DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
a) Em 23 de Julho de 2019 a Requerente, A..., S.A. NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ...-..., Lisboa, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia “sobre a legalidade do pedido de revisão oficiosa apresentado, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 7 de Fevereiro de 2019 ... com vista à anulação parcial do acto tributário de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) de 30.06.2018, nº 2018... emitido pela AT, no montante de € 10.786,27 ... na sequência da formação da presunção do seu indeferimento tácito”.
b) É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;
c) A Requerente pede ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) que na procedência do pedido de pronúncia arbitral (PPA) “a) - seja anulado parcialmente o acto tributário que constitui o seu objecto, relativo à liquidação de AIMI supra identificada, porque contrário à lei, por padecer de erro nos pressupostos de facto e de direito; b) - seja a Autoridade Tributária Aduaneira condenada a reembolsar a Requerente do valor do imposto pago, no montante de € 10.786,27, relativamente à liquidação sub judice, e, bem assim, condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida”.
d) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 24-07-2019.
e) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 14.08.2019, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
f) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 01 de Outubro de 2019, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
g) A fundamentar o pedido, a Requerente alega a seguinte factualidade:
i “é proprietária de um imóvel localizado na freguesia de ..., concelho e distrito de ..., inscrito na matriz predial urbana como um "terreno para construção" e com o artigo nº ...º.”
ii “Em Janeiro de 1984, ... celebrou com a sociedade B..., S.A. (B...) um contrato de comodato que teve por objecto esta entidade "edificar e implantar” sobre aquele terreno "uma unidade industrial de fundição" para efeitos de desenvolvimento do respectivo “projecto industrial”, projectado pela mesma”
iii “Posteriormente à celebração do contrato em apreço, a B... promoveu um projecto de empreitada no âmbito daquele terreno, o qual culminou na edificação da referida instalação fabril necessária à prossecução da actividade industrial desta empresa.”
iv “Em face da edificação erguida naquela área, a B... promoveu, na sua esfera, a inscrição matricial do imóvel construído a suas expensas, ao qual a AT conferiu um artigo matricial autónomo com o nº... .”
v “Conforme resulta da ... caderneta predial, a AT classificou o prédio em causa como um "prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente", atribuindo-lhe uma afectação de "armazéns e actividade industrial" em face das características e finalidade ao qual o mesmo se destinava no âmbito da actividade desenvolvida pela B....”
vi “Consequentemente, a B... passou a ser anualmente notificada pela AT para proceder ao pagamento do IMI devido por aquele "novo" prédio autónomo em propriedade total, enquanto que, paralelamente, a Requerente continuou a pagar anualmente esse imposto, liquidado à luz das regras de avaliação estabelecidas para um prédio do tipo "terreno para construção"”
vii “Sem prejuízo da incongruência inerente à situação acima exposta — e, no limite, à eventual situação de duplicação de colecta de IMI verificada sobre a mesma realidade económica —, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento do acto tributário de liquidação de AIMI supra identificado, no valor global de € 11.196,54, apurado com referência ao património predial por si detido no ano 2018”.
viii “Do referido montante total de AIMI, a parcela, no valor de € 10.786,27, corresponde ao imposto alegadamente devido pela Requerente pela detenção do "terreno para construção" identificado nos pontos antecedentes”.
ix “Ora, pese embora tenha procedido ao pagamento integral e atempado da liquidação de AIMI em apreço, a Requerente não pode concordar (parcialmente) com o apuramento de imposto realizado pela AT, nomeadamente na parte em que é contabilizado para o cálculo do valor tributável deste adicional o valor patrimonial tributário de € 2.696.567,68 do (alegado) "terreno para construção" em apreço”.
x “... Não obstante a Requerente se encontre (por lapso) ainda inscrita no sistema informático do cadastro predial como entidade proprietária de um imóvel do tipo "terreno para construção", importa ter em consideração que, à data da tributação da liquidação de AIMI sub judice, a situação fáctica ali existente compreendia já um prédio urbano autónomo e edificado, destinado a fins industriais e que, por essa razão, não se constituía, por si só, como um facto relevante para efeitos de tributação em AIMI.”
xi “Pelo que, não reunindo aquela realidade fáctica os pressupostos necessários para continuar a subsumir-se ao conceito fiscal de "terreno para construção", previsto no artigo 6º do Código do IMI, entende a Requerente que o acto tributário de liquidação de AIMI em análise padece de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo ser declarado ilegal nos termos seguidamente expendidos”.
h) Seguidamente ao nível da fundamentação de direito, refere o seguinte:
i Defende que “o conceito de "terreno para construção" assenta, essencialmente, numa parcela de território não edificada relativamente à qual existe apenas uma mera expectativa potencial ou virtual de se vir a concretizar uma construção efectiva de um imóvel apto a prosseguir determinado fito e nada mais”.
ii Propugna no sentido de que “o legislador visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”, concluindo que “... a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no nº 2 do artigo 135º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social”.
iii E na linha de pensamento atrás referida “... não pode a Requerente aceitar — ou compreender — que a AT, através do acto de liquidação ora controvertido, tenha feito incidir este novo AIMI sobre o prédio aqui em apreço, destinado à actividade económica da B...”, nem que a “... a AT, através do acto de liquidação ora controvertido, tenha considerado, no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, um "terreno para construção" cuja potencial utilização coincida com fins "comercias, industriais ou serviços"”.
iv Acrescenta: “sem prejuízo da necessária regularização do registo cadastral do imóvel sub judice, situação ... que ... pretende rectificar o mais brevemente possível, está aqui em causa uma clara situação de coexistência de duas realidades matriciais distintas para a mesma realidade de facto, ambas subsumíveis às regras de tributação do Código do IMI — o que se afigura inadmissível na ordem jurídica”, “... cumprindo aferir qual dos registos matriciais deverá, assim, prevalecer in casu por forma a fazer o juízo de (i)legalidade do acto tributação de liquidação de AIMI ora controvertido”.
v E conclui: “... uma vez se verificando materialmente naquela fracção de terreno uma edificação, não prevista, mas efectivamente concluída pela B..., impõe-se, pois, concluir que deixou de estar reunido o elemento que constitui a pedra de toque para a classificação do imóvel detido pela Requerente como um "terreno para construção" i.e. a mera expectativa jurídica consubstanciada num direito de naquela parcela de terreno se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor, encontrando-se já ali em causa uma efectiva realidade materializada”.
vi De tudo o referido extrai a Requerente que “... aquando da notificação do acto tributário de liquidação de AIMI em análise, já se afigurava proprietária de um mero "terreno para construção", por se encontrar ali já erguida a edificação autónoma de uma instalação fabril destacada para a prossecução de uma finalidade de natureza industrial, essencial à prossecução da actividade económica da B...”; “pelo que, não se afigurando a Requerente como proprietária, a 1 de Janeiro de 2018, de um prédio da espécie "terreno para construção" ou afecto a fins habitacionais localizado em território português, inexiste assim facto tributário que constitua condição sine qua non para efeitos de fixação da matéria tributável e de liquidação de AIMI, ao contrário do que a AT pretendeu demonstrar com o acto tributário em crise”.
i) Notificada a Requerida, respondeu em 06.11.2019, não juntou o PA, mas ouvida a Requerente que não se pronunciou, foi dispensada a sua apresentação.
j) A Requerida defendeu-se por excepção e por impugnação.
POR EXCEPÇÃO
l) Invoca quanto ao TAS a “excepção por incompetência material em virtude de não ter sido apreciada a legalidade de um acto de liquidação”, uma vez que “o pedido de revisão oficiosa não foi decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, donde não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação. Nesta sequência, o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa presumida, não tendo como objeto mediato qualquer ato tributário de liquidação, uma vez que, no procedimento de revisão oficiosa, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato de liquidação”.
m) Invoca a excepção de “... incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação dos pedidos de declaração de ilegalidade da decisão da revisão oficiosa”, uma vez que “...está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT mas, tão só, de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT”, “ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT”.
n) Invoca ainda a “excepção por incompetência material do Tribunal Arbitral face ao pedido de condenação da AT no reembolso de AIMI” porque entende que como não existiu acto expresso de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, os fundamentos do indeferimento tácito (acto silente) não comportam a apreciação da legalidade do acto de autoliquidação, uma vez que entende, que no caso deste processo ocorreu uma autoliquidação (artigos 53º e 55º da Resposta).
POR IMPUGNAÇÃO
o) A Requerida não impugna, nem se pronuncia sobre os factos alegados pela Requerente e que constam dos diversos pontos da alínea e) supra.
p) Pronunciou-se a Requerida sobre o enquadramento do IMI e a sua conformidade com o texto constitucional.
q) Com relevância para a sua posição ao nível da aplicação do direito, neste caso concreto, refere o seguinte:
i O legislador “apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, ... optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção”. “Assim, os prédios que integram o ativo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação”. “Ou seja, o legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica””.
ii E conclui: “... que a titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa coletiva (seja sociedade imobiliária, fundo imobiliário ou outra) evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI.”, não vislumbrando “... que a tributação dos terrenos para construção, com afetação para " comércio e serviços", nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º- A e 135.º -B do CIMI, colida com o principio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva”.
iii E acrescenta “de igual modo se conclui que, a tributação dos terrenos para construção detidos por pessoas coletivas- que façam parte do seu património imobiliário e estejam afetos ao desenvolvimento da sua atividade económica - nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º- A e 135.º -B do CIMI, colida com o principio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva”. “Em suma, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do ato tributário”.
r) Quanto ao pedido de juros indemnizatórios entende “não enfermarem os atos impugnados de qualquer vício que determina a sua anulação”, “como também não se verifica qualquer erro por parte da Requerida na interpretação do artigo 135.º-B do CIMI ao sujeitar a AIMI terrenos para construção com imóveis cuja utilização potencial é para indústria é 135.º-B do CIMI, pois essa interpretação corresponde inteiramente e de forma fiel e rigorosa ao texto sentido da lei”, pelo que não há fundamento para a aplicação do regime do artigo 43º da LGT.
s) Termina pedindo que “(1) devem ser julgas procedentes as exceções invocadas e a Requerida absolvida da instância, ou, caso assim não se entenda (2) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, ser a Requerida absolvida de todos os pedidos, nos termos acima peticionado”.
t) A Requerida apresentou alegações escritas em 11.12.2019, mantendo o que já tinha referido em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA). A Requerente também apresentou alegações escritas em 12.12,2019, mantendo também o que já tinha referido em sede de PPA. Pronunciou-se pela improcedência das excepções aduzidas pela Requerida na Resposta.
II – SANEAMENTO
a) As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
b) Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD, em 23 de Julho de 2019. A Requerente impugna imediatamente o acto silente de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação aqui em causa que deduziu em 07 de Fevereiro de 2019 (que tinha como fundamento a apreciação da legalidade da liquidação de AIMI aqui em causa).
c) Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea d), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
d) O processo arbitral não padece de nulidades.
Cumpre apreciar.
III - MÉRITO
III-1- MATÉRIA DE FACTO
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente está inscrita como “titular” na matriz predial urbana do artigo ...º -..., com referência a “propriedade plena 1/1” nos termos seguintes:
- conforme artigo 23º do PPA e documento nº 3 junto com o PPA (com a indicação de que o TAS, oficiosamente, consultou a caderneta predial no sítio da AT para verificar a sua conformidade actual);
b) Em Janeiro de 1984, a Requerente celebrou com a sociedade B..., S.A. (B...), NIPC..., um contrato de comodato e pacto de preferência, que teve por objecto esta entidade "edificar e implantar” sobre aquele terreno "uma unidade industrial de fundição" para efeitos de desenvolvimento de um “projecto industrial" da mesma, onde consta que é “legítima proprietária de um terreno com uma área total de cerca de 397 693 m2, ... sito na freguesia de ..., freguesia de ..., identificado na planta topográfica anexa ... do qual cede gratuitamente, em comodato, à B... uma parcela desse terreno com uma área de 61 740 m2” – conforme artigo 24º do PPA e documento nº 4 em anexo ao PPA.
c) Em conformidade com contrato atrás referido a B... promoveu um projecto de empreitada no âmbito daquela parcela de terreno, o qual culminou na edificação da referida instalação fabril para a prossecução da actividade industrial desta empresa – conforme artigo 25º do PPA;
d) A B..., S.A. (B...), NIPC ... é a actual proprietária plena do prédio urbano inscrito na matriz ...º - ... e descrito na CRP de ... sob o registo nº ...º, nos termos seguintes:
- conforme artigo 26º do PPA e documento nº 5 em anexo ao PPA, (com a indicação de que o TAS, oficiosamente, consultou a caderneta predial no sítio da AT para verificar a sua conformidade actual);
e) A partir de data não determinada a B... passou a ser anualmente notificada pela AT para proceder ao pagamento do IMI devido pelo prédio urbano indicado na alínea anterior, enquanto que, paralelamente, a Requerente continuou a pagar anualmente esse imposto, liquidado quanto ao artigo matricial referido em a) – conforme artigo 28º do PPA;
f) A Requerente foi notificada, por referência ao ano de 2018, da liquidação de AIMI, de 30.06.2018, com o nº 2018..., constando o seguinte:
- conforme artigo 29º do PPA e documento nº 2 em anexo ao PPA;
g) Do referido montante global de AIMI de € 11 196,54, o valor correspondente ao prédio urbano ..., corresponde a € 10 786,27, montante da liquidação impugnada neste processo – conforme artigo 30º do PPA;
h) Em data não determinada, a Requerente procedeu ao pagamento da importância € 11 196,54 – conforme artigo 31º do PPA;
i) Em 07 de Fevereiro de 2019 a Requerente apresentou à AT um pedido de revisão oficiosa, pedindo a anulação parcial da liquidação de 30.06.2018, com o nº 2018..., no montante de € 10 786,27 e pedindo o seu reembolso – conforme parte inicial do PPA e documento nº 1 em anexo ao PPA;
j) Em 23 de Julho de 2019 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.
A AT não colocou em causa a genuinidade do conteúdo das reproduções mecânicas juntas autos, nem invocou a sua falsidade ou outra adulteração, na forma ou no conteúdo.
Os factos constantes das alínea c), e), g) e h) não mereceram uma “impugnação especificada”, pelo que o TAS considerou-os assentes, nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT, dado tratar-se de factualidade que se considera ser coerente com a prova documental apresentada.
O TAS não poderia considerar provado que a Requerente é a “proprietária” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º -..., tal como se alega no artigo 23º do PPA, uma vez que na caderneta predial junta (documento nº 3 em anexo ao PPA) não consta o seu registo na CRP e não foi junta qualquer certidão predial, quer pela Requerente, quer pela Requerida, que comprove o registo da propriedade em nome do sujeito passivo.
O registo predial de imóveis, na ordem jurídica portuguesa, salvo casos excepcionais, destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, sendo oponível a terceiros o facto dele constante – artigos 1º, 5º e 7º do CRP.
Segundo o artigo 7º do CRP “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”, pelo que não tendo sido indicado ou alegada a existência do registo predial o TAS não pode considerar que a Requerente é a proprietária do imóvel.
Assim, o TAS apenas pode considerar provado o que consta no documento 3 em anexo ao PPA (a caderneta predial), ou seja, que a “Requerente está inscrita como “titular” na matriz predial urbana do artigo ...º - ..., como titular com referência a “propriedade plena 1/1””– alínea a) dos factos provados. Ou seja, uma mera inscrição do nome da Requerente numa matriz predial de um prédio urbano.
Muito embora o nº 4 do artigo 8º do CIMI refira o seguinte: “presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio”, o certo é que resulta claro da prova documental junta ao processo que o “terreno para construção” referido em a) dos factos provados, integra actualmente o prédio urbano referido em d) dos factos provados, o que se denota com clareza de ambos se referirem a uma “área total do terreno de 61 740,00 m2” com localização, face às coordenadas “x” e “y” expressas nas cadernetas prediais, praticamente coincidentes.
Já quanto ao imóvel a que se alude nos artigos 26º e 27º do PPA, cujo titular inscrito é a B..., S.A. (B...), NIPC..., comprova-se que é a actual proprietária plena do prédio urbano com a matriz artigo...- ..., porque se indica, inclusive, que está descrito na CRP de ... sob o registo nº ...º.
Neste caso, é a própria caderneta predial que contém a indicação do registo predial do mesmo, pelo que o Tribunal não teve dúvidas de que a B... SA é a titular do direito de propriedade sobre o imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo matricial ...º - ..., conforme alínea d) dos factos provados e que este imóvel absorveu o referido em a) da matéria de facto assente.
III-2- DO DIREITO
III-2-Quanto ao mérito
A) O texto da lei cuja aplicação está aqui directamente em causa.
Referem os artigos 135º-A, 135º-B, 6º e 8º do Código do IMI:
Artigo 135.º-A
Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.
3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.
4 - Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e as suas associações e federações de municípios de direito público, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, incluindo os institutos públicos.
Artigo 135.º-B
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
3 - Os sujeitos passivos legalmente autorizados ao exercício da atividade de locação financeira não podem repercutir sobre os locatários financeiros, total ou parcialmente, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis quando o valor patrimonial tributário dos imóveis objeto de contrato de locação financeira não exceda a dedução prevista no n.º 2 do artigo 135.º-C.
Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
Artigo 8.º
Sujeito passivo
1 - O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.
2 - Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.
3 - No caso de propriedade resolúvel, o imposto é devido por quem tenha o uso e fruição do prédio.
4 - Presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio.
5 - Na situação prevista no artigo 81.º o imposto é devido pela herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal.
B) Quanto às excepções invocadas pela AT
i Excepção por incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude de não ter sido apreciada a legalidade de um acto de liquidação.
Defende a requerida em resumo que “o pedido de revisão oficiosa não foi decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, donde não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação. Nesta sequência, o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa presumida, não tendo como objeto mediato qualquer ato tributário de liquidação, uma vez que, no procedimento de revisão oficiosa, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato de liquidação”.
Mas sem razão.
Segundo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Administrativo ("STA"), no Acórdão de 7 de Agosto de 2009, proferido no processo nº 0306/09, a entidade que praticou o acto tributário de liquidação, "ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão, indeferiu-a, ou seja, não reconheceu, no acto de liquidação em causa, as ilegalidades que a requerente lhe imputava".
Também no acórdão do STA de 07.02.2014, processo nº 01950/13 se refere que em casos de indeferimento tácito “em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido - saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) - implica sindicar a legalidade da liquidação”.
Nestes termos, improcede a invocada excepção, uma vez que, ao contrário do defendido, foi sindicada a liquidação, ainda que de forma presumida, face ao indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa, sendo o meio adequado para reagir contra o mesmo, a impugnação contenciosa, por se tratar de acto administrativo em matéria tributária que comporta a apreciação da legalidade da liquidação aqui impugnada (artigo 97º nº 1 alínea d) do CPPT.
ii Incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação dos pedidos de declaração de ilegalidade da decisão da revisão oficiosa.
Refere a AT em resumo que “está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT mas, tão só, de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT”, “ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT”
Como se vê a AT considera, de forma errónea, que a liquidação de AIMI que aqui está em causa – alínea f) dos factos provados – é uma autoliquidação, o que não se verifica, porquanto foi a Requerida que procedeu à liquidação e a enviou ao sujeito passivo, sem que a Requerente tenha promovido qualquer autoliquidação, no sentido técnico do termo.
Nestes termos, improcede a invocada excepção, porquanto, percute-se, face ao indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa, o meio adequado para reagir contra o acto silente, é a impugnação contenciosa que comete TAS nos termos do RJAT, por se tratar de acto administrativo em matéria tributária que comporta a apreciação da legalidade da liquidação aqui impugnada (artigo 97º nº 1 alínea d) do CPPT).
iii Excepção por incompetência material do TAS para apreciar o pedido de condenação da AT no reembolso de AIMI.
Em resumo, entende a AT que, como não existiu acto expresso de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, os fundamentos do indeferimento tácito não comportam a apreciação da legalidade do acto de autoliquidação, uma vez que entende, que no caso deste processo, ocorreu uma autoliquidação (artigos 53º e 55º da Resposta).
Ora, já atrás se referiu que no caso deste processo, estamos perante uma liquidação de AIMI, de responsabilidade exclusiva da AT, sem que a Requerente tenha promovido um pedido ou uma declaração para liquidação.
Já se referiu atrás que o acto silente presumido de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, sindicou a liquidação objecto do pedido, uma vez que era esse o seu objectivo. Tal como refere o STA no acórdão de 07.08.2009, processo 0306/09: “saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) implica sindicar a legalidade da liquidação”.
Improcede, pois, a invocada excepção.
C) Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.
Muito embora o artigo 4º do CIMI referira que são “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos”, a verdade é que aqui, pela natureza deste processo, em que se confronta a existência de dois prédios urbanos, em termos fiscais, em que um absorveu fisicamente o outro, não pode deixar de se recorrer ao conceito civil de que é “prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe serviam de logradouro”, conforme parte final do nº 2 do artigo 204º do Código Civil.
Ou seja, a tipificação de um prédio como urbano não depende, nem da descrição predial nem de critérios fiscais. Para efeitos cíveis, prédio urbano “é essencialmente, e sem prejuízo de situações especiais, edifício fixado no solo, com carácter de permanência, por alicerces, colunas ou (e) outro meio idêntico, com uma delimitação própria de solo e de espaço, através de paredes e de cobertura superior” (TRL 7-6-90 BMJ 398º-272).
Levada a efeito uma edificação (uma construção) num determinado solo (vulgo terreno para construção) o solo onde a edificação é erigida, em princípio, passa a integrar o próprio prédio urbano que constitui a edificação, deixando o solo de ter autonomia jurídica própria, salvo situações especiais v.g. as relativas do direito de superfície, o que no caso não ocorre, porque quanto aos dois bens imóveis, coloca-se a questão da propriedade plena, conforme cadernetas prediais urbanas.
Mesmo que a B... SA fosse a superficiária e a Requerente fosse a detentora da nua propriedade, o sujeito passivo do AIMI seria sempre a B... SA, por força do nº 1 do artigo 135º-A do CIMI e não a Requerente.
A norma do nº 4 do artigo 8º do CIMI, que refere “presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio” a ser levada à letra (face à literalidade das cadernetas prediais), resultaria que sobre a mesma parcela de solo, existiam afinal dois proprietários, posto que um mesmo solo, integraria o prédio urbano referido em a) da matéria provada e o prédio urbano referido em d) da mesma matéria.
Da norma do nº 4 do artigoº 8º do CIMI é possível então retirar-se, à contrario, que já não se pode presumir que alguém deva considerar-se proprietário de um prédio, para efeitos fiscais, quem não “deva figurar” na matriz, por não ser verdadeiramente o proprietário do imóvel, mormente face aos critérios do direito civil, acima referidos, na parte aplicável por força do nº 2 do artigo 11º da LGT.
Acresce que, no caso deste processo, não restam dúvidas que a área total do terreno do prédio urbano com o artigo matricial ...º-... e a do terreno do prédio urbano do artigo matricial ...º - Cacia, coincidem com a área do terreno que é indicada no contrato de comodato, ou seja, 61 740,00 m2.
A Requerente, quer no pedido de revisão oficiosa, quer no PPA, (artigo 32º de ambos os articulados) invocou que “se encontra (por lapso) ainda inscrita no sistema informático do cadastro predial como entidade proprietária de um imóvel do tipo “terreno para construção””, acrescentando que “", importa ter em consideração que, à data da tributação da liquidação de AIMI sub judice, a situação fáctica ali existente compreendia já um prédio urbano autónomo e edificado, destinado a fins industriais e que, por essa razão, não se constituía, por si só, como um facto relevante para efeitos de tributação em AIMI”.
Ora, provou-se que assim é, pelo que as consequências, face ao nº 1 do artigo 135º-A do CIMI que estabelece a incidência subjetiva do AIMI, só podem ser no sentido de se considerar que não está provado que a Requerente seja “proprietária”, “usufrutuária” ou “superficiária” do bem imóvel inscrito na matriz predial urbana do artigo ...º - ... . Provou-se, ao invés, que a proprietária é a B... SA.
Daqui resulta que a liquidação de AIMI aqui em causa, padece de erro de facto e de direito, por desconformidade com o nº 1 do artigo 135º-A do CIMI.
Mas, mesmo que assim não fosse e este TAS considerasse ou devesse considerar provado que a Requerente era, à data de 01.01.2018, a detentora da proprietária plena do bem imóvel referido no parágrafo anterior, tal como se considerou na decisão arbitral CAAD Processo 688/2017-T, adere-se ao decidido no aludido processo (com as mesmas partes e o mesmo objecto, apenas alterando o ano do AIMI), quando refere:
“Não é questionado que o aludido terreno se destina a construção de prédio para «indústria», como leva, desde logo, a concluir o tipo de coeficiente de localização utilizado.
Sendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não terá coerência não aplicar o tributo a edifícios destinados a indústria e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios.
Assim, numa perspetiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (artigo 9º nº 1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no nº 2 do artigo 135.-B do Código do IMI, relativa aos prédios urbanos classificados como para «indústria», como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios.
Acresce que, a adotar-se uma interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será então materialmente inconstitucional, por incompaginável com o princípio da igualdade (conforme artigo 13º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a indústria e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.
Em situações de injustificado tratamento discriminatório, traduzido na imposição de um dever ou encargo com violação do princípio da igualdade, o que é ilegítimo é, em princípio, o ato de imposição do dever apenas a alguns dos contribuintes, devendo a desigualdade ser resolvida com eliminação dos deveres ou encargos para quem com eles foi discriminatoriamente onerado.
Pelo exposto, a liquidação de AIMI impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 135º-B, nº 2, do Código do IMI, na parte em que inclui no valor tributável o valor patrimonial tributário do terreno para construção com o artigo matricial n.º..., pelo que se justifica a sua anulação, na parte respetiva, de harmonia com o disposto no artigo 163º n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º alínea c), da LGT.”
Ou seja, também por esta via, só pode proceder o PPA, resultando que o acto silente (indeferimento presumido) que se formou por não ter sido apreciado o pedido de revisão oficiosa, no prazo legal, padece das mesmas desconformidades com a lei que são assacadas à liquidação de AIMI, o qual deve ser afastado da ordem jurídica.
D) - Direito ao reembolso do valor do AIMI pago a mais e a juros indemnizatórios.
Direito ao reembolso do valor do AIMI pago a mais
Reproduzindo o que se refere na decisão arbitral CAAD Processo 688/2017-T, a que aqui se adere “o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43º n.º 1, da LGT e no artigo 61º nº 4, do CPPT.
O nº 5 do artigo 24º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação controvertido, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.
Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia de € 10.786,27.”
Direito a juros indemnizatórios
A Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.
O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Sucede que, na presente hipótese, a atividade de cognição do tribunal respeita a uma decisão de indeferimento tácito de pedido de revisão de atos tributários e o artigo 43.º, n.º 1 da LGT determina que, só são devidos juros indemnizatórios pela cobrança indevida, quando o contribuinte impugne ou reclame. Contudo, a “revisão oficiosa” constitui um instituto distinto da reclamação administrativa e da impugnação judicial.
A este respeito dispõe o artigo 43.º, n.º 3 da LGT que: “são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária»”.
Assim, pedida a “revisão oficiosa” do ato tributário pelo contribuinte, se a AT exceder o prazo de um ano para proceder a tal revisão e se a decidir favoravelmente, só são devidos juros indemnizatórios após o decurso de um ano.
E se o contribuinte tiver necessidade de recorrer à via judicial?
À questão responde a jurisprudência afirmando que: “…se o contribuinte se vir obrigado a recorrer ao tribunal para obter uma decisão, porque a Administração, dentro ou fora daquele prazo, não reviu o ato, este contribuinte não é tratado diferentemente daquele que obteve a mesma decisão favorável pela via administrativa depois de decorrido um ano. À semelhança do interessado cujo pedido de revisão teve desfecho favorável ditado pela Administração decorrido mais de um ano, também aquele a quem só foi dada razão no tribunal passado esse tempo são devidos os mesmos juros. É que, em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração: ou porque tardou a decidir, ou porque decidiu em desfavor do contribuinte, vindo a mostrar-se, em juízo, que devia ter decidido ao contrário.” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0918/06, de 12/12/2006, relatado pelo Conselheiro BAETA DE QUEIROZ).
Isto é, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT aplica-se a uma realidade distinta do reembolso ao contribuinte em resultado de “erro imputável aos serviços”, ou seja, aplica-se à demora da AT na conclusão do procedimento de “revisão oficiosa”.
Revertendo tal interpretação para o caso concreto, se o pedido de revisão foi formulado no dia 07 de Fevereiro de 2019, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir do dia 08 de Fevereiro de 2020.
IV. DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que o acto de liquidação impugnado e bem assim o indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa que contra a mesma foi apresentado, estão em desconformidade com as normas constantes dos artigos 135º-A e 135º-B do CIMI, pelo que, consequentemente
1. Anula-se parcialmente o acto tributário de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) de 30.06.2018, nº 2018... emitido pela AT, na parte relativa ao montante de € 10.786,27 (conforme alíneas f) e g) da matéria de facto provada), o que acarreta que o indeferimento presumido que se formou por não ter sido apreciado o pedido de revisão oficiosa, no prazo legal, fica afastado da ordem jurídica.
2. Condena-se a AT a proceder ao reembolso da quantia de € 10.786,27 (alínea g) e h) da matéria de facto provada).
3. Condena-se ainda a AT no pagamento dos juros indemnizatórios, contados desde 08 de Fevereiro do 2020, calculados sobre € 10 786,27, à taxa de juro legal, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
V - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 10 786,27 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI – CUSTAS
Custas de € 918,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2020
Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira