Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 563/2019-T
Data da decisão: 2020-02-13  IRC  
Valor do pedido: € 90.285,87
Tema: IRC - Requisitos de documentos. Dedutibilidade. IVA. Venda de bens usados.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Isaque Marcos Lameiras Ramos e Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-11-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., UNIPESSOAL, LDA., doravante apenas “Requerente”, com sede social sita na ..., n.º..., ..., ...-... ..., titular do número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) ..., veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende:

– a anulação da liquidação das liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2014 e 2015, com os n.ºs 2018 ... e 2018 ..., respectivamente, e inerentes juros compensatórios, bem como a anulação das decisões das reclamações graciosas, com o correspondente reembolso dos montantes pagos em excesso;

– a anulação das liquidações adicionais de IVA efetuadas sob os n.ºs 2018 ... - 2014.03T; 2018 ... - 2014.06T; 2018 ... - 2014.09T; 2018 ... - 2014.12T; 2018 ... 2015.01; 2018 ...- 2015.02; 2018 ...- 2015.06; 2018 ... - 2015.07; 2018 ... - 2015.09; 2018 ... - 2015.10.

 

A Requerente pede o reembolso dos montantes pagos em excesso com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-08-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 14-10-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-11-2019.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Foi marcada data para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, mas, na sequência de falta do Senhor Advogado mandatado pela Requerente e da testemunha indicada, o Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 19.º do RJAT, decidiu o prosseguimento do processo e a consequente emissão de decisão arbitral com base na prova produzida, com dispensa de alegações.

                               O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           Ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017... e OI2017..., a Requerente foi objecto de um procedimento de inspeção tributária externo, de âmbito parcial, com a finalidade de “comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”, do qual resultaram correções à matéria coletável,

B)           No procedimento de inspecção foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

O motivo que determinou a presente ação, como sumariamente referido no ponto II.2. deste relatório, prende-se com o facto da A..., através do seu gerente, ter concretizado negócios de compra de viaturas usadas com os Srs. B..., NIF ... e C..., NIF..., pai de B..., sendo plenamente do seu conhecimento que estes exerciam a atividade comercial de compra e venda de viaturas usadas e, mesmo assim, aceitar como documentos de compra meras declarações de venda como se de particulares se tratassem. Ainda que por hipótese meramente académica, uma vez o Sr. D... é um pleno conhecedor do sector, se admita que não era do conhecimento da A... a existência do stand "E..." situado na Rua ..., ...-..., onde B... e C... exerciam a sua atividade de compra e venda de veículos usados, seria sempre de concluir, face ao número de negócios propostos por estes, que se tratava de comerciantes de automóveis, até porque, as viaturas transacionadas se encontravam registadas em nome de terceiros que não os vendedores.

Refira-se que estes negócios se iniciaram pelo menos em 2013 e que a partir de dezembro de 2015, o Sr. D... começou a exigir destes seus "fornecedores" a emissão de fatura, exigência a que estes acederam com a emissão de faturas em nome da E..., Unipessoal, Lda., NIF..., sociedade por eles gerida.

(...)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. EM SEDE DE IRC

III.1.1. ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS - COMPRAS DE VIATURAS

Efetuamos a análise às operações comerciais - compra de viaturas - realizadas pela A... quer diretamente a B... – B... - e a C... - C... - quer por seu intermédio (com pessoas com eles relacionadas ou com clientes seus).

B... e C... desenvolviam a sua atividade de compra e venda de viaturas há largos anos através de um stand com a designação comercial E... (iniciais de B...), localizado em ..., concelho de ..., e adquirindo as viaturas para venda através de duas sociedades das quais eram gerentes, a E...-..., Lda., NIF ... e a F..., Lda., NIF... . Transacionavam essencialmente viaturas usadas, de gama alta, adquiridas no mercado intracomunitário, publicitavam-nas também através do sítio internet "...", e angariavam clientes por todo o país, sendo também bastante conhecidos no setor.

No âmbito de ações inspetivas realizadas às sociedades antes referidas, verificou-se, entre outros, que os negócios envolvendo as viaturas de retoma, isto é, viaturas que B... e C... recebiam dos seus clientes como parte do preço acordado na venda das viaturas importadas, eram realizados sem obedecer às mais elementares regras fiscais e comerciais. De facto, embora as viaturas fossem retomadas no âmbito de uma atividade comercial, a sua venda posterior era concretizada com a emissão de meras declarações de venda (documentos particulares) emitidas em nome de B..., de C... ou de G... (ex-companheira de B...), NIF ..., como se estes fossem os efetivos vendedores ou em que estes foram identificados como intermediários. Ou seja, o documento emitido para efeito de venda de tais viaturas de retoma não era uma fatura mas uma mera declaração de venda, como se de um particular se tratasse.

Feito o enquadramento da situação, no quadro seguinte são identificados os negócios celebrados pela A... entre 2013 e 2015, relacionados com este esquema (documentação em anexo n.º 4):

 

Dos factos até aqui expostos, retiram-se as seguintes conclusões:

- B... e C... desenvolviam a sua atividade de comércio de automóveis desde pelo menos 2009, primeiro em nome individual e posteriormente através de sociedades constituídas para o efeito, no stand E..., localizado em ..., concelho de ...;

- Comercializavam essencialmente viaturas em segunda mão, de gama alta, adquiridas no mercado intracomunitário para o efeito, fazendo a sua divulgação também na internet através do sítio ...;

- O Sr. D... exerceu também a atividade de comércio de automóveis através da sociedade por quotas "H..., Lda" (em que o outro sócio também desenvolvia a atividade de compra e venda de viaturas usadas em stand localizado em  ...-...), com início de atividade em 2011 e sede na Rua ... ..., concelho de ..., ou seja, nas proximidades do Stand E...;

- Tendo o responsável da A... um vasto conhecimento do mercado de compra e venda de viaturas usadas, sabia certamente da existência do stand E... onde B... e C... desenvolviam a sua atividade, que era conhecido e tinha clientes de todo o país;

- Além disso, o número de negócios realizado pela A... com B... e C... ou por intermédio destes, evidencia claramente o exercício da atividade comercial de compra e venda de viaturas usadas, sabendo o Sr. D... que a emissão de fatura por tais negócios é uma das regras básicas legalmente exigidas, até porque também é comerciante de automóveis;

- Também o facto de as viaturas "vendidas" por B... e C... nunca terem estado registadas em nome destes, evidenciava claramente que tais transações nunca poderiam ser efetuadas através da emissão das declarações de venda (documentos particulares destinados à venda de viaturas por parte dos seus proprietários, quando particulares);

- A partir de dezembro de 2015, a A... passou a ter faturas de venda por parte destes fornecedores, emitidas em nome da E..., Unipessoal, Lda, conforme identificadas no quadro seguinte:

 

Determina o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IRC que "Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.", o que implica que, sendo o fornecedor dos bens um sujeito passivo no exercício de uma atividade económica, como é o caso em análise, o documento comprovativo das compras teria obrigatoriamente que assumir a forma de fatura.

Por sua vez, o artigo 23.º-A, nº 1, alínea c) determina que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

Assim, dado que os negócios aqui descritos não possuem a documentação de suporte legalmente exigida para que o custo de aquisição das viaturas seja aceite como gasto fiscal (as transações comerciais realizadas por B... e C... ou por seu intermédio, não podiam ser sustentadas por meras declarações de venda como se de particulares se tratassem uma vez que foram efetivamente realizadas no exercício de uma vasta atividade económica desenvolvida sob a designação comercial de "E...", como era do conhecimento da A..., vamos efetuar a correspondente correção em sede de IRC, acrescendo ao lucro tributável valor das aquisições tituladas por declarações de venda antes referidas, nos montantes globais de:

2014: €108.250,00 2015: €42.470,00

 

(...)

 

III.2. EM SEDE DE IVA- PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO 2013

III.2.1 ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS – COMPRAS DE VIATURAS

A situação descrita no ponto III.1. 1 tem também impacto ao nível da liquidação do IVA.

Consistindo a atividade do sujeito passivo na compra e venda de viaturas usadas, podem as transmissões efetuadas beneficiar do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Confeção e Antiguidades, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, vulgarmente designado de regime da Margem, desde que verificada pelo menos uma das condições referidas no n.º 1 do artigo 3.º do referido Regime, o qual refere que:

"As transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção ou de antiguidades, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:

a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo;

b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;

c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objeto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;

d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efetuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efetuada."

O sujeito passivo procedeu à aquisição de viaturas usadas a B... e a C... ou por seu intermédio, tendo na venda das referidas viaturas aplicado o regime da margem acima referido um vez que tais aquisições foram, apenas e só em termos formais, adquiridas a particulares (não sujeitos passivos), enquadrando-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Regime Especial.

No entanto, após as diligências efetuadas e que se se encontram descritas no ponto III. 1.1. deste relatório, designadamente tendo em conta as informações/elementos recolhidos no processo de inspeção realizado às sociedades E... e F..., verificou-se que as viaturas usadas foram efetivamente adquiridas no âmbito de uma atividade comercial de compra e venda de viaturas desenvolvida pelos fornecedores há longos anos, situação esta do conhecimento do responsável da A... ou seja, não foram compradas a particulares (não sujeitos passivos de IVA), mas sim a sujeitos passivos de IVA.

Verifica-se, assim, que a aplicação do regime especial de IVA dos bens em segunda (regime da margem) pelo sujeito passivo na venda das referidas viaturas foi incorreta, na medida em que as mesmas não foram adquiridas em qualquer uma das condições referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 3.º do referido regime especial.

Assim, por se reconhecer que os contornos verdadeiros dos negócios celebrados com B... e C... não são os que decorrem das declarações particulares que serviram ao registo contabilístico destas compras de mercadorias, não é possível aferir se se verifica uma das condições do n.º 1 do artigo 3.º do regime especial, para legitimar a aplicação do regime da margem na venda das viaturas.

Assim, não estando comprovadas as condições para beneficiar do regime da margem, a venda das referidas viaturas estará sujeita ao regime geral do IVA, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 16.º do CIVA.

Uma vez que o sujeito passivo procedeu já à liquidação de IVA sobre a margem de venda, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, estará em falta a liquidação de imposto sobre o valor de aquisição, pelo que, os elementos a considerar em cada ano são os que decorrem dos seguintes valores:

 

Em resumo, as correções decorrentes deste ponto são as seguintes:

 

(...)

 

IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

(...)

 

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO-FUNDAMENTAÇÃO

(...)

i. Encargos não devidamente documentados - compras de viaturas (pontos 26.º a 62.º do DAP1

Nos pontos 26.º a 33.º do DAP o contribuinte limita-se a fazer um relato sucinto da situação ocorrida relativamente a um conjunto de viaturas adquiridas a ou por intermédio de B... e C... . Note-se que, neste relato, fica bem patente que a intervenção daqueles vendedores em todos estes negócios era do conhecimento do Sr. D... .

Nos pontos 34. º a 45.º da DAP o contribuinte afirma que:

• Foi efetuada uma interpretação errada dos esclarecimentos prestados pelo Sr. D... relativamente ao envolvimento do Sr. B... em diversos negócios de compra de viaturas;

• É identificada uma tipologia de compra descrita como "Intermediação de B..." relativa a 3 viaturas (...; ... e...), sendo apenas mencionado o nome de B... no sentido de que se tratou meramente da pessoa que fez a introdução dos vendedores;

• Em consequência do ponto anterior, estão em causa 6 vendedores particulares (B..., C..., G..., I..., J... e K...);

• A AT dispunha de informação privilegiada relativamente à E..., não facultada à A..., não sendo do conhecimento desta a existência de qualquer estrutura empresarial associada a B... e C...;

• O elevado número de viaturas adquiridas ao Sr. B... (atuando como particular) seria justificado por se tratar de um "amante de automóveis".

Para além da discordância com qualquer dos argumentos antes invocados, não podemos deixar de realçar a ligeireza com que foi alterada a versão dos acontecimentos em relação ao que foi sendo transmitido ao longo da ação inspetiva, senão vejamos:

• Como é do conhecimento do Sr. D..., quando foi solicitada a colaboração da A... no sentido de facultar informação sobre os negócios realizados com os Srs. B... e C... ou com alguma das suas empresas, a informação foi fornecida de imediato e com aparente facilidade, inclusivamente identificando viaturas que, até então, eram do desconhecimento da AT e que possibilitou a deteção de outras viaturas transacionadas por B... e C... . Ou seja, foi a própria A... que identificou as viaturas transacionadas com estes indivíduos, independentemente do nome que figura nas respetivas declarações de venda de veículos;

Note-se que o termo "INTERMEDIAÇÃO" foi adotado pelo responsável da A... que, inclusivamente, em 18 de Julho de 2017 prestou o seguinte esclarecimento relativamente ao "papel" desempenhado por B...:

 

No caso das viaturas identificadas no ponto 29.º ao DAP foi exatamente este comportamento que se verificou. As viaturas pertenciam a B... porque este as tinha adquirido por retoma na venda de viaturas importadas aos seus clientes (a transferência do registo de propriedade é normalmente efetuada apenas para o cliente final), ou seja, constituíam parte do preço entregue pelos clientes daquele na aquisição de uma viatura importada. Posteriormente, B... vendia as viaturas de retoma a outros comerciantes de automóveis, entre os quais assume especial destaque a A..., emitindo declarações de venda em nome próprio ou entregando as declarações dos próprios clientes (sempre documentos particulares);

O modus operandi era sempre o mesmo, tal como o Sr. D... explicou espontaneamente no email referido, sendo bem evidentes as normais caraterísticas associadas a uma atividade comercial desenvolvida de forma reiterada;

Sendo certo que a AT dispõe, efetivamente, de informação detalhada respeitante à atividade desenvolvida por B... e C... (conforme é referido no ponto 37.º do DAP), informação essa que lhe permitiu concluir no sentido das correções plasmadas neste relatório, não é menos verdade que o sujeito passivo dispunha de informação mais do que suficiente para fazer o que lhe competia – exigir a B... a emissão de fatura pela venda das viaturas que este lhe apresentava para o efeito e que trazia às suas instalações, porque o fazia no âmbito de uma atividade comercial;

Voltando aos pontos 29º a 36º do DAP, refira-se a título de exemplo a viatura de matrícula ..., associada à tipologia de compra "Intermediação de B..." mas com a declaração de venda em nome do seu proprietário J...:

             Ao contrário do afirmado no DAP, não é verdade que a A... tenha adquirido a viatura diretamente a este particular, com B... no mero papel de "... pessoa que fez a introdução dos vendedores' (ponto 30º);

             Não é verdade que o envolvimento do Sr. B... nas transações "... se cinge exclusivamente à recomendação dos serviços da A... a conhecidos seus, que ... necessitavam de vender as suas viaturas" (ponto 34º);

             A VERDADE é que o Sr. J... adquiriu uma viatura ... a B..., pela qual pagou, € 7.000,00 em numerário, € 24.000,00 por transferência bancária e entregou a viatura de matrícula ..., como retoma, perfazendo assim o preço total da nova viatura adquirida;

             Na posse desta viatura ..., B... procedeu à sua venda à A..., usando como documento a própria declaração do anterior proprietário;

             Aliás, de acordo com o email anterior, o preço de retoma já era estipulado com a concordância da A..., mas J... vendeu a viatura a B... e não diretamente à A...;

             O mesmo sucedeu com as restantes viaturas indicadas. A viatura de matrícula ... foi entregue pelo seu proprietário, I..., a B... como parte do preço de aquisição de uma viatura ... . Já a viatura de matrícula ..., foi entregue pelo seu proprietário, K..., a B... como parte do preço de aquisição de uma viatura ..., modelo ... . Portanto, nenhum destes intervenientes particulares realizou qualquer negócio diretamente com a A...;

             Todas estas transações se encontram devidamente detalhadas no processo de inquérito que envolve B... e foram confirmadas pelos seus intervenientes nas declarações prestadas no âmbito do mesmo, pelo que, não se pode ter por verdadeira a versão agora apresentada pela A... mas sim a primeira versão que consta do email antes referido. De qualquer forma, a A... não necessitava de todas estas informações para evitar incorrer em irregularidades fiscais. Sabendo que estava a adquirir uma viatura a um comerciante de automóveis, B..., só tinha que lhe exigir um documento válido para sustentar tal aquisição - a fatura;

             O exposto no ponto anterior conclui-se que, de facto, não estão em causa 6 vendedores particulares mas tão somente estão em causa negócios realizados no âmbito da atividade desenvolvida por B... e C... . O Sr. D... sempre teve pleno conhecimento da origem das viaturas, ou seja, sempre soube que se tratava de viaturas de retoma na venda de outras, portanto, no âmbito da atividade comercial desenvolvida sobretudo por B...;

             O contribuinte assume que a posição da AT seria a exigência de fatura emitida pela E... . Ora, esta nunca poderia ser a questão uma vez que a E... (sociedade) apenas foi constituída em Outubro de 2014 (aliás, como referido pelo contribuinte) mas sim, o facto de estarmos perante uma atividade comercial continuada - desenvolvida sob a designação comercial E... como stand e ponto de venda de automóveis desde, pelo menos, 2009 e - que obrigaria sempre à existência de faturas de venda (emitidas pelo vendedor, seja ele pessoa singular ou coletiva). Este documento é essencial para a dedução do gasto em sede de IRC, face ao disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC e a obrigação de emissão de fatura encontra-se regulamentada no CIVA, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º.

Como se conclui, nenhum destes factos decorre de informação não disponível para o contribuinte; « O último argumento também não pode ser acolhido uma vez que a intervenção de B... no "mundo dos automóveis" era conhecida do sr. D... e até do país inteiro, e mesmo que assim não fosse, os particulares "amantes de automóveis" vendem as viaturas que lhe pertencem e não as pertencentes e registadas em nome de terceiros, como acontecia com B... . Mas mesmo que se lhe reconhecesse tal "estatuto" de "amante de automóveis", a compra e venda de viaturas realizada de forma reiterada estaria sempre sujeita às mesmas normas legais que obrigam as atividades comerciais continuadas a estarem sujeitas a IVA e a Impostos sobre o Rendimento - IRS ou IRC.

Em jeito de conclusão relativamente aos factos até aqui invocados, sempre se dirá que o próprio contribuinte identificou esta situação como irregular, passando a exigir a emissão de fatura (da E... ou outro interveniente devidamente coletado para tal) e foi postura sua durante todo o procedimento inspetivo assumir o conhecimento da qualidade em que B... e C... intervinham nos negócios - vendedores, não se compreendendo a posição agora assumida. Aliás, se no ponto 35º do DAP a A... se autodenomina como"... entidade de referência na região, no que toca a compra e venda de viaturas usadas", B... e seu pai, através do stand E... e com presença assídua na internet, não lhe ficavam atrás, nem em número de viaturas vendidas, nem em valor, chegando a clientes de norte a sul do país, incluindo figuras públicas que conjuntamente com aqueles apareciam no jornal a divulgar o stand de venda de automóveis. Além disso, não se concebe que o Sr. D... não tivesse conhecimento da referida atividade e do local onde era exercida, tendo em conta a proximidade geográfica e o facto de ser um dos maiores se não o maior e mais assíduo dos clientes daqueles.

Nos pontos 46.º a 62.º do DAP o contribuinte cinge a sua defesa em torno da E... (sociedade), alegando o seguinte:

«A E... foi constituída em 30 de Outubro de 2014 e que apenas C... tinha uma relação factual com esta empresa (sócio único e gerente);

• Entre a data da primeira aquisição, a 3 de Fevereiro de 2014 e 30 de Outubro do mesmo ano, não conseguem estabelecer uma relação entre os 6 vendedores (incluem B..., C..., G...- companheira de B...) e esta empresa;

• Após 30 de Outubro de 2014, assume que poderia ter encetado diligências internas que permitissem aferir da ligação entre C... e a E...;

• Que a A... nunca poderia estabelecer ou ter conhecimento de relação existente entre a E... (sociedade) e qualquer um dos restantes 5 vendedores, porque ela formalmente não existiu. Não obstante, reconhece que, dada a relação familiar de B... e C... (pai filho), pode aceitar a existência de ligação de ambos com a E..., mas que tal não pode estender-se aos restantes 4 vendedores;

• Conclui que a correção proposta decorrente da desconsideração destes negócios se traduz num; grave injustiça, por assentar em factos que não eram do conhecimento da A... em 2014 e 2015.

Sobre os argumentos invocados no ponto anterior voltamos a reiterar o seguinte:

• No decorrer de todo o procedimento inspetivo, o sujeito passivo, representado pelo sr. D..., sempre assumiu o conhecimento da atividade desenvolvida por B... e C...;

• Não está em causa a existência formal da sociedade E... mas sim a existência de um ponte de compra e venda de viaturas usadas que funcionava sob tal designação comercial (desde 2009) e que identificava uma estrutura comercial amplamente conhecida (até a nível nacional);

• Consequentemente, não está em causa a identificação de relações pessoais ou comerciais da empresa E... com cada um dos emitentes de declarações de venda particulares. O que se mostra relevante, é estar em causa um conjunto de transações realizadas, sem margem para dúvidas, no âmbito de uma atividade comercial porque eram sempre os mesmos a apresentar as viaturas para venda, e que a A..., ao não exigir fatura pelas aquisições efetuadas, ajudou a manter à margem da lei com as consequências por todos conhecidas;

• Além disso, o sujeito passivo omite pronúncia mas é um facto, que efetuou várias transferências bancárias para pagamento destas viaturas dirigidas a contas bancárias tituladas pela empresa F..., estranhando-se que, também por esta via, não tenha colocado a hipótese de ter como interlocutor um sujeito aluando no âmbito de uma atividade comercial.

Concluindo:

- Todas as viaturas aqui em análise levadas ao conhecimento e vendidas à A... por B... e C..., são viaturas de retoma, isto é, foram obtidas por estes em troca de outras viaturas alienadas aos seus proprietários;

- A relação comercial estabelecida entre a A... e estes intervenientes subsistiu desde julho de 2013 até maio de 2016, passando as transações a ser tituladas por faturas da E... apenas a partir de dezembro de 2015;

- Sem fatura, foi possível identificar que foram transacionadas 7 viaturas em 2013, 16 em 2014 e 5 em 2015, números que, por si sós, denunciam a existência de uma atividade comercial subjacente a estas transações. Note-se que foi o próprio sujeito passivo a identificar as viaturas que foram adquiridas a B... e C..., ainda que em alguns dos documentos particulares designados por "declarações de venda" figurem como vendedores os seus anteriores proprietários;

- A A..., ao não exigir fatura pelas aquisições efetuadas, ajudou a manter à margem da lei a atividade comercial desenvolvida por B... e C..., com as consequências por todos conhecidas;

- A falta de fatura descredibiliza as operações também ao nível dos preços de compra praticados, não sendo, nestas circunstâncias, as declarações particulares um documento válido para legitimar a dedução de gastos para efeitos fiscais, à luz dos artigos 23º e 23º-A do CIRC, razão pela qual, foram desconsideradas para efeito de apuramento do lucro tributável.

 

C)           Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2014 e 2015, com os n.ºs 2018 ... e 2018 ..., respectivamente, e inerentes juros compensatórios, e as liquidações de IVA e juros compensatórios nºs 2018 ...- 2014.03T; 2018 ... - 2014.06T; 2018 ... - 2014.09T; 2018 ... - 2014.12T; 2018 ... 2015.01; 2018 ... - 2015.02; 2018 ... - 2015.06; 2018 ... - 2015.07; 2018 ... - 2015.09; 2018 ... - 2015.10 (documentos n.ºs 3, 4 e 5, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D)           A Requerente apresentou reclamações graciosas das liquidações que foram indeferidas por despachos de 23-05-2019 (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

E)            Em 11-03-2015, a Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira uma denúncia relativa à não emissão de factura pela E..., UNIPESSOAL, LDA, relativamente à venda do automóvel com a matrícula ... (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            A Requerente pagou parcialmente as quantias liquidadas (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           Em 26-08-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pelos que constam do processo administrativo.

Não se provou que apenas em 2015 a Requerente tenha começado a exigir facturas relativas aos automóveis adquiridos. O Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se incluem cópias de emails de Janeiro de 2015, relativos a uma viatura adquirida no ano anterior (com a matrícula ...), aponta no sentido de a Requerente exigir emissão de facturas relativamente a transacções anteriores a 2015.

Por outro lado, o facto de a Requerente ter denunciado à Autoridade Tributária e Aduaneira a falta de emissão de facturas aponta no sentido de ter anteriormente efectuado diligências tendo em vista a sua obtenção, pois, à face das regras da experiência, a apresentação da denúncia será, como defende a Requerente, uma situação-limite, só usada depois de diligências anteriores infrutíferas.

Porém, esta denúncia não permite concluir que a Requerente era uma entidade cumpridora das obrigações fiscais, desde logo porque havia várias outras viaturas adquiridas aos referidos B... e C... sem emissão de facturas, pelo menos desde 2013, que não foram denunciadas.

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente em sede de IRC e IVA que teve por objecto análise às operações comerciais - compra de viaturas - realizadas pela Requerente, quer diretamente a B... (doravante “B...”) e a C... (doravante “C...”), quer por seu intermédio (com pessoas com eles relacionadas ou com clientes seus).

Foram efectuadas correcções em sede de IRC e de IVA.

 

3.1. IRC. Dedutibilidade de gastos sem facturas

 

3.1.1 Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apurou que a Requerente efetuou «negócios envolvendo as viaturas de retoma, isto é, viaturas que B... e C... recebiam dos seus clientes como parte do preço acordado na venda das viaturas importadas, eram realizados sem obedecer às mais elementares regras fiscais e comerciais. De facto, embora as viaturas fossem retomadas no âmbito de uma atividade comercial, a sua venda posterior era concretizada com a emissão de meras declarações de venda (documentos particulares) emitidas em nome de B..., de C... ou de G... (ex-companheira de B...), NIF..., como se estes fossem os efetivos vendedores ou em que estes foram identificados como intermediários. Ou seja, o documento emitido para efeito de venda de tais viaturas de retoma não era uma fatura mas uma mera declaração de venda, como se de um particular se tratasse».

A partir de Dezembro de 2015, a A... passou a ter faturas de venda por parte destes fornecedores, emitidas em nome da E..., Unipessoal, Lda.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «o artigo 23.º-A, nº 1, alínea c) determina que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

Assim, dado que os negócios aqui descritos não possuem a documentação de suporte legalmente exigida para que o custo de aquisição das viaturas seja aceite como gasto fiscal (as transações comerciais realizadas por B... e C... ou por seu intermédio, não podiam ser sustentadas por meras declarações de venda como se de particulares se tratassem uma vez que foram efetivamente realizadas no exercício de uma vasta atividade económica desenvolvida sob a designação comercial de "E...", como era do conhecimento da A..., vamos efetuar a correspondente correção em sede de IRC, acrescendo ao lucro tributável valor das aquisições tituladas por declarações de venda antes referidas, nos montantes globais de: 2014: €108.250,00 2015: €42.470,00

A Requerente afirma que sempre procurou obter as facturas em falta e imputa a esta correcção vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 Defende a Requerente, em suma,

– apesar de não ter na sua posse facturas, por não lhe serem emitidas pelos vendedores, tinha declarações de venda e documentos comprovativos de transferências bancárias que comprovam a materialidade das operações, que não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

– nestas condições, entende a Requerente que a «irregularidade formal» de não eram facturas que não lhe foram emitidas pelos vendedores, deve considerar-se suprida;

– o 23.º-A, 2ª parte, do Código do IRC, é insuscetível de ser chamado ao presente pleito, pelo que, em tese, e por se mostrarem preenchidos os pressupostos ínsitos na sua 1.ª parte, deverá ser desconsiderado no caso aqui escrutinado, de acordo com os princípios da prevalência da substância sob a forma e da verdade material;

– os sujeitos passivos podem fazer uso de meios complementares ao seu alcance, documentais, contabilísticos ou mesmo prova testemunhal, desde que o ónus probandi operado contenha a virtualidade de permitir alcançar a verdade material;

– a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, equivaleria à tributação por um lucro que não existe, a um imposto não consentâneo com a correspondente capacidade contributiva;

– não pode, de todo, sob pena de a AT incorrer em vício de violação de lei, denegar-se a dedutibilidade fiscal dos gastos de aquisição de viaturas, cujas transações acabaram por gerar réditos na esfera da Requerente, devendo-os, pois, considerá-los componentes indispensáveis da formação do resultado fiscal em sede de IRC, atento o nexo causal e lógico dos anteditos gastos com os réditos obtidos, sob pena de, persistindo obstinadamente em tal recusa, incorrer em locupletamento à custa alheia, em nítido confisco e violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real;

– a finalidade das facturas e documentos é habilitar da administração fiscal a conhecer os meandros das operações, por forma a desincentivarem quaisquer veleidades dos agentes económicos enveredarem pelo trilho da fraude e evasão fiscais, que se mostram integralmente preservadas, à vista da inspeção levada a cabo, a montante, junto dos respetivos fornecedores.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– o lucro tributável para efeitos de tributação tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, a qual deverá estar organizada de acordo com as regras de normalização contabilística;

– o artigo 23.º do CIRC, nos seus n.ºs 1 e 3, exige que os gastos se encontrem devidamente documentados que sejam suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC;

– os n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo artigo 23.º impõe que os gastos estejam comprovados documentalmente nos termos aí previstos e, quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de factura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços, previsto no n.º 4, deve obrigatoriamente assumir essa forma;

– sempre que os documentos de suporte aos gastos, pese embora relevados na contabilidade, não cumpram os requisitos impostos no quadro legal aplicável, os mesmos não podem relevar para efeitos de determinação dos resultados fiscais pois o próprio legislador expressamente manifestou esse entendimento, determinando a não dedutibilidade fiscal dos gastos que não observem o vertido no quadro legal previsto pelo art.º 23.º, como se encontra claramente disposto nas al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC;

– estes requisitos não podem ser afastados por imposição do princípio da legalidade;

– à face da redacção do CIRC de 2014, ainda que tenham sido suportados para obter rendimentos sujeitos a IRC, os gastos só serão aceites para efeitos de IRC se suportados por faturas emitidas nos termos do Código do IVA, conforme definido no n.º 6 do artigo 23.º do CIRC.

 

3.1.2. Apreciação da questão da dedutibilidade de gastos sem facturas

 

                Está em causa no presente processo a relevância como gastos, para efeitos de IRC dos exercícios de 2014 e 2015, dos montantes que a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou terem sido suportados pela Requerente com a aquisição de veículos que revendeu, mas relativamente aos quais não foram emitidas facturas pelos fornecedores.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não reunirem os requisitos exigidos pelos n.ºs 1, 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC, conjugados com a alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

Os artigos 23.º e 23.º-A do CIRC estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 23.º

 

Gastos e perdas

 

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade;

i) Provisões;

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

 

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

 

5 - (Revogado.)

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previstos no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

7 (...)

 

Artigo 23.º-A

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

 

(...)

 

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;

 

A regra geral em matéria de dedutibilidade de encargos em sede de IRC é enunciada no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que deve ser interpretado como abrangendo todos os encargos relacionados com a actividade empresarial e efectuados tendo em vista prosseguir essa actividade. (   )

No entanto, no artigo 23.º-A do mesmo Código indicam-se os «encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», «mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação».

Trata-se de excepções à regra da dedutibilidade de encargos, de que resulta que, apesar de os gastos terem sido comprovadamente suportados pelos sujeitos passivos, não podem ser levados em conta para efeito do cálculo do lucro tributável.

Como ensina SALDANHA SANCHES, «uma vez que o lucro tributável deve ser igual ao lucro real, até por imposição constitucional, deparamos, à partida, com uma contradição e uma negação potencial deste princípio. Estamos perante um custo comprovado que influencia o cálculo do lucro, mas que não pode ser objecto de dedução para efeitos fiscais. A indedutibilidade de certos custos é, consequentemente, uma opção legislativa a exigir uma justificação especial. Trata-se de normas anti-sistémicas que se podem manter apenas com base nas razões especiais que as legitimam». (   )

Essas razões especiais são de vária ordem, como, em essência, assinala o mesmo Autor:

– a mera técnica de quantificação do imposto, como sucede com os encargos de natureza fiscal, a que se referem as alíneas a), p), q) e s) do n.º 1, que se reconduzem a uma decisão legislativa quanto à taxa efectiva desses encargos;

– a de as despesas corresponderem a actos reprováveis à face do ordenamento jurídico como sucede com as despesas ilícitas e as multas, coimas indicadas nas alíneas d) e e) do n.º 1, relativamente às quais se manifesta, para além da natureza sancionatória, «a participação do ordenamento jurídico-tributário na defesa de valores comuns ao ordenamento jurídico»;

– a de as despesas serem atinentes a zonas de convergência de interesses pessoais e empresariais, como sucede com as despesas referidas nas alíneas h), i), j), k) e l) do n.º 1, e as despesas cuja realização e relação com a actividade da empresa não é susceptível de fácil comprovação, indispensável para a Administração Tributária exercer eficientemente os seus poderes de controle da legalidade [é o que sucede com as despesas a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1].

 

É nesta última situação que se enquadram as despesas cuja documentação não satisfaça os requisitos mínimos previstos no n.º 4 do artigo 23.º, cuja dedutibilidade é proibida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que tem em vista impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários para assegurar a eficiência do controle da afectação das despesas a fins empresariais, essencial para relevância de aquisições de serviços com gastos, e para evitar situações de evasão fiscal. (   )

É de notar que as exigências formais de documentação que constam daquele n.º 4 do artigo 23.º foram acentuadas pela reforma do IRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que, à face do teor literal desta norma, deixou se ser admissível, no caso de falta dos requisitos mínimos, a possibilidade de utilização de quaisquer meios e prova da materialidade das operações cujos encargos estivessem indevidamente documentados, que era admitida jurisprudencialmente, à face do regime legal anterior. (   )

Nestas situações especiais de indedutibilidade por deficiências de documentação, o que justifica a não dedutibilidade não é a eventualidade de as despesas não terem sido efectuadas, mas sim o incumprimento dos deveres de documentação, com o que se tem em vista impor ao sujeito passivo o cumprimento desses deveres, facilitando a Administração Tributária o desempenho da sua missão de controle da actividade tributária dos sujeitos passivos, inclusivamente ade outros intervenientes nas operações.

No entanto, nos casos em que pode ser apurada com segurança pela Administração Tributária a materialidade da operação insuficientemente documentada, é de aventar que possam ser dispensadas as exigências formais de prova relativas à dedutibilidade de encargos contabilizados, desde logo porque falta «uma legitimação específica para a excepção à regra da dedutibilidade dos custos comprovados e necessários para a empresa», mas também por imposição dos princípios constitucionais da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e com base na capacidade contributiva (que decorre do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP), mas sem olvidar que estes princípios não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, pelo que não se opõem a que, legislativamente, numa ponderação global dos interesses em presença, deva dar-se prevalência à protecção do interesse público da efectividade do combate à fuga e evasão fiscal, subjacente à imposição das exigências formais de documentação. (   )

Assim, o princípio da prevalência da substância sobre a forma invocado pela Requerente poderá justificar a irrelevância do incumprimento dos requisitos formais quando houver um conhecimento seguro da materialidade das operações subjacentes aos documentos, mas não impõe à Administração Tributária que se abstenha de exigir o cumprimento desses requisitos formais sempre que não tenha a informação necessária para apurar os requisitos materiais da dedutibilidade de despesas.

Isto é, estas exigências formais devem prevalecer sempre que a Administração Tributária não disponha da informação necessária para verificar se estão reunidos os requisitos materiais de que depende a dedutibilidade de encargos, designadamente não se lhe impondo que se substitua ao sujeito passivo, realizando diligências tendo em vista suprir o incumprimento por este dos seus deveres de documentação e de informação, como está ínsito na repartição do ónus da prova estabelecida no artigo 74.º da LGT.

Assim, o alcance da regra da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, deverá ser restringido aos limites traçados pela sua razão de ser (   ) sendo aplicável apenas nos casos em que a Administração Tributária não dispuser da totalidade da informação que lhe poderia ser fornecida pela satisfação das exigências formais da documentação.

Esta interpretação restritiva é imposta também pelos referidos princípios da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e com base na capacidade contributiva (que decorre do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP), pelo que aquela alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, na parte em que se refere ao n.º 4 do artigo 23.º do mesmo Código será materialmente inconstitucional, se interpretada como afastando a dedutibilidade de gastos em situação em que toda a informação que poderia ser fornecida pela satisfação das exigências formais é do conhecimento da Administração Tributária.

A necessidade desta interpretação restritiva, é também reclamada pela a coerência valorativa do sistema jurídico, ínsita na sua unidade, que é critério interpretativo primacial (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), em face da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), quanto à situação paralela das exigências formais de documentos para efeitos de dedução de IVA, para que, aliás, remete expressamente o n.º 6 do artigo 23.º do CIRC, estabelecendo que «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma».

 Na verdade, o TJUE no acórdão de 15-09-2016, proferido no processo n.º C-516/14), entendeu que artigo 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112, do Conselho, de 28-11-2006, se opõe a que «as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos».

No pressuposto de que é esta a interpretação adequada dos limites das exigências formais de facturas, afigura-se que a remissão que o n.º 6 do artigo 23.º do CIRC faz para estas exigências previstas no Código do IVA deverá ser interpretada em consonância com esta jurisprudência, já que o Direito da União prevalece sobre o Direito Nacional, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

À luz desta interpretação, está-se perante uma situação em que se justifica que a dedutibilidade dos encargos com a aquisição de viaturas não fique dependente da existência de facturas.

Na verdade, o motivo da inspecção à Requerente é indicado no Relatório da Inspecção Tributária nos seguintes termos:

«No âmbito de procedimento inspetivo realizado às sociedades E... Lda, ... e F..., Lda, NIF..., foram detetadas vendas ao sujeito passivo de vários veículos usados, nos anos de 2014 e 2015, e que respeitavam a viaturas retomadas em negócios realizados pelas citadas empresas».

 

Na «DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS» e dos «ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS - COMPRAS DE VIATURAS» a Autoridade Tributária e Aduaneira confirma que as operações que estão subjacentes às correcções são as que foram apuradas nessas inspecções:

 

Efetuamos a análise às operações comerciais - compra de viaturas - realizadas pela A... quer diretamente a B...- B...- e a C...-C... - quer por seu intermédio (com pessoas com eles relacionadas ou com clientes seus).

B... e C... desenvolviam a sua atividade de compra e venda de viaturas há largos anos através de um stand com a designação comercial E... (iniciais de B...), localizado em ..., concelho de ..., e adquirindo as viaturas para venda através de duas sociedades das quais eram gerentes, a E..., Unipessoal, Lda., NIF ... e a F..., Lda., NIF... . Transacionavam essencialmente viaturas usadas, de gama alta, adquiridas no mercado intracomunitário, publicitavam-nas também através do sítio internet "...", e angariavam clientes por todo o país, sendo também bastante conhecidos no setor.

No âmbito de ações inspetivas realizadas às sociedades antes referidas, verificou-se, entre outros, que os negócios envolvendo as viaturas de retoma, isto é, viaturas que B... e C... recebiam dos seus clientes como parte do preço acordado na venda das viaturas importadas, eram realizados sem obedecer às mais elementares regras fiscais e comerciais. De facto, embora as viaturas fossem retomadas no âmbito de uma atividade comercial, a sua venda posterior era concretizada com a emissão de meras declarações de venda (documentos particulares) emitidas em nome de B..., de C... ou de G... (ex-companheira de B...), NIF ...3, como se estes fossem os efetivos vendedores ou em que estes foram identificados como intermediários. Ou seja, o documento emitido para efeito de venda de tais viaturas de retoma não era uma fatura mas uma mera declaração de venda, como se de um particular se tratasse.

 

Assim, é de concluir que as vendas de veículos efectuadas pela Requerente são as que foram detectadas no procedimento inspectivo às sociedades E... e F..., pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha de toda a informação que lhe poderia ser fornecida por facturas que satisfizessem os requisitos legais.

De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não suscita quaisquer dúvidas sobre estas correcções aritméticas, não optando quanto a estes a encargos por utilizar métodos indirectos (como sucedeu quanto a outras matérias), o que necessariamente pressupõe que detinha toda a informação necessária para determinar os termos em que foram efectuadas as aquisições.

Por outro lado, nem sequer se coloca dificuldade de controle das operações em relação a outros contribuintes, pois há conhecimento da globalidade das operações subjacentes às correcções em causa, em relação todos os intervenientes.

Por isso, a falta de documentos com os requisitos previstos nos n.ºs 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC, não justifica a indedutibilidade dos encargos suportados com a aquisição das viaturas.

Por outro lado, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, que se reconduz a partir do pressuposto, para efeitos de tributação, que as viaturas que a Requerente revendeu foram adquiridas sem suportar qualquer encargo, está em manifesta dissonância com a realidade, pelo que a tributação nos termos em que foi efectuada não se compagina com o princípio da proporcionalidade.

Procede, assim, pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.2. IVA relativo a bens em segunda mão em que foi efectuada liquidação pela margem

 

3.2.1. Posições das Partes

 

A Requerente adquiriu viaturas usadas quer directamente a B... e a C... quer por seu intermédio e nas revendas que efectuou liquidou IVA com base na diferença entre o preço de aquisição e o de revenda, aplicando o regime previsto no Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Confeção e Antiguidades, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro.

As transmissões de bens em segunda mão abrangida por este regime são indicadas no artigo 3.º, n.º 1, deste diploma nos seguintes termos:

As transmissões de bens em segunda mão, de objetos de arte, de coleção ou de antiguidades, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:

a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo;

b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;

c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objeto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão;

d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efetuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efetuada.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as viaturas usadas foram efetivamente adquiridas no âmbito de uma actividade comercial de compra e venda de viaturas desenvolvida pelos fornecedores há longos anos, situação esta do conhecimento do responsável da Requerente, ou seja, não foram compradas a particulares (não sujeitos passivos de IVA), mas sim a sujeitos passivos de IVA.

Com este pressuposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que ocorreu aplicação incorreta do regime especial de IVA dos bens em segunda (regime da margem), por a aquisição das viaturas não se enquadrar em qualquer das condições previstas naquelas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 3º e, consequentemente, aplicou o regime geral de IVA, designadamente o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 16.º do CIVA.

A Requerente sintetiza a sua discordância com o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira nos seguintes termos:

 

i) Violação do conceito jurídico de contraprestação;

ii) As correções efetuadas às vendas pelo método direto desconsideram, tout court, a obrigatoriedade do imposto dever-se apresentar incorporado no preço de venda, e não o seu apuramento processar-se por fora;

iii) Ao caso aqui pleiteado, é aplicável com toda a propriedade o principio lex specialis derogat legi generali, i.e, o Regime dos bens usados, em se tratando de viaturas usadas, transmitidas por revendedores, agindo como tais, cuja proveniência seja inequivocamente de particulares ou outros revendedores, há-de prevalecer, em detrimento do regime normal de tributação do IVA, mesmo que a Requerente não possua as competentes comprovantes documentais, sob a forma de faturas;

iv) O comportamento desviante dos fornecedores, porque percecionado, reprimido e suprido pela ATA, em termos de execução das correções pertinentes, não é suscetível de destituir de legitimidade à aplicação do regime de tributação pela margem pela Requerente, já que se apresenta municiada de informação bastante, por conhecimento exaustivo do circuito económico, obtido a montante e a jusante de que os bens usados, oriundos de retoma, foram adquiridos a vendedores e vendidos a consumidores finais; e

v) Violação dos princípios da prevalência da substância sob a forma e da verdade material.

 

A Requerente afirma, o seguinte, em suma:

– «tudo fez para obter daquelas entidades as respetivas faturas, não tendo sido por culpa sua, antes pelo contrário, que a Requerente não conseguiu obter atempadamente tais faturas, mas apenas as mencionadas declarações de venda»;

– «é um facto definitivamente estabilizado na relação jurídico/tributária que as transações de viaturas usadas, provenientes de “retomas”, ocorreram efetivamente, tendo como participantes, na qualidade de vendedores, a E..., F... ou os seus sócios»;

– «a AT, ao instituir um novo regime normal de tributação, em que a base tributável, ao invés de ser encontrada em razão do preço de venda, (previamente expurgado do imposto calculado por dentro), operou com base no preço de compra, pelo que incorreu em violação grosseira do conceito de contraprestação, à vista das injunções comunitárias e do Código do IVA que regem tal figura jurídica», o que viola o artigo 16.º, n.º 1, do CIVA, constituindo um regime especial de inversão do sujeito passivo;

– «numa perspetiva global, a violação do conceito comunitário de contraprestação causou impacto no cômputo global do imposto exigível, por excesso de quantificação, na ordem dos 20%, assim reproduzido: 2014: (€ 24.897,50 - € 20.241,87) = € 4.655,63 e 2015: (€ 9.768,10 - € 7.941,54) = € 1.826,56»;

– «se a AT tivesse enveredado por dar cumprimento cabal ao que vem prescrito na lei, a tributação pela totalidade do preço de venda (acabou por sê-lo pelo preço de compra) por um sujeito passivo revendedor, quando sobre o preço de aquisição incidiu uma quantia de IVA paga a montante e que nem o vendedor nem o sujeito passivo Requerente puderam deduzir, implica, com efeito, uma iniquidade prefigurada na dupla tributação»;

– «a liquidação oficiosa de imposto, por parte da AT, porque superveniente à realização das vendas das viaturas usadas, compromete definitivamente a possibilidade de a Requerente usar da faculdade de o repercutir ao consumidor final»;

– «diante de tal impossibilidade técnica, o imposto liquidado adicionalmente (seja em função do preço de venda, seja, como aqui, sub judice, sobre o preço de compra), acaba por ser suportado como custo, por parte da Requerente, o que colide frontalmente com o já mencionado princípio estruturante do sistema do IVA comunitário, o da neutralidade»;

– «princípio da neutralidade este, que deve ser escrupulosamente observado, a não ser que os operadores económicos estejam cumpliciados em esquema de fraude, de que soubessem ou tivessem motivos razoáveis para saber da sua existência, o que não é, claramente, o caso»;

– foi «graças à atuação responsável e cuidada da Requerente que a AT conseguiu percecionar a verdade material subjacente a tais operações»;

– «a lógica e o bom senso repele, que viaturas usadas, algumas em fim de ciclo de vida, pudessem ser transacionadas no âmbito do regime normal»;

– «o incumprimento obrigacional evidenciado pelas sobreditas empresas, mostra-se clara e inequivocamente suprido e regularizado mediante o procedimento inspetivo que a AT desenvolveu e que terá obviamente desaguado no sancionamento das competentes correções», pelo que deve prevalecer a substância sob a forma e a verdade material;

– «com a atuação repressiva que terá impendido sobre a E... e a F..., os riscos de perda de receita tributária mostram-se obviamente neutralizados, pelo que o juízo de valor em torno da conduta prosseguida pela Requerente, prefigurada na sua auto-inclusão no regime especial de tributação pela margem, se deve qualificar isenta de reparos, à luz das normas comunitárias vigente»

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– a «denúncia abrange apenas a falta de emissão de uma fatura de venda de uma única viatura (matrícula ...) por parte da empresa fornecedora. Ainda que a referida denúncia tivesse abrangido as demais faturas em falta, detetadas pelos Serviços de Inspeção Tributária de Aveiro, tal nunca poderia investir a Requerente no direito à dispensa do cumprimento das obrigações fiscais subjacentes dos intervenientes»;

– relativamente à falta de comprovação das condições previstas para aplicação do regime da margem, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que se verificam essas condições;

– «para além das infrações cometidas pela própria, participou num esquema que permitiu a prática continuada de fraude fiscal por parte das empresas fornecedoras e dos respetivos sócios-gerentes, pelo menos, nos anos de 2014 e 2015», pois «a Requerente não deixou de adquirir viaturas usadas às mesmas empresas fornecedoras, assinalando que, a partir de dezembro de 2015, passou a dispor dos comprovativos documentais requeridos, i.e. as faturas»;

– a Requerente «nunca apresenta qualquer prova de ter regularizado a situação de incumprimento fiscal aqui em causa, nomeadamente, corrigir/anular as falsas declarações de venda emitidas pelos sócios-gerentes comuns das empresas fornecedoras e outros particulares com a intervenção dos mesmos sócios-gerentes (B... e C...), utilizadas pela Requerente a título de documentos de suporte à contabilização da compra das referidas 14 viaturas em 2014 e 7 viaturas em 2015, que deveriam ter sido substituídas por faturas legalmente emitidas pelas empresas»;

– «a opção técnica adotada pela AT no cálculo do imposto em falta, resultante da correção do regime da margem para o regime geral do IVA, nada tem a ver com o alegado regime especial do IVA, de inversão do sujeito passivo (Reverse charge)»;

– é «correta a opção técnica adotada pela AT no cálculo do valor do IVA em falta, apesar da simplificação dos respetivos cálculos»;

– «a pretensão da Requerente para que no valor da contraprestação seja considerado o total já recebido dos clientes com IVA incluído, calculado por dentro, como se tivesse efetuado a liquidação no regime geral, não pode ser acolhida, pois não corresponde à verdade dos factos»;

– «a liquidação do IVA foi por si efetuada no regime da margem e é nessa medida que o IVA tem que ser excecionado do valor da contraprestação que serviu de valor tributável, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA e em perfeita consonância com a Diretiva IVA»;

– «a Requerente bem poderia ter efetuado as regularizações do IVA através da liquidação do imposto em falta, repercutindo-o aos respetivos clientes mediante a emissão de fatura, nos termos conjugados do disposto nos artigos 36.º, 37.º e 78.º do CIVA»;

– «se tais faturas não viessem a ser pagas pelos clientes, os créditos correspondentes tomar-se-iam de cobrança duvidosa ou incobráveis, podendo a Requerente, a partir daí, regularizar o IVA a seu favor nos termos e condições previstas nos artigos 78°-A a 78º-D do CIVA».

 

3.2.2. Apreciação

 

                3.2.2.1. Questão da aplicação do regime especial

 

O regime de tributação em IVA pela margem de lucro, previsto no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, apenas pode ser utilizado nos casos especialmente previstos no n.º 1 do seu artigo 3.º, que coincidem, no essencial, com os previstos no artigo 314.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006.

                No caso em apreço, a Requerente aplicou o referido regime com base na alínea a) do n.º 1 do citado artigo 3.º que estabelece, no que aqui interessa, que «as transmissões de bens em segunda mão (...) efectuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade (...) a uma pessoa que não seja sujeito passivo».

                Porém, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não há razões para duvidar que  era do conhecimento da Requerente que os referidos B... e C... se dedicavam ao comércio de veículos, o que é evidenciado pela quantidade de veículos que a Requerente lhes adquiriu, directamente ou por seu intermédio, a partir de 2013.

                Assim, não se pode deixar de concluir que a Requerente sabia, quanto às aquisições efectuadas em 2014 e 2015, que, embora formalmente as vendas fossem efectuadas por particulares que emitiam declarações de venda, os reais vendedores eram sujeitos passivos de IVA, já que exerciam com carácter de habitualidade actividade de comércio de veículos [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA].

                Nestas condições, tem de se concluir que não podia ser aplicado o regime especial da margem de lucro previsto no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, e nos artigos 312.º a 315.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006.

                E, consequentemente, não sendo aplicável o regime especial, tinha de ser aplicado pela Requerente o regime geral de tributação em IVA com base no «valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente», nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, do CIVA.

                Assim, não é a falta de facturas ou a censurabilidade da conduta da Requerente que justificam a não aplicação do regime especial, mas sim a falta de preenchimento dos pressupostos legais de que depende a sua aplicação, previstos inclusivamente no Direito da União, que prevalece sobre eventuais disposições em contrário do Direito Nacional.

Por outro lado, os princípios da prevalência da substância sob a forma e da verdade material, que a Requerente invoca, não têm aplicação neste contexto, em que a verdade apurada é a de uma situação substancial em que o Direito de União não permite a aplicação do regime especial de tributação com base na margem de lucro.

 

3.2.2.2. Questão da quantificação do IVA

 

                A Requerente discorda da forma como foi quantificado o IVA considerado em falta.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira, constatando que havia sido cobrado pela Requerente IVA com base na margem de lucro, considerou como imposto em falta o correspondente ao preço de compra.

                Afigura-se que, apesar de haver mais que uma forma de calcular o imposto em falta, a via simplificada utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira atinge o resultado exacto.

                Em situações em que se constata que foi praticado um preço de venda, sem discriminação do IVA, pode entender-se que o IVA está incluído no preço, ou que não foi liquidado IVA.

                O TJUE já admitiu que, em situações de falta de liquidação de IVA em que não foi acordado entre as partes no contrato se o valor da venda era com IVA ou sem IVA, este deveria considerar-se incluído no preço de venda, em situações em que o vendedor não o podia recuperar. (   )

No entanto, no caso em apreço não se está perante uma situação deste tipo, pois, por um lado, não está demonstrado que a Requerente não possa recuperar o IVA liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cobrando-o aos adquirentes dos veículos ou, na falta de cobrança, regularizando-o através do regime dos créditos incobráveis, como sugere a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, ou responsabilizando civilmente os vendedores pela falta de emissão das facturas.

Por outro lado, no caso dos autos, é feita nas facturas emitidas pela Requerente a discriminação do valor de cada um dos veículos e do IVA correspondente à margem de lucro.

Por isso, não se está perante uma situação em que haja dúvida sobre a inclusão do IVA no preço de venda, pois está demonstrado qual o valor da mercadoria vendida e qual o valor do IVA que foi liquidado.

Sabendo-se qual é o valor da mercadoria, o IVA que deve ser liquidado, quando não é apicado o regime da margem de lucro, é de 23% desse valor [artigo 18.º, n.º1, alínea c), do CIVA].

Por isso, já tendo sido liquidado IVA relativo à margem de lucro, o IVA em falta será o correspondente ao valor de aquisição, como bem entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.3. Juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios que tem como pressuposto a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), enferma dos mesmos vícios que afectam esta liquidação, justificando-se também a sua anulação.

Quanto ao IVA, não sendo imputados vícios autónomos às liquidações de juros compensatórios, não enferma de qualquer vício, já que não são ilegais as respectivas liquidações de IVA.

 

                4. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

                A Requerente pede o reembolso do imposto e juros compensatórios pagos indevidamente, com juros indemnizatórios.

                A Requerente pagou parcialmente o IRC e IVA liquidados, como refere no artigo 182.º do pedido de pronúncia arbitral e se demonstra pelo documento n.º 8.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da ilegalidade da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente paga, que, neste caso, é a que foi paga em relação as liquidações de IRC.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erros nas liquidações de IRC, que são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois emitiu as liquidações por sua iniciativa.

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios relativamente às quantias que pagou relativamente às liquidações de IRC, que devem ser contados desde as datas dos respectivos pagamentos até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Não sendo claro quais as quantias que foram pagas relativamente às liquidações de IRC, o montante a reembolsar e respectivos juros indemnizatórios deverão ser apurados em execução do presente acórdão.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante do reembolso e juros indemnizatórios, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IRC;

b)           Anular as liquidações de IRC n.ºs 2018... e 2018..., respectivamente, e inerentes juros compensatórios, e respectivas liquidações de juros compensatórios;

c)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos;

d)           Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso e juros indemnizatórios, nos termos do ponto 4 deste acórdão e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente o que for determinado em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 90.285,87.

 

7. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 47,40% e a carga da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 52,60% (o valor total das liquidações impugnadas, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, é de € 90.285,87, as liquidações de IVA relativamente às quais o pedido de pronúncia arbitral  improcede  totalizam € 42.791,89, pelo que o pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de € 47.493,98).

               

Lisboa, 13-02-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Isaque Marcos Lameiras Ramos)

(Nina Aguiar)