Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Fernando de Jesus Amado dos Santos e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-10-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... ... (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende:
– a declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2019..., de 8 de Abril de 2019, quanto à correcção à matéria colectável de imposto atinente à desconsideração de perdas por imparidade com fundamento na violação do princípio da especialização dos exercícios, no valor total de € 150.960,36;
– a declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2019..., de 8 de Abril de 2019, quanto à correcção à matéria colectável de imposto atinente à desconsideração de perdas por imparidade com fundamento na falta de demonstração de diligências de cobrança, no valor total de € 378.012,88;
– a anulação da liquidação de juros compensatórios por falta de preenchimento dos pressupostos legais respectivos, previstos no artigo 35.º da LGT;
– na medida da procedência dos pedidos anteriores, reconheça o erro imputável aos serviços da Administração Tributária na liquidação de IRC impugnada, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e o correspectivo direito da Requerente a ser indemnizada por prestação de garantia indevida;
- na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-08-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.
Em 07-10-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28-10-2019.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Em 08-01-2020, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social compreende a elaboração de estudos e de projetos, a consultoria técnica em engenharia, arquitetura, urbanismo, ambiente, planeamento, economia, organização e gestão, gestão de projetos e empreendimentos incluindo a realização de estudos, ensaios e análises técnicas relacionadas com as atividades de engenharia;
B) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2014, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
1.1.3 - Contas 6511 (Perdas por imparidade em dívidas a receber de cientes) e 6512 (Perdas por imparidade em dívidas a receber de outros devedores)
Analisados os elementos contabilísticos do período de 2014, verifica-se que o sujeito passivo contabilizou, nas contas 6511 (Perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes) e 6512 (Perdas por imparidade em dívidas a receber de outros devedores), os montantes de € 1.499.699,85 e € 117.027,33, respetivamente.
Nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 28.º-A do CIRC, "Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou períodos de tributação anteriores ... As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa, e sejam evidenciados como tal na contabilidade".
Por seu lado, estabelece o n.º 1 do arte 28.º-B do mesmo Código que,
"1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea, a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
e) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
2- O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75% para créditos em mora há maia de 18 meses e até 24 meses;
d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses".
Da amostragem efetuada, foram solicitados os documentos comprovativos com referência aos montantes de maior valor, contabilizados nestas duas contas.
Relativamente aos mesmos, destaca-se o seguinte: B... S.A.
Em 2014, a A... contabilizou, com referência a esta entidade, uma perda por imparidade em dívidas a receber de clientes, no montante de € 31.254,46 (documento contabilístico n.º...), relativamente às seguintes faturas (anexo x):
Quanto aos elementos comprovativos das diligências efetuadas para recebimento destes créditos, a A... apresentou os documentos que se juntam ao presente relatório de inspeção como anexo XI.
Os mesmos referem-se à ação interposta em tribunal (6.º Vara Cível do Porto (Liquidatária 6.ª e 8.ª Varas)) B... S.A. contra a empresa C..., em 2007, relativamente a créditos não recebidos pelo consórcio B.../A..., relacionados com serviços prestados de coordenação, controlo e fiscalização das empreitadas de movimentação de terras na área destinada ao Estádio ... .
Dos elementos apresentados, retira-se que o serviço prestado pela A... foi efetivamente prestado em consórcio com a B... S.A., o que justifica a emissão pelo sujeito passivo de faturas a esta última.
Contudo, quanto à constituição de perdas por Imparidade de dívidas a receber, terá de se atender ainda a outro princípio e regra básica de funcionamento do quadro legal do IRC, designadamente, o princípio da especialização dos períodos consagrado no art.º 18.º do CIRC.
Efetivamente, estabelece o mencionado artigo que,
"1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.".
Tendo em conta o enquadramento aqui referido, se num dado período, um crédito é passível de ser enquadrado nalguma das alíneas do n.º 1 do art.º 28.º-B do CIRC, um sujeito passivo deve reconhecer a correspondente perda por imparidade de imediato, respeitando assim o princípio da especialização dos períodos consagrado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC.
No caso em concreto, face aos elementos apresentados pelo sujeito passivo, verifica-se que a perda por imparidade de dívidas a receber de clientes, no montante de € 31.264,46, constituída com referência à B... S.A. não reúne as condições para ser aceite como gasto fiscal em 2014, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC, uma vez que o risco de incobrabilidade era manifestamente conhecido em período anterior, sendo nessa altura que os créditos em mora deveriam ter sido evidenciados na contabilidade como créditos de cobrança duvidosa e reconhecida a respetiva perda por imparidade, de acordo com as regras estabelecidas no art.º 28.º-B do CIRC.
Desta forma, não verificando o princípio da especialização dos períodos, previsto no art.º 18.º do CIRC, esta imparidade, no montante de € 31.254,46, deveria ter sido acrescida no campo 718 do quadro 07 da DR M22 IRC.
D… (D…)
Em 2014, a A... contabilizou, com referência a esta entidade, perdas por imparidades em dívidas a receber, no montante de € 1.352.021,66, na conta 6511, e no montante de € 117.027,33, na conta 6512, mediante o documento contabilístico n.º ... (anexo XII).
Referindo-se estes montantes a créditos em mora, foram solicitados ao sujeito passivo os comprovativos das diligências efetuadas para o seu recebimento a que se refere a al. c) do n.º 1 do art.º 28.ºB do CIRC.
O mesmo veio apresentar os documentos que se Juntam ao presente relatório de inspeção com anexo XII, e que, de seguida se elencam:
Da análise destes documentos, verifica-se o seguinte:
- Existem documentos de anos posteriores ao do período em análise, pelo que, a informação contida nos mesmos não foi considerada como válida para comprovar as diligências efetuadas até ao final do período de 2014.
- Dos documentos com data anterior ao final do período de 2014, constata-se que alguns dos documentos apresentados não apresentam qualquer prova que o cliente teve conhecimento dos mesmos. Assim, apenas foi considerado como diligência comprovada para efeitos de recebimento do crédito em mora, a diligência que conste de documento com carimbo do cliente, uma vez que apenas este comprova que a mesma foi efetuada.
Relativamente às perdas por imparidade contabilizadas em 2014 relacionadas com faturas para as quais foram comprovadas as diligências efetuadas no sentido de receber os créditos em mora, teve-se ainda em consideração o seguinte aspeto:
- À semelhança do que já foi mencionado para o cliente B... S.A., face aos elementos apresentados pelo sujeito passivo, verifica-se que algumas das perdas por imparidade contabilizadas em 2014 se referem a faturas que, face às respetivas datas de vencimento, já não admitiam, face ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC, a constituição de perdas por imparidade, aceites fiscalmente neste período.
Efetivamente, considerando que as faturas em causa apresentam um prazo para pagamento de 45 dias, e que dos elementos apresentados, existem evidências que a incobrabilidade dos créditos se verificou em períodos anteriores, as perdas por imparidade contabilizadas, em 2014, com referência a faturas com data anterior a novembro de 2011, já não poderiam ser aceites, nos termos do estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC, para efeitos fiscais, no período de tributação em análise (relativamente a todas as faturas nesta situação, foram apresentados elementos que evidenciam que os respetivos créditos já foram reclamados em 2011 - ver cartas ...\444\11\... e ...\... \11\..., de 2011.11.03 e 2011.12.10, respetivamente).
Efetivamente, tomando como exemplo as faturas com data de fevereiro de 2011, faturas mais recentes de 2011 com diligências de recebimento comprovadas pelos documentos apresentados, o respetivo prazo de pagamento terminava a 15 de abril de 2011.
Ora, existindo evidência da incobrabilidade dos respetivos créditos já em 2011, e considerando que, de acordo com o n.º 2 do art.º 28.º-B do CIRC, as perdas por imparidade já deveriam ter sido constituídas a 100% a 15 de abril de 2013, qualquer montante que seja contabilizado só em 2014, face ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC, já não é aceite fiscalmente.
Tendo em conta o explanado anteriormente, e considerando o valor das perdas por imparidade, por fatura, já contabilizadas em períodos anteriores (anexo xiv), e conforme consta da análise apresentada no anexo xv do presente relatório de inspeção, do montante contabilizado pelo sujeito passivo, em 2014, a título de perdas por imparidade de créditos a receber (€ 1.352.021,66 na conta 6511 e€ 117.027,33 na conta 6512), só €971.330,21 são aceites fiscalmente.
Quanto aos remanescentes € 497.718,78, os mesmos não são aceites fiscalmente, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 28.º-A e al. c) do nº 1 do art.º 28.º-B, ambos do CIRC, quando respeitem a perdas por imparidade para as quais não foram apresentados os respetivos comprovativos das diligências efetuadas para o recebimento dos créditos em mora (€ 378.012,88), e nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC, relativamente às perdas por imparidade relativas a faturas com data de vencimento anterior a novembro de 2011 (€ 119.705,90) e para as quais há evidências de que o sujeito passivo já em anos anteriores reconhecia o risco de incobrabilidade.
O montante total da correção proposta é assim de € 528.973,24, € 31.254,46 referentes à B... S.A. e € 497.718,78 relativos à D… (D…).
(...)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado para exercer o direito de audição sobre o projeto de conclusões do relatório, nos termos dos art.05 60. º da LGT e RCPITA, mediante o oficio n. º..., de 2019.02.26 (Registo dos CTT n. º RH...PT) (anexo XXI).
(...)
Ponto 1.1.3 do capítulo III do relatório de inspeção e pontos 8. a 35. do direito de audição apresentado pelo sujeito passivo (Contas 6511 (Perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes) e 6512 (Perdas por imparidade em dívidas a receber de outros devedores))
B... S.A.
Quanto a esta questão, e mais precisamente, relativamente às perdas por imparidade constituídas com referência às dívidas da B... S.A., vem o sujeito passivo confirmar que os créditos em causa se referem a serviços prestados, em 2004, em consórcio com a referida empresa, à C... .
Considerando a particular natureza pública da entidade contratante dos serviços, e malgrado o atraso verificado no pagamento dos valores correspondentes às faturas em questão, o qual justificou a competente reivindicação em sede judicial, a A... invoca ter mantido a confiança quanto à cobrabilidade do crédito, tendo apenas alterado essa posição em 2014.
Considera ainda o sujeito passivo que a dedutibilidade fiscal das perdas em questão está condicionada a uma dupla ocorrência: a possibilidade abstracta de consideração como de cobrança duvidosa de acordo com os critérios do art. º 28.º-B do CIRC e o registo concreto dessa situação na contabilidade da empresa.
Ou seja, entende que apenas no momento em que ambas as condições acima referidas se verificam é possível deduzir para efeitos fiscais as perdas em questão, o que terá apenas ocorrido em 2014.
Apesar do alegado, vem a A... ainda assim afirmar que, exclusivamente à luz dos critérios previstos no art. º 28. º-B do CIRC, a respetiva dedução fiscal já poderia ter anteriormente sido feita.
Assim, até 2014, e face à sucessiva avaliação do risco de cobrança do crédito em questão, o sujeito passivo não considerou justificado contabilizar os créditos em causa como de cobrança duvidosa, confiando que a C... acabaria por honrar os seus compromissos.
Face ao não pagamento da dívida, a A... apenas em 2014 registou contabilisticamente a imparidade, uma vez que apenas neste momento os requisitos para a dedução fiscal prevista no art. º 28. º-A, n. º 1 do CIRC estavam reunidos.
Relativamente a estes argumentos, refere-se o seguinte:
A dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade de dívidas a receber de clientes está condicionada, conforme estabelecido na al. a) do n. º 1 do art. º 28. º-A do CIRC, ao facto destas últimas serem consideradas de cobrança duvidosa (consideração esta que deverá ser concreta e não abstrata como defendido pelo sujeito passivo) e desse facto ser evidenciado como tal na contabilidade.
Ou seja, a perda por imparidade deve ser aceite fiscalmente quando exista evidência da incobrabilidade do crédito, se a mesma for registada contabilisticamente.
Ora, no caso em análise, e fazendo o sujeito passivo pender o recebimento da dívida que a B... S.A. mantinha para com ele do recebimento dos créditos em dívida da C... para com o consórcio constituído por estas duas empresas (relembra-se que a A... emitiu as faturas à B... S.A. na sequência dos serviços prestados no âmbito deste consórcio), só poderá ser considerado, da análise dos elementos apresentados, que o risco de incobrabilidade estava já devidamente justificado, antes de 2014.
Efetivamente, conforme já referido no ponto 1.1.3 do capitulo III do relatório de inspeção, a al. b) do n. º 1 do art. º 28.º-B do CIRC estipula que se consideram créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica no caso de os créditos terem sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral.
Ora, ainda que o sujeito passivo venha invocar que manteve a confiança quanto à cobrabilidade do crédito da C..., tendo apenas alterado essa posição em 2014, aquando do 10.º aniversário das faturas emitidas pelo consórcio, é inequívoco, face ao disposto nesta norma legal, que estava devidamente justificado o risco de incobrabilidade dos créditos em causa, já antes de 2014, uma vez que os mesmos foram reivindicados judicialmente em 2007 (ação interposta na 6.ª Vara Cível do Porto (Liquidatária 6.ª e 8.ª Varas) pela B... S.A., contra a empresa C..., relativamente aos créditos não recebidos pelo consórcio B... eA...)
Também relativo à perda por imparidade contabilizada pelo sujeito passivo, em 2014, relacionada com a dívida da B... S.A, a A... vem invocar, no direito de audição, que o princípio da especialização dos exercícios, previsto no n. º 1 do art. º 18. º do CIRC, não obsta ao reconhecimento das referidas perdas por imparidade neste período.
Isto porque este princípio não poderá deixar de ser matizado pelo princípio da justiça, acolhido constitucional e legalmente, no n. º 2 do art. º 266.º da Constituição da República Portuguesa e no art. º 55.º da LGT.
Alega assim que o princípio da especialização dos exercícios não se reveste de uma rigidez total e absoluta, de tal modo a que conduza à penalização dos contribuintes que não causaram qualquer lesão ao erário público e que, pelo contrário, apuraram e pagaram IRC sobre proveitos antecipadamente e erroneamente, beneficiando assim os cofres do Estado.
Invoca ainda que caso se conclua que os créditos em questão deveriam ter sido reconhecidos como de cobrança duvidosa em período anterior, o registo tardio dos referidos gastos em nada lesou a Fazenda Pública. Antes pelo contrário, determinou o apuramento de matéria tributável em excesso, pelo que a AT deverá abster-se de efetuar a correção proposta.
Vem ainda referir que esta posição é, aliás, decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual o princípio da especialização deverá, em situações excecionais, como a vertente, ceder perante o princípio da justiça (para o efeito, cita trechos de um Acórdão nesse sentido - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de junho de 2008 (Processo n. º 291/08) e da doutrina defendida por Leite de Campos, Silva Rodrigues e Lopes de Sousa).
Face ao invocado pelo sujeito passivo relativamente ao princípio da especialização dos períodos, refere-se o seguinte:
Ainda que, conforme invocado pela A..., existam situações excecionais, em que o princípio da especialização possa ceder perante o princípio da justiça, importa determinar se, no caso em análise, estaremos perante uma dessas situações, uma vez que se trata de um gasto relacionado com perdas por imparidade, nomeadamente com perdas por imparidade de dívidas a receber de clientes.
Assim, e conforme referido no Acórdão mencionado pelo sujeito passivo, não pondo em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, pode-se permitir a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, citando o referido acórdão, a título de exemplo, os casos em que está para acabar ou, para se iniciar um período de isenção, quando há interesse em reduzir os prejuízos de determinado exercício, para retirar benefícios do seu reporte e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para reduzir a contribuição industrial.
Contudo, e salvo melhor opinião, terá de se ter em consideração, no caso em análise, o tipo de gasto em causa.
Efetivamente, estando-se perante perdas por imparidades, neste caso de dívidas a receber de clientes, as regras de imputação deste gasto a determinado período encontram-se perfeitamente estabelecidas, nomeadamente a sua aceitação para efeitos fiscais, uma vez que as mesmas encontram acolhimento em normas específicas, constantes da legislação fiscal, mormente, na situação em concreto, nos art.ºs 28.º-A e 28. º-B, ambos do CIRC.
Convêm ainda não olvidar o facto de que o próprio conceito que presidiu à existência deste tipo de gasto, quer em termos contabilísticos, quer, por arrastamento, em termos fiscais, decorre, é consequência intrínseca do princípio da especialização económica dos períodos, princípio este que deverá ainda ser conjugado com o princípio da prudência.
Sendo a finalidade última das perdas por imparidade a aplicação destes dois princípios, daí resulta que a constituição das mesmas é obrigatória para efeitos fiscais, face à definição dos respetivos critérios objetivos de constituição e reforço, nos termos dos art.ºs 28.º-A e 28.º-B, ambos do CIRC, e à periodização do lucro tributável, conforme disposto no n.º 1 do art. º 18.º do mesmo Código (o próprio sujeito passivo, no ponto 15. do direito de audição, constata que, exclusivamente à luz dos critérios previstos no art.º 28. º-B do CIRC, a dedução já poderia ter anteriormente sido feita).
A própria correlação entre o regime de constituição de perdas por imparidade para créditos de cobrança duvidosa e dos créditos incobráveis para isso aponta, quando, nos termos do art. º 41. º do CIRC, estes últimos apenas são considerados diretamente gastos ou perdas do período de tributação, nas condições aí definidas, e desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente.
Ou seja, o desrespeito pelos critérios em questão, conduzindo à não constituição ou à constituição por valores insuficientes de perdas por imparidade, determina a não aceitação, para efeitos fiscais, no período em que tal se vier a efetivar, do gasto ou perda dos créditos não provisionado, mesmo que tal resulte da sua incobrabilidade nos termos do art. º 41. º do CIRC,
Assim, no caso em concreto, e independentemente da situação resultar de omissões voluntárias e/ou intencionais, "matizar" o princípio da especialização dos períodos pelo princípio da justiça levaria ao total esvaziamento de sentido, quer em termos contabilísticos, quer para efeitos fiscais, do conceito subjacente às perdas por imparidade.
Concluindo, face ao exposto, deverá ser mantida a correção proposta, relativamente às perdas por imparidade contabilizadas, em 2014, pela A... com referência às dívidas da B... SA.
D… (D…)
Correção proposta, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. º 18. º do CIRC (€ 119.705,90):
Relativamente à correção das perdas por imparidade relacionadas com este cliente, no montante de € 119.705,90, com base no princípio da especialização dos períodos, vem o sujeito passivo alegar que a entidade em causa é uma entidade pública líbia e que o registo das imparidades em causa se deveu à evolução adversa da situação política no Estado Líbio ocorrida no ano de 2014, uma vez que, no verão do referido ano, ocorreu um golpe de estado naquele país, o qual mergulhou numa situação de crise governamental e institucional de consequências imprevisíveis.
Foi neste contexto que a A... reavaliou a cobrabilidade dos créditos em causa e procedeu ao registo contabilístico da respetiva imparidade em 2014.
Estando-se perante uma situação semelhante à referida para a B... S.A., vem o sujeito passivo invocar os mesmos argumentos para a aceitação fiscal das citadas perdas por imparidade, nomeadamente o princípio da justiça e a necessária matização pelo mesmo do princípio da periodização dos exercícios.
Relativamente a esta questão, e da análise efetuada aos elementos agora apresentado pelo sujeito passivo, deverá a correção proposta ser mantida pelos mesmos motivos que foram mencionados relativamente à situação da B... S.A..
Efetivamente, embora a A... venha afirmar que apenas na sequência dos acontecimentos ocorridos na Líbia no verão de 2014, veio a reavaliar a cobrabilidade dos créditos em causa, verifica-se, dos elementos recolhidos no decurso do procedimento de inspeção, que o risco de incobrabilidade já existia anteriormente.
Senão vejamos:
Relativamente a todas as faturas para as quais foi desconsiderada a respetiva perda por imparidade contabilizada em 2014, existem várias diligências efetuadas para o seu recebimento, tendo sido recolhidas diversas cartas dirigidas (e rececionadas) pelo cliente, nomeadamente as cartas ...\444\11\..., de 2011.11.03, e ...\457\11\..., de 2011.12.10.
Ou seja, para todas elas, existiam diligências efetuadas em 2011, no sentido de serem recebidos os créditos, comprovando-se assim a ocorrência, neste ano, de uma das condições a que alude a al. c) do n.º 1 do art. º 28. º-B do CIRC.
Quanto à outra condição, nomeadamente a existência de provas efetivas de imparidade, retira-se, da análise efetuada no decurso do procedimento de inspeção, que, relativamente a algumas das faturas em causa, já tinham sido constituídas e contabilizadas perdas por imparidade, em períodos anteriores, conforme documentos apresentados pelo sujeito passivo e respetiva análise juntos ao relatório de inspeção como anexo x/v (páginas A249 a A261).
Esta situação sucedeu com as seguintes faturas:
Ora, se já em 2010 e 2011, o sujeito passivo tinha contabilizado perdas por imparidade relativamente a estes créditos, assumindo assim a existência de um risco de incobrabilidade relativamente aos mesmos, não poderá deixar-se de considerar que já existiam, naquela altura, provas efetivas de imparidade.
O mesmo sucede com os restantes créditos englobados na correção proposta, com base no princípio da especialização dos períodos, relativamente aos quais não foram contabilizadas perdas por imparidade até 2014, já que o risco de incobrabilidade abrangeria todos eles.
Quanto ao invocado pelo sujeito passivo relativamente ao princípio da justiça, veja-se o já referido relativamente à B... S.A..
Concluindo, face ao exposto, deverá ser mantida a correção proposta, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. º 18. º do CIRC, relativamente a estas perdas por imparidade contabilizadas em 2014.
Correção proposta nos termos da al. al do n.º 1 do art. º 28. º-A e al. c) do n º 1 do art. º 28.º-B. ambos do CIRC (€ 378.012.88):
Relativamente a esta correção, o sujeito passivo vem afirmar, no direito de audição, que as diligências de cobrança existiram efetivamente, desde logo na sequência da emissão das correspondentes faturas e diretamente através da sua representação na Líbia, mas também através de correspondência trocada entre a A... e a D..., em que o pagamento do valor dos créditos em questão foi integralmente reclamado, designadamente através de carta de 23 de fevereiro de 2015 (anterior à submissão da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de 2014) (anexo XXIII).
Alega ainda que, apesar de ter ocorrido apenas em 2017, a ata da reunião mantida a 27 de setembro desse ano 7, entre os representantes do sujeito passivo e da D... demonstra inequivocamente que a cobrança dos valores das faturas em causa era matéria em discussão entre as parles desde pelo menos 2011, enfatizando assim a existência de uma postura proactiva da A... tendente à cobrança dos valores em dívida.
Sobre esta questão, recorda-se o seguinte:
Conforme mencionado no ponto 1.1.3 do capítulo III do relatório de inspeção, da análise dos documentos apresentados pelo sujeito passivo, verificou-se o seguinte:
- Apresentação de documentos de anos posteriores ao do período em análise, pelo que, a informação contida nos mesmos não foi considerada como válida para comprovar as diligências efetuadas até ao final do período de 2014 e,
- Existência de documentos com data anterior ao final do período de 2014, os quais não apresentam qualquer prova que o cliente teve conhecimento dos mesmos, pelo que apenas foi considerado como diligência comprovada para efeitos de recebimento do crédito em mora, a diligência que constava de documento com carimbo do cliente, uma vez que apenas este comprova que a mesma foi efetuada.
Na sequência do mencionado, terá de se considerar que a carta de 23 de fevereiro de 2015 agora apresentada não poderá ser tida como válida para comprovar as diligências efetuadas até ao final do período de 2014, uma vez que, embora, como aludido pelo sujeito passivo, a mesma tenha sido emitida antes da submissão da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, a diligência já foi efetuada em data posterior ao período de 2014 (recorde-se que, nos termos do n.º 9 do art. º 8.º do CIRC, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, pelo que, no caso em análise, a condição estabelecida na al. c) do n. º 1 do art. º 28. º-B do CIRC, relativa às diligências para o recebimento do crédito teria de estar satisfeita até 31 de dezembro de 2014).
Quanto à ata da reunião mantida em 27 de setembro de 2017, a mesma não poderá ser considerada como válida para comprovar as diligências efetuadas, pela mesma razão invocada relativamente à carta de 23 de fevereiro de 2015 (diligência posterior ao período de 2014).
Não se negando o afirmado pela A... no ponto 34. do direito de audição que a ata em causa demonstrará de forma inequívoca que a cobrança dos valores das faturas nela mencionadas era matéria em discussão entre as partes desde pelo menos 2011 (até porque, na análise efetuada, foram consideradas, para efeitos fiscais, todas as perdas por imparidade relacionadas com faturas constantes de documentos comprovativos das diligências efetuadas, emitidos até 2014), é também um facto que, relativamente às faturas cuja respetiva perda por imparidade não foi aceite por não ter sido apresentado documento comprovativo, as mesmas, embora constem desta ata, não constam de qualquer documento válido apresentado pelo sujeito passivo, que comprove que a diligência para o recebimento tenho ocorrido em data anterior à data do final do período objeto de análise neste procedimento de inspeção.
Assim, face ao exposto, deverá ser mantida a correção proposta, nos termos da al. a) do n. º 1 do art. º 28. º-A e al. c) do n.º 1 do art. º 28. º-B, ambos do CIRC, relativamente a estas perdas por imparidade de dívidas a receber de clientes contabilizadas em 2014.
C) Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2019... e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019..., que constam dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2019...;
D) Em 2004, no âmbito da sua actividade, a Requerente prestou serviços à empresa municipal C..., em consórcio com a sociedade B..., S.A. (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) Os referidos serviços respeitaram à coordenação, controlo e fiscalização da execução da empreitada de “Movimentação de terras na área destinada ao Estádio...” e incluíram a execução da rede interna dos acessos ao Estádio ... e a arranjos exteriores na respectiva área envolvente (documento n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
F) No âmbito dos referidos serviços, a Requerente emitiu as seguintes facturas à B..., S.A.:
(documentos n.ºs 6 a 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
G) Não tendo os valores devidos em consequência dos referidos serviços sido pontualmente pagos, a Requerente encetou as diligências de cobrança, através de correio electrónico e através de advogado, que culminaram com a apresentação de uma acção judicial que correu os seus termos junto da 6.ª Vara Cível do Tribunal Judicial do Porto (processo n.º .../07...TVPRT) (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) Não tendo a D... efectuado o pagamento integral dos montantes devidos como contrapartida dos serviços prestados pela Requerente, esta encetou diversas diligências com vista à cobrança dos referidos créditos entre 2010 e 2014 (depoimentos de E... e F...);
I) Tais diligências tiveram início assim que a Requerente constatou o atraso no pagamento dos valores que lhe eram devidos e foram realizadas directamente através de representantes seus no Estado da Líbia, mas também através de correspondência trocada entre a Requerente e a D..., sendo o pagamento do valor em questão integralmente reclamado, designadamente através de carta de 23 de Fevereiro de 2015;
J) No exercício de 2014, a Requerente relevou para o apuramento da matéria colectável de IRC imparidades em créditos, no valor total de EUR 1.352.021,66, respeitantes à dívida da D...;
K) O registo das imparidades relativas à D... deveu-se à evolução adversa da situação política no Estado da Líbia ocorrida no ano de 2014, em concreto ao golpe de estado na Líbia que, no Verão de 2014, levou a que o país mergulhasse numa situação de crise governamental e institucional e que abalou a confiança da Requerente na capacidade da D... efectuar o pagamento dos valores em dívida (depoimentos de E... e F...);
L) Até ao ano de 2014, a Requerente tinha a expectativa de que o crédito referido viesse a ser pago (depoimentos de E... e F...);
M) A partir de 2011, a maior parte da actividade da Requerente na Líbia, onde manteve uma delegação, era destinada cobrança do crédito que detinha sobre a D..., que era de grande importância para a Requerente (depoimentos de E... e F...);
N) Na Líbia, o processo de cobrança fazia-se com presença e pressão directa sobre o cliente, não havendo, a partir de 2011, serviços de correios nem meios de contacto não presenciais credíveis (depoimentos de E... e F...);
O) A Requerente, através da testemunha E..., efectuou várias reuniões tendo em vista a cobrança da dívida e, para o mesmo fim, a testemunha F... contactou pessoalmente inúmeras vezes os responsáveis da D... (depoimentos de E... e F...);
P) A Requerente pediu à Embaixada portuguesa na Líbia auxílio destinado a obter a cobrança do crédito sobre a D... (depoimento da testemunha F...);
Q) Em 11 de Julho de 2019, a Requerente prestou garantia bancária com vista a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2019..., instaurado pela Administração Tributária com vista à cobrança coerciva da dívida decorrente da liquidação impugnada;
R) Em 21-08-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base na prova testemunhal e nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.
As testemunhas E... e F... aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.
As testemunhas exerceram funções na delegação da Requerente no Estado da Líbia e acompanharam a prestação dos serviços, as relações comerciais com a D... e a realização das diligências de cobrança de dívidas.
Não se provou quando é que a Requerente deixou de ter confiança quanto à possibilidade efectiva de cobrar o crédito que detinha sobre a B..., S.A.. A Requerente diz que face à natureza pública da entidade contratante, manteve a confiança quanto à cobrabilidade do crédito, tendo apenas alterado essa posição em 2014, mas não foi apresentada qualquer prova, quer no sentido positivo quer negativo.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável de IRC da Requerente do exercício de 2014, relativas a perdas por imparidade.
No que concerne às dívidas da sociedade B... S.A. relativas a serviços prestados pela Requerente em 2004 (em consórcio com aquela) à empresa municipal C... no montante de € 31.254,46, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o risco de incobrabilidade era conhecido em momento anterior a 2014 e que, portanto, o registo contabilístico da imparidade e, concomitantemente, a sua dedução para efeitos fiscais não podiam ser aceites no exercício de 2014, por aplicação do princípio da especialização dos exercícios.
Quanto às dívidas da D..., que é uma entidade líbia de natureza publica a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as perdas por imparidade relativas a serviços prestados pela Requerente nos anos de 2010 e 2011, no montante total de € 119.705,90, não podiam ser aceites no exercício de 2014, por o risco de incobrabilidade ser conhecido em momento anterior a 2014 («existindo evidência da incobrabilidade dos respetivos créditos já em 2011»). Por isso, também quanto a estas dívidas, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o princípio da especialização dos exercícios obstava à relevância fiscal das perdas por imparidade no exercício de 2014.
No que respeita a dívidas da D... relativas a serviços prestados pela Requerente nos anos de 2011 a 2014, no montante total de € 378.012,88, a Administração Tributária entendeu que apenas era de considerar como diligências comprovadas para efeitos de recebimento do crédito em mora, as cartas relativamente às quais existiam carimbo do cliente, comprovativo da sua recepção, o que não sucedia com quanto a créditos em mora (€ 378.012,88).
3.1. Perdas por imparidade não aceites por aplicação do princípio da especialização dos exercícios
3.1. Princípio da especialização dos exercícios
O princípio do acréscimo ou da especialização dos exercícios, enunciado no artigo 18.º do CIRC, com a denominação «periodização do lucro tributável», estabelece o seguinte, nos seus n.ºs 1 e 2, que aqui interessam, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 134 de Julho, mantida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ( ):
Artigo 18.º
Periodização do lucro tributável
1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
Os artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 28.º-A
Perdas por imparidade em dívidas a receber
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
Artigo 28.º-B
Perdas por imparidade em créditos
1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento
2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.
À face do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, as perdas por imparidade suportadas pelo sujeito passivo, são imputáveis ao período de tributação em que são suportadas, independentemente da sua tradução em valor pecuniário.
É com este alcance que há que aplicar o princípio da especialização dos exercícios, quando se está perante componentes negativas do lucro tributável, mesmo quando os seus efeitos pecuniários só se venham a concretizar no futuro ou sejam mesmo incertos, como evidencia, a propósito das provisões o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-01-2015, processo n.º 0652/14, em que se escreveu:
A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:
•o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido);
• o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo);
•A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio na medida em que terá como efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele.
Esta jurisprudência é transponível, por maioria de razão, para as perdas por imparidade, em que é mais provável a ocorrência de uma diminuição patrimonial do que quando existe mero risco previsível de vir a ocorrer uma perda.
Na verdade, tanto no caso de provisões como no caso de perdas por imparidade, está-se perante situações em que, como se entendeu naquele aresto, o princípio da especialização dos exercícios não só permite, mas até impõe, que a relevância fiscal da componente negativa da liquidação seja atribuída no exercício em que a provisão deve ser efectuada ou a perda deve ser reconhecida, antecipando essa relevância em relação ao momento em que se venha a materializar pecuniariamente a ocorrência negativa.
3.1.1. Limitação do princípio da especialização dos exercícios pela aplicação do princípio da justiça
Assim, interpretando o artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, em conjugação com artigo 23.º, n.º 1, do mesmo Código, conclui-se que as perdas por imparidade se consideram componente negativa do lucro tributável do exercício em que devem ser reconhecidas. E, em princípio, apenas nesse exercício em que a perda por imparidade deve ser reconhecida é que lhe pode ser atribuída relevância fiscal, sem prejuízo de eventual aplicação do princípio da justiça, invocado pelo Requerente, que o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo uniformemente que deve atenuar a rigidez do princípio da especialização dos exercícios. ( )
A Requerente invoca este princípio da justiça, previsto nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e 55.º da LGT, como obstáculo à não consideração das perdas por imparidade no exercício de 2014.
A observância do princípio da justiça é imposta à globalidade da actividade da Administração Tributária, pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto
O Supremo Tribunal Administrativo tem decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos (agora gastos) referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ( )
Aliás, há muito que a Administração Tributária reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-Circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:
Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:
a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:
- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;
- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;
- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.
b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.
Subjacente à referida jurisprudência está a circunstância de o sujeito passivo ter sido prejudicado ou não ter tido vantagem pelo atraso da relevância fiscal do gasto, que, a verificar-se, é um elemento de relevo decisivo para presumir que o erro foi involuntário e não intencional.
No caso em apreço, não se demonstra qualquer vantagem da Requerente em atrasar a relevância fiscal das perdas por imparidade referidas.
Na verdade, por um lado, o próprio diferimento da consideração fiscal de gastos, obrigado a suportar o pagamento de um imposto que podia ser evitado, é, em si mesmo, prejudicial para o sujeito passivo, pois atrasa a disponibilidade da quantia de imposto que resulta da consideração dos gastos.
Por outro lado, a taxa geral de IRC, prevista no artigo 87.º do CIRC, até baixou no ano de 2014, passando para 23%, substituindo a anterior taxa geral de 25%, pelo que o benefício a nível da diminuição de imposto que adveio para a Requerente de ter imputado o gasto ao exercício de 2014 foi consideravelmente menor do que se lhe tivesse dado relevância em qualquer dos exercícios anteriores.
Assim, não há qualquer razão para crer que o atraso na consideração fiscal das perdas por imparidade tenha como motivação obter qualquer vantagem fiscal e, pelo contrário, é de concluir a Requerente foi prejudicada com tal atraso.
Nestas condições, em que a Requerente já foi prejudicada pelo erro em que incorreu, é flagrante a injustiça que consubstanciaria a não relevância tardia das perdas por imparidade, agravando consideravelmente o seu prejuízo, já que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem fez qualquer correcção simétrica relativa aos exercícios a que entendeu dever ser imputável a perda por imparidade, com correlativo benefício injustificado do erário público.
A Administração Tributária tem de orientar a sua actividade pela prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP), que se reconduz, em IRC, a que os contribuintes paguem o que devem em função do seu rendimento (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), o que não se compatibiliza com o aproveitamento parcial pela Administração Tributária dos efeitos de erros dos contribuintes sobre a imputação de gastos e perdas, dando-lhes relevo apenas no exercício em que podem proporcionar maior cobrança fiscal e não também naquele ou naqueles exercícios em que desses mesmos gastos resultaria menor receita fiscal, porque daí resultaria um enriquecimento injustificado do erário público.
Pelo exposto, a liquidação impugnada na parte relativa às perdas por imparidade não aceites por aplicação do princípio da especialização dos exercícios, nos valores de € 31.254,46 e € 119.705,90, enferma de vício de violação do princípio da justiça, que justifica a sua anulação, na parte respectiva, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.1.2. Falta de prova de que estavam reunidas condições para reconhecimento de perdas por imparidade antes de 2014
As correcções efectuadas relativamente aos créditos da Requerente sobre a B... S.A. e sobre a D..., assentam nos pressupostos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o risco de incobrabilidade era manifestamente conhecido em período anterior» (quanto à primeira) e que «há evidências de que o sujeito passivo já em anos anteriores reconhecia o risco de incobrabilidade» (quanto à segunda).
Quanto ao crédito sobre a B..., S.A. não se provou quando é que a Requerente deixou de ter confiança quanto à possibilidade efectiva de cobrar o crédito (como se refere nos factos não provados). A Requerente alega que «não considerou justificado contabilizar os créditos em causa como de cobrança duvidosa, confiando que a empresa municipal C..., acabaria por honrar os seus compromissos» (artigo 41.º do pedido de pronúncia arbitral) e o facto de o contrato a que se refere o crédito ter sido celebrado com um consórcio de que é membro esta empresa pública corrobora a razoabilidade desta afirmação.
De qualquer modo, não se provou que o risco de incobrabilidade do crédito sobre a B..., S.A. tivesse de ser reconhecido contabilisticamente antes de 2014 e a dúvida sobre este ponto, é de valorar processualmente a favor da Requerente, por força do disposto no artigo 100º, n.º 1 do CPPT, justificando a anulação da correcção efectuada.
Quanto ao crédito sobre D..., resulta da alínea L) da matéria de facto fixada que, até ao ano de 2014, a Requerente tinha a expectativa de que o crédito sobre D... viesse a ser pago, o que é credível por se tratar de uma empresa estatal Líbia, pelo que não existia a «evidência objetiva de que um ativo financeiro ou um grupo de ativos está em imparidade» a que se refere a NCRF 27. ( )
Como resulta desta norma, é a avaliação do detentor dos activos sobre a existência de dados observáveis que lhe chamem a atenção para uma possível perda que impõe o reconhecimento de perdas por imparidade, pelo que só quando se puder concluir que havia inequivocamente razões objectivas para fazer essa avaliação e a imparidade não foi reconhecida poderá haver fundamento para efectuar uma correcção para efeitos fiscais.
Não se verificando uma situação deste tipo tem de se concluir que a correcção efectuada quanto ao crédito sobre a D... enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto que justifica sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2. Perdas por imparidade não aceites por falta de provas de terem sido efectuadas diligências
A alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC permite considerar «créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado», considerando-se como tal, além do mais, «os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento».
Esta alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC exige provas «de terem sido efectuadas diligências» para recebimento dos créditos em mora, mas afigura-se que não limita os meios de prova da realização de diligências, designadamente não exigindo prova documental.
Na verdade, se é certo que quanto à imparidade se justifica a referência a «provas objectivas», por ser um conceito definido nas normas contabilísticas ( ), também não haverá qualquer justificação aceitável para uma limitação dos meios de prova da realização de diligências de cobrança.
Desde logo, a regra geral em sede de procedimento tributário e processo de impugnação judicial é a da admissibilidade de qualquer meio de prova admitido em direito (artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT) e não se vislumbra qualquer razão atinente ao específico facto a provar que possa justificar limitação dos meios de prova, quando é manifesto que é normal que se façam diligências de cobrança através de contacto pessoal (será mesmo, provavelmente, o meio mais eficiente) e, por outro lado, nesta específica situação, nem sequer se trata de matéria que assuma relevância essencial a nível da definição dos direitos tributários que reclame especiais cautelas probatórias.
Com efeito, a realização de diligências de cobrança é um requisito de reconhecimento de perdas por imparidade de natureza manifestamente secundária (a perda, que é o facto tributário relevante, não deixa de ser suportada pelo facto de não existirem diligências de cobrança) que, à face das regras da experiência comum, só excepcionalmente não se verificará, pois é de presumir que os credores actuem tendo em vista a satisfação do seu próprio interesse, diligenciando no sentido de procurarem cobrar os seus créditos em mora.
Aliás, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, a propósito da expressão semelhante que consta da alínea a) do n.º 2 do artigo 78.º-A do CIVA (na redacção da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro), publicitou uma orientação genérica no sentido de que a exigência de objectividade das provas se reportar apenas à imparidade e não às diligências. ( )
De qualquer forma, se se interpretasse a referência a «provas objectivas», que consta daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, como proibindo aos Tribunais a utilização de prova testemunhal e através de presunções para prova da realização de diligências de cobrança, esta norma seria materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do direito à tutela judicial efectiva e da proporcionalidade ( ), já que não se pode afastar a possibilidade de existirem situações em que não seja possível prova documental ( ) e, por outro lado, nesta específica situação, nem sequer se trata de matéria que assuma relevância essencial a nível da definição dos direitos tributários que reclame especiais cautelas probatórias.
Neste caso, a realização de diligências para cobrança dos créditos subjacentes às perdas por imparidade foi assegurada pela prova testemunhal produzida, não havendo qualquer razão para duvidar da correspondência à realidade das afirmações feitas, pois, como se disse, até é de presumir, à face das regras da experiência comum, que os credores diligenciem no sentido de procurarem cobrar os seus créditos, particularmente em casos como o presente, em que são de montante muito elevado.
Por outro lado, para além de não ser necessária a prova documental para demonstração da realização de diligências de cobrança dos créditos em mora, não tem qualquer fundamento legal a exigência que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez de que é necessário um carimbo ou qualquer outro comprovativo da recepção pelo devedor.
Com efeito, como refere a Requerente e é facto que é de considerar provável à face das regras da experiência comum e, por isso, presumível, os credores deparar-se-ão frequentemente com dificuldades quando procurarem recuperar os seus créditos junto de devedores em mora, que se furtarão a receber quaisquer comunicações formais e muito menos a comprovar documentalmente que tiveram conhecimento de tais diligências.
Pelo exposto, a correcção efectuada com o fundamento da não existência de prova de diligências de cobrança, enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação da alínea c) do n. 1 do artigo 28.º-B do CIRC, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Juros compensatórios
A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enferma dos mesmos vícios que afectam esta liquidação, justificando-se também a sua anulação.
4. Indeminização por garantia indevida
A Requerente prestou garantia bancária para suspender execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, os erros subjacentes à liquidação impugnada que justificam a anulação parcial das liquidações de IRC e juros compensatórios são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois esta foi de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação de IRC n.º 2019... na parte em que tem subjacentes as correcções à matéria tributável no valor de € 528.973,24 (€ 31.254,46 + € 119.705,90 + € 378.012,88);
c) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for determinada em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 168.722,71.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 03-02-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Fernando de Jesus Amado dos Santos)
(A. Sérgio de Matos)