Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 540/2019-T
Data da decisão: 2020-02-19  IRS  
Valor do pedido: € 30.080,72
Tema: IRS de 2012 – Rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro – Directiva da Poupança – Decreto-Lei 62/2005 de 11 de Março.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 14 de Agosto de 2019 os Requerentes, A... e B..., vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a “(1) ilegalidade da decisão de indeferimento expresso do procedimento de reclamação graciosa que correu termos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Direção de Finanças de ..., sob o n.º ...2017... (2) bem como, em termos mediatos, com vista à anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), ... respetivos juros compensatórios, relativamente ao ano de 2012, com o n.º  2016..., de 07/12/2016 (3) e da liquidação corrigida por aquela com o n.º 2016..., de 15/11/2016”, impugnação na parte relativa a 30 318,57 euros;

b)           É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

c)            Os Requerentes pedem ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) que na procedência do pedido de pronúncia arbitral (PPA) proceda à “ (1) anulação da decisão de reclamação graciosa ... bem como, em termos mediatos, à anulação do ato tributário de liquidação de IRS/2012, com o n.º 2016..., de 07/12/2016, e inerentes juros compensatórios, com o inerente reembolso dos montantes pagos em excesso (2) seja reconhecido o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios, a liquidar a final, no momento do reembolso do imposto e juros compensatórios pagos indevidamente”.

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 14-08-2019.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 14.08.2019, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 21 de Outubro de 2019, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, os Requerentes alegam a seguinte factualidade:

i               Que em 2012 “... eram titulares de duas contas bancárias sediadas em bancos estabelecidos no estrangeiro (no caso, na Suíça), ... no C... e no D...” e “... declararam no Anexo J – Rendimentos Obtidos nos Estrangeiro - ... relativos a estas contas e que totalizavam € 64.736,13”

ii              Aconteceu que “... em março de 2016, ... foram surpreendidos pelo Ofício n.º..., datado de 24 de março de 2016, da Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de  ... ... no qual se anunciava que “de acordo com a informação recebida, ao abrigo daquela Diretiva, da SUÍÇA, V. Exa. auferiu no ano de 2012 rendimentos de juros no valor de € 241 303,83, que não foram incluídos na declaração Modelo 3 de IRS (campo 422 do Anexo J)”.

iii             Responderam os Requerentes à AT referindo que não auferiram tais rendimentos e juntaram documentos.

iv            Em resposta, referiu a AT no Ofício n.º..., de 14 de Novembro de 2016: “em face do exposto, e considerando que o contribuinte veio apresentar provas esclarecedoras que permitem contrariar a informação comunicada inicialmente pela Autoridade fiscal da Suíça, afigura-se-nos que será de promover a correção oficiosa da declaração de IRS do ano de 2012 mediante o tratamento informático de documento de correção, passando a constar do anexo no Q.4 campo 422 do anexo J do sujeito passivo com o NIF ... a importância de (€ 105 764,95)”.

v             Concluem os Requerentes que a diferença de valores, entre o declarado pelos Requerentes (27 428,95 euros) e o valor que a AT refere que deve ser declarado (105 764,95 euros), resulta do facto do C... ter comunicado às Autoridades Fiscais da Suíça, não só os juros pagos, mas também a valorização de unidades de participação, sem ocorrer o seu resgate, rendimentos que apenas são tributados, segundo a lei portuguesa, por altura da colocação à disposição de rendimentos aos seus detentores.

 

h)           Seguidamente ao nível da fundamentação de direito, referem os Requerentes que as  liquidações padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto, como a AT reconhece no projecto de decisão da reclamação graciosa “a diferença poderá ser explicada pelo juros indiretos, então a liquidação do IRS aqui contestada, também por este motivo, é totalmente ilegal, porquanto releva algo que não é considerado como um rendimento obtido para efeitos do Código do IRS”.

i)             Defendem ainda os Requerentes que as liquidações aqui em causa padecem do vício de falta de fundamentação, uma vez que “numa base de total incerteza, ... é utilizado pela própria AT a expressão “poderão ter vencido ou ter sido apurado”, inculca-se uma obrigação tributária sobre os Requerentes”.

 

l)             Notificada a Requerida, respondeu em 18.11.2019 e juntou o PA.

m)          Em impugnação refere o seguinte:

i               A Requerida concorda com os Requerentes quanto à conta bancária de onde resultam os valores aqui em dissonância, quando refere: “os Requerentes contestam o valor sujeito a IRS de 2012, relativo aos rendimentos sob a forma de juros visados pelo disposto na Convenção pagos pelo C... (Suíça) com suporte na conta n.º...”.

ii              Refere que “no âmbito do procedimento tendente à liquidação adicional de imposto que suportou o ato objeto do pedido arbitral, tomou-se por base a informação transmitida pela Autoridade Tributária Suíça, ao abrigo do disposto na Diretiva”.

iii             E acrescenta: que “foi recolhida uma Declaração Oficiosa de Correção do IRS de 2012 e feita a liquidação impugnada com base nessa declaração oficiosa, tendo sido adicionado no campo 422 do quadro 4 do Anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro), em 2012, o total de € 105.764,95 ( €101.009 + € 4.755,95)”, “nesta conformidade, os rendimentos visados pelo disposto na Convenção seriam de inscrever no campo 418 do quadro 4 do anexo J, com fonte na Suíça, pelo valor global de € 105.764,95”, e que

iv            Quando os Requerentes apresentaram a reclamação graciosa, a AT recorreu de novo à troca de informação com a Autoridade Fiscal da Suíça a fim de se determinar: “(1) qual a entidade que comunicou às autoridades fiscais suíças os rendimentos auferidos em 2012 naquele território pelos Requerentes: se a entidade onde está domiciliada a conta (C...- Suíça) ou a entidade gestora da mesma (E... Suisse); (2) qual o motivo de divergência de entendimento entre os valores considerados pela entidade onde está domiciliada a conta (C...-Switzerland) e a entidade gestora da mesma (Banco E... Suisse); (3) qual o disposto na Diretiva e quais os agentes pagadores; (4) e caso tenham sido auferidos rendimentos que não sejam passiveis de comunicação ao abrigo da Diretiva, qual a sua natureza e respetivo montante.”

v             Refere que “a autoridade fiscal da Suíça enviou resposta às autoridades fiscais portuguesas confirmando os valores anteriormente comunicados: € 105.764,95 pagos pelo C... (Switzerland)”, concluindo que “a informação recebida das autoridades fiscais suíças, ao abrigo da troca de informação prevista na Diretiva da Poupança, é válida, constando dessa informação, o banco, o n.º da conta, os titulares e os montantes de rendimento”.

vi            E acrescenta: “uma vez demonstrada a validade da informação que AT dispõe, o ónus da prova inverte-se, cabendo aos Requerentes demonstrarem que os rendimentos que as autoridades fiscais suíças comunicaram são falsos, de acordo com o n.º 1 do artigo 74.º da LGT pois o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados recai sobre quem os invoca. Neste sentido, não foram apresentados pelos Requerentes documentos que inequivocamente possam provar a inexistência ou montante inferior ao comunicado”;

vii           “Faltando prova do alegado pelos Requerentes, por informação corretiva enviada pela Autoridade fiscal da Suíça ou certificado emitido pelo agente pagador suíço contendo informação com o sentido e alcance do alegado, mantém-se a informação prestada e confirmada pela Autoridade Fiscal Suíça que prevalece, mesmo perante qualquer elemento divergente constante da declaração preparada pela Entidade Gestora da Carteira de títulos, que não é agente pagador suíço para efeitos do disposto na Convenção”;

viii          “Nesta conformidade, os rendimentos sob a forma de juros visados pelo disposto na Diretiva e da titularidade dos Requerentes em 2012, a inscrever no campo 418 do campo 4 do anexo J, com fonte na Suíça, para efeitos de IRS, passam a ser no valor total equivalente a € 131.739,74 (€ 105.764,95 pagos pelo C... Switzerland + € 25.974,79 pagos pelo D... (Suisse) SA”.

ix            E porque na declaração de rendimentos do ano de 2012, os rendimentos da categoria E totalizam € 170.501,08, “atende-se aos rendimentos da categoria E de igual modo com fonte na Suíça e que os Requerentes inscreveram no campo 411 do quadro 4  do Anexo J no montante de € 11.332,39”, resultando que “os rendimentos da categoria E do IRS de 2012 da titularidade dos Requerentes com fonte na Suíça totalizam € 143.072,13 (131.739,74 + 11.332,39)”.

x             Termina referindo: “acresce que tendo em conta o supra exposto, encontram-se a decorrer os procedimentos necessários com vista à revogação parcial do ato de liquidação adicional de IRS do ano de 2012 passando a constar como rendimentos da categoria E com fonte na Suíça, no campo 418, do quadro 4 do anexo J o valor de € 131.739,74 acrescendo no campo 411 € 11.332,39, mantendo-se os rendimentos da categoria G declarados”. 

 

n)           Quanto à invocada falta de fundamentação refere que a “não entende porquanto esta foi acompanhada pela informação/fundamentação n.º .../2016 conforme facilmente se verifica pelo Processo Administrativo”.

o)           No que diz respeito ao pedido de juros indemnizatórios ao abrigo do nº 1 do artigo 43º da LGT refere que “à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT”.

 

p)           Foi dispensada a realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e os Requerentes prescindiram da inquirição da testemunha arrolada.

 

q)           Em 06.12.2019 os Requerentes apresentaram um requerimento suscitando a ampliação do pedido, referindo:

i               “Apesar do processo arbitral tributário identificado supra estar a correr os seus termos legais e ser o IRS/2012 o objeto do mesmo, os Requerentes receberam a 02-12-2019, uma nova liquidação do IRS/2012, sob o n.º 2019..., bem como a respetiva demonstração de acerto de contas identificada sob o n.º 2019..., documentos através dos quais a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) comunicou o estorno da liquidação n.º 2016..., visada no presente processo arbitral tributário, e simultaneamente procedeu a nova liquidação sob o n.º 2019..., no qual foi apurado um saldo adicional a favor da AT no montante de € 2.400,70, e com data-limite de pagamento até 06-01-2020, conforme documento n.º 1 aqui junto em anexo”;

ii              “Ora, foi com total estranheza que os Requerentes receberam agora esta nota de liquidação de IRS/2012, porquanto tal como identificado na petição inicial, o objeto do presente processo arbitral tributário, e na esteira da reclamação graciosa anteriormente submetida, assenta na liquidação n.º 2016..., de 07/12/2016, bem como na liquidação anterior corrigida por aquela com o n.º 2016..., de 15/11/2016, pelo que não se compreende de todo a razão para haver uma nova liquidação de IRS/2012 promovida pela AT”;

iii             “Mas mais grave que tudo é quando se atenta na fundamentação da AT aposta na nota de liquidação agora recebida pelos Requerentes, conforme se passa a citar: “a liquidação efetuada corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetida a V. Exa. a respetiva fundamentação. (…) Fica V. Exa. notificado da liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos acima identificados – conforme nota demonstrativa – resultante da execução da proferida no processo de Decisão Arbitral com o n.º ...2019....”

 

r)            Notificada a Requerida para responder referiu o seguinte: “o que se verifica é que os Requerentes vêm requerer a ampliação do valor do pedido arbitral, quando o mesmo foi substancialmente reduzido dos € 30.080,72 (valor que foi indicado no pedido) para € 2.400,70, conforme documento 1 que juntam ao pedido de ampliação, pelo que se requer a correção do valor para € 2.400,70, valor este apurado após o acerto de contas”.

 

s)            Face à contradição que resulta da resposta da Requerida, tendo em conta o valor da liquidação inicialmente impugnada, vieram os Requerentes, por requerimento de 23.02.2020, referir:

i               “... basta atentar na demonstração de acerto de contas identificada sob o n.º documento 2019..., e que foi junta como “documento n.º 1” ao requerimento de ampliação do pedido arbitral, para se constatar que não existe qualquer redução de valor, e bem pelo contrário”;

ii              “De facto, a AT substituiu a última liquidação que estava a ser impugnada – e que tinha o n.º 2016..., de 7 de dezembro de 2016, junta à petição inicial como “documento n.º 2”, com um valor total a pagar de € 51.903,48 – por uma liquidação nova com o n.º 2019..., no qual o valor de imposto, pasme-se, e ao contrário do argumentado pela AT, aumentou para € 54.304,18, pelo que resultou num saldo apurado a pagar a mais pelos Requerentes de € 2.400,70”;

iii             “Ora, é facilmente entendível que se tivesse havido revogação (parcial) do ato de liquidação nunca poderia a demonstração de acerto de contas dar origem a um acréscimo de valor a pagar pelos Requerentes”.

iv            “Sendo ... no mínimo estranho que tenha havido uma “alegada” revogação (parcial) do ato de liquidação e os Requerentes nunca terem sido informados no processo, ou fora do mesmo, desse ato”.

v             “Sendo certo que a revogação do acto tributário só pode ocorrer nos “...

30 dias (úteis) a contar do conhecimento pelo dirigente máximo do serviço da administração tributária do pedido de constituição do tribunal arbitral (artigo 13.º, n.1, do RJAT)”.

vi            “Ora, se o pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado pelos Requerentes ocorreu a 13 de agosto de 2019,  e que no prazo de dois dias a contar da receção do pedido de constituição do tribunal, o Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa deve dar conhecimento do pedido, por via eletrónica, à administração tributária (artigo 10.º, n.3, do RJAT),  então é totalmente claro que a haver revogação, o que não se concede por tudo o que já foi alegado, então a mesma é totalmente ilegal, porquanto teria ocorrido para além dos 30 dias (úteis)”.

 

t)            As partes apresentaram alegações escritas em 08.01.2020.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 14 de Agosto de 2019. A Requerente impugna o acto expresso de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação aqui em causa, que lhe foi notificado em 15 de Maio de 2019, conforme última folha do PA junto pela AT com a resposta.

c)            Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

III - MÉRITO

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            No ano de 2012 os Requerentes eram titulares de duas contas bancárias sediadas em bancos estabelecidos na Suíça, no C... e no D... – artigo 3º do PPA e posição global consonante de ambas as partes;

b)           Relativamente à conta bancária domiciliada no D..., na Suíça, não ocorreu qualquer divergência quanto ao valor que foi declarado no Anexo J da declaração de IRS (Modelo 3), de € 25.974,79 – conforme artigos 23º e 24º do PPA e posição global consonante de ambas as partes;

c)            A conta bancária cujos movimentos estão na génese da divergência a dirimir neste processo, é a domiciliada no C... (Suisse), gerida pelo E... (Suisse), sob o n.º de portofolio ..., IBAN   CH9... – conforme artigo 25º do PPA e documento nº 7 em anexo ao PPA;

d)           Relativamente às aplicações com origem na referida conta do C... (Suisse) o total de rendimentos auferidos pelos Requerentes, sujeitos a IRS em 2012, foi de 27 428,95 euros – conforme artigo 25º do PPA e documentos nºs 7 e 8 juntos com o PPA;

e)           Com referência à carteira de investimentos (portfólio), dos Requerentes, gerido pelo E... (Suisse), os produtos financeiros identificados no quadro seguinte, que produziram rendimentos em 2012, são obrigações que integram activos de fundos de investimento, situação em que o C... (Suisse), comunica às autoridades fiscais da Suíça a produção do rendimento no momento em que este é obtido no próprio Fundo:

 

- conforme artigo 55º e 56º do PPA e documentos nºs 7 e 8 juntos com o PPA, face posição global da AT quanto às informações suscitadas à autoridade fiscal da Suíça;

f)            Em 05 de Março de 2016 os Requerentes apresentaram, via internet, uma declaração de substituição Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2012, constando no Anexo J, no quadro 4, campos 408 e 411, o seguinte:

 

                e no quadro 6, campos 601 e 602 do mesmo anexo, o seguinte:

 

                - conforme artigo 4º do PPA e documento nº 3 em anexo ao PPA;

g)            Por ofício de 24.03.2016 a AT comunicou ao Requerente marido o seguinte: “De acordo com a informação recebida, ao abrigo daquela Diretiva, da SUIÇA, V. Exa. auferiu no ano de 2012 rendimentos de juros no valor de € 241.303,83, que não foram incluídos na declaração Modelo 3 de IRS (campo 422 do Anexo J)” - – conforme artigo 5º e 60º do PPA e documento nº 4 em anexo ao PPA;

h)           Por carta com data de 11 de Abril de 2016 os Requerentes responderam à AT referindo: “Desconhecem a obtenção do valor de juros creditados no montante de 241.303,83€ ao abrigo da Diretiva da Poupança (Suíça) na sua conta junto de qualquer dos Bancos supra mencionados. Tanto quanto foi informado pela Gestão de Ativos dos supracitados bancos poderão as obrigações dentro de fundos de investimento ter sofrido uma valorização no ano de 2012, mas não deram lugar a pagamento de juros pois não houve transmissão das mesmas.

Pelo exposto é o que me cumpre informar, requerendo desde já cópia da comunicação dos alegados juros recebidos para junto da entidade comunicante obter esclarecimentos da proveniência desse alegado rendimento” – conforme artigo 6º e 62º do PPA e documento nº 5 em anexo ao PPA;

i)             Por ofício com data de 14.11.2016, a AT comunicou aos Requerentes o seguinte: “solicitado apoio à Direção de Serviços de Relações Internacionais, na análise dos documentos apresentados, foi por esta informado que por se verificar diferença de valores, foi solicitado a um pedido de informações à Suíça no sentido de confirmação do valor dos rendimentos de juros auferidos na Suíça, no ano de 2012. Na resposta recebida pela administração fiscal da Suíça, foi confirmado pelo C... (Suíça) que os valores comunicados em Euro estavam corretos (€100 938,00 + €71,00) e que os valores comunicados em USD deveriam ser corrigidos, sendo o valor correto de USD 6 275 (€4 755,95).

Assim, deverá ser considerado que o contribuinte auferiu juros no C... (Suíça) no ano de 2012 os rendimentos acima indicados no valor total de 105 764,95 euros.

Conclusão: Em face do exposto, e considerando que o contribuinte veio apresentar provas esclarecedoras que permitem contrariar a informação comunicada inicialmente pela Autoridade fiscal da Suíça, afigura-se-nos que será de promover a correção oficiosa da declaração de IRS do ano de 2012 mediante o tratamento informático de documento de correção, passando a constar do anexo no Q.4 campo 422 do anexo J do sujeito passivo com o NIF ... a importância de € 105.764,95.” – conforme artigo 7º, 8º e 65º do PPA e documento nº 6 em anexo ao PPA;

j)             Em data não apurada foram os Requerentes notificados da liquidação de IRS de 2012 nº 2016 ... de 15.11.2016 de que resultou um valor a pagar de 51 752,72 euros e da demonstração de acerto de contas ID Documento 2016 ..., compensação 2016 ... de 17.11.2016, onde consta a liquidação de IRS de - € 47 810,48 e de juros compensatórios de - € 3 942,24, o que soma um total de - € 51 752,72 e um estorno da liquidação 2016 ... no valor de + € 21 822,76, resultando um valor final a pagar de € 29 929,96 – conforme parte inicial do PPA e folhas 19 e 20 do PA junto pela AT com a Resposta;

k)            Em data também não apurada foram os Requerentes notificados de uma nova liquidação de IRS de 2012, corrigindo a anterior, com o nº 2016 ... de 07.12.2016 de que resultou um valor a pagar de € 51 903,48 e da demonstração de acerto de contas ID Documento nº 2016 ..., compensação nº 2016 ... de 12.12.2016, onde consta o estorno da liquidação nº 2016 ... de 15.11.2016 de + 51 752,72; acerto da liquidação de nº 2012 ... de - €47 942,98, resultando um valor final a pagar de € 158,76 - conforme parte inicial do PPA e folhas 21 e 22 do PA junto pela AT com a Resposta;

l)             Em 14-03-2017 foi aberto um procedimento de reclamação graciosa que tomou o nº ...2017..., deduzido pelos Requerentes contra as liquidações referidas nas duas alíneas anteriores, tendo a AT por ofício de 03.04.2019 notificado os Requerentes do projecto de decisão, para audição prévia, onde se escreveu:

“Face à questão suscitada pelo reclamante, interpelaram, novamente, estes Serviços, a Direção de Serviços das Relações Internacionais, já que essa mesma questão se prendia com a noção de “pagamento de juros" que decorre da Diretiva 2003/48/CE, de 03.06.

Na sequência do nosso pedido de colaboração à DSRI, foi despoletado o mecanismo de troca de informação com as autoridades fiscais suíças e colocadas as seguintes questões:

- Qual a entidade que comunicou às autoridades fiscais suíças ao abrigo da Diretiva da Poupança os rendimentos auferidos em 2012 naquele território pelo contribuinte A..., com o NIF..., se a entidade onde está domiciliada a conta (C...— Switzerland) ou a entidade gestora da mesma (Banco E... Suisse)?

- Qual o motivo da divergência de entendimento entre os valores considerados pela entidade onde está domiciliada a conta (C...) e a entidade gestora da mesma, conforme quadro anexo?

- Qual o valor que deve ser efetivamente considerado como auferido em 2012, na Suíça, ao abrigo da Diretiva da Poupança pelo contribuinte A... e quais as respetivas entidades pagadoras?

- Caso tenham sido auferidos rendimentos que não sejam passiveis de comunicação ao abrigo da Diretiva Poupança. qual a sua natureza e respetivo montante?

Em resposta, datada de 07.03.2019, as autoridades fiscais suíças confirmaram que os rendimentos auferidos pelo reclamante ascendem aos que já anteriormente tinham sido comunicados, pagos pelo C..., no valor total de € 105.764,95 (€ 100.938,00 + € 71 e ainda USD 6.275);

Foi ainda esclarecido que a diferença entre o montante comunicado pela Administração Tributária Federal da Suíça e que foi confirmada pelo C... (Suisse), SA (€ 71,00, € 100.938,00 e USD 6.275) e a quantia declarada pelo ora reclamante pode provavelmente ser explicada pelos juros indiretos (lucro obtido na venda, resgate ou recompra de ações de fundos de investimento).

Assim, em face do exposto, e na sequência da informação adicional enviada pelas autoridades fiscais suíças confirmam-se os valores já anteriormente comunicados, ou seja, €105.764,95 pagos pelo C... (Switzerland), pelo que deverá ser indeferida a presente reclamação graciosa”. - conforme artigo 69º do PPA, documento nº 9 em anexo ao PPA e página 49 do PA junto com a Resposta pela AT.

m)          Consta de folhas 46 do PA junto pela AT com a Resposta, uma informação da DSRI da AT dirigida à Direcção de Finanças de ..., com o seguinte teor:

 

n)           Os Requerentes, face à notificação referida em l), exerceram o direito de audição prévia, tendo referido nomeadamente que: “Os contribuintes explicaram, valor a valor, título a título, todos os rendimentos que deveriam ser sujeitos a IRS, pelo que não se compreende que a liquidação adicional não seja corrigida em sede de reclamação.

...

Tal como referido, perante a discrepância de rendimentos obtidos efetivamente e os comunicados pelo C... ao abrigo da Diretiva da Poupança, os Reclamantes solicitaram informação ao E... (Suisse), que lhes explicou a origem das diferenças. As diferenças resultam do facto de o C... não comunicar os rendimentos distribuídos por Fundos de Investimento aos detentores das unidades de participação, mas sim os rendimentos gerados dentro do próprio fundo, tal como decorre da directiva da poupança. Contudo, de acordo com a legislação fiscal portuguesa, o rendimento é considerado obtido — e, portanto, tributado em IRS — no momento em que é feita a distribuição [cf. alínea j) do nº 2 do artigo 5º do Código do IRS]. Assim, houve casos em que o Banco reportou mais rendimentos do que os contribuintes, e outros em que declarou menos”. – conforme páginas 54, 55 e 56 do PA junto pela AT com a Resposta ao PPA;

o)           Por ofício de 10.05.2019 a AT comunicou aos Requerentes a decisão final de indeferimento da reclamação graciosa com base na seguinte fundamentação: “a Diretiva 20003/48/CE do Conselho, de 3 de junho de 2003 relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, no artigo 6º estabelece o que se deve entender por pagamento de juros.

De acordo com o citado artigo 6º entende-se por "pagamento de juros:

«a) Os juros pagos ou creditados em conta referentes a créditos de qualquer natureza, com ou sem garantia hipotecária e com direito ou não a participar nos lucros do devedor, nomeadamente os rendimentos da divida pública e de obrigações de empréstimos, incluindo prémios atinentes a esses títulos (...)»

«b) Os juros vencidos ou realizados na altura da cessão, do reembolso ou do resgate dos créditos referidos na alínea a)»

«c) Os rendimentos provenientes de pagamento de juros, quer estes sejam efetuados diretamente, quer por intermédio de uma entidade referida no nº 2 do artigo 4º, distribuídos por:

i) OICVM autorizados nos termos da Diretiva 85/611/CEE

ii) entidades que beneficiem da possibilidade prevista no nº 3 do artigo 4º, e

iii) organismos de investimento coletivo estabelecidos fora do território referido no artigo 7º»

Resulta, por conseguinte, daquela norma, que na definição de "pagamento de juros", estão compreendidos "juros creditados"; "juros capitalizados"; rendimentos provenientes de pagamento de juros (...) distribuídos".

Nessa medida, o conceito de "pagamento de juros" nos termos da Diretiva não se restringe à noção de "efetivo pagamento" aos beneficiários, abrange por exemplo o conceito de "juros creditados e "juros capitalizados" e na alínea c) é que se pressupõe efetivamente uma "distribuição".

Tendo, a comunicação efetuada pelo C... quanto aos juros, obedecido a esta noção de "pagamento de juros" que decorre do artigo 6º da Diretiva, é forçoso concluir que tais juros não tendo sido pagos efetivamente foram "creditados", "capitalizados" ou "distribuídos", pelo que dispondo o artigo 74º da LGT quanto ao ónus da prova que «1- O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.», competia ao reclamante, demonstrar que a divergência entre o que foi comunicado pelo C... e o que efetivamente recebeu, não se trata afinal de juros "creditados", "capitalizados" ou “distribuídos".

Ou seja, que aquela comunicação, à luz da noção abrangente de “pagamento de juros" dada pelo artigo 6º da Diretiva enferma de erros, o que não fez, limitando-se a arguir que apenas recebeu o montante que declarou e não o montante que o C... comunicou.

Só desfeita essa dúvida, é que poderá ser invocada a legislação nacional para enquadrar o "pagamento de juros", ao abrigo e de harmonia com o artigo 1º, nº 1 da Diretiva que estabelece que «1 - A presente directiva tem por objectivo final permitir que os rendimentos da poupança sob a forma de juros, pagos num Estado-Membro a beneficiários efectivos que sejam pessoas singulares com residência fiscal num outro Estado- Membro, sejam sujeitos a uma tributação efectiva em conformidade com a legislação deste último Estado-Membro». 

Ora a legislação fiscal portuguesa no que se refere a juros apela para a sua sujeição a tributação em diferentes momentos, nomeadamente, no momento do seu vencimento, no apuramento do seu quantitativo, etc, não se restringindo - à noção de pagamento ao beneficiário efetivo exclusivamente (Cfr. artigo 7º do CIRS em conjugação com o art. 5º do mesmo Código).

Afirmando-se na informação prestada pelas autoridades fiscais suíças que a discrepância se deve a juros indiretos, tal não significa, por conseguinte, que à luz da legislação nacional não estejam sujeitos a tributação, atento que se poderão ter vencido ou ter sido apurado o seu quantitativo, designadamente.

Para se poder concluir nesse sentido, seria necessário que o reclamante tivesse feito prova de que tipo de produtos financeiros subscreveu, o que não fez, limitando-se a falar em unidades de participação em fundos de investimento sem que junte prova.

Face ao exposto, gozando de fé pública a comunicação feita pelas autoridades fiscais da Suíça de que o montante dos juros auferidos pelo reclamante ascendem à importância de € 105.764,95 é esse o valor que têm de ser considerado, já que as alegações do reclamante não são suficientes para pôr em causa aquele valor”. – conforme páginas 60 e seguinte do PA junto pela AT com a resposta e documento nº 1 em anexo ao PPA.

p)           Em 02 de Dezembro de 2019 foram os Requerentes notificados de uma nova liquidação de IRS de 2012, corrigindo a anterior, com o nº 2019 ... de 22.11.2019 de que resultou um valor a pagar de € 54 304,18 e da demonstração de acerto de contas ID nº Documento 2019 ..., compensação nº 2019 ... de 22.11.2019, onde consta o estorno da liquidação nº 2016 ... de + 51 903,48 e o acerto de liquidação com o nº 2019 ... de - €54 304,18, resultando um valor final a pagar de € 2 400,70 – conforme requerimento da Requerente de 06.12.2019 e documentos nºs 1 e 2 em anexo;

q)           Em 25 de Fevereiro de 2017, os Requerentes pagaram € 30 318,57 relativamente às liquidações referidas em j) e k) – conforme artigo 78º do PPA e documento nº 10 em anexo ao PPA;

r)            Em 14 de Agosto de 2019 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

A AT não colocou em causa a genuinidade do conteúdo das reproduções mecânicas juntas autos, nem invocou a sua falsidade ou outra adulteração, na forma ou no conteúdo.

 

Quanto aos factos constantes das alíneas d) e e), fulcrais para a resolução deste litígio, tendo em conta:

(1) a presunção de veracidade e boa-fé que beneficiam as declarações dos contribuintes (artigo 75º da LGT);

(2) o ónus que comete à AT em esclarecer a situação tributária, face à informação recebida da Autoridade Fiscal da Suíça (artigo 74º nº 1 da LGT);

considerou este TAS que não foi pedida pela AT portuguesa à AT Suíça, a informação, de forma desagregada, tal como se configura ser praticado em situação inversa (quanto aos rendimentos da poupança gerados em Portugal e pagos a residentes na Suíça), tendo em conta o que consta nas instruções de preenchimento dos Modelos 35 e 36 do IR, que dão expressão prática à troca de informações entre Estado português e os outros Estados que aplicam o mesmo regime jurídico, ao nível dos rendimentos da poupança, a saber:

 

 

Mesmo que assim não fosse, face ao que se provou em m) da matéria de facto, a própria informação recolhida pela AT, aponta para a dúvida, quando se afirma que a diferença de valores em litígio “could probably be explained by the indirect interests”. Dúvida que não veio a ser afastada.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-Quanto ao mérito

 

A)           Quanto à ampliação do pedido

 

Na pendência deste processo, vieram os Requerentes, por requerimento de 06.12.2019, juntar uma nova liquidação de IRS que lhes foi notificada, do ano de 2012, que alterava, para mais, as liquidações antes impugnadas, conforme resulta das alíneas j), k) e p) da matéria de facto provada.

 

Pediram a ampliação do pedido inicial, uma vez que da nova liquidação do IRS de 2012, resultou um valor a pagar de mais 2 400,70 euros.

 

Notificada a AT para se pronunciar veio referir que “o que se verifica é que os Requerentes vêm requerer a ampliação do valor do pedido arbitral, quando o mesmo foi substancialmente reduzido dos € 30.080,72 (valor que foi indicado no pedido) para € 2.400,70, conforme documento 1 que juntam ao pedido de ampliação. Pelo que se requer a correção do valor para € 2.400,70, valor este apurado após o acerto de contas”.

 

No entanto, não foi o que se demonstrou.

 

Refere o nº 2 do artigo 265º do CPC, aplicável por força da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT que “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido ou ampliá-lo, até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

 

A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão inicial se modifique para um mais. É o que acontece no caso presente.

 

Nestes termos procede o pedido de ampliação, no sentido de abranger a liquidação de IRS de 2012, referida em p) da matéria de facto provada.

  B) Quanto à questão de fundo a decidir.

 

Os Requerentes referem que as liquidações e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito (artigos 58º e 72º do PPA) e de falta de fundamentação.

 

Vejamos, em primeiro lugar, o acto imediatamente impugnado, ou seja, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

             A aplicação como fonte imediata de direito interno, da Directiva 2003/48/CE do Conselho, de 03.06.2003

 

A decisão de indeferimento da reclamação graciosa constitui, neste caso, a fundamentação das liquidações. Essa decisão está sustentada no texto da Directiva da Poupança, mais concretamente no seu artigo 6º que define o que deve considerar-se “pagamento de juros”.

 

Não se faz alusão v.g. ao artigo 7º  da Decisão do Conselho (2004/911/CE) de 2 de Junho de 2004, relativa à assinatura e à celebração do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Directiva 2003/48/CE do Conselho relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros.

 

Uma “directiva” é um acto legislativo que fixa um objectivo geral que todos os países da UE devem alcançar. Cabe a cada país elaborar a sua própria legislação para dar cumprimento a esse objectivo.

 

Ora, no caso, Portugal, transpôs o regime jurídico da aludida directiva. através do Decreto-Lei nº 62/2005, de 11 de Março, pelo que deu pleno cumprimento ao que se encontra regulado no acto legislativo da União.

 

A AT não invoca qualquer erro na transposição do normativo comunitário e é evidente que o regime do artigo 6º da Directiva, corresponderá ao artigo 4º do Decreto-Lei nº 62/2005, de 11 de Março, conjugado com os regimes dos artigos 5º e 6º do Código do IRS. Ou seja, o legislador português terá adoptado a redacção do artigo 4º do Decreto-Lei nº 62/2005, de 11 de Março, porque tinha no Código do IRS as normas que definiam as presunções e o momento da tributação dos diversos tipos de rendimentos de capitais.

 

Pelo que, desde logo, se pode concluir que a decisão impugnada, padece de desconformidade com a lei, porquanto tem a fundamentá-la uma norma inaplicável, directamente, no direito interno português, ao invés do recurso aos regimes do Decreto-Lei nº 62/2005, de 11 de Março e dos artigos 5º e 6º do Código do IRS, que são normativos de aplicação interna que regulam a situação em apreço neste caso.

 

             A troca de informações entre a AT da Suíça e a AT de Portugal.

 

A este propósito já se pronunciaram vários tribunais constituídos no âmbito do CAAD. Aderimos ao que se escreveu na decisão CAAD Processo 68/2019-T, por ter contornos em tudo semelhantes:

 

“38. ... as autoridades fiscais suíças comunicaram à AT a informação de que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de € ..., reportados ao Requerente. Fizeram-no, desde logo, porque os mesmos se enquadram no conceito amplo de “pagamento de juros” relevante para efeitos de obrigação de comunicação de informação. No entanto, a comunicação foi feita de forma sintética, pela totalidade, sem desagregar a informação relativamente às várias subcategorias de rendimento.

39. Este aspeto reveste-se de grande importância prática, na medida em que, se é certo que, nos termos e para efeitos do regime de comunicação da informação da Diretiva e do Acordo, as operações subjacentes aos rendimentos em causa devem ser qualificadas como “pagamentos de juros”, daí não decorre necessariamente que, uma vez desagregadas, as mesmas devam sempre ser consideradas como “juros” para efeitos de tributação em sede de Categoria E.

40. A tributação direta continua a ser competência reservada aos Estados, não tendo sido objeto de harmonização pelo direito da União Europeia em matéria de incidência subjetiva e objetiva – sem prejuízo da sua subordinação aos respetivos princípios estruturantes (v.g. não discriminação em razão da nacionalidade e residência, salvaguarda da concorrência não falseada no mercado interno). De resto, quer a Diretiva Poupança, quer o Acordo, apontam para o objetivo de que a tributação efetiva dos rendimentos auferidos pelo beneficiário efetivo seja feita em conformidade com a legislação do Estado da sua residência. Assim sendo, continua entre nós a ser ao CIRS que cabe qualificar os diferentes tipos de rendimento, incluindo os obtidos no estrangeiro, para efeitos de subsunção às diferentes categorias de tributação.

41. No caso concreto, foi com base na informação transmitida, resultante do mecanismo de troca automática, que foi desencadeado o processo referente à correção da declaração modelo 3 de IRS do ano de .... Pretendia-se, desse modo, aplicar aos juros pagos o disposto no artigo 5.º do CIRS, respeitante à Categoria E, dos rendimentos de capitais, que inclui, nomeadamente, os juros e outras formas de remuneração de títulos de participação.

...

48. A tributação dos rendimentos das diferentes categorias depende da verificação do correspondente facto tributário, constitutivo da relação jurídico-tributária (artigo 36.º, n.º1, da LGT). Os princípios da justiça e da verdade material obrigam a que sejam tomados em conta os elementos probatórios adequados e necessários à respetiva comprovação. À AT incumbe, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Nos termos do artigo 100.º, n.º1, do CPPT, «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado»”.

 

Ora, como ficou provado em l) da matéria de facto assente, a AT portuguesa colocou perante a AT da Suíça diversas questões, sem pedir a desagregação, por subcategorias de rendimentos, em função de cada produto financeiro em concreto que os gerou.

 

A resposta facultada pela AT de Suíça e que consta em m) dos factos provados, não parece suficientemente esclarecedora quanto à aludida desagregação de valores indicados, face ao procedimento que será usado pela AT portuguesa, para comunicar às autoridades fiscais de outros estados, mormente a Suiça, quanto a situações idênticas, conforme modelos 35 e 36 do IR, que aqui servirá de termo de comparação.

 

De qualquer forma, como acima se referiu, perante a resposta da AT da Suíça, subsistirá a dúvida sobre se os valores aí referidos, devem ou não considerar-se sujeitos a IRS, logo em 2012, pelo que sempre será de aplicar o regime do 100.º, n. º1, do CPPT.

 

             A apreciação da prova realizada neste processo

 

Em processo tributário e quanto ao juízo ou convicção na apreciação da prova (livre apreciação da prova), tal como no processo civil, vigora a regra da probabilidade prevalecente.

 

O TAS relevou o esforço probatório levado a efeito pelos Requerentes, ao nível dos factos que integram o Documento nº 7 junto com o PPA. Trata-se do documento que serviu de base para os Requerentes preencherem a sua declaração de IRS, emitido pela entidade gestora da carteira de investimentos dos Requerentes.

 

Aí se faz uma discriminação do que são juros, juros acumulados e dividendos, o que demonstra a consistência do que é referido.

 

Essa robustez, face ao referido pelos Requerentes no quadro do artigo 57º do PPA, fluirá ainda do facto de, quanto

             ao rendimento gerado pelo produto financeiro ISIN ... (592,78 €);

             ao rendimento gerado pelo produto financeiro ISIN ... (1 500,00 €);

             ao rendimento gerado pelo produto financeiro ISIN ... (5 273,80 € em vez de 102,55 € declarados pelo C...); e

             ao rendimento gerado pelo produto financeiro ISIN ... (2 143,75 € em vez de 299,13 € declarados pelo C...);

ter ocorrido a consideração de um valor superior ao que foi considerado pelo C..., na comunicação que fez à AT da Suíça.

 

O documento é elaborado pelo E..., por colaboradores ligados a um Banco sediado em Portugal (o ...), que conhecem ou é suposto conhecerem, a realidade da aplicação do regime da “directiva da poupança” e o normativo interno de IRS.

 

Um outro aspecto relevante, consiste na constatação de que o E... (SUISSE) está no centro da questão fulcral aqui a dirimir (desagregação dos sub-rendimentos por produtos financeiros que os originam, hábil para a aplicação do direito interno português).

 

Com efeito, é possível configurar que os Requerentes, residentes em Portugal, certamente clientes da casa-mãe (o E... de Portugal), utilizam os serviços do E... SUISSE (entidade relacionada) sem se deslocarem pessoalmente à Suíça para concretizar as aplicações financeiras.

 

Como resulta do que se provou em c) da matéria assente, o que os Requerentes possuem no E... SUISSE é uma carteira de investimentos, gerida por aquela entidade relacionada do E... SA, entidade de direito português. Assim, todos os investimentos ou aplicações financeiras dos Requerentes passam pela entidade relacionada do E... SA, que assim conhece todas as características das aplicações financeiras que agencia a investidores residentes em Portugal, clientes da casa mãe.

 

Em caso de dúvida, quanto à consistência do conteúdo do documento emitido, sempre poderia a AT questionar o próprio E... Suisse (entidade relacionada com o E... SA) quanto às características de cada um dos produtos financeiros identificados pelo código ISIN, no sentido de explicar a razão de ciência do documento emitido.

 

Sendo o E... Suisse comprovadamente o gestor da carteira de investimentos dos Requerentes na Suíça, seria de aplicar aqui, com as necessárias adaptações, o regime do nº 3 do artigo 119º do Código do IRS, por interpretação extensiva, face ao raciocínio da paridade de razão, considerando que é a entidade mais habilitada a colaborar com a AT portuguesa, porque está demonstrado que foi a mais habilitada para documentar correctamente os Requerentes, quanto aos rendimentos que devem ser, ou não devem ser, declarados no ano de 2012, em razão do ordenamento fiscal português.

 

 

***

 

Em face do exposto, deve obter procedência o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações oficiosas aqui impugnadas, padecem da desconformidade da alínea a) do artigo 99º do CPPT, quer quanto à quantificação dos rendimentos, quer quanto aos factos tributários que lhe serviram de base.

 

A solução a que aqui se chegou, garante plenamente os direitos dos Requerentes, pelo que o TAS não tem que se pronunciar sobre a alegada falta de fundamentação dos actos impugnados, cuja apreciação fica prejudicada.

 

***

 

C) - Direito ao reembolso do valor do IRS e acréscimos pagos a mais e direito a juros indemnizatórios.

 

Direito ao reembolso do valor do IRS e acréscimos, pagos a mais

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43º n.º 1, da LGT e no artigo 61º nº 4, do CPPT.

 

O nº 5 do artigo 24º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação controvertidos, há lugar a reembolso do imposto e demais acréscimos pagos ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia paga de € 30 318,57 (alínea q) da matéria de facto provada).

 

Direito a juros indemnizatórios

 

A Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.

 

O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

A ilegalidade das liquidações adicionais é imputável à Administração Tributária, que as emitiu com base em pressupostos de direito e de facto que não se verificavam.

 

No presente caso é de aplicar o regime do nº1 do artigo 43º da LGT.

 

Consequentemente, os Requerentes tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde a data em que pagaram o valor liquidado a mais de IRS, que é de 26 308,74 €, conforme Modelo 50 que constitui o Documento nº 10 junto com o PPA (uma vez que a parcela de 3 621,22 euros é relativa a juros).

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia de 26 308,74 €, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data em que ocorreu o pagamento, em 25.02.2017 e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente

1.            Anula-se a decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa a que se alude em l) e o) da matéria de facto provada;

2.            Anulam-se os actos tributários de liquidação de IRS a que se alude em j), k) e p) da matéria de facto provada;

3.            Condena-se a AT a proceder ao reembolso da quantia de € 30 318,57 (alínea q) da matéria de facto provada).

4.            Condena-se ainda a AT no pagamento dos juros indemnizatórios, contados desde 25.02.2017, calculados sobre € 26 308,74 €, à taxa de juro legal, contados até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 32 481,42 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 1 836,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira