.            Aplicação indevida da CGAA e consequente violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;

f.             Inoponibilidade à Requerente, como substituta tributária, da desconsideração de efeitos fiscais resultantes da aplicação da CGAA.

Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:

“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

Deste modo, e não tendo sido expressamente estabelecida pela Requerente qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á à apreciação do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito na aplicação da CGAA, por se julgar ser aquele cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

*

                Em causa está, assim, a correcta aplicação dos art.ºs 38.º/2 da LGT, e do art.º 63.º do CPPT, cuja redacção aplicável é a seguinte:

- Artigo 38.º/2 da LGT:

“São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”

- Artigo 63.º do CPPT:

“1 - A liquidação dos tributos com base na disposição antiabuso constante do n.º 2 do artigo 38º da lei geral tributária segue os termos previstos neste artigo.

3 – A fundamentação do projecto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 contém necessariamente:

a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

4 - A aplicação das disposições antiabuso referida no n.º 1 depende da audição prévia do contribuinte, nos termos da lei.

5 - O direito de audição prévia é exercido no prazo de 30 dias a contar da notificação do projecto de aplicação da disposição antiabuso ao contribuinte.

6 - No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes.

7 - A aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 é prévia e obrigatoriamente autorizada, após a audição prévia do contribuinte prevista no n.º 5, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.

8 - A disposição antiabuso referida no n.º 1 não é aplicável se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de 150 dias.”

 

*

                Uma análise precisa e detalhada do enquadramento geral da aplicação da Cláusula Geral Antiabuso foi já feita, para alem do mais, no âmbito do processo arbitral 162/2017-T, do CAAD , em termos que, com a devida vénia, pela clareza se transcrevem:

“IV.1. Considerações introdutórias

A questão central que vem colocada relaciona-se com a aplicação ao caso da disposição do artigo 38º nº 2 da LGT.

Antes de entrarmos na análise da norma e nas questões que a Requerente levanta a propósito da sua aplicação ao caso concreto, é útil historiar as razões do seu surgimento, e de outras que, no âmbito do direito comparado, perseguem o mesmo objetivo.

O problema da evasão fiscal constitui uma das mais sérias ameaças à economia mundial e à capacidade dos Estados de realizarem as finalidades que lhe são cometidas pelo direito internacional dos direitos humanos e pelo direito constitucional no domínio da realização dos direitos sociais. Ele resulta em perdas significativas de receitas para o Estado e, por consequência, de despesa a favor dos cidadãos. Se considerarmos o tempo, o trabalho e o dinheiro despendidos na tentativa de evitar impostos e os custos de oportunidade envolvidos na evasão fiscal, concluímos essas perdas aumentam de forma dramática.

De há uns anos a esta parte, o problema da evasão fiscal tem estado no centro da agenda da comunidade internacional, nomeadamente através da iniciativa Base Erosion e Profit Shifting (BEPS) promovida pela OCDE. No âmbito da União Europeia, o problema não tem tido menor relevância, já que os Estados membros dependem em medida significativa do bom funcionamento do sistema fiscal para cumprirem os objetivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento no quadro da União Económica e Monetária.

Neste contexto, a “manufatura da indeterminação factual”, consistindo entre outras coisas na criação artificial e artificiosa de complexidade acrescida nas transações empresariais, apresenta-se como um instrumento típico de evasão fiscal suscetível de produzir um impacto multinível.

Não está em causa a legitimidade de uma medida razoável de planeamento fiscal por parte dos agentes económicos, através da utilização das isenções, deduções, abatimentos e outros benefícios fiscais que o legislador põe à disposição dos contribuintes por entender que dessa forma prossegue da melhor maneira os seus objetivos financeiros, económicos e sociais. Quando age deste modo, o contribuinte nada faz de ilegal, do ponto de vista puramente formal e material. Diferentemente se passam as coisas no planeamento abusivo, quando se pretende reduzir os impostos de uma maneira que é "contrária ao espírito da lei". Nestes casos, pretende-se contornar os objetivos materiais do sistema fiscal através de uma utilização meramente formalista e ardilosa das normas fiscais, numa ótica de fraude à lei.

É nestes casos que se manifesta a insuficiência de uma interpretação meramente literal sendo importante a interpretação teleológica. Este aspeto é especialmente importante na medida em que, nos termos do artigo 103º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 5º n.º 1 da LGT, os objetivos da tributação expandem-se muito para além do simples aumento das receitas fiscais. Assumindo uma natureza social de interesse público, eles incluem a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas de forma a permitir-lhes, entre outras coisas, a efetivação dos direitos sociais constitucionalmente consagrados, a promoção da justiça social e da igualdade de oportunidades e a necessária correção das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento. Da prossecução destes objetivos depende, em última análise, a legitimidade dos sistemas político e fiscal.

O que explica o desenvolvimento, ao longo das últimas décadas, de doutrinas jurídico-fiscais anti-abuso, como sejam

a) primazia da substância sobre a forma (substance over form);

b) substância económica do negócio (economic substance);

c) teste do principal propósito (PPT);

d) transação por passos (step transaction) ou

e) transação-farsa (sham transaction).

No seu conjunto, estas doutrinas visam a preservação da base tributária e o combate ao planeamento fiscal abusivo. O respetivo conteúdo sobrepõe-se em boa medida.

Estas doutrinas, inicialmente de emanação jurisprudencial, acabaram por servir de base, em vários países, à introdução legislativa de regras ou cláusulas gerais e especiais anti-evasão fiscal (General anti-avoidance Rules – GAAR; Special anti-avoindance rule - SAAR).  As GAAR, entre nós conhecidas por cláusulas gerais anti-abuso (CGAA) têm a vantagem de serem aplicáveis a todas as transações e a todos os impostos, podendo atuar subsidiariamente mesmo relativamente a uma cláusula especial. O objetivo destas cláusulas gerais e especiais é claro: incentivar o pagamento de impostos e desincentivar a evasão fiscal. Podendo e devendo ser mobilizadas de autonomamente ou de forma combinada, as mesmas possibilitam à administração fiscal e aos tribunais a desconsideração e recaracterização de transações jurídicas destituídas de substância económica ou comercial bastante.

As CGAA’s são deliberadamente redigidas com recurso a conceitos vagos abertos e carecidos de uma interpretação e aplicação ativa por parte das administrações tributárias e dos tribunais. As mesmas apostam na criação de alguma indeterminação, suscetível de desincentivar o planeamento fiscal agressivo e a evasão e fiscal. Elas representam um desvio considerável ao raciocínio jurídico formal, baseado na análise linguística e da sucessão das leis no tempo e na garantia estrita de tipicidade, certeza e previsibilidade, que tem caracterizado o direito fiscal. A certeza e a segurança jurídicas são fundamentais para incentivar o investimento e estruturar transações comerciais. Embora estes princípios continuem a caracterizar a prática quotidiana da formulação, interpretação e aplicação das normas fiscais, como resulta das exigências do Estado de direito, os mesmos não se apresentam como imperativos categóricos absolutamente subtraídos a um processo de ponderação.

As CGAA’s repousam no reconhecimento de que uma adesão estrita ao formalismo jurídico-fiscal é absolutamente irrealista e quixotesca diante das possibilidades quase infinitas de manipulação das formas jurídicas e de planeamento fiscal agressivo a nível nacional e internacional. A recente intensificação e globalização das condutas de evasão e fraude fiscal impõe, nalgumas situações, a assunção de uma atitude mais realista, pragmática e orientada para os resultados, por parte do legislador, da administração e dos tribunais tributários.

Esta abordagem exige que, nos casos em que se vise prevenir o planeamento fiscal abusivo, a administração e os tribunais ultrapassem os limites da análise linguística de textos legais e da investigação da história legislativa e avancem para um inquérito normativo quanto aos fins prosseguidos pela legislação tributária e os melhores meios para alcançar esses fins. A postura da administração e dos tribunais deve ser prática e enraizada em resultados empíricos.

Entre nós, o TCAS teve ocasião de se pronunciar sobre a CGAA, tendo salientado que “as normas anti-abuso encontram a sua “raison d´être”, no comportamento evasivo e fraudatório dos sujeitos passivos em matéria fiscal e na necessidade de estabelecer meios de reação adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas”. Neste sentido, as CGAA’s exprimem a ponderação harmonizadora e proporcional do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança – com as suas exigências de tipicidade e legalidade – com outros bens constitucionalmente protegidos, como sejam a preservação da base tributária, a equidade tributária e a efetivação dos direitos fundamentais e da justiça social. Elas reconduzem-se ainda a uma ponderação constitucionalmente saudável de valores e princípios constitucionais.

 

IV.2. O artigo 38º nº 2 da LGT

É no quadro destes desenvolvimentos que deve ser entendida entre nós a introdução de uma CGAA. Ela surgiu pela primeira vez por força da Lei nº 100/99 de 22 de julho, que acrescentou um n.º 2 ao artigo 38º da LGT. Aí se dizia:

“São ineficazes os atos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objetivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de atos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que a tributação recai sobre estes últimos.”

Entretanto, a CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT foi alterada na sua redação pela lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro. Aí se dispõe agora:

“São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”

Relativamente à versão inicial, a redação atual da CGAA destaca-se por circunscrever a ineficácia de atos e negócios jurídicos ao âmbito tributário, conservando os mesmos a sua validade e eficácia noutros domínios. Digna de nota é, outrossim, a eliminação da exigência de demonstração, sugerindo uma atenuação do standard probatório por parte da AT. No entanto, deve ter-se em conta o artigo 63º n.º 3 alínea b) do CPPT onde se dispõe que a fundamentação do projeto e da decisão de aplicação da CGAA deve conter a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à produção de vantagens fiscais. Esta última referência, feita em termos genéricos, aponta para a irrelevância da questão de saber quem é que efetivamente obteve as vantagens fiscais. Se qualquer das partes envolvida na transação obteve uma vantagem fiscal indevida, por não ter sido contemplada pelo legislador tributário e não ter correspondência com a substância económica, cabe à AT considera-la ineficaz e neutralizar a produção da mesma. Este aspeto é especialmente relevante nos casos em que a vantagem é produzida e obtida dentro de uma lógica de grupo.

O artigo 38º n.º 2 da LGT vincula a CGAA a um principal purpose test (PPT), formulado pelo legislador nacional como propósito essencial ou principal, e à presença de condutas que indiciem o recurso a meios artificiosos e fraudulentos e o abuso de formas jurídicas. Ponto é que se tenha em vista a) a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos devidos por força de factos, atos ou negócios de idêntico fim económico ou b) a produção de vantagens fiscais dependentes daqueles meios. Num caso e noutro, a tributação é feita de acordo com as normas aplicáveis na ausência dos atos e meios em causa, não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

Da exegese do artigo 18º n.º 2 da LGT resulta que a AT deve carrear elementos indiciários que lhe permitam estabelecer a existência de uma operação artificiosa e abusiva de acordo com o crivo, de exigência intermédia, da preponderância da prova ou equilíbrio das probabilidades que em vários quadrantes tem vindo a ser associado à aplicação das CGAA’s. Isso obriga a uma abordagem contextual e factual dos casos concretos, simultaneamente atenta à teleologia das normas fiscais e às características e objetivos das transações. Especialmente importante é a análise da transação na sua totalidade, atentando a todos os seus passos e participantes, reservando um escrutínio particularmente exigente quando se tratar de transações envolvendo sócios e sociedades do mesmo grupo. Nestes casos, o princípio da primazia da substância sobre a forma admite que certas entidades “agrupadas” possam ser consideradas com um único contribuinte.

A ambiguidade parece ser o principal objetivo deste tipo de técnica legislativa. Ao recortar a CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT, o legislador fiscal reconhece a necessidade de preservar a base tributária e habilitar a AT e os tribunais a proteger as finalidades substantivas do legislador fiscal. A incerteza deliberadamente gerada nos contribuintes leva-os a não se aproximarem muito da linha que demarca a fraude e elisão, permitindo, a um tempo, que a CGAA seja suficientemente flexível para acompanhar as novas transações geradas pela dinâmica e acelerada “indústria do planeamento fiscal agressivo” e que a AT e os tribunais preencham as lacunas do sistema fiscal em situações imprevistas e potenciadoras de abusos.

A CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT não permite a redução, eliminação, diferimento de impostos ou a produção de vantagens fiscais nos casos em que a transação que as originou não possa ser razoavelmente considerada como tendo um propósito económico principal e manifeste uma utilização artificiosa, fraudulenta e abusiva das formas jurídicas. Nesses casos, a AT tem o poder/dever de requalificar a operação realizada e liquidar o imposto de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e como se a vantagem fiscal nunca tivesse sido produzida. Por outras palavras, ela tem o poder de reescrever a transação abusiva e liquidar os impostos que seriam devidos se a mesma nunca tivesse ocorrido.”

*

                Posto isto, a questão ora em apreço, já foi, na sua substância, objecto de apreciação no quadro do processo arbitral 296/2017T, do CAAD , nos termos que se seguirão e se acompanham de muito perto.

                Assim, aqui como ali:

“A questão central que vem posta centra-se na verificação ou não dos pressupostos de aplicação da CGAA, que cumpre começar por apreciar.

Alega a Requerente que a liquidação efetuada encontra-se ferida de ilegalidade, por aplicação indevida da CGAA e consequente violação da lei por erro nos pressupostos.

Para tanto, invoca que a CGAA, cuja aplicação se mostra prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, “depende da verificação de quatro requisitos cumulativos, que a verificarem-se permitem a respetiva estatuição da norma, o elemento sancionatório, e que Gustavo Lopes Courinha, na citada obra[1] identifica como elemento meio, o elemento resultado, o elemento intelectual e o elemento normativo, adotados uniformemente pela jurisprudência como os ‘testes’ a que a respetiva aplicação deve ser submetida: se um deles falhar, a norma anti-abuso não é suscetível de ser aplicada”.

E a Requerente discorre sobre cada um dos referidos requisitos, colocando a tónica naquilo que, em seu entender, não foi utilizado nenhum meio qualificado como artificioso ou fraudulento e com abuso das formas jurídicas, porquanto este só existirá “se for mascarada a realidade de facto, para conseguir subsumir a sua situação a uma norma de incidência mais favorável”.

Entende a Requerida que “não faz sentido a existência destas (D… e E…) SGPS sem qualquer valor acrescentado, sem trabalhadores e sem investimentos, empréstimos ou qualquer aport à sociedade A…, S.A. a não ser supostos serviços de administração, pelos administradores da A…, S.A. que já são remunerados na A… por esse serviço, ou seja por serem administradores”.

Mais refere ainda que “Para se enquadrar no citado normativo, é necessário que a ‘estrutura’ sub Júdice tenha tido por fim determinante evitar a tributação que seria devida em caso de acto de substância económica equivalente”.

E ainda que “O planeamento fiscal legítimo, isto é, a actuação intra legem num todo visando objetivos de poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, mas o planeamento fiscal abusivo sim, constituindo o seu combate a razão de ser da consagração, no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, da CGAA”.

E que “as práticas evasivas aproveitam-se com frequência de lacunas da lei ou de disposições legais deficientemente formuladas, mas também acontece que muitas vezes se servem da letra da lei para fins diversos daqueles que o legislador tinha em mente”.

E a AT reforça a sua tese com a conclusão de que “é seguro afirmar que não tinha o legislador em mente permitir a prática de um conjunto de actos que resultaram numa requalificação de um pagamento de uma dívida artificiosamente criada pelos accionistas junto da sociedade por si controlada em dividendos”.”

 

*

Relativamente ao elemento meio, escreveu-se no mesmo acórdão:

“Elemento-meio – que corresponde ao requisito mencionado na anterior alínea a) e tem a ver com a via livremente escolhida pelo contribuinte para obter o ganho ou vantagem fiscal pretendidos, sendo que tal via coincidirá com a prática de actos ou negócios jurídicos – isolados ou enquanto partes de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário.

No caso dos presentes autos, não se verifica um encadeamento de negócios jurídicos, que possa permitir que se chame à colação a denominada “step-by-step transaction doutrine”.

Existem actos ou negócios jurídicos que acabam por conduzir a um certo “diferimento temporal de impostos”, mas não existe uma sequência temporal de actos ou negócios, dado que ocorre um grande intervalo de tempo entre os vários atos ou negócios ocorridos.

Veja-se, pois, o encadeamento dos atos ou negócios jurídicos praticados durante o período dito pela AT como elisivo:

1.º - Em 2000, B… e C…, eram acionistas da A…, SA, detendo cada um, respetivamente, 49% e 51% do seu capital social, no valor de € 153.846,00 e € 169.639,00.

2.º - Em Dezembro de 2001 a A… foi objeto de uma avaliação por uma Sociedade de ROC’S, que fixou o seu valor global entre € 16.465.986,63 e € 16.919.084,20;

3.º - Ainda em 2001, os acionistas B… e C…, alienaram as suas participações na A… às SGPS F… e G…, com início de atividade em 31/12/2000;

Estas alienações foram efetuadas pelos referidos acionistas, respetivamente por € 7.619.137,87 e € 8.105.465,83, às referidas F… e G…, tendo sido, conforme referido acima, o respetivo valor de aquisição, respetivamente, de € 153.846,00 e € 169.639,00.

Estas alienações não geraram tributação das mais-valias obtidas na pessoa dos acionistas, por beneficiarem da exclusão prevista no anterior artigo 10.º, n.º 2 do CIRS – alienação onerosa de ações detidas por período superior a 12 meses, segundo a AT.

Segundo a Requerente, as mais-valias realizadas não foram objeto de tributação pelo facto de, em cerca de 70% beneficiarem da exclusão tributária, por terem sido adquiridas antes de 1989 (Regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11) e os restantes 30%, essas sim, por serem detidas por um período superior a 12 meses (artigo 10.º, n.º 2 do CIRS).

4-º - Os acionistas B… e C… readquiriram pelo mesmo valor, em 2003, às sociedades F… e G…, as ações anteriormente alienadas a estas SGPS;

5.º - Em 2004, o acionista B… alienou à sociedade então constituída D…, SGPS, parte das suas ações detidas na A… pelo valor da sua anterior aquisição à SGPS F…, de € 7.619.137,87, e o acionista C… alienou parte das suas ações detidas na A…, à E…, SGPS, pelo valor com que as havia readquirido à G…, SGPS, de € 8.105.465,83.

A D…, SGPS foi constituída com o capital social de € 200.000.000,00, sendo detida a 99,9925% pelo acionista B…, tendo aquela ficado a deter 47% do capital social da A… e o acionista B… com 2%.     

  A E…, SGPS foi constituída em 2004, também com o capital social de € 200.000.000,00, sendo detida pelo acionista C…, ficando aquela a deter 50% do capital social da A… e o acionista C… com 1%.

6.º - Estas sociedades ficaram devedoras aos seus acionistas, respetivamente, de € 7.480.945,46 e € 7.967.273, 42, dívidas que as SGPS foram amortizando ao longo dos anos de, pelo menos, 2004 a 2012 e 2004 a 2013, respetivamente.

Para melhor compreensão, veja-se a evolução do Grupo:

A…, SA

  C…                                                   B…

51% C.S.                                                          49% C.S.

 

ANO DE 2001

G…, SGPS                                 F…, SGPS

 

51% C.S.                                 49% C.S.

 

ANO DE 2003

C…                                                   B…

 

51% C.S.                                      49% C.S.

ANO DE 2004

E… -SGPS                                    D…-SGPS

 

50%                                              47%                                            

 

SITUAÇÃO ATÉ 2013

 

E…–SGPS              C…              D…, SGPS            B…

          

50%  C.S.               1% C.S.         47% C.S            2% C.S.

De relevar que foi em 2001 que os acionistas C… e B… alienaram as participações que detinham na A… às SGPS F… e G… .

            E que, ainda em 2001, a A… procedeu à reavaliação do seu património, de que resultou uma valorização das respetivas ações, conforme consta da matéria fixada nos autos.

            Em 2003, os mesmos acionistas C… e B…, readquiriram as suas ações às SGPS F… e G…, por valores muito superiores ao da venda, em razão da avaliação da A… em 2001.

            Em 2004, os mesmos acionistas procederam à alienação de, respetivamente, 50% e 47% das suas participações às SGPS E… e D…, que geraram mais-valias excluídas de tributação, por serem detidas há mais de um ano.

            Os respetivos valores dos negócios realizados constam dos anteriores quadros.

Veja-se o quadro de pagamentos da dívida a B… e C…, pelas referidas SGPS, D… e E…:

ANOS    DÍVIDAS A TERCEIROS/OUTROS CREDORES/B…  DÍVIDAS A TERCEIROS/OUTROS CREDORES/C…

2004      7.480.945,46       7.967.273,42

2005      7.217.345,04       7.978.581,68

2006      6.984.271,87       7.477.636,11

2007      6.804.371,98       7.297.695,11

2008      6.634.621,98       7.101.828,54

2009      6.454.271,78       6.911.733,26

2010      6.214.605,98       6.691.733,26

2011      5.354.271,87       5.791.733,26

2012      4.709.271,87       5.096.733,26

2013      0,00       5.096.733,26

7.º - Durante os anos de 2004 a 2010, a A… não distribuiu dividendos aos seus acionistas, quer às SGPS, quer aos acionistas individuais, tendo, no entanto, obtido naquele período, lucros acumulados no valor de € 7.617.085,16, que acrescidos aos dos anos anteriores totalizavam € 12.524.020,38, que poderiam ter sido distribuídos.

8.º - Durante os anos de 2011 a 2013 foram obtidos os seguintes lucros e distribuídos dividendos aos seus acionistas, da forma seguinte:

ANO      RESULTADO LÍQUIDO €  DIVIDEND. DISTRIB. €

2011      1.643.567,42       1.000.000,00

2012      1.089.895,44       1.000.000,00

2013      1.840.663,78       1.650.000,00

SOMA   4.574.126,64       3.650.000,00

9.º - A A…, durante os anos de 2004 a 2013 procedeu ao pagamento de gratificações aos seus administradores e pessoal, nos termos seguintes:

ANOS    GRATIFICAÇ. AOS ADMIN. €        GRATIF. AO PESSOAL €

2004      100.000,00          144.850,00

2005      77.000,00             85.250,00

2006      77.000,00             97.900,00

2007      77.000,00             42.500,00

2008      70.000,00             67.400,00

2009      60.000,00             48.000,00

2010

SOMAS PARCIAIS            50.000,00

                                       (                                       511.000,00)             125.100,00

(489.150,00)

2011      75.000,00             126.000,00

2012      71.400,00             125.000,00

2013      16.000,00             158.050,00

SOMAS 673.400,00          898.200,00

Alega a AT que actos ou os negócios antes referidos, designadamente a criação das 4 SGPS referidas, e muito em particular a criação das sociedades D… e E…, foi o meio utilizado para fins abusivos, pois tratando-se de sociedades estáticas, não havia razões económicas para a sua constituição.

Mais alega que terão sido instrumentais aos acionistas para obterem vantagens fiscais, numa lógica de planeamento fiscal e utilizadas como “meros veículos” para encobrir a distribuição de dividendos da A…, ao longo de 2004 a 2013, com a “veste encaputada de pagamento de preço das ações, com exclusão de tributação em sede de imposto sobre o rendimento”.

Em primeiro lugar a forma societária escolhida, tendo por objeto a detenção de ações ou participações, é legítima, ainda que seja detida apenas uma participação financeira.

Acresce que pelas referidas sociedades foram prestados serviços técnicos de administração e gestão à A…, conforme informação constante das declarações anuais e das informações empresariais simplificadas e que se discrimina:

ANOS    PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS…          À A…

                PELA D…, SGPS PELA E…, SGPS

2004      136.200,00          136.200,00

2005      272.400,00          272.400,00

2006      272.400,00          272.400,00

2007      272.400,00          272.400,00

2008      272.400,00          272.400,00

2009      272.400,00          272.400,00

2010

SOMA PARCIAL 316.200,00

(1.814,400,00)   316.200,00

(1.814.400,00)

2011      360.000,00          360.000,00

2012      360.000,00          360.000,00

2013      270.000,00          270.000,00

SOMAS 2.804.400,00       2.804.400,00

E, por outro lado ainda, nos anos de 2004 a 2010, inclusivé, a A… poderia ter distribuído dividendos, face aos seus lucros acumulados de € 12,524.020,38 e não o fez.

Também quanto ao pagamento da dívida resultante da compra das ações pelas referidas SGPS, esta só resultou pelo facto de a A… ter sido objeto de uma reavaliação em 2001, por uma sociedade de ROC’S, três anos antes da constituição destas sociedades, em data, portanto, que não é legítimo supor-se que viriam a ser criadas as SGPS D… e E….

Não fica demonstrado que a venda das ações tenha sido efetivada a um preço que indicie tentativa de transferência de mais-valias para as SGPS.

Não se afigura, desta forma, que os factos ou os negócios jurídicos praticados, atentas as razões invocadas e dado o seu desfasamento no tempo, tenham sido um meio utilizado para fins abusivos de elisão ou fraude fiscal agressiva.”

                Ao dito acrescenta-se ainda que, conforme resulta da matéria de facto provada, a Requerente apenas se tornou proprietária, na totalidade, da B..., em 2013.

                Ora, se estivesse em causa um meio delineado e estruturado para a obtenção de vantagens fiscais da parte do sócio da Requerente, tal operação carecia por completo de sentido, já que estava a assumir o risco fiscal do vendedor, aumentando, sem qualquer contrapartida, a sua exposição ao risco do plano aventado pela AT.

                De resto, o percurso da sociedade irmã da Requerente, a H... SGPS, reforça, precisamente, a convicção de que a divisão do capital da B... não integrou um plano de distribuição encapotada de dividendos passados mais de 10 anos.

                Efectivamente, a H... SGPS, foi criada em condições em tudo idênticas à Requerente, procedeu – conforme resulta do RIT – apenas numa parte relativamente diminuta, ao pagamento de dividas ao seu accionista, nos termos considerados pela AT como de distribuição encapotada de dividendos.

                Assim, e face ao exposto, deve julgar-se não verificado o elemento-meio da CGAA.

 

*

                Quanto ao elemento resultado, escreveu-se na decisão arbitral que se está a acompanhar:

“Quanto ao elemento resultado – deve entender-se que com a obtenção da vantagem fiscal, na sequência do elemento meio, vantagem que deve ser aferida considerando a carga tributária que se verificaria caso tivessem sido praticados os actos ou negócios jurídicos de efeito económico equivalente e não passíveis de gerar a aplicação da cláusula geral anti-abuso.

Comparando, assim, a carga fiscal decorrente dos actos ou negócios jurídicos praticados, com a que resultaria na ausência dos mesmos, tem-se que, relativamente aos anos de 2004 a 2010, como não houve distribuição de dividendos por parte da A… aos seus acionistas, de uma forma ou de outra não haveria, neste período longo de sete anos, qualquer tributação, apesar de existirem no final de 2010 lucros acumulados de € 12,524.020,38, que poderiam ter chegado aos sócios das D… e E… sem qualquer tributação.

Não faz sentido que a AT diga que não fosse o pagamento da dívida aos acionistas B… e C…, por parte das SGPS D… e E…, estes receberiam dividendos, porquanto estas SGPS não os receberam, neste período de 2004 a 2010, da A….

Mesmo que por força da aplicação da CGAA se desconsiderassem os actos ou negócios jurídicos praticados, nada resultava de diferente em termos de tributação entre 2004 e 2010.

Aliás, até resultaria um menor imposto, porquanto os pagamentos de gratificações pagas aos acionistas Administradores C… e B…, entre 2004 e 2010 e aos trabalhadores, atingem o valor, respetivamente, de € 511.000,00 e € 489.150,00, sujeitas a tributação em IRS, por englobamento obrigatório, assim como os pagamentos da mesma natureza, entre 2011 e 2013, no valor respetivamente de € 62.400,00 e € 409.050,00.

E também deixaria de ser cobrado IRC pelas prestações de serviços efetuadas pelas SGPS D… e E… à A…, naqueles anos de 2004 a 2013, no valor, respetivamente, de € 2.804.400,00 e € 2.834.400,00, tendo € 990.000,00 e € 1.020.000 sido efetuadas nos anos de 2011 a 2013.

Somente a partir de 2011 é que a A… distribuiu dividendos às SGPS D… e E…, no valor total de € 3.650.000,00, assim repartidos pelos três anos, (1.000.000,00+1.000.000,00+1.650.000,00), em que não houve lugar a qualquer tributação, por beneficiarem do regime de eliminação da dupla tributação económica e, consequentemente, de dispensa de retenção na fonte, por força do artigo 32.º do EBF, que vigorou até à entrada em vigor do OE/2014. Também pelo artigo 51.º do CIRC estas sociedades beneficiavam da isenção, desde 2011.

Assim, não tendo havido distribuição de dividendos pela A… entre 2004 e 2010 – quando poderia ter havido – não se poderá concluir que dos actos ou negócios jurídicos antes referidos, tenham resultado vantagens fiscais superiores aquelas que resultariam se não tivessem sido constituídas as SGPS referidas.

Se a AT tivesse iniciado a sua ação de inspeção em 2011 ou mesmo 2012, não poderia concluir, de forma alguma que haviam sido praticados actos ou negócios jurídicos lesivos do Estado, por terem como objetivo principal ou um dos seus objetivos, a diminuição de impostos a pagar.

Se assim seria nestes anos, porque há-de concluir-se de modo diferente em 2016, relativamente a 2012 e 2013, mais de 8 anos anos depois da constituição das SGPS em causa, D… e E… .

Não se afigura plausível que quem tem intenção de planeamento fiscal agressivo proceda à criação de SGPS´s para não receber, desde logo, as “ditas vantagens”. Antes aguarde para obter vantagens 8 ou 9 anos depois, quando as circunstâncias negociais e de vida se alteram hoje em dia, a grande velocidade, incluindo a legislação fiscal (fator de todo incontrolável).”

Acresce ainda, como refere a Requerente, que, em alternativa, poderia endividar-se perante a banca e pagar de imediato ao seu sócio, e, neste caso, os dividendos distribuídos pela B... seriam utilizados na amortização do empréstimo bancário, situação em que a se obteria o mesmo resultado fiscal que a AT pretende obstar com a aplicação da CGAA, e que não exigiria quaisquer retenções na fonte à Requerente.

                E que, como também refere a Requerente, os rendimentos decorrentes dos dividendos distribuídos pela B..., ainda que, em termos de tesouraria, possam ter sido utilizados para amortização da dívida ao sócio, vão integrar os Resultados Transitados (e, eventualmente, ser transferidos para Reservas ou incorporados no capital social) e, seja numa distribuição normal de dividendos ou, no limite, aquando da liquidação da A..., irão inevitavelmente ser tributados na esfera jurídica do(s) seu(s) sócio(s).

                Pelo que, também o elemento resultado requerido para a legal aplicação da CGAA se deve ter por não verificado.

 

*

                No que respeita ao elemento intelectual, expendeu-se no aresto citado:

“Quanto ao elemento intelectual – que se considera cumprido quando a escolha do meio os dos meios seja “essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos” ou à obtenção de vantagens fiscais (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), há a referir o seguinte.

Este elemento, para além de exigir a verificação de um mais vantajoso tratamento fiscal, exige que o contribuinte pretenda que “um ato, um negócio ou uma determinada estrutura”, foi concebido e criado, “apenas ou principalmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam”.

Ou seja, importa que o meio utilizado tenha sido escolhido com a finalidade principal de “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos”, porquanto somente devem ser tidas como elisivas as operações em que o objetivo de economia fiscal seja o principal objetivo.

Daí que a demonstração deste objetivo constitua uma prova difícil e, em certos casos impossível, em razão das dificuldades inerentes à vertente subjetiva, tanto mais que determinadas motivações podem ter relevância em mais do que um único aspeto.

Estamos no domínio das intenções e, por isso, não é fácil e, por vezes até é impossível demonstrar o estado psicológico e emocional dos agentes, quando da prática dos atos ou negócios jurídicos praticados.

Por isso, deverá relevar apenas a motivação objetiva dos factos concretamente apreensíveis, tendo em conta a conceção objetiva a que se refere o artigo 63.º do CPPT, tendo em atenção os elementos de facto, objetivos, dos quais se possa retirar a ilação relativa à intenção do contribuinte.

A este respeito, alega a Requerente que “se a operação tivesse sido principalmente dirigida à obtenção de uma vantagem fiscal, teriam, ao invés, sido remunerados como a AT afirma ‘sob as vestes encapotadas de pagamentos do preço das ações’ sem qualquer tributação, o que não aconteceu, e põe em evidência a inexistência de intenções elisivas imputadas aos acionistas”.

E mais refere que “se as SGPS tivessem sido constituídas como meros veículos para esta operação, já teriam sido dissolvidas e liquidadas, o que igualmente não aconteceu”.

E esclarece ainda que “a D… deixou de ser acionista da A…, mas adquiriu, de imediato, participações em sociedade do setor imobiliário, para onde fez convergir a sua atividade e a E… reforçou a sua posição na A…”.

A Requerida refere a este respeito que sendo os resultados económicos concretizados nos exercícios de 2012 e 2103 sempre os mesmos, quer existissem ou não as sociedades D… e E…, “é notório que desde a constituição e manutenção destas sociedades, ao longo dos exercícios de 2004 a 2013, as mesmas serviram exclusivamente, como ‘meros veículos’ para encobrir os recebimentos dos dividendos da A…, de forma a anular os valores retidos, em sede de Retenção na Fonte de IRS”.

Face a tudo o que antecede e que tem sido apreciado pelo Tribunal, entende-se que se fosse como refere a AT, então a A… teria distribuído às sociedades D… e E…, desde 2004 até 2010, os dividendos acumulados de mais de 12 Milhões de euros, que poderiam ter servido para pagar as dívidas destas sociedades aos seus acionistas – o que não aconteceu.

 

Somente a partir de 2011, mais de 7 anos depois dos atos ou negócios jurídicos que vêm sendo referidos e apreciados, é que a A… começou a distribuir dividendos e em escala reduzida, em relação aos lucros acumulados.

Vê-se, assim, com alguma dificuldade, que seja possível considerar que o contribuinte tivesse pretendido, objetivamente, quer a título principal, quer acessório, que aqueles atos ou negócios jurídicos, ou até as estruturas, tenham sido concebidos apenas ou principalmente, para obtenção de vantagens fiscais que lhe proporcionassem a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos. Pois que somente devem ser tidas como elisivas as operações em que o objetivo de economia fiscal seja o principal objetivo.”

                Relativamente a esta questão, chama-se, novamente, à colacção a circunstância, já previamente apontada, de a Requerente apenas se ter tornado proprietária, na totalidade, da B..., em 2013, pelo que se finalidade exclusiva ou essencial do encadeado de operações figurado pela AT fosse a obtenção de vantagens fiscais da parte do sócio da Requerente, tal operação carecia, como se disse, por completo de sentido, o que é reforçado pelo, igualmente já referido, percurso da sociedade H... SGPS.

                Assim, sendo, aqui como no acórdão arbitral que se está a acompanhar, julga-se não dar como verificado elemento intelectual necessário à aplicação da CGAA.

 

*

                Continuando a acompanhar a referida decisão:

“Quanto ao elemento normativo – que se consubstancia no requisito abusivo, segundo o qual se exige que os actos ou negócios jurídicos tenham sido celebrados por meios artificiosos ou fraudulentos, com abuso das formas jurídicas.

Porque importa que todos os elementos sejam verificados para que possa ser aplicada a CGAA, impõe-se também, neste caso, a apreciação dos actos ou negócios jurídicos praticados, no sentido de conhecer se foi ultrapassado o limiar do legítimo planeamento fiscal, quando da obtenção de eventuais vantagens fiscais.

O comportamento da Requerente deve, pois, merecer um juízo de reprovação pelo Direito, já que os casos de elisão fiscal que determinem mera poupança fiscal legítima não são censuráveis.

É óbvio que todos os elementos que vêm sendo apreciados têm o seu encadeamento e, por isso, todos devem dar-se por verificados, para que sejam verificados os pressupostos para aplicação da CGAA.

Relativamente a este pressuposto, importa conhecer, por um lado, se a criação das SGPS teve finalidade organizativa ou era dispensada, e, por outro, se delas resultou um comportamento que merece reprovação.

Alega a Requerente que a constituição das SGPs em causa teve a finalidade que lhe está consagrada no respetivo quadro normativo e que o pagamento da dívida pelas mesmas aos seus acionistas não tem qualquer relevância fiscal, não constituindo facto tributário no sistema fiscal.

Quanto à não tributação dos dividendos pagos pela A… às SGPS em causa, D… e E…, a mesma ficou a dever-se em razão de manifesta intenção do legislador plasmada no ex-n.º 1 do artigo 32.º do EBF e atual 51.º do CIRC à data dos factos, como forma de eliminação da dupla tributação económica ao nível das SGPS.

E mais refere que “não há, portanto, qualquer juízo de reprovação pelo direito quanto aos atos ou negócios efetuados”.

E porque a AT não pode “ficcionar que os dividendos foram pagos pela A… aos sócios das SGPS”, quando foram pagos a estas.

Fazê-lo, tratar-se-ia de “uma ilegítima desconsideração da personalidade jurídica de duas sociedades, que só encontra justificação na ‘necessidade’ de colocar a A… na condição de sujeito passivo de uma relação jurídica de substituição tributária…”.

A Requerida, por sua vez, refere que “Os ganhos obtidos por B… e C… são efetivamente a exclusão da tributação do recebimento dos dividendos (operação real), sob a operação aparente de pagamento do preço das ações”. 

Ora sucede que a criação das SGPS resultou, por um lado, da vontade dos acionistas, como instrumentos de gestão das participações. Para além disso, a criação de SGPS tem por finalidade, segundo a Requerente, permitir a manutenção do capital social na mão da família.

E, por outro, desde a criação das duas primeiras SGPS, em 2001, até a A… começar a distribuir dividendos, a partir de 2011, são decorridos 8 anos após a constituição das SGPS D… e E… .

Assim se a A… tivesse, desde logo, pelo menos desde 204 ou 2005, procedido à distribuição de dividendos às SGPS D… e E… e estas não os distribuíssem, de seguida, aos seus acionistas, não ocorrendo, portanto, a tributação dos mesmos, então daríamos como verificado este elemento normativo.

Acontece que todo o processo organizativo antes demonstrado se iniciou em 2001 com a criação das SGPS F… e G… e continuou em 2004 com a criação das SGPS D… e E…, e apenas em 2011, apesar dos enormes lucros acumulados, de mais de 12 Milhões de euros, é que a A… deu início à distribuição de dividendos.

Assim sendo, por tudo o quanto foi dito, não pode deduzir-se, sem mais, que os referidos atos jurídicos tenham tido por finalidade um planeamento fiscal agressivo censurado pelo Direito.

De referir, adicionalmente e em reforço, relativamente ao invocado planeamento fiscal pela AT, refere Saldanha Sanches que o planeamento fiscal legítimo “consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por ação intencional ou por omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais”; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo “consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, p.21).

Donde, não poderá dizer-se, no caso em análise, que se está perante uma atuação contra-legem ou extra-legem, por a Requerente não ter uma atuação frontal e inequivocamente ilícita, nem aproveitado de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável.

Está-se, outrossim, perante uma atuação intra-legem e, portanto, perante um planeamento fiscal legítimo ou não abusivo, porquanto a obtenção de uma poupança fiscal, em si mesmo, não constitui[6] um comportamento proibido por lei, desde que os atos ou negócios jurídicos praticados não sejam artificiosos ou fraudulentos – o que no entender do Tribunal, pelos fundamentos já referidos não o foram.

Em suma, mesmo que não tivessem sido criadas as referidas SGPS, os acionistas C… e B…, a manter-se o mesmo comportamento da A…, não teriam recebido quaisquer dividendos de 2001 a 2010.

E relativamente ao argumento da AT de que o aumento do valor das ações verificado em 2001 serviu para criar dívidas a favor dos acionistas, o que, na opinião da AT, tais dívidas constituem verdadeiros “dividendos encapotados”, também poderia, eventualmente, concluir-se que assim poderia ter sido, se de facto tivessem, desde logo, sido distribuídos dividendos, o que não aconteceu.

Não se vê, pois, que os pressupostos exigidos por este elemento se mostrem verificados, ou seja, que toda a organização do Grupo tenha sido criado como meio artificioso e com a finalidade de evasão fiscal, o mesmo é dizer que tenha havido um planeamento fiscal agressivo, censurado pelo Direito.

Posto tudo o que antecede, não poderá dar-se por verificado qualquer dos elementos que pressupõem a aplicação da CGAA, porquanto:

Não existe um encadeamento de negócios jurídicos anómalo e de escusada complexidade ou de duvidosa eficácia relativamente aos fins para que criados;

Não se mostra claro que tenha sido desenvolvido com o intuito quer dominante, quer exclusivo, de obtenção de um resultado fiscal diverso do que corresponderia a uma normalidade negocial, visto que nada de anormal ocorreu;

E se foram gerados créditos a favor dos acionistas, tudo se deve à reavaliação da sociedade-mãe, em 2001, feita por Sociedade de ROC´s de reconhecido mérito e somente em 2011 começaram a ser distribuídos dividendos às últimas duas SGPS criadas.”.

               

Também aqui se subscreve, no essencial, o quanto se transcreve, acrescentando-se apenas que subjacente ao entendimento plasmado pela AT no RIT, está a circunstância de o preço de venda das acções às SGPS tivesse sido artificialmente inflacionado, o que não é, por qualquer forma, demonstrado no autos.

 

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                Por fim, no que diz respeito ao elemento sancionatório, nada se tem a acrescentar ao expendido no mesmo processo arbitral 296/2017T, onde se lê que:

“Este elemento pressupõe a verificação cumulativa dos restantes elementos, de forma a permitir a aplicação da sanção de ineficácia, em termos estritamente fiscais, dos atos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, efetuando-se então, face ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência.

No entender da Requerente não faz sentido a desconsideração das referidas SGPS, designadamente a D…, porquanto, “após a venda da sua participação financeira ao sócio maioritário da A…, recentrou de imediato a sua atividade no setor imobiliário adquirindo a M… SA e, mais tarde, fundando uma empresa ligada à área das redes de abastecimento de águas, a N… SA. Tem, portanto, investimentos diversificados, emprega pessoas e gere participações sociais”.

A Requerida AT entende, por outro lado, que as sociedades D…-SGPS e E…-SGPS devem ser desconsideradas fiscalmente, bem como os negócios traçados de alienação das participações na sociedade A… a estas sociedades, de forma a reconstruir os negócios de molde a que produzam os seus reais efeitos fiscais.

Acontece que, no caso em apreço, se foi concluindo, ao longo da análise de toda a argumentação das partes e dos atos e negócios celebrados e constantes dos autos, que eles não conduziam ao preenchimento de nenhum dos elementos que integram doutrinariamente a CGAA, conforme conclusões extraídas relativamente a cada um.

 Donde se impor concluir não ser relevante, porque prejudicado, a apreciação deste elemento no caso dos autos.

O mesmo se diga quanto à questão da inoponibilidade à Requerente, como substituta tributária, da desconsideração de efeitos fiscais resultantes da aplicação da CGAA.

Somente, portanto, em caso de ser legítima e devida a aplicação da CGAA, é que haveria que proceder à reconstituição da situação que, para efeitos fiscais se verificaria, caso a Requerente não tivesse praticado os atos e negócios jurídicos em causa.

Por tudo o quanto vai dito, conclui-se não haver fundamento legal para aplicação da CGAA, por falta de verificação dos respetivos pressupostos, designadamente dos constantes do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.”

               

Falecendo, face a todo o exposto, os pressupostos da aplicação da CGAA conforme operada pela AT, deverá julgar-se verificado o arguido vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito na aplicação da CGAA, procedendo dessa forma o pedido arbitral, e ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos ora anulados e, ainda, a ser ressarcida pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular os actos de liquidação de IRS (retenções na fonte) n.º 2019..., relativo ao ano de 2014, no valor de € 162.414,71, e n.º 2019..., relativo ao ano de 2016, no valor de € 342 341,55;

b)           Condenar a AT na restituição das quantias indevidamente pagas por força das liquidações ora anuladas, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 504.846,26, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.956,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal            

(José Ramos Alexandre)

 

O Árbitro Vogal

(Isaque Marcos Lameiras Ramos)