Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Diogo Feio e Dr. Jorge Carita (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-10-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., doravante abreviadamente designado por “A...” ou “Requerente”, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ... n.º ..., ...-... LISBOA, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende que seja declarada a nulidade ou anuladas as correções de valores de crédito de IVA reportados para períodos de imposto seguintes, a crédito do Requerente e que foram objeto de liquidação / compensação de imposto (IVA) de 2006 a 2014, no montante global de € 454.596,78 (relativos a valores de crédito de IVA reportado para os períodos seguintes cujo reembolso foi solicitado), e de € 177 010,35 relativos a IVA adicionalmente liquidado dos exercícios de 2015 e 2016, a que acrescem juros compensatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-08-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.
Em 26-09-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 16-10-2019.
A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Em 08-01-2020, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
Apenas o Requerente apresentou alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A) O A... é uma associação cientifica e técnica sem fins lucrativos, que tem por objeto, desde o início da sua actividade, no ano de 2000, o exercício da actividade de investigação científica de desenvolvimento tecnológico e bem assim a prestação de serviços económicos concretos nas áreas do desenvolvimento e utilização das tecnologias de informação, telecomunicações, eletrónica e computadores (Estatutos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) Na prossecução dos seus fins, o A... exerce uma actividade por conta própria, uma actividade por conta dos seus associados e uma actividade por conta de terceiros que recorram aos seus serviços, nestes dois últimos casos mediante condições fixadas por regulamento ou contrato (documento n.º 4);
C) Foi realizada uma inspecção ao A... visando a confirmação dos valores declarados em sede de IRC e IVA, de âmbito parcial, com incidência sobre os exercícios de 2015 e 2016, compreendendo, em sede de IRC, o controlo do apuramento da matéria colectável e do valor a pagar e, em sede de IVA, o enquadramento das operações activas, o controlo do IVA dedutível e das regularizações de imposto (Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:
II.3.1.4 - IVA
O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA, realizando operações mistas nos termos do art.º 23.º do CIVA (operações sujeitas a IVA e dele não isentas e operações sujeitas a IVA mas dele isentas).
Por consulta ao cadastro verifica-se que o A... adotou o método da afetação real de parte dos bens e serviços utilizados previsto no Artigo 23.º do CIVA. Nos exercícios de 2006 e 2007, apesar de realizar operações mistas, deduzia na totalidade o IVA suportado, contrariando assim os princípios gerais subjacentes à dedução do IVA suportado, previstos nos artigos 19º e 20º do CIVA, que determinam que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.
No presente, no seu cadastro consta estar registado para a realização de aquisições intracomunitárias importações de bens, mas não para a aquisição intracomunitária de serviços, prestação intracomunitária de serviços, transmissão intracomunitária de bens ou exportações.
Considerando o período 2015-2016, não apresenta faltas declarativas:
Considerando os valores declarados em termos agregados, foram apurados os seguintes valores em sede de IVA:
Conforme se verifica pela Lista de Declarações IVA infra, o crédito de IVA que deu origem ao presente pedido de reembolso foi gerado no período 0403T (primeiro trimestre de 2004), permanecendo desde então em situação de crédito de IVA, com exceção dos períodos em que foi objeto de inspeção, que, em decorrência de liquidações adicionais de imposto, originaram imposto a entregar ao Estado:
Tendo em consideração que o período 0512T (último trimestre de 2005) foi o último período de imposto objeto de procedimento externo de inspeção, nos termos do n.º 4 do Artigo 83.º da Lei Geral Tributária (LGT), apenas as operações ativas e passivas de períodos posteriores serão suscetíveis de ser corrigidas no âmbito do presente procedimento, mantendo-se o reporte do crédito de imposto desse período para períodos posteriores, no montante calculado de 156.908.06€
Refira-se que aquele montante corresponde a um crédito de imposto acumulado desde o período 0506T, tendo o sujeito passivo efetuado pedido de reembolso correspondentes aos períodos 0212T a 0503T.
Por força do disposto no artigo 45º da LGT, nas redações dadas pela Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro e Lei 83-C/2003, de 31 de dezembro, pode a Autoridade Tributária (AT) promover, a todo o tempo, a análise do reporte de IVA e propor as correções que se mostrem devidas sem que, contudo, estas ultrapassem o limite desse reporte quando se trate de anos já abrangidos pela caducidade à liquidação de eventuais tributos em falta.
Assim, os valores de IVA reportado não estão abrangidos pelo prazo de caducidade previsto no nº 1 do referido artigo 45º da LGT.
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
Da análise efetuada no âmbito do procedimento de inspeção, com a profundidade que se considerou adequada, e considerando os esclarecimentos prestados, foram detetadas as situações irregulares que neste capítulo se descrevem e fundamentam e das quais resultam as correções que devidamente se quantificam.
Releva ainda referir que a fundamentação legal mencionada se reporta à legislação em vigor, à data dos factos.
III.1 - IVA
As operações desenvolvidas pelo sujeito passivo dividem-se em três atividades principais:
1- Prestações de serviços de consultoria, nas áreas das tecnologias da informação, eletrónica, comunicações e energia, que, de acordo com o artigo 1º e n.º 1 do Artigo 4.º do CIVA, se consideram operações sujeitas e não isentas de IVA, pelo que conferem direito à dedução do imposto comprovadamente suportado na aquisição de bens e serviços para sua realização, nos termos do artigo 20º do CIVA, com exceção das situações enunciadas no artigo 21º do CIVA;
2- Prestações de serviços e as transmissões de bens conexos com a realização de conferências, efetuadas ao abrigo da isenção estabelecida no n.º 14 do art.º 9º do CIVA, pelo que, sendo operações sujeitas mas isentas de IVA, não conferem direito à dedução do imposto comprovadamente suportado na aquisição de bens e serviços para sua realização, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 20" do CIVA, à contrário.
3- Projetos de investigação e desenvolvimento (I&D), os quais segundo o Presidente do A..., assumem natureza de investigação aplicada, cujos resultados visam a criação de novas tecnologias e processos suscetíveis de serem posteriormente comercializados. Contudo, nem os termos de financiamento e aceitação dos projetos de I&D prevêem ou têm inerente a produção de um bem ou serviço que revista de valor económico como contrapartida para a entidade financiadora, nem o valor que os projetos de I&D proporcionam ao A... demonstra revestir natureza comercial, que necessariamente se traduzirá na existência quer de um destinatário direto e imediato dos seus resultados, quer de reflexos diretos na sua faturação. Assim, mesmo que, eventualmente, um projeto possa originar a participação do A... no capital social de novas empresas (Start-up's), a sua natureza não permite que se afirme, estar-se perante a realização de serviços ou transmissões de bens sujeitas a imposto.
Deste modo, os projetos I&D realizados pelo A... consubstanciam operações que não se inserem no conceito de atividade económica, definido na alínea a) do n.º 1 do Artigo 2.º do CIVA, pelo que, não se qualificando como operações tributáveis não é, naturalmente, admissível o do exercício do direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços para a sua concretização.
Neste sentido, refere o Ofício-Circulado n.º 30 103, de 2008-04-23, da Área de Gestão Tributaria - IVA, Gabinete do Subdiretor-Geral, que tratando-se de bens e serviços adquiridos para a prossecução "(...) de operações não decorrentes de atividade, o respetivo IVA suportado não poderá ser objeto de dedução".
A este propósito, releva também o entendimento, expresso na informação Vinculativa A419 200S041 de 2009-02-02, com despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor- Geral, corroborado pelo despacho n.º 672/2002, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado na Informação de 2002.03.25, elaborada por aquele Gabinete, que, "quando a investigação constitua uma atividade com fito científico ela não consubstancia uma operação tributável nos termos do Código do IVA. Tal ocorre quando uma atividade de investigação não revista valor económico relevante ou quando, mesmo revestindo-o, ele não reverta em benefício direto ou indireto do financiador, sendo, nestes casos, alheia à incidência do IVA a atividade de investigação, como o é a operação de financiamento."
Neste sentido, tem sido entendimento da Direção de Serviços do IVA que numa entidade que "realiza uma atividade de investigação e desenvolvimento que não tem intuitos comerciais, não sendo, portanto, vendido o resultado dessa investigação, não existem operações tributáveis, pelo que essa atividade é classificada fora do campo de IVA, e não confere qualquer direito à dedução do imposto suportado".
Resulta do exposto que apenas o IVA comprovadamente suportado na aquisição de bens e serviços diretamente correlacionados com a atividade de prestação de serviços de consultoria será passível de ser dedutível.
III.1.1 - IVA Deduzido
III. 1.1.1 - Aquisição de bens imobilizado
Visto que o A... realiza operações não decorrentes de atividade económica, a determinação do montante do IVA dedutível pela entidade decorre do expurgo do IVA suportado relativamente a essas operações, para se obter imposto suportado nas operações que, decorrentes da realização de atividade(s) económica(s), poderão conferir ou não direito de dedução.
Para o efeito, terá de utilizar o método da afetação real em função do grau da efetiva e comprovada utilização dos bens e serviços em operações decorrentes de atividades económicas, conforme se determina na alínea a) do n.º 1 do Artigo 23.º do CIVA e se esclarece no Capitulo V do Ofício-Circulado n.º 30 103, de 2003-04-23.
Através de notificação pessoal em 2019-02-03, foi solicitada a apresentação da "Fundamentação do método de dedução utilizado no que respeita às operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, em cumprimento do artigo 23º do CIVA, entre 2006 e 2016: no(s) período(s) em que tenha sido utilizado o método pro-rata, indicação e justificação do seu numerador, denominador e percentagem de dedução utilizada em cada ano, bem como o cálculo dos montantes de IVA deduzido; no(s) período(s) em que tenha sido utilizado o método da afetação real, indicação e justificação dos critérios de afetação. bem como a discriminação, por conta SNC, dos custos que entraram para o cômputo da mesma, do respetivo IVA suportado e o apuramento dos montantes de IVA deduzido."
Ao enquadrar-se como sujeito passivo que adota o método da afetação real desde 2008, o A... assume que efetua uma clara separação das atividades desenvolvidas e identifica para cada um dos tipos de operações que pratica, as que se enquadram na atividade isenta, as que se enquadram na atividade não isenta e as que estão fora do conceito de operações tributáveis e procede à separação contabilística das aquisições de bens e serviços destinados a cada uma delas. Relativamente aos exercícios 2006 e 2007, o A... reconhece não ter utilizado o método da afetação real, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 23.º do CIVA, para exercício do direito de dedução de imposto para sujeitos passivos que praticam operações que não se inserem no conceito de atividade económicas, deduzindo na totalidade o imposto suportado na aquisição destes bens.
Na informação prestada, relativamente às despesas de investimento em equipamento, o sujeito passivo não logrou apresentar o grau de utilização de cada bem ou serviço em operações decorrentes de atividades económicas, nem justifica e comprova os critérios eventualmente utilizados, nem os montantes apresentados. Acresce que, o A... não apenas não atesta que as mesmas se concretizaram para a realização de prestação de serviços de consultoria, condição sine qua non para que o IVA suportado nas mesmas pudesse ser deduzido, em conformidade com o disposto no Artigo 20.º do CIVA, como quando questionado sobre os métodos de dedução e seus fundamentos, foi declarado pelo Presidente do A... que as "aquisições de bens de investimento conferem direito à dedução a 100%, porque a sua utilização não se esgota no âmbito dos projetos co-financiados" e que "têm uma aplicação universal na atividade de investigação aplicada que se projeta para além do prazo de vida do projeto (...)".
Face ao exposto, por ser reconhecido não haver separação entre as operações fora do conceito de atividade económica das operações tributáveis, sendo inclusivamente deduzido na totalidade o imposto suportado na aquisição de equipamento, constata-se não estarem verificados os requisitos exigidos nos Artigo 20.º e 23.º do CIVA na sua dedução, pelo que foi indevidamente deduzido o IVA suportado na aquisição de bens do imobilizado entre 2006 e 2016. Para efeitos de correção do valor do IVA deduzido, foi utilizado como critério de dedução pelos Serviços de Inspeção Tributária, a percentagem dos rendimentos obtidos das vendas de produtos e prestações de serviço de consultoria no total dos rendimentos obtidos, excetuando os juros, dividendos e outros rendimentos similares, arredondada para a centésima superior, de que resultam os seguintes rácios de dedução (Anexo 2):
O imposto dedutível a inscrever no Campo 20 das DPs e o imposto indevidamente deduzidos, em consequência da aplicação do critério de dedução do imposto suportado com a aquisição de bens do imobilizado entre 2006 e 2016, são os seguintes:
III.1.1.2 - Aquisição de bens e serviços
III.1.1.2.1. Exercícios 2006 e 2007
Nos exercícios 2006 e 2007 o A... deduziu na totalidade o IVA suportado nas aquisições de bens (sem características de imobilizado) e serviços, sem atender que perante a existência de aquisições dos bens e serviços para operações decorrentes de atividades económicas e as operações fora do conceito de atividades económicas, não utilizou o método da afetação real, conforme dispõe a alínea a) do n.º 1 do Artigo 23.º do CIVA. Uma vez que só pode ser deduzido o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 20.º do CIVA, é indevida a dedução efetuada.
O critério utilizado para efeitos de dedução pelos Serviços de Inspeção Tributária (S.I.T), é o critério apresentado no ponto III. 1.1.1, de que resultam os rácios de dedução de 31% e 15%, para 2006 e 2007, respetivamente.
No campo 24 das declarações periódicas (DP) de 2006 e 2007 foram inscritos os seguintes montantes de IVA dedutível:
Na reunião ocorrida no dia 2019-02-25, foram solicitados documentos de suporte ao exercício do direito de dedução, por amostragem. Porém, não foram apresentadas, por não terem sido conservadas, 42 faturas de 2006 e 12 de 2007, com imposto deduzido nos montantes de 42.807,19€ e 56.909,51€, respetivamente, e, por conseguinte, os mesmos não poderão ser aceites de acordo com o estabelecido no n.º 2 do Artigo 19º do CIVA (Anexo 3).
Face ao exposto anteriormente, tendo em consideração o imposto sem direito a dedução por inexistência dos respetivos documentos de suporte, resulta da aplicação do critério de dedução pelos Serviços de Inspeção Tributária, os seguintes montantes de imposto dedutível a inscrever no Campo 24 das OP de 2006 e 2007:
Da aplicação do critério de dedução resulta ainda que o montante de imposto indevidamente deduzido nas DP de 2006 e 2007, ascendeu a 114.551,25€ (€146.784,09 - €32.232,64) e 168.414,48€ (€188.091,83 - €19.677,35), respetivamente.
III.1.1.2.2. Exercícios 2006 a 2016
No campo 24 das DP de IVA, inclui-se a dedução de imposto suportado na aquisição de bens e serviços relativos às operações tributáveis que conferem direito a dedução, bem como do IVA nas despesas comuns, que são aquisições de bens e serviços de utilização mista, como são, por exemplo, as relativas a despesas com as instalações utilizadas ou outros serviços como, os de contabilidade, auditoria ou assessoria jurídica, por exemplo.
Foram identificadas 46 faturas (Anexo 4), relativas a aquisições de serviços no âmbito da prossecução das atividades de projetos de I&D cujo imposto, no montante global de 64.043,016, foi indevidamente deduzido, conforme dispõe o n.º 1 do Artigo 20.º do CIVA, mercê deste tipo de operações não constituir uma atividade económica nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 2.º do CIVA, não conferem direito a dedução do imposto suportado, conforme dispõe o n.º 1 do Artigo 20.º do CIVA. Os valores corrigidos do imposto indevidamente deduzido relativo a projetos de I&D, são os seguintes:
No que respeita ao imposto deduzido das despesas comuns, foi declarado pelo A... utilizar-se nas despesas inerentes às instalações ocupadas e seus consumos, o percentual de repartição 25% que confere direito a dedução de IVA suportado e 75% que não conferem esse direito e, para os encargos associados à prestação de contas da entidade, o percentual de 15% com direito à dedução e o remanescente (85%), sem direito a dedução. Verificou-se, por amostragem, que a repartição apresentada não decorre da aplicação de qualquer critério objetivo, fundamentado e comprovado, inerente à utilização obrigatória do método de afetação real, nos termos do Artigo 23.º do CIVA.
A documentação analisada permitiu constatar, pela confrontação com o extrato da conta corrente do IVA deduzido nos respetivos exercícios, ter sido efetuada ao longo deste período a dedução na totalidade do IVA suportado, quer na fruição dos espaços ocupados pelas instalações do A..., quer com outros serviços gerais, como contabilidade, auditoria financeira, assessoria económica e jurídica, de que são exemplos os documentos que se anexam (Anexo 5), pelo que se conclui que os percentuais de repartição apresentados não se efetivam na realidade.
Face ao exposto, verificando-se que não existem na prática critérios de repartição das aquisições de bens e serviço no âmbito das despesas comuns e que foi indevidamente deduzido o imposto suportado nestas aquisições, por não se cumprirem os requisitos estabelecidos nos Artigos 20.º e 23.º do CIVA, importa expurgar do campo 24 das DP o imposto indevidamente deduzido de despesas comuns.
Nestes termos, foi aplicado o critério de dedução definido no ponto III.1.1.1, ao imposto suportado na aquisição das aquisições de bens e serviço relativas às despesas comuns, resultam os seguintes montantes de imposto dedutível e de imposto indevidamente deduzido:
Em face do exposto, a seguir se apresenta o campo 24 com o IVA dedutível em cada período de tempo:
Globalmente, as correções no imposto deduzido são as seguintes:
III.1.2-IVA liquidado
(...)
- O A... acordou com a B..., S.A. que fosse esta empresa comercial a encarregar-se de secretariar, tratar da logística e comercializar as conferências ... 2014, DCIS2015 e ... 2016, recebendo em contraprestação, as quantias das faturas FT 2015G/00001, FT 2016/00015 e FT 2016/00037 (Anexo 7). As prestações de serviços efetuadas à B... extravasam o âmbito de aplicação do n.º 14 do Artigo 9.º do CIVA, uma vez que esta empresa não se inclui no público que atendeu e participou nas conferências referidas. Os serviços cedidos à B..., constituem operações tributáveis à taxa normal (23%), nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18." do CIVA. pelo que não foi liquidado o correspondente imposto, no valor global de 4.600€ e 30.573,32€, em 2015 e 2016, respetivamente:
Foram prestados pelo A... seis serviços de apoio técnico a empresa privada C..., LLC, para que esta realizasse o ...(...), em Portugal, em 2015. Estas prestações de serviço ao promotor do evento, são localizadas no território nacional e são tributáveis à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA. Assim não foi liquidado imposto nos seguintes montantes (Anexo 8):
(...)
Em consequência das situações descritas, o imposto não liquidado a favor do Estado nos exercícios de 2015 e 2016, é o seguinte:
III.1.3 - Total de IVA proposto para correção
O conjunto das correções relativas ao IVA dedutível, em face do exposto no ponto III.1.1, ascende a 1.018.033,00€. Contudo, as correções do IVA respeitantes aos períodos anteriores a 2015, nos termos do n.º 3 do artigo 45º da LGT, só poderão ser efetuadas até à concorrência do reporte do período respetivo, caso exista. Em consequência, o valor de IVA a corrigir ascende ao montante de 454.596,78€, conforme a seguir se discrimina:
Face ao exposto, as correções propostas em sede de IVA, refletem-se nas declarações periódicas de 2015 e 2016 (Anexo 10) da seguinte forma:
E) Na sequência da acção inspectiva a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios e respectivas demonstrações de acerto de contas:
• Liquidação adicional de IVA n.º 2019 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-03T, em que foi apurado o valor a pagar de € 31.498,05;
• Liquidação adicional de IVA n.º 2019 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 53.151,40;
• Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período 2015-06T (valor € 0,00);
• Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período 2016-03T (valor € 0,00);
• Liquidação adicional de IVA n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 19.446,97;
• Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período 2016-09T e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., em que foi apurado o valor a pagar de € 1.672,92;
• Liquidação adicional de IVA n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-12T, em que foi apurado o valor a pagar de € 55.716,89;
• Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-03T, em que foi apurado o valor a pagar de € 4.991,36;
• Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 7.875,14;
• Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 2.103,46;
• Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-09T, em que foi apurado o valor a pagar de € 164,26;
• Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-12T, em que foi apurado o valor a pagar de € 4.909,19 (juros compensatórios);
F) O Requerente efectua operações mistas nos termos do art.º 23.º do CIVA, operações sujeitas a IVA e dele não isentas e operações sujeitas a IVA mas dele isentas;
G) Desde 2008, que o Requerente adopta o método da afectação real;
H) A actividade económica do A... consiste na investigação, no desenvolvimento e na produção / criação de novos produtos, no aprimoramento ou desenvolvimento de tecnologias ou de ferramentas operacionais de trabalho, bem como na criação de bens e produtos patenteados e de protótipos, que têm sido objeto de transmissão onerosa, no todo ou em parte, para diversos operadores económicos, sujeitos passivos do tecido industrial, mediante o pagamento de uma contrapartida (preço) (depoimentos das testemunhas D... e E...);
I) Como consequência do efectivo desenvolvimento desta actividade, o A... obteve, nos anos de 2015 e 2016, os seguintes rendimentos económicos, que deram lugar à realização de operações sujeitas a IVA, obtidos nos exercícios de 2015 e 2016:
• co-financiamentos (proveitos) concedidos por entidades nacionais e internacionais, para a realização de atividades de investigação científica e tecnológica, no valor global de € 3.087.656, 42 e de € 2.649.400,80;
• rendimentos operacionais (proveitos) emergentes da faturação / venda de bens e serviços a operadores económicos em geral para seu consumo direto ou para a incorporação em bens produzidos ou serviços por si prestados, que ascenderam a € 477.946,85 e de € 463.569,29, respetivamente;
• outras receitas comerciais (proveitos), advindas da realização de eventos abertos aos seus clientes, nomeadamente conferências, para a apresentação dos seus resultados, serviços, bens e angariação de clientes, no valor global de € 119.417,27 e de € 154.822,55 (Relatório da Inspecção Tributária, página 5);
J) A obtenção de resultados da actividade da Requerente permite obter rendimentos para prosseguir a investigação (depoimentos das testemunhas D... e E...);
K) A actividade de investigação da Requerente nem sempre tem sucesso comercial (depoimentos das testemunhas D... e E...);
L) O A... exerce a sua actividade comercial de prestação de serviços de investigação científica e de venda dos bens e serviços por si produzidos a outros operadores económicos, umas vezes em resultado de uma encomenda por um desses operadores, e outras no âmbito de projetos de investigação científica específicos, através dos quais lhe é encomendada a realização da prestação de serviços de investigação, ao abrigo de contratos de concessão de financiamento a projetos concretos de investigação e desenvolvimento científico e tecnológico (depoimentos das testemunhas D... e E...);
M) Todo o conhecimento científico que o A... produz visa a sua aplicação concreta, sendo por isso investigação aplicada para a obtenção de proveitos em condições de mercado, através da venda do know-how ou bem produzido ou da prestação de serviços (depoimentos das testemunhas D... e E...);
N) Quer nos caso em que a investigação é realizada por conta de uma empresa comercial em condições concorrenciais de mercado, seja por conta da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, ou através da candidatura a fundos europeus, o A... tem sempre em vista a produção de resultados que tenham valor económico ou aptidão comercial, visando a realização de proveitos (depoimentos das testemunhas D... e E...);
O) Além de operações de venda de bens e prestação de serviços, a Requerente realiza ainda operações de spinoff ou de investimento dos seus ativos incorpóreos, usando bens corpóreos ou incorpóreos para subscrever capital social em sociedades de capital (start-ups), como sucedeu com as empresas F... SA, G..., SA, . H... SA, I... LDA, J..., Lda, K..., L..., SA, M..., Lda, - sociedade (documentos n.ºs 9 a 15 e depoimentos das testemunhas D... e E...);
P) Os financiadores nos projetos de investigação que a Requerente empreende são, algumas vezes, a FCT-Fundação para a Ciência e Tecnologia ou organismos ou fundos comunitários específicos (FPT, Horizonte 2020), mas mesmo nesses casos, os projectos envolvem empresas, sendo os seus resultados usados directamente por elas, criando riqueza e subindo o nível de sofisticação dos produtos e equipamentos por estas disponibilizados (depoimentos das testemunhas D... e E...);
Q) Os subsídios recebidos pela Requerente são destinados ao investimento em equipamento (activo fixo), bem como custear as despesas de exploração dos projetos (aquisição de serviços diversos, pessoal, deslocações e viagens) e despesas gerais (como fruição das instalações, serviço de contabilidade, comunicações, consumíveis de escritório. etc) (RIT, página 5);
R) A Requerente possui as facturas que constam do documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
S) Não houve prestação de serviços do A... à B... SA, reportando-se as facturas emitidas a esta a devolução por esta empresa de valores por ela cobrados em excesso aos participantes em conferências, pelos serviços por ela realizados de organização logística, por conta do A... (depoimentos das testemunhas P... e Q...);
T) O Requerente pagou as quantias liquidadas, o valor total de € 181.528,64, de acordo com o quadro seguinte:
U)
(quadro não impugnado e documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
V) Em 02-08-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base na prova testemunhal e nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
3. Matéria de direito
Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária que o Requerente desenvolve actividades de três tipos actividades principais:
1 – Prestação de serviços de consultoria (…) que se consideram operações sujeitas e não isentas de IVA, pelo que conferem direito à dedução do imposto comprovadamente suportado na aquisição de bens a serviços (…) art.º 20.º do CIVA, com exceção das situações enunciadas no art.º 20.º;
2 – Prestações de serviços e as transmissões de bens conexos com a realização de conferências, efetuadas ao abrigo da isenção estabelecida no n.º 14 do art.º 9. º do CIVA (…) sujeitas mas isentas de IVA, não conferem direito à dedução do imposto (…) suportado da aquisição de bens e serviços para a sua realização, (…) al. a) do artigo 20.º a contrario.
3 – Projectos de investigação e desenvolvimento (I&D), os quais, na tese da AT, (…) consubstanciam operações que não se inserem no conceito de atividade económica, definido na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, pelo que, não se qualificando como operações tributáveis não é, naturalmente, admissível o exercício do direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços para a sua concretização.” Aplicando-lhe a Doutrina constante do Ofício-Circulado n.º 30 103 de 2008, 4.2 e na informação vinculativa n.º A419 2008041, da AT, corroborada por despacho n.º 672/2002, do SEAF, segundo a qual quando a investigação constitua uma atividade com fito científico ela não consubstancia uma operação tributável nos termos do Código do IVA. Tal ocorre quando uma atividade de investigação não revista valor económico relevante ou quando, mesmo revestindo-o, ele não reverta em benefício direto ou indireto do financiador, sendo, nestes casos, alheia à incidência do IVA a atividade de investigação, como o é a operação de financiamento.”
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou várias correcções relativas a IVA que considerou indevidamente deduzido e IVA que não foi liquidado.
Das correcções efectuadas, a Requerente discorda das seguintes:
a. IVA considerado indevidamente deduzido, relativo à aquisição bens do ativo imobilizado; a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que só as despesas relativas à actividade de consultadoria são dedutíveis, por ser a actividade e investigação não ser actividade económica; a Requerente entende que são dedutíveis a 100%, porque a sua utilização não se esgota no âmbito dos projetos co-financiados" e que têm uma aplicação universal na atividade de investigação aplicada que se projeta para além do prazo de vida do projeto;
b. Correcções relativas ao IVA contido em aquisições de bens e serviços, relativo a 42 faturas de 2006 e 12 faturas de 2007, por não se encontrarem na posse física do Requerente; a Requerente apresentou as facturas no presente processo;
c. Dedução de IVA suportado com despesas comuns – por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter entendido que foi deduzida a totalidade das despesas comuns quando, que “não decorre da aplicação de qualquer critério objetivo” de repartição, e deveria ter sido deduzido apenas nas percentagens que refere nas páginas 19 e 20 do Relatório da Inspecção Tributária;
d. Falta de liquidação de IVA em três facturas emitidas à B..., S.A. relativas à realização de conferências;
e. Excesso de dedução de IVA em inputs destinados a projeto de investigação e desenvolvimento, considerados do referido Relatório como se tratando de uma actividade que “não se insere no conceito de atividade económica” (art.º 2.º n.º 1 al. a) CIVA), as quais, não se qualificando como operações tributáveis, não é admissível o exercício do direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços para a sua concretização.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, entendeu que, em princípio, haveria correcções a fazer no montante global de € 1.018.033,00, mas que, por força do disposto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, as relativas a períodos anteriores a 2014 apenas podiam ser efectuadas até à concorrência do montante do reporte para o período de 2015 que foi de € 454.596,78.
As correções relativas a IVA referentes a 2015 e 2016 decompõem-se conforme segue:
• IVA dedutível de 2015 e 2016 no valor de € 70.109,57 e de € 61.591,91, respetivamente;
• IVA a liquidar adicionalmente relativo aos períodos de 2015 e 2016, no montante de € 12.945,55 e €32.363,32, respetivamente.
Para além das questões relativas a falta de posse de facturas ( ) e às emitidas à B...( ), as correcções têm subjacente a questão da natureza da actividade relativa a projectos de investigação e desenvolvimento que a Autoridade Tributária e Aduaneira entende não ser actividade económica, para efeitos de IVA.
Este entendimento está subjacente às correcções efectuadas relativamente aos pontos III. 1.1.1 - Aquisição de bens imobilizado ( ), III.1.1.2.1. Exercícios 2006 e 2007 (parcialmente) ( ) e III.1.1.2.2. Exercícios 2008 a 2016 ( ) do Relatório da Inspecção Tributária.
3.1. Questão da natureza da actividade desenvolvida pela Requerente com projectos de investigação e desenvolvimento
Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira invoque no Relatório da Inspecção Tributária o artigo 2.º do CIVA para extrair o conceito de actividade económica, este conceito está definido no artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que é invocado pela Requerente e prevalece sobre o Direito Nacional, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
De harmonia com o disposto no artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, «entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por «actividade económica» qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».
Este conceito de «exploração» refere-se, em conformidade com as exigências do princípio da neutralidade do sistema comum do IVA, a todas as operações, seja qual for a sua forma jurídica, porém exige que tais operações visem retirar do bem em questão receitas com caráter de permanência (acórdãos do TJUE de 04-12-1990, Van Tiem, processo C- 186/89, n.º 18; de 11-07-1996, Régie Dauphinoise, processo C‑306/94, n.º 15; de 29-04-2004, EDM, processo C-77/01, n.º 48; de 21-10-2004, BBL, processo C‑8/03, n.º 36; e de 26-06-2007, T‑Mobile Austria GmbH, processo n.º c-284/04, n.º 38).
Embora este artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, confira um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, apenas são abrangidas por esta disposição as actividades que tenham carácter económico (acórdãos do TJUE Régie dauphinoise, processo C‑306/94, n.º 15; EDM, processo C‑77/01, n.º 47; de 26-05-2005, Kretztechnik, processo C‑465/03, n.º 18; e T‑Mobile Austria GmbH, processo n.º c-284/04, n.º 38).
No caso em apreço, resulta da prova produzida que, com a actividade no âmbito de projectos de investigação, a Requerente visa a produção e comercialização de bens e prestação de serviços, utilizando bens de investimento, inclusivamente adquiridos com subsídios, e visando retirar deles receitas com carácter de permanência, pelo que se está perante uma situação que se enquadra no conceito de actividade económica.
Assim, ao contrário do que pressupôs a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se está perante uma situação em que a investigação constitua uma actividade com exclusivo fito científico, sem valor económico relevante, em que não sejam obtidos rendimentos com o resultado da investigação.
Por outro lado, quanto ao requisito invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de a actividade não reverter em beneficio directo ou indirecto do financiador, para além de isso não se ter provado, não é requisito exigido pelo artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, para a caracterização de uma actividade como económica para efeitos de IVA, à face do artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE.
Pelo exposto, tem de se concluir que as correcções efectuadas com base no pressuposto de que a actividade de investigação da Requerente não constitui actividade económica para feitos de IVA enferma de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a anulação das liquidações, nas partes respectivas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2. Questão do IVA não liquidado nas facturas emitidas à B..., SA
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções nos valores de € 4.600,00 em 2015 (período 1503T) e de € 30.753,32 em 2016 (períodos 1603T e 1612T), relativamente a facturas emitidas pela Requerente em nome da B..., SA que considerou serem de prestação de serviços pela Requerente, no âmbito da organização de conferências.
Da prova produzida resultou que subjacente às facturas não está qualquer prestação de serviços pela Requerente à B..., SA, mas sim a devolução por esta de valores que cobrou em excesso aos participantes em conferências, pelos serviços por ela realizados de organização logística, por conta do A... .
Assim, tem de se concluir que as correcções relativas a estas facturas enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto, que justificam a sua anulação de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Facturas que não estavam na posse da Requerente
A Autoridade Tributária e Aduaneira solicitou à Requerente documentos de suporte ao exercício do direito de dedução, por amostragem, mas a Requerente não apresentou, por não terem sido conservadas, 42 faturas de 2006 e 12 de 2007, com imposto deduzido nos montantes de € 42.807,19 e € 56.909,51, respetivamente (no total, € 99.716,70).
As facturas em causa estão indicadas no Anexo III ao Relatório da Inspecção Tributária, que consta do processo administrativo.
Por essa razão, a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedução desses valores, invocando o estabelecido no n.º 2 do Artigo 19.º do CIVA.
Para efeitos do pedido de reembolso não releva o prazo legal de conservação de documentos de 10 anos, previsto no artigo 52.º, n.º 1, do CIVA, por ser sobre o Sujeito Passivo que pretende ser reembolsado que recai o ónus de provar os pressupostos da sua pretensão como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 07-11-2018, proferido no processo n.º 042/18:
Não obstante a falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções efectuadas nos anos 2001 a 2005, solicitados pela AT, não constituir violação de qualquer obrigação do sujeito passivo configurável como contraordenação tributária, dado ter já decorrido o prazo legal de 10 anos para o seu arquivo e conservação em boa ordem (nº 1 do art. 52º do CIVA e nº 1 do art. 113º do RGIT), essa insusceptibilidade de imputação ao sujeito passivo a título de responsabilidade contraordenacional não é impeditiva do indeferimento do pedido de reembolso, por falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções de imposto nesses períodos em que se se verificou o excesso determinante do crédito a favor do sujeito passivo (art. 22º n.ºs 4, 5, 10 e 11 do CIVA).
A Requerente apresentou algumas dessas facturas em falta que constam do documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
Das facturas juntas pela Requerente apenas se incluem nas listas que constam do anexo III ao Relatório da Inspecção Tributária as seguintes:
N.º DOC DATA DOCUMENTO DOCUMENTO MONTANTE DE IMPOSTO DEDUZIDO
... 31.01.2006 501... 01/06 78,56 €
... 27.02.2006 538 ...02/06 78,56 €
... 02.03.2006 92... 172,78 €
... 31.03.2006 574 ...03/06 78,56 €
... 10.04.2006 22105002551 ... 1.890,00 €
... 28.04.2006 616 ...04/06 78,56 €
... 31.05.2006 653 ...06/06 78,56 €
... 07.06.2006 260 ... 8.400,00 €
... 30.05.2006 688 ... 06/06 78,56 €
... 31.07.2006 262382 ... 338,31 €
... 31.07.2006 262383 ... 228,27 €
... 31.07.2006 735 ... 8/06 78,56 €
... 31.08.2006 769 ... 8/06 78,56 €
... 29.09.2006 803 ... 9/06 78,56 €
... 11.10.2006 587 ... 186,14
... 31.10.2006 842 ...10/06 78,56 €
... 30.11.2006 376 ...11/06 78,56 €
... 28.12.2006 594 ... 8.400,00
... 29.12.2006 11 ...12/06 78,56 €
... 28.02.2007 988 ...02/07 78,56 €
... 30.03.2007 214 ... 2.451,33 €
... 31.05.2007 142 ... 16.800,00 €
... 04.06.2007 15 ... 13.650,00 €
... 18.10.2007 259 ... 15.750,00 €
O IVA deduzido nestas facturas totaliza € 69.288,11.
Assim, procede parcialmente o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção, no que respeita ao montante de € 69.288,11, que deve ser reembolsado, improcedendo quanto ao valor de € 30.428,59 (€ 99.716,70 - € 69.288,11).
3.4. Juros compensatórios
A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a respectiva liquidação de IVA (artigo 25.º, n.º 8, da LGT, pelo que as liquidações de juros compensatórios enfermam dos mesmos vícios que afectam as liquidações de IVA, justificando-se também a sua anulação, nas partes correspondentes à anulação destas.
4. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
O Requerente pagou as quantias liquidadas, no valor total de € 181.528,64, e pede a devolução do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
Na sequência da ilegalidade da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 181.528,64.
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
No caso em apreço, as liquidações foram elaboradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira por sua iniciativa, pelo que lhe são imputáveis os erros, excepto na parte em que as correcções se baseiam na não apresentação de facturas, em que a falta é da Requerente.
Mas, esta falta de apresentação de documentos reporta-se à recusa do pedido de reembolso de IVA suportado nos anos de 2006 e 2007, e não à liquidação adicional de IVA e juros indemnizatórios, pelo que não releva neste contexto.
Por isso, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios devem ser contados relativamente a cada liquidação desde a data em que foio efectuado o respectivo pagamento , nos termos que constam da alínea T) da matéria de facto fixada, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
É objecto do pedido de pronúncia arbitral o acto de correcção de valor de crédito de IVA reportado para anos seguintes relativo aos anos de 2006 a 2014, no montante de € 454.596,78, cujo reembolso foi solicitado, e as liquidações de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2015 e 2016.
De harmonia com o exposto, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto às liquidações de IVA e juros compensatórios.
No que concerne ao pedido de reembolso do montante de € 454.596,78 relativo a IVA dos anos de 2006 a 2014 reportado para anos seguintes, o pedido de pronúncia arbitral improcede apenas quanto ao valor de € 30.428,59 (ponto 3.3).
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
a) Liquidação adicional de IVA n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-03T, em que foi apurado o valor a pagar de € 31.498,05;
b) Liquidação adicional de IVA n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 53.151,40;
c) Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período 2015-06T (valor € 0,00);
d) Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período 2016-03T (valor € 0,00);
e) Liquidação adicional de IVA n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 19.446,97;
f) Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período 2016-09T e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., em que foi apurado o valor a pagar de € 1.672,92;
g) Liquidação adicional de IVA n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-12T, em que foi apurado o valor a pagar de € 55.716,89;
h) Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-03T, em que foi apurado o valor a pagar de € 4.991,36;
i) Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2015-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 7.875,14;
j) L Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-06T, em que foi apurado o valor a pagar de € 2.103,46;
k) Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-09T, em que foi apurado o valor a pagar de € 164,26;
l) Liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativa ao período 2016-12T, em que foi apurado o valor a pagar de € 4.909,19 (juros compensatórios);
C) Anular a correcção efectuada relativamente ao pedido de reembolso quanto montante de € 424.168,19;
D) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção efectuada relativamente ao pedido de reembolso, quanto montante de € 30.428,59;
E) Julgar procedentes os pedidos de devolução da quantia paga no montante de € 181.528,64 e de juros indemnizatórios;
F) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente esta quantia, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 621.651,58.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.180,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente na percentagem de 4,89% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 95,11%.
Lisboa, 18-02-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Diogo Feio)
(Jorge Carita)