Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 468/2019-T
Data da decisão: 2020-02-27  IVA  
Valor do pedido: € 27.046,56
Tema: Reforma da sentença IVA – comparticipações financeiras do Estado – reclamação graciosa convolação em revisão de ato tributário – Reforma da Decisão Arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a Decisão Arbitral de 27 de fevereiro de 2020.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Na sequência da apresentação de pedido de reforma da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 616.º do Código do Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por parte da Requerente, e atendendo aos fundamentos nele tecidos, vem o presente Tribunal Arbitral decidir o seguinte:

 

I – Dos antecedentes processuais

 

1.            No dia 28 de fevereiro de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu decisão nos presentes autos, no sentido de julgar procedente a exceção de intempestividade da reclamação graciosa no que respeita aos atos de liquidação de IVA com referência aos períodos de 2016/10M e 2016/11M; improcedente o pedido de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/10M e 2016/11M, devendo os mesmos manter-se na ordem jurídica, e consequentemente, mantida a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quanto a estes; improcedente o pedido de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/12M, devendo o mesmo ser mantido na ordem jurídica, e consequentemente, mantida a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quanto a este.

2.            No mesmo dia, o CAAD remeteu, via CTT, a notificação da referida decisão arbitral, às partes.

3.            Face ao disposto no n.º 1 do artigo 248.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), foram as partes notificadas da supra identificada decisão, no dia 2 de março de 2020.

4.            No dia 8 de maio de 2020, a Requerente apresentou pedido de reforma da sentença, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, fazendo uso do período adicional de três dias úteis para a prática de atos processuais prevista no n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

5.            No dia 19 de março, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, no âmbito da fase excecional de emergência causada pela situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, procedendo à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10.º-A/2020, de 13 de março, os quais são produzidos desde o dia da sua aprovação, ou seja, 13 de março de 2020.

6.            A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, foi posteriormente, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, tendo implementado medidas excecionais e temporárias, designadamente, a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais e procedimentais a ser praticados no âmbito de processos e procedimentos a correr termos nos tribunais arbitrais «até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica» (artigo 7.º do referido diploma).

7.            Tendo em consideração a notificação da decisão arbitral às partes, a 2 de março de 2020, e o prazo de 10 dias para apresentar o pedido reforma da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 149.º do CPC, temos que o prazo para tal apresentação terminaria a 12 de março de 2020.

8.            Contudo, e atendendo ao uso da faculdade prevista no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, pela Requerente, e a suspensão dos prazos por via das medidas excecionais e temporárias provocadas pela situação epidemiológica que vivemos, dá-se o pedido de reforma de sentença apresentado pela Requerente por tempestivo.

9.            Desconhecendo o tribunal arbitral que a Requerente tenha interposto recurso para o Tribunal Constitucional ou para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 25.º do RJAT, será de admitir o pedido de reforma apresentado ao abrigo do artigo 616.º do CPC.

10.          A Requerente tem legitimidade ao abrigo do disposto no artigo 616.º do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT.

11.          No dia 20 de maio de 2020, o tribunal arbitral notificou a Requerida, por despacho, para se pronunciar sobre o pedido de reforma da sentença apresentado pela Requerente.

12.          No dia 29 de maio de 2020, foi publicada a Lei n.º 16/2020, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, prevendo essencialmente a cessação da suspensão dos prazos para a prática de atos processuais e procedimentais no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos – ao que interessa – nos tribunais arbitrais, com entrada em vigor no quinto dia posterior ao da sua publicação, ou seja, no dia 3 de maio de 2020.

13.          A Requerida nada disse em resposta ao despacho identificado em 11 supra.

 

Face ao acima exposto, cumpre decidir quanto ao pedido de reforma da sentença formulado pela Requerente.

 

II – Dos argumentos e fundamentos do pedido de reforma da sentença

 

14.          A Requerente, no dia 8 de maio de 2020, apresentou um pedido de reforma da sentença, ao abrigo do disposto do artigo 616.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea c) do artigo 29.º do RJAT, peticionando no sentido de se «proceder à reforma da decisão arbitral, concluindo-se, nesse âmbito, pela ilegalidade do acto de liquidação em apreço materializado na Declaração Periódica de IVA de Dezembro de 2016.»

 

15.          Para o efeito, fundamenta e sustenta a Requerente o seu pedido de reforma da sentença em «manifesto lapso do juiz» (na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC), por entender que «consta do processo um documento (que corrobora a prova testemunhal realizada) cuja consideração implicaria, necessariamente, uma decisão diversa da que foi proferida pelo Tribunal Arbitral a quo.»

 

16.          Defende, assim, que: «(…) uma análise cuidada do documento junto mediante a apresentação de alegações e do requerimento para apreciação de prova adicional – admitido pelo Tribunal Arbitral - permitiria a este Tribunal concluir que o IMT, I.P. reconhece ter pago à Requerente tudo o que estava estabelecido em Resolução, à excepção do montante previsto para a implementação do Sistema Intermodal Andante, caso em que o IMT, I.P. logrou pagar tão-somente o montante de € 126.579,88 (ao invés de € 255.022,18), resultando assim num montante total processado pelo IMT, I.P. de € 2.151.557,62 – cf. Documento 1.»

 

17.          Aduz, a Requerente que «[o] documento aqui em apreço faz prova cabal dos montantes efectivamente pagos pelo IMT, I.P. à ora Requerente, por contraposição com os montantes estabelecidos na Resolução: (…)»

 

18.          Fazendo, ainda, alusão que: «14.º(…), onde se lê “Orçamento Autorizado”, deve entender-se pelos montantes estipulados na Resolução com referência à implementação de cada tipologia de passe nela prevista (in casu, 4 tipos); onde se lê “Total Devido”, deve entender-se pelos montantes efectivamente pagos à Requerente. 15.º Bem se pode ver que foi tão-somente com referência à implementação do Sistema Intermodal Andante que o IMT, I.P. não logrou proceder ao pagamento do montante total previsto na Resolução. Esta diferença fez com que ao invés de ter auferido € 2.279.999,93, a Requerente tivesse auferido tão-somente € 2.151.557,62. A tal conclusão se chegaria se uma cuidada análise tivesse sido realizada ao documento em apreço que, complementado com as explicações aduzidas pela Requerente – quando da submissão do Pedido de Pronúncia Arbitral e respectivos documentos, e das suas alegações escritas – e com a prova testemunhal realizada, dissiparia quaisquer dúvidas quanto ao montante efectivamente recebido pela Requerente, do IMT, I.P.»

 

19.          Concluindo no sentido de que «(…), não logrou o Tribunal analisar a prova documental supra referida que não só foi referida aquando a reunião para inquirição da testemunha arrolada, como também veio a ser junta e admitida ao processo no momento da apresentação das alegações da Requerente e do seu requerimento para apreciação de elementos de prova adicionais.»

 

Vejamos se assiste razão à Requerente.

 

20.          Prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC que «2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a)            (…);

b)           Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.»

 

21.          Conforme se retira do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1150/13.9TBBGC-C.G1, de 8 de outubro de 2015:

«O instituto da reforma da decisão constitui uma importante e necessária limitação no império absoluto do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, conferindo ao próprio julgador que proferiu a decisão a possibilidade de alterar o decidido, mesmo nos casos em que se verifica não uma “omissão”, mas antes um “activo erro de julgamento” Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, p. 444..

Como refere Lebre de Freitas, “o erro de julgamento, quer respeite ao apuramento dos factos da causa, quer respeite à aplicação do direito aos factos apurados” (…) “quando não haja lugar a recurso, pode o juiz da causa alterar, ele próprio, a decisão sob reclamação (…), quando tenha ocorrido lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na omissão de considerar documento ou outro meio de prova plena que, só por si, implicasse necessariamente decisão diversa da proferida”.

“A expressão lapso manifesto (na redacção actual manifesto lapso) não se trata já de erros revelados pelo próprio contexto da sentença ou das peças do processo para que ela remete, nem de omissões sem consequência no conteúdo da decisão, mas de erro revelado por recurso a elementos que lhe são exteriores”. Cfr. Lebre de Freitas, C.P.C».

 

22.          É consabido que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso: (1) para o Tribunal Constitucional « na parte que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada», ou (2) para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.» - nos termos do disposto no artigo 25, n.º 1 e 2 do RJAT - .

 

23.          Ora, no caso em apreço, desconhecendo, o Tribunal, a interposição de recurso da decisão arbitral colocada em crise, como supramencionado, foi admitido o presente pedido de reforma da sentença.

 

24.          Fundamenta, a Requerente, o seu pedido de reforma da sentença, na existência de documento junto aos autos, a 27 de janeiro de 2020, com as alegações e com o requerimento de «apreciação de elementos probatórios adicionais», o qual, segundo entende «faz prova cabal dos montantes efectivamente pagos pelo IMT, IP à ora Requerente, por contraposição com os montantes estabelecidos na Resolução: carta do IMT, IP, esta entidade «[informa] que os valores das compensações relativas a 2016, efectivamente processados [à A..., ora Requerente] foram os seguintes:»

 

25.          Passando a explicar o referido documento, nos artigos 14.º e 15.º do pedido de reforma de sentença, da seguinte forma: «Com efeito, onde se lê “Orçamento Autorizado”, deve entender-se pelos montantes estipulados na Resolução com referência à implementação de cada tipologia de passe nela prevista (in casu, 4 tipos); onde se lê “Total Devido”, deve entender-se pelos montantes efectivamente pagos à Requerente. 15.º Bem se pode ver que foi tão-somente com referência à implementação do Sistema Intermodal Andante que o IMT, I.P. não logrou proceder ao pagamento do montante total previsto na Resolução. Esta diferença fez com que ao invés de ter auferido € 2.279.999,93, a Requerente tivesse auferido tão somente € 2.151.557,62. A tal conclusão se chegaria se uma cuidada análise tivesse sido realizada ao documento em apreço que, complementado com as explicações aduzidas pela Requerente – quando da submissão do Pedido de Pronúncia Arbitral e respectivos documentos, e das suas alegações escritas – e com a prova testemunhal realizada, dissiparia quaisquer dúvidas quanto ao montante efectivamente recebido pela Requerente, do IMT, I.P., complementar.»

 

26.          Refuta, assim, a Requerente que a análise e validação do documento ínsito pelo Tribunal Arbitral foi insuficiente, acarretando um lapso manifesto do juiz na sua valoração.

 

III – Da apreciação do pedido de reforma de sentença

 

27.          Em virtude do pedido formulado pela Requerente de reforma da sentença proferida nos presentes autos, procedeu o Tribunal Arbitral à reanálise e reapreciação de toda a prova carreada para os autos, atendendo aos argumentos e fundamentos aduzidos por aquela.

 

28.          Com efeito, da reanálise e reapreciação da prova produzida em sede de processo arbitral, e dos esclarecimentos prestados pela Requerente em sede de reforma da sentença, considera o presente tribunal, que o documento em referência poderia ter sido apreciado e valorado de forma diferente.

 

29.          De notar que, na elaboração e preparação da decisão arbitral cuja reforma se peticiona, pautou-se, o Tribunal Arbitral, pelo princípio da livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros.

 

30.          Deste modo, admitiu a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, realizada a 13 de janeiro de 2020, a qual se mostrou credível, acompanhada do documento em referência, permitindo fazer prova de que o montante recebido pela Requerente do IMT, I.P, a título de compensação, era diferente do inscrito na declaração de IVA referente ao mês de dezembro de 2016,

 

31.          … assim sendo, atendendo ao documento em referência, junto aos autos pela Requerente em sede de alegações e de requerimento «de apreciação de prova adicional”, admite o presente tribunal que poderia ter contextualizado mais cabalmente os factos que se pretendiam provar, e consequentemente ter decidido em sentido diverso ao que decidiu.

 

32.          Ora, tendo em consideração que «o instituto da reforma da decisão constitui uma importante e necessária limitação no império absoluto do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, conferindo ao próprio julgador que proferiu a decisão a possibilidade de alterar o decidido, mesmo nos casos em que se verifica não uma “omissão”, mas antes um “activo erro de julgamento», entende o presente Tribunal ser de acompanhar a posição da Requerente no tocante ao manifesto lapso do juiz na apreciação da prova (documental) constante dos autos, e à necessidade de reforma da sentença já proferida.

 

33.          Face ao exposto, é de proceder a pretensão da Requerente, no que respeita à reforma da sentença agora requerida, alterando-se a decisão arbitral nos termos seguintes:

 

IV – Da decisão reformada

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 13 de julho de 2019,  A..., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da decisão final no sentido do indeferimento da Reclamação Graciosa que apresentou contra os atos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos 2016/10, 2016/11 e 2016/12, no montante de € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), e, nessa sequência, a declaração da ilegalidade e anulação dos referidos atos e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária Dr.ª B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr. C... e Dr. D... .

3.            Verificada a regularidade formal do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro, o signatário.

4.            O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 24 de setembro de 2019, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.

5.            Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 6 de novembro de 2019, a sua resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

6.            No dia 11 de novembro de 2019, o presente Tribunal notificou a Requerente, para, em cumprimento do princípio do contraditório, se pronunciar sobre a exceção invocada pela Requerida e para comunicar ao Tribunal se mantém o interesse na audição da testemunha indicada, e, em caso afirmativo, para indicar os factos a que pretende que a mesma seja ouvida.

7.            A Requerente, no dia 22 de novembro de 2019, apresentou requerimento de resposta ao despacho identificado em 6. supra.

8.            Nesta sequência, e tendo em consideração o teor do requerimento apresentado pela Requerente referido imediatamente supra, o Tribunal, por despacho de 28 de novembro de 2019, designou o dia 12 de dezembro de 2019, às 14h30m para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como para a audição da testemunha arrolada pela Requerente.

9.            Em virtude da falta de comparência dos juristas da Requerida à reunião agendada para o dia 12 de dezembro de 2019, foi a mesma adiada para o dia 13 de janeiro de 2020, às 15h.

10.          No decurso da reunião realizada no dia 13 de janeiro de 2020, e após a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, o Tribunal, por um lado, informou as partes que sobre as exceções invocadas se pronunciaria a final, por outro, notificou-as para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, por outro, ainda, designou o dia 24 de março de 2020 para efeito de prolação da decisão final, e por último, advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

11.          No dia 27 de janeiro de 2020, a Requerente apresentou, por um lado, um requerimento de “apreciação de elementos probatórios adicionais”, por outro, as suas alegações finais e, por último, juntou aos autos comprovativo da taxa arbitral subsequente.

12.          A Requerida não apresentou alegações.

13.          No dia 28 de fevereiro de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu decisão nos presentes autos.

14.          As partes foram notificadas da supra identificada decisão, no dia 2 de março de 2020.

15.          No dia 8 de maio de 2020, a Requerente apresentou pedido de reforma da sentença, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, fazendo uso do período adicional de três dias úteis para a prática de atos processuais prevista no n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

16.          No dia 19 de março, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, no âmbito da fase excecional de emergência causada pela situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, procedendo à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10.º-A/2020, de 13 de março, os quais são produzidos desde o dia da sua aprovação, ou seja, 13 de março de 2020.

17.          A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, foi posteriormente, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, tendo implementado medidas excecionais e temporárias, designadamente, a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais e procedimentais a ser praticados no âmbito de processos e procedimentos a correr termos nos tribunais arbitrais «até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica» (artigo 7.º do referido diploma).

18.          Tendo em consideração a notificação da decisão arbitral às partes, a 2 de março de 2020, e o prazo de 10 dias para apresentar o pedido reforma da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 149.º do CPC, temos que o prazo para tal apresentação terminaria a 12 de março de 2020.

19.          Contudo, e atendendo ao uso da faculdade prevista no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, pela Requerente, e a suspensão dos prazos por via das medidas excecionais e temporárias provocadas pela situação epidemiológica que vivemos, dá-se por o pedido de reforma de sentença apresentado pela Requerente tempestivo.

20.          No dia 20 de maio de 2020, o tribunal arbitral notificou a Requerida, por despacho, para se pronunciar sobre o pedido de reforma da sentença apresentado pela Requerente.

21.          No dia 29 de maio de 2020, foi publicada a Lei n.º 16/2020, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, prevendo essencialmente a cessação da suspensão dos prazos para a prática de atos processuais e procedimentais no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos – ao que interessa – nos tribunais arbitrais, com entrada em vigor no quinto dia posterior ao da sua publicação, ou seja, no dia 3 de maio de 2020.

22.          A Requerida nada disse em resposta ao despacho identificado em 20 deste Relatório.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

1.            A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos 2016/10, 2016/11 e 2016/12, no montante de € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos) e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, em ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO, em virtude de tais atos terem excedido os montantes efetivamente devidos, face aos pagamentos efetuados pelo IMT, LP., a título de comparticipação pela implementação dos mesmos.

 

2.            Neste contexto,  refere que «(…) procedeu ao pagamento de imposto em excesso por considerar sujeitas a IVA e dele não isentas as componentes dos passes sociais que não foram comparticipadas pelo Estado», sendo que «(…) a liquidação de IVA em excesso foi determinada por um erro na determinação do valor tributável aquando da venda dos passes pela Requerente, tendo esta última liquidado imposto sobre comparticipações que, efectivamente, nunca auferiu (nem devia auferir), mas sobre as quais entendia, erroneamente, que deveria incidir imposto. A conduta da Requerente materializou-se, assim, num erro na autoliquidação, o qual, por via da presunção prevista no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, se considera imputável aos serviços.»

 

3.            Concluindo no sentido de que «por ter feito incidir IVA sobre montantes que não chegaram a ser-lhe atribuídos, considera a Requerente que deve ser-lhe restituído o imposto cuja entrega ao Estado se revelou indevida.»

 

4.            Peticiona, a final, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

1.            Inicia a Requerida a sua resposta, invocando a exceção «da tempestividade do recurso ao procedimento de reclamação graciosa», referindo que «(…) não obstante a reclamação graciosa se configurar como o meio adequada à salvaguarda das pretensões da Requerente, mostra-se intempestiva no que concerne às declarações periódicas entregues relativamente aos períodos de Outubro e Novembro de 2016. Com efeito, relativamente aos períodos de Outubro e Novembro de 2016 a Requerente entregou as declarações periódicas a 29.11.2016 e 16.12.2016, respectivamente. Pelo que, deveria ter apresentado a reclamação graciosa até ao dia 30.11.2018 e 17.12.2018, respectivamente. Por assim ser, tendo a Requerente apresentado a referida reclamação graciosa em 21.12.2018, a mesma mostra-se intempestiva, relativamente àqueles dois períodos de imposto.»

 

2.            Por impugnação, rebate a Requerida os argumentos da Requerente, nomeadamente quanto ao vício invocado, pugnando pela improcedência do mesmo, por considerar que: «(…) na situação dos presentes autos, mostra-se difícil admitir a existência de um mero erro na autoliquidação, porquanto tais actos limitam-se a reflectir os registos contabilísticos existentes. E, aqui chegados, importa realçar que, a Requerente não logrou efectuar prova do alegado.»(…) Pelo que, ao não efectuar prova do alegado, fica precludida a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a Requerida o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação.»

 

3.            Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida na reunião consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            FACTOS DADOS COMO PROVADOS

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é uma entidade pública empresarial com sede em território português, que se encontra registada a título principal para o exercício da atividade de “Transporte Interurbano de Passageiros por Caminhos-de Ferro” (CAE 49100), que se dedica ao transporte ferroviário, presta um serviço público de transporte ferroviário de passageiros em linhas férreas, troços de linha e ramais que integram ou venham a integrar a rede ferroviária nacional, bem como o transporte internacional de passageiros – cfr. acordo das partes - ;

B.            Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal – cfr. acordo das partes- ;

C.            O Orçamento do Estado para 2016, aprovado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, contemplou dotações para indemnizações compensatórias a atribuir a empresas que prestam serviço público,  nomeadamente a aqui Requerente, cuja distribuição se definiu na Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016, de 30 de junho. - cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;

D.           A referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016 resolve, com interesse para os presentes autos:

«1 - Autorizar a realização de despesa resultante do Acordo para a Implementação do «...», celebrado entre o Estado e o conjunto de operadores aderentes, a concretizar do seguinte modo:

a) (…);

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 346 930,77, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I. P.).

2 – (…)

3 - Autorizar a realização de despesa resultante do «Acordo para a Implementação do «...», celebrado entre o Estado e os operadores de serviço de transporte coletivo de passageiros, públicos e privados, a concretizar do seguinte modo:

a) (…);

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 662 060,70, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo IMT, I. P.

4 -  (…);

5 - Autorizar a realização de despesa decorrente da celebração do «Acordo para a Implementação do Tarifário Social no Sistema Intermodal Andante», celebrado em 29 de junho de 2006, entre o Estado e os operadores de serviço de transporte coletivo de passageiros, públicos e privados, objeto de Adendas assinadas em 23 de dezembro de 2008 e 17 de dezembro de 2014, respetivamente, a concretizar do seguinte modo:

a) (…);

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 255 022,18, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo IMT, I. P.

6 - Autorizar a realização de despesa relativa à comparticipação financeira a atribuir a cada um dos operadores de transporte coletivo de passageiros, pela implementação do Passe ..., no âmbito do sistema de títulos intermodais das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, ao abrigo do disposto na Portaria n.º 272/2011, de 23 de setembro, alterada pela Portaria n.º 36/2012, de 8 de fevereiro, e no Despacho n.º 14216/2011, de 13 de outubro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 202, de 20 de outubro, a realizar do seguinte modo:

a) (…);;

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 1 015 986,28, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo IMT, I. P.» (negrito nosso) - cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;

E.            A comparticipação financeira do Estado, atribuída à Requerente, ao abrigo da Resolução identificada em C. e D. supra, pela implementação dos passes nela identificados, teria de um valor máximo de € 2.279.999,93 (dois milhões duzentos e setenta e nove mil, novecentos e noventa e nove euros e noventa e três cêntimos), sobre a qual incidiria IVA à taxa reduzida de 6%, legal em vigor, à data dos factos. – cfr. acordo das partes - ;

F.            A Requerente, no ano de 2016, declara ter recebido, a título da referida comparticipação financeira do Estado o montante de € 2.151.557,62 (dois milhões, cento e cinquenta e um mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), pago em quatro prestações: duas prestações pagas em novembro e outras duas pagas em dezembro de 2016 – cfr. depoimento da testemunha E...-;

G.           No dia 4 de abril de 2017, O IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transporte, I.P informou em carta, dirigida ao Conselho de Administração da Requerente que «os valores das compensações relativas a 2016, efetivamente processados a essa empresa foram os seguintes:

 

Relativamente aos motivos que levaram ao não processamento dos meses em falta, mais informo que de acordo com a Direção de Serviços de Administração e Recursos do IMT:

•             Relativamente ao ..., o limiar financeiro foi atingido em novembro de 2016, esgotando assim o valor pelo qual o IMT estava autorizado a transferir para os operadores de transporte coletivo de passageiros, ao abrigo da al. c) do ponto 1 da RCM n.º 37-B/2016.

•             Relativamente ao ..., o limiar financeiro foi atingido em setembro de 2016, esgotando assim o valor pelo qual o IMT estava autorizado a transferir para os operadores de transporte coletivo de passageiros, ao abrigo da al. c) do ponto 1 da RCM n.º 37-B/2016.

•             Relativamente ao Passe ... na AMP, o limiar financeiro foi atingido em novembro de 2016, esgotando assim o valor pelo qual o IMT estava autorizado a transferir para os operadores de transporte coletivo de passageiros, ao abrigo da al. c) do ponto 6 da RCM n.º 37-B/2016.

•             Relativamente ao Passe ... na AML, o limiar financeiro foi atingido em novembro de 2016, esgotando assim o valor pelo qual o IMT estava autorizado a transferir para os operadores de transporte coletivo de passageiros, ao abrigo da al. c) do ponto 6 da RCM n.º 37-B/2016.

•             Relativamente ao Tarifário Social no Sistema Intermodal Andante, respeitante a dezembro de 2016, a DSAR teve conhecimento da referida solicitação, apenas em 26.01.2017.

Considerando o princípio da anualidade dos orçamentos dos serviços/entidades que integram o setor das administrações públicas, onde integra o IMT, IP, conforme estabelece o art.º 14.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), as autorizações para a realização das despesas referidas na RCM n.º 37-B/2016, caducam a 31 de dezembro de 2016, não existindo, portanto, à data, o facto gerador da obrigação respeitante às normas legais aplicáveis, requisito obrigatório para proceder à realização de despesas, de acordo com a al. a) do n.º 3 do art.º 52.º da LEO.» - cfr. documento junto com as alegações e requerimento de «apreciação de elementos probatórios adicionais» junto aos autos a 27 de janeiro de 2020 - ;

H.           A Requerente pagou IVA sobre o valor de € 2.629.380,23 (dois milhões, seiscentos e vinte e nove euros trezentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos) – cfr. depoimento da testemunha E...- ;

I.             A Requerente não emitiu faturas com referência aos montantes atribuídos pelo IMT e por si recebidos. -  cfr. depoimento da testemunha, E...-;

J.             Tais montantes eram contabilizados, numa primeira fase, na conta 27, sendo, posteriormente, transferidos, após o correspondente pagamento pelo IMT, I.P., para a conta corrente – cfr. depoimento da testemunha E...-;

K.            No dia 29 de novembro de 2016, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA respeitante ao período 2016/10M – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

L.            No dia 16 de dezembro de 2016, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA referente ao período 2016/11M – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

M.          No dia 9 de fevereiro de 2017, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA com referência ao período 2016/12M - cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;

N.           No dia 21 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT e do artigo 97.º do Código do IVA, contra os atos de autoliquidação de IVA com referência aos períodos 2016/10M, 2016/11M e 2016/12M, no montante total de € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos) – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

O.           Na referida reclamação graciosa, a Requerente ressalvou que se aquele não fosse o meio próprio para alcançar a finalidade visada que fosse o mesmo convolado oficiosamente para a forma adequada, em conformidade com o disposto no artigo 52.º do CPPT – cfr. acordo das partes -;

P.            A reclamação graciosa identificada em M. supra foi indeferida, por despacho, de 17 de abril de 2019, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação de competências – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

Q.           No dia 13 de julho de 2019 a Requerente apresentou, junto do CAAD, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

b.            FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS.

 

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.

 

VI- DO DIREITO

 

A.           QUESTÃO PRÉVIA:

 

1.            A Requerida na Resposta que apresentou, suscitou a exceção da «(in)tempestividade do recurso ao procedimento de reclamação graciosa», com a seguinte motivação: «(…) o legislador estipulou um prazo de dois anos para a apresentação da referida reclamação graciosa, contado da data da autoliquidação, cuja correção se pretende. Findo tal prazo, a referida reclamação graciosa pode ser rejeitada por intempestividade. Trata-se, portanto de um prazo peremptório.»

 

2.            Mais, refere a Requerida que, no caso em apreço,« (…) não obstante, a reclamação graciosa se configurar como o meio adequado à salvaguarda das pretensões da Requerente, mostra-se intempestiva no que concerne às declarações periódicas entregues relativamente aos períodos de Outubro e Novembro de 2016», atendendo a que foram apresentadas «(…) a 29.11.2016 e 16.12.2016, respectivamente,» pelo que,  «(…) deveria ter apresentado a reclamação graciosa até ao dia 30.11.2018 e 17.12.2018, respectivamente.»

 

3.            Ora, «(…) tendo a Requerente apresentado a referida reclamação graciosa em 21.12.2018, a mesma mostra-se intempestiva, relativamente àqueles dois períodos de imposto.»

 

4.            Argumenta, ainda, a Requerida que a constatação da intempestividade da reclamação supra mantém-se, não obstante, o facto de a «Requerente ter vindo pedir, a título subsidiário, a convolação da reclamação graciosa no meio legalmente adequado para alcançar a finalidade visada, invocando o disposto no artigo 52.º do CPPT.» [sugerindo para o efeito] «(…) o mecanismo da revisão oficiosa, dado em seu entender, estarmos perante um erro na autoliquidação, presumindo-se que o mesmo é imputável à Requerida, o que determina que a A... disponha do prazo de 4 anos após a liquidação, tendo em consideração o preceituado no artigo 78º da LGT.»

 

5.            Refere, complementarmente a Requerida que «defende a Requerente que se está perante um suposto erro na autoliquidação derivado duma incorrecta interpretação das normas do CIVA no que se refere à incidência de IVA sobre os valores recebidos pelo Estado Português, a título de indemnizações compensatórias. Além do mais, o alegado erro seria, segundo a Requerente, considerado imputável aos serviços, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA [referindo-se, com certeza, a LGT]».

 

6.            Ora, menciona, a Requerida, em resposta a esta questão da “revisão oficiosa – ato de autoliquidação - erro imputável aos serviços” que «por força da alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março {Lei de Orçamento de estado de 2016), o n.º 2 do mencionado artigo 78.º foi objeto de revogação, ou seja, deixou de vigorar a “ficção legal” de que todo e qualquer erro na autoliquidação deveria ser considerado imputável aos serviços.», pelo que «tratando-se de uma norma procedimental, nos termos do artigo 12.º da LGT, a mesma seria de aplicação imediata.», ou seja, com efeitos a partir de 30.03.2016 (entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, 30.03)» exceto, quando sejam colocados em causa «as garantias, direitos e interesses anteriormente constituídos dos contribuintes.»

 

7.            Concluindo, quanto a esta matéria, frisa a Requerida que «[n]o caso de actos praticados após [30.03.2016](…) na eventualidade de se apurar a ocorrência duma ilegalidade, os contribuintes passaram a ter o ónus de comprovar a imputabilidade do erro, que nos termos da lei anterior, se presumia atribuído à requerida. Pelo que, concluindo-se que o erro é imputável ao contribuinte, como no caso dos autos, se o pedido for apresentado para além do prazo de reclamação graciosa, o mesmo deve ser indeferido por extemporâneo».

 

8.            POR SEU TURNO, em pleno exercício do contraditório, defende a Requerente que «[e]estando em causa imposto autoliquidado nas Declarações Periódicas de IVA de Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, o prazo para apresentar Reclamação Graciosa terminava em Dezembro de 2018, pelo que a mesma se revelava, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, efectivamente tempestiva.»

 

9.            Mais refere, a Requerente que «(…) na Reclamação Graciosa apresentada [ressalvou] que caso fosse entendido que parte (ou a totalidade) desse meio não fosse o adequado para alcançar a finalidade  visada, ao abrigo do disposto no artigo 52. 0 do CPPT e dos seus princípios enformadores, se desse a sua convolação oficiosa para a forma adequada, sendo certo estar em causa um erro de Direito imputável aos serviços».»

 

10.          Com efeito, entende a Requerente que «(…) decorre do explanado que, sob pena de violação dos princípios constitucionais da legalidade, justiça e igualdade, deverá a Revisão Oficiosa, a par de outros, ser considerada o meio procedimental adequado à impugnação dos actos tributários de liquidação de tributos. Ora, de acordo com o supra exposto, o Pedido de Revisão Oficiosa por iniciativa do contribuinte deve (i) ser apresentado no prazo de 4 anos após a liquidação do tributo e (ii) ter como  fundamento a ilegalidade da liquidação por motivo de erro imputável aos serviços.»

 

11.          Assim, «[q]uanto ao primeiro requisito, cumpre notar que se peticionou, a título subsidiário, a convolação para a Revisão Oficiosa do imposto por si liquidado nas declarações periódicas de IVA de Outubro, Novembro e Dezembro referentes ao ano 2016. Ora, uma vez que a Reclamação Graciosa foi apresentada a 21 de Dezembro de 2018, e respeitava às autoliquidações de Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, a mesma estaria dentro do prazo de 4 anos podendo, desta forma, ter lugar a sua convolação para um Pedido de Revisão Oficiosa, tal como previsto no 1 do artigo 78.º da LGT.»

 

12.          «Por sua vez, com referência ao segundo requisito, cabe referir que a revogação da norma presuntiva vertida no n.º 2 do artigo 78.º da LGT — (…)— não veio coarctar o recurso à revisão oficiosa no prazo de quatro anos por erro de autoliquidação», pois tal interpretação, segundo sustenta a Requerente seria de se «afastar liminarmente (…) porque contrária à ratio do mecanismo de revisão oficiosa consagrado no referido preceito.»

 

13.          Com efeito, defende a Requerente que «(…) atendendo à extrema relevância do objectivo jurídico visado pelo artigo 78.º da LGT (a tutela/reposição da legalidade), o legislador criou em termos práticos um "concurso de legitimados", alargando o elenco de. legitimados, sendo então claro que existe compatibilidade entre o impulso procedimental do contribuinte e a iniciativa da AT, em virtude do dever de colaboração recíproca (artigo 59.º n.º 1, da LCT), possibilitando-se assim um reforço efectivo no exercício do direito do contribuinte (artigo 78.º, n.º 7 da LCT). Neste sentido, face ao propósito eminentemente garantístico da legalidade, subjacente ao instituto da revisão oficiosa consagrado no artigo 78.º da LCT, impõe-se concluir que o legislador entendeu ser redundante a equiparação expressa, pelo revogado n.º 2 do mesmo preceito, do erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços. Este entendimento é, de resto, o único que se compatibiliza com a natureza tutelar do instituto da revisão oficiosa (…)»

 

14.          Concluindo no sentido de que «[d]e tudo quanto até aqui foi exposto resulta que, não obstante, a revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços seja sempre da iniciativa da AT e o prazo seja de quatro anos, nada impede que os interessados possam requerer que seja cumprido esse dever dentro dos limites temporais em que a AT o possa exercer, não podendo a mesma demitir-se legalmente de o fazer pelas razões acima referidas — interesse público na eliminação da ilegalidade do acto tributário ao abrigo do preceituado nos artigos 55.º e 56.º da LGT e no n.º 1 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.»

Pois, vejamos,

 

15.          A questão que se coloca, quanto à exceção invocada, é a de saber se a reclamação graciosa apresentada pela Requerente contra os atos de autoliquidação de IVA com referência aos períodos 2016/10M e 2016/11M é ou não tempestiva,

 

16.          … em virtude de as declarações periódicas respeitantes a tais atos terem sido apresentadas a 29.11.2016 e 16.12.2016 respetivamente, e a reclamação graciosa, no dia 21.12.2018, ou seja, depois de expirado o prazo de 2 anos, previsto no artigo 131.º do CPPT.

 

17.          Na verdade, à primeira vista, parece tratar-se de uma evidência, e que a resposta à questão será no sentido afirmativo. No entanto, vejamos, se assim é efetivamente.

 

18.          Conforme resulta supra a Requerente, «(…) vem pedir a título subsidiário, a convolação da reclamação graciosa no meio legalmente adequado para alcançar a finalidade visada, invocando o disposto no artigo 52.º do CPPT, sugerindo a revisão oficiosa, dado estarmos perante um erro na autoliquidação, presumindo-se que o mesmo imputável à AT, o que determina que a A... disponha do prazo de 4 anos após a liquidação, tendo em consideração o preceituado no artigo 78.º da LGT».(artigo 45 da douta resposta)

 

19.          Ora, o pedido de convolação do procedimento encontra-se previsto no artigo 52.º do CPPT sob a epígrafe “Erro na forma de procedimento”, dispondo que «[s]e, em caso de erro na forma de procedimento, puderem ser aproveitadas as peças úteis ao apuramento dos factos, será o procedimento oficiosamente convolado na forma adequada.»

 

20.          Com efeito, e como esclarece JORGE LOPES DE SOUSA  sobre esta matéria: «[o] erro na forma de procedimento constitui uma irregularidade suscetível de justificar a anulação do mesmo.»

 

21.          Continua aquele Autor com manifesto interesse que: «(…) em face do princípio da colaboração recíproca da Administração Tributária e dos contribuintes, cuja observância é imposta pelo art. 60.º da LGT, e da supremacia que é reconhecida a essa Lei pelo art. 1.º do CPPT, deverá adoptar-se o entendimento de que também se deverá efetuar a convolação pelo menos nos casos em que o requerimento do contribuinte foi tempestivamente apresentado, à face do prazo previsto para o meio processual adequado, e o requerente deixaria de estar em tempo para o utilizar se tivesse de apresentar um novo requerimento após ser detectado o erro na forma de procedimento. Com efeito, é corolário mínimo daquele princípio que o contribuinte não perca direitos substantivos por meras razões formais, se não há razões de segurança jurídica que devam prevalecer, e estas só prevalecem depois de esgotado o prazo legal em que a situação jurídica em causa pode ser discutida. Pela mesma razão, será de efectuar a convolação quando o contribuinte utiliza um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental, com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte. Embora numa situação deste tipo não se esteja perante um absoluto «erro na forma de procedimento», parece que, por mera interpretação declarativa ( e, seguramente, se pode enquadrar a situação neste conceito, já que se está perante uma situação em que o meio escolhido não é, no momento em que foi utilizado, o que o contribuinte deveria utilizar, havendo, consequentemente, um erro na forma de procedimento que deveria ter sido utilizada. Assim por exemplo, se o contribuinte apresenta contra uma acto de liquidação uma reclamação graciosa fora do prazo legal de 120 dias previsto no art.º 70.º, n.º 1 do CPPT, mas ainda está em tempo para pedir a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT, em vez de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa deverá ser, depois de constatada a intempestividade, efectuada a convolação do requerimento em que é pedido  a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa.» (negrito nosso).

 

22.          Com efeito, no caso em apreço, verificamos que a Requerente, no âmbito da reclamação graciosa que apresentou ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, requereu, a título subsidiário, a convolação desse procedimento na revisão oficiosa do ato tributário, previsto no artigo 78.º da LGT, a qual não foi admitida pela Requerida por entender que não se verificam os pressupostos necessários para o efeito, nomeadamente quanto ao ónus de imputabilidade do erro.

Vejamos,

 

23.          Ora, previa o artigo 78.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe «Revisão de atos tributários”, à data dos factos em causa nos presentes autos que:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado.)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

 

24.          Esclarece o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0476/12, de 12 de setembro de 2012, quanto às formas de recorrer à revisão de ato tributário previstas no artigo 78.º da LGT, o seguinte:

«I- O art. 78.º da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.»

II – De acordo com o disposto no art. 78.º, n.º 2 da LGT considera-se imputável aos serviços para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artigo 131.º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa da ilegalidade cometida na autoliquidação.

III – Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade – artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

 IV – Face a tais princípios, não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art.º 9.º do CPA no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no artº. 2° do mesmo código.

V - Sendo assim, e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efectuado no prazo de quatro anos após a autoliquidação, deverá ser apreciado o respectivo pedido de revisão.» (sublinhado nosso).

 

25.          Há assim diversas formas de proceder ao pedido de revisão de ato tributário:

a) por iniciativa do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa (2 anos), fundamento: ilegalidade; 

b) por iniciativa da AT, no prazo de 4 anos ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago; fundamento: erro imputável aos serviços;

c) por iniciativa da AT, no prazo 3 anos, fundamento: injustiça grave e notória;

d) a pedido do contribuinte e iniciativa da AT, no prazo de 4 anos, fundamento: erro imputável aos serviços.

 

26.          Ora, no caso dos autos, menciona a Requerida que, o n.º 2  do artigo 78.º da LGT foi revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março [Lei de Orçamento do Estado para 2016], alguns meses antes da prática dos factos tributários em causa nos presentes autos.

 

27.          Revogação essa que operou e produziu os seus efeitos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT (norma que prevê a aplicação da lei tributária no tempo), de imediato – com entrada em vigor daquela Lei de Orçamento do Estado, ou seja, a 31.03.2016, como consabidamente refere a Requerida.

 

28.          Ora, a verdade é que o n.º 2 do artigo 78.º da LGT tinha uma especial relevância no caso de autoliquidações, uma vez que, para efeitos de revisão oficiosa de ato tributário, ficcionava o erro imputável aos serviços.

 

29.          Esta ficção era como que “uma rampa de lançamento segura” para que o contribuinte, em caso de erro na autoliquidação de imposto, pudesse lançar mão da revisão oficiosa do ato tributário, sem qualquer dificuldade.

 

30.          Na verdade, aquele n.º 2 do artigo 78.º da LGT, previa uma especialidade: «ficciona[va], para efeitos de revisão oficiosa do acto de liquidação, o erro na autoliquidação como erro imputável aos serviços. Esta solução legal compreende-se à luz de dois pressupostos: por um lado, a imputação do erro dos serviços é entendida objetivamente, não relevando aqui a apreciação de elementos de culpa dos serviços ( que dificilmente se verificariam nos casos de autoliquidação, com excepção das situações em que o erro resulta de instruções da Fazenda Pública); por outro lado, o legislador entendeu que as diferenças técnicas no apuramento do imposto não eram motivo racional suficiente para justificar um tratamento diferenciado, para efeitos de revisão do acto, entre os vários tributos. O erro imputável aos serviços, ficcionado no caso das autoliquidações, atento o disposto no citado art.º 78, n.º 2 da LGT abarca também os erros de direito, enquanto fundamento de revisão do acto tributários».

 

31.          Ficção esta que ao “desaparecer” com a revogação da supramencionada norma legal levada a cabo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, acarretou como consequência, a necessidade de, nos casos de autoliquidação – cuja liquidação é efetuada pelo próprio contribuinte, normalmente, sem a intervenção da AT - , o sujeito passivo passar a ter que comprovar que o erro é imputável aos serviços, no caso de pretender fazer uso da revisão oficiosa.

 

32.          No caso em apreço, estando em causa atos de autoliquidação de imposto praticados pelo próprio contribuinte (sem que o mesmo tivesse sido condicionado por qualquer informação ou orientação da AT), após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, a verdade é que relativamente aos mesmos não pode ser artificialmente, por via da presunção, imputado ou assacado qualquer erro aos serviços, por não terem tido qualquer participação no mesmo.

 

33.          Ora, à parte da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, o regime de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT, segundo elucida o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 1349/10.0BELRS, de 23.03.2017:

«(…) consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr.artºs.70 e 102, do C.P.P.T.; dec.lei 10/2011, de 20/1).

3. Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artº.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr.parte final do nº.1, do artº.78), a injustiça grave ou notória (cfr.nº.4, do artº.78) ou a duplicação de colecta (cfr.nº.6, do artº.78, da L.G.T.).

4. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

5. O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.»

 

34.          Na verdade, a doutrina e a jurisprudência  tem sido firme quanto à possibilidade de os contribuintes poderem provocar a revisão oficiosa de um ato tributário, com a qual o presente Tribunal Arbitral concorda e acompanha na íntegra.

 

35.          Possibilidade essa que decorre da obrigação prevista no artigo 55.º da LGT, de a Administração Tributária pautar a sua atuação no sentido da descoberta da verdade material, a qual deve exercer «(…) as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.»

 

36.          Com efeito, o princípio da descoberta da verdade resulta, necessariamente, do princípio da cooperação (cf. art. 59.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), segundo o qual, Administração Tributária e sujeito passivo estão obrigados a deveres de colaboração recíproca. A verdade material implica, igualmente, o meticuloso cumprimento dos princípios da igualdade e da justiça na tributação.

 

37.          É neste campo que surge a revisão de ato tributário, como um mecanismo legal ao dispor dos contribuintes, que tem por objetivo último garantir o cumprimento destes princípios.

 

38.          Contudo, há que ter em atenção que tal pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte terá de respeitar uma condição, tal como anunciado supra:  que haja erro imputável aos serviços.

 

39.          Condição esta que, aliás, encontra previsão no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA, o qual prevê que: «[q]uando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária».

 

40.          Conforme explica PAULO MARQUES , “…o legislador tributário não estabelece «qualquer ilegalidade», imputável ou não aos serviços, mas a existência necessariamente de «erro imputável aos serviços» (revisão oficiosa) como requisito indispensável para operar a revisão normal (ou ordinária), seja erro material (artigo 174.º, n.º 1, do NCPA) ou de direito, como veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, abrangendo então igualmente o erro na autoliquidação. (…) O “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade desde que relevante, mas não imputável ao contribuinte por conduta negligente…” .

 

41.          Este é também o entendimento generalizado na jurisprudência, bem patente no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 23 de Março de 2017 no âmbito do processo 1349/10.0BELRS, onde se lê que “[o] conceito de “erro imputável aos serviços” a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro. Por outras palavras, o dito “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente…”.

 

42.          Assim, no caso concreto, bastaria que a Requerente demonstrasse a existência de um erro de facto ou de direito imputável à Requerida, para que pudesse lançar mão ao mecanismo de revisão oficiosa e assim, ser legítima a convolação, ao abrigo do disposto no artigo 52.º do CPPT da reclamação graciosa apresentada ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, naquele meio, nos termos e prazo aduzidos.

 

43.          Ora, tendo em consideração que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente, no dia 29.12.2018, se mostra extemporânea no que respeita aos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/10M e 2016/11 M, por ultrapassados os 2 anos previstos no artigo 131.º do CPPT,

 

44.          … e que a convolação requerida ao abrigo do artigo 52.º do CPPT, daquele procedimento em revisão oficiosa do ato tributário não é possível por falta de verificação dos seus pressupostos legais – falta de comprovação por parte da Requerente de erro imputável aos serviços - , previstos no artigo 78.º da LGT, entende o presente Tribunal Arbitral ser de considerar a exceção invocada pela Requerida procedente, por provada, pelo que, quanto a estes atos de autoliquidação não poderá o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre a respetiva legalidade, devendo, por esta razão, os mesmos permanecer na ordem jurídica.

 

45.          Face ao exposto, entende o presente Tribunal Arbitral ser de proceder a exceção de intempestividade da reclamação graciosa para apreciar a legalidade do ato de autoliquidação de IVA com referência aos períodos 2016/10M e 2016/11M.

 

B - DA QUESTÃO DE MÉRITO

 

46.          Resolvida a exceção invocada pela Requerida no sentido da sua procedência e da inviabilidade do presente Tribunal em aferir da ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/10M e 2016/11M, pelas razões acima enunciadas, debruçar-nos-emos, então, sobre a questão de fundo nos presentes autos e que se prende com o facto de apurar se o ato de autoliquidação de IVA referente ao período 2016/12 M, relativo à venda dos passes (i) Passe...(ii) Passe...; (iii) Passe ..., na parte correspondente a comparticipações financeiras do Estado que a Requerente não recebeu, é legal.

 

Vejamos,

 

47.          Antes de mais, cumpre esclarecer que, ao contrário do lapso em que labora a Requerida na defesa da sua posição nos presentes autos, e, consequentemente, a Requerente em resposta, como resulta dos factos dados como provados, esta não emitiu qualquer fatura ao IMT, I.P., ao arrepio do disposto no artigo 29.º do Código do IVA com referência à prestação de serviços realizada e da qual resultaria o correspondente pagamento das compensações financeiras estatais.

 

48.          Na verdade, esse incumprimento deverá ter repercussões noutra sede que não a dos presentes autos cabendo ao presente Tribunal ponderar, apenas, a matéria da legalidade ou não do ato de autoliquidação de IVA referente ao período 2016/12M, por dele constar matéria tributável não recebida pela Requerente.

 

49.          Ora, este facto: não emissão de fatura pela Requerente referente ao ato de autoliquidação sindicado, é indispensável para a apreciação do caso em apreço, porquanto oferece uma solução diferente, caso tal documento tivesse sido devidamente emitido.

 

50.          Ademais, de referir que a emissão ou não de fatura não tem repercussões quanto à (i)legalidade do ato de autoliquidação do IVA, tem, sim, consequências quanto ao modo como se poderá fazer a recuperação/dedução/regularização do imposto em função das circunstâncias.

 

51.          Na verdade, praticamente todas as situações previstas no Código do IVA, quanto a regularizações, deduções do imposto, entre outras, se reconduzem à existência de fatura, sendo este um documento de extrema importância no que toca ao imposto em causa, definindo-se, assim, um regime próprio do seu funcionamento.

 

52.          No caso concreto, a inexistência de tal documento leva a que o presente Tribunal aprecie a legalidade do ato de autoliquidação, de acordo com essa realidade, que é o que o presente Tribunal se propõe, então, a fazer, face às posições assumidas pelas partes.

 

53.          Ora, por um lado, afere a Requerente que «é uma entidade pública empresarial, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, cujo objecto principal resulta na prestação. No âmbito do serviço público que presta, foi atribuída à Requerente, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016, uma comparticipação financeira pela implementação dos seguintes passes: (i) Passe...; (ii) Passe...; (iii) Passe ...; (iv) Sistema Intermodal Andante, perfazendo um total de € 2.279.999,93 a ser atribuído pelo IMT, I.P., com efeitos a 1 de Janeiro de 2016.»

 

54.          «Neste sentido, por cada passe vendido pela Requerente, esta última entidade auferia uma contraprestação financeira por parte do consumidor final, e outro montante, a título de comparticipação, por parte do IMT, I.P., sendo que, sobre o valor total auferido (ou a auferir), fez incidir imposto à taxa legal em vigor de 6%, com referência ao ano 2016. Sucede que, a partir de Outubro deixaram de ser auferidos (porque não devidos, uma vez que havia sido atingido o valor máximo de comparticipações definido pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016), quaisquer montantes por parte do IMT, I.P, sem prejuízo de a Requerente os ter considerado para determinação do valor tributável, para efeitos de IVA.»

 

55.          Continua a Requerente, mencionando que «[n]ão obstante não recepcionar os montantes referentes à atribuição do IMT desde Outubro de 2016, a Requerente continuou a considerou como base tributável para efeitos de IVA não apenas os montantes pagos pelos consumidores finais, mas também os montantes a título de comparticipação que entendia serem devidos, tendo liquidado o correspondente imposto sobre o valor total até ao final do ano 2016.»

 

56.          Aduz, ainda, que «[n]ão obstante a Requerente não emitir facturas com referência aos montantes atribuídos pelo IMT, a mesma liquidou IVA sobre aqueles montantes, tendo o correspondente imposto sido calculado com base (unicamente) em documentos internos da Requerente.»

 

57.          E conclui no sentido de que «[a]ssim, a Requerente procedeu à liquidação de IVA sobre montantes que não atribuídos peio IMT a título de comparticipação dos passes sociais, pelo que a respectiva liquidação não se afigura devida, tendo, por conseguinte, a Requerente procedido à entrega de imposto em excesso, relativamente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, com referência à comparticipação do IMT que não foi efectivada. Ora, por ter feito incidir IVA sobre montantes que não chegaram a ser-lhe atribuídos, considera a Requerente que deve ser-lhe restituído o imposto cuja entrega ao Estado se revelou indevida.»

 

58.          Em resposta à posição da Requerente, faz a Requerida algumas considerações com o pressuposto de que a Requerente emitiu fatura ao IMT, I.P, contudo, e como já abordado e consta da matéria de facto dada como assente, tal pressuposto não se verifica, pelo que, a exposição infra será apenas no sentido de se apurar se o IVA constante da declaração periódica mensal do período 2016/12M é ou não devido, e se deve o mesmo ser restituído à Requerente, por ilegal ou não.

 

59.          Sem embargo das referidas considerações - que o presente Tribunal descortinou pelos motivos supra expostos – de salientar que sustenta a Requerida que «(…) tomando em consideração a factualidade descrita pela própria Requerente, não se compreende, como é que, por um lado, vem dizer que o lapso verificado se deveu a um erro de enquadramento em sede de CIVA, e depois vem dizer que afinal o erro assentou na assumpção de que iria receber montantes superiores aqueles que estão definidos na Resolução de Conselho de Ministros. Importa, pois, referir que estamos perante um diploma legal aprovado para o ano de 2016, mas que tem sido replicado ao longo dos anos precedentes, apenas se alterando os montantes das indemnizações compensatórias a atribuir, em cada um desses períodos. Pelo que, não se concebe como pode a Requerente vir agora, vários anos depois, invocar que desconhecia o procedimento de pagamento dos valores em análise, não se concebendo que possa vir afirmar que assumiu que seria comparticipada em montantes superiores aos definidos em diploma legal. »

 

60.          Mais, aduzindo no sentido de que: «[p]or outro lado, não se vislumbra a existência de qualquer erro de enquadramento em sede de CIVA. De facto, os montantes das comparticipações recebidas pela Requerente, relativas à implementação dos passes, encontram-se sujeitos a tributação, sujeição essa que não só decorre do CIVA como, vem expressamente, mencionada na citada Resolução de Conselho de Ministros. Nesse sentido, mais uma vez se mostra sem fundamento a alegada existência de erro de interpretação das normas do CIVA, quanto à incidência e ao valor tributável.  (…) A existir um eventual lapso, como pretende fazer valer a Requerente, o mesmo encontrar-se-ia circunscrito ao valor tributável, montante sobre o qual incidiria a taxa de IVA aplicável.»

 

61.          Acrescenta, a Requerida que: «[o]ra, tendo em consideração que a declaração periódica reporta os valores constantes dos registos contabilísticos e dos documentos que lhes serviram de suporte, a admitir-se qualquer erro, (…), a única hipótese plausível para o sucedido seria ter havido um erro de transcrição dos registos contabilísticos para a declaração periódica, o que configuraria um erro material ou de cálculo, que mais uma vez, deveria ser objeto de regularização nos termos do disposto no nº 2 do artigo 78º do CIVA.  Assim, prevendo esta disposição um prazo de dois anos para se proceder à referida regularização, também nesta circunstância, tal prazo já se teria esgotado.»

 

62.          Menciona, por último, que «(…) como atrás ficou referido, a Reclamante não logrou fazer qualquer prova dos factos que alega, nomeadamente, da ocorrência de um erro que determinou a liquidação de IVA em excesso, e que o mesmo não se mostra devido. Ora, dispõe o artigo 74.º da LGT que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos que invoca como fundamento da sua pretensão, não podendo a mesma ser efectuada a partir dos elementos que a administração fiscal dispõe. Pelo que, ao não efectuar prova do alegado, fica afastada a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a Requerida o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação.»

 

63.          Concluindo, assim, que: «[n]ão violou, pois, a Requerida qualquer dos princípios invocados pela Requerente, seja o da legalidade, da justiça, ou o da neutralidade.»

 

Vejamos, 

 

64.          O IVA é um imposto complexo, o qual, segundo os ensinamentos de CLOTILDE CELORICO PALMA  é «caracterizado, essencialmente, como um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo através do método subtractivo indirecto».

 

65.          Trata-se, na verdade, de um imposto sobre o consumo, dada a sua incidência em todas as fases do circuito económico e por tributar todo o ato de consumo (em contraposição aos impostos especiais sobre o consumo).

 

66.          É «cobrado em todos os estádios da produção, (…) não favorece nem desfavorece a junção ou a separação das operações das unidades produtivas. Na medida em que o valor tributável é, em princípio, o preço efectivo da transacção, e não um valor normal» , e «visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo a sua incidência todas as fases do circuito económico, desde a produção a retalho, sendo porém, a base tributável limitada ao valor acrescentado em cada fase» .

 

67.          Com efeito, a neutralidade deve ter expressão em todas as fases essenciais da vida deste imposto, mormente, no que toca às regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução.

 

68.          Ora, conforme consta da decisão do CAAD proferida no processo n.º 429/2014-T, quanto à caracterização e especificação do princípio da neutralidade, este princípio «encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros».

 

69.          Com efeito, «a aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida deste tributo, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução. Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo TJUE para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência. Assim, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (…)» assegurando «aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação».

 

70.          Assim sendo, de acordo com este princípio fundamental, e como já aludido, o IVA deverá ser interpretado e aplicado, interna e internacionalmente, por forma a se assegurar um sistema homogéneo que garanta uma concorrência sadia no espaço da União Europeia.

 

71.          Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, estão sujeitas a este imposto:

a)            As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

b)           As importações de bens;

c)            As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).

 

72.          Ora, a Requerente é, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, uma empresa pública empresarial e que se dedica aos transporte ferroviários, presta um serviço público de transporte ferroviário de passageiros em linhas férreas, troços de linha e ramais que integram ou venham a integrar a rede ferroviária nacional, bem como o transporte internacional de passageiros, os quais, como prudentemente refere a Requerida, «se traduzem na realização de serviços de interesse geral.»

 

73.          Com efeito, como compensação pelo cumprimento de tais obrigações, no ano de 2016, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016, de 30 de junho, determinou o valor das indemnizações compensatórias correspondentes, em concreto no que se refere à prestação dos serviços decorrentes do Acordo de Implementação dos seguintes passes: "passe ...", "passe ..."; "passe ..." e "sistema intermodal andante".

 

74.          Deste modo, e conforme decorre do Anexo II à referida Portaria, os montantes previstos ascenderiam, no mencionado período, a € 2.279.999,93, devendo os mesmos ser pagos pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT, IP), sobre o qual incidia IVA à taxa legal em vigor, ou seja, a taxa reduzida de 6%, por aplicação da verba 2.14, da Lista I, Anexa ao CIVA, conjugada com a alínea a) do nº 1 do artigo 18º do CIVA.

 

75.          Sucede que, não obstante esse facto, a verdade é que, conforme consta da matéria de facto dada como assente, a Reclamante declarou ter recebido, a título das referidas comparticipações, o montante de € 2.151.557,62, sobre o qual deveria incidir o IVA e o qual deveria constar das declarações periódicas de IVA.

 

76.          Segundo afirma a Requerente assumiu, por lapso, que seria comparticipada em montante superior ao que foi estipulado na Resolução de Conselho de Ministros n.º 37.º-B/2016, tendo liquidado IVA sobre o valor excedente,

 

77.          … fazendo, consequentemente, incidir IVA sobre montantes que não auferiu.

 

78.          O que significa que houve, efetivamente, um lapso cometido pela própria Requerente, circunscrito ao valor tributável, ou seja, o montante sobre o qual incidiria a taxa de IVA aplicável.

 

79.          Lapso esse que, não foi formalizado em fatura, mas tão-só no registo contabilístico da Requerente, constou da declaração periódica respeitante ao período aqui em causa – 2016/12M – o que configura um erro com base no qual, a Requerente pretende a anulação do referido imposto.

 

80.          De modo, a formalizar os seus intentos, conforme acima referido, apresentou reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, dentro do prazo concedido para o efeito,

 

81.          … a qual foi indeferida, por despacho de 17.04.2019, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (cfr. matéria de facto dada como assente), porquanto «a Reclamante não só não comprova que valores lhe foram pagos, como não demonstra que os montantes alegadamente liquidados não eram devidos, pois limita-se a juntar as declarações periódicas, a Resolução do Conselho de Ministros e uns documentos que se traduzem em ficheiros Excel que não têm valor probatório que a Reclamante lhes pretende atribuir. Dispõe o artigo 74.º da LGT que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos que invoca como fundamento da sua pretensão, não podendo a mesma ser efetuada a partir dos elementos que a AT dispõe. Pelo que, não efetuar prova do alegado, fica afastada a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a AT o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação.» (Vide pontos 121 a 123 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa junta aos autos como Doc. n.º 1).

 

82.          Ora, a verdade é que quanto a esta matéria, a Requerente apresentou prova testemunhal, a qual, para além de parecer credível aos olhos do presente tribunal, foi a mesma reforçada e corroborada com documentação junta aos autos – designadamente documento junto, a 27 de janeiro de 2020, com as alegações e requerimento de «apreciação de elementos probatórios adicionais», - considerando-se que foi feita prova devida sobre os factos determinantes para apreciação dos presentes autos.

 

83.          Por um lado, menciona a testemunha, no decurso do seu depoimento que, no ano de 2016, a Requerente recebeu, a título da referida comparticipação financeira do Estado, o montante de € 2.151.557,62 (dois milhões cento e cinquenta e um mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), pago em quatro prestações: duas prestações pagas em novembro e outras duas pagas em dezembro de 2016 e que liquidou e pagou IVA sobre o valor de € 2.629.380,23 (dois milhões, seiscentos e vinte e nove euros trezentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos). (alíneas F) e H) da matéria de facto dada como assente);

 

84.          … e por outro, foi junto aos autos, um documento emitido pelo IMT, IP do qual se retira que «os valores das compensações relativas a 2016, efetivamente processados» à aqui Requerente, não se coadunam com os montantes por esta inscritos na declaração de IVA no período em referência. (cfr. alínea G) da matéria dada como provada).

 

85.          Deste modo, entende o presente Tribunal Arbitral que a Requerente logrou fazer prova que os valores que efetivamente recebeu, a título de comparticipação financeira do Estado por parte da IMT, não correspondem ao valor que declarou na declaração periódica de IVA referente ao período 2016/12-M, cuja legalidade se aprecia nos presentes autos, pelo que, e atendendo a que é o mesmo inferior, é manifesta a ilegalidade da liquidação do imposto, padecendo do erro que lhe imputa, devendo, em consequência, ser tal liquidação anulada.

 

86.          Face ao exposto, entende o presente tribunal ser de proceder a pretensão da Requerente, no que respeita ao ato de autoliquidação de IVA com referência ao período 2016/12M.

 

C – DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

1.            A Requerente peticiona, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2.            Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

3.            Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

4.            No caso em apreço, estamos perante imposto indevidamente autoliquidado e pago pela Requerente, não tendo tido a Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer intervenção na prática do referido ato em que se baseou o respetivo pagamento,

5.            … sendo a sua prática imputável somente à Requerente.

6.            Contudo, e conforme se retira, com a devida vénia, da decisão arbitral do Tribunal Coletivo (Fernanda Maçãs, Ricardo da Palma Borges e Professor Doutor Manuel Pires) proferida no processo n.º 333/2017-T, aplicável ao presente caso, com as devidas adaptações:

«No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, quanto à ilegalidade da autoliquidação e o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção (  ).”

E como se aditou na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 748/2016-T: “Assim sendo, deverá entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão das reclamações graciosas, começaram a contar juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).”.

 

7.            Posição esta, igualmente, sufragada por JORGE LOPES DE SOUSA , no sentido que:

 “Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação (…)) (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou”.

 

8.            Com efeito, e com a devida vénia, entende o presente tribunal arbitral que as reflexões ínsitas têm aplicação, com as devidas adaptações, ao caso em análise, porquanto, a Requerente procedeu à autoliquidação do IVA (com referência ao período 2016/12M), tendo, posteriormente, a 21 de dezembro de 2018, apresentado reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT e do artigo 97.º do Código do IVA., tendo, na referida reclamação ressalvado que se aquele não fosse o meio próprio para alcançar a finalidade visada que fosse o mesmo convolado oficiosamente para a forma adequada, em conformidade com o disposto no artigo 52.º do CPPT (cfr. alíneas N) e O) da matéria de facto dada como provada) -;

 

9.            Reclamação essa que veio a ser indeferida por despacho, de 17 de abril de 2019, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação de competências – cfr. alínea P) da matéria de facto dada como assente).

 

10.          Deste modo, suportando-nos na jurisprudência e na doutrina supramencionada, entende o presente tribunal arbitral que teve a Requerida oportunidade de repor a legalidade, e que não o tendo feito, são devidos juros indemnizatórios, havendo lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

11.          Assim sendo, atendendo a que a iniciativa de revisão/correção da Requerente, formalizada na apresentação da reclamação graciosa, teve lugar em 21 de dezembro de 2018, o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios verificar-se-á em 21 de dezembro de 2019, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, terminando a contagem de juros na data de emissão da nota de crédito referente ao imposto indevido.

 

VII. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

a)            Julgar procedente a exceção de intempestividade da reclamação graciosa no que respeita aos atos de liquidação de IVA com referência aos períodos de 2016/10M e 2016/11M;

b)           Julgar improcedente o pedido de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/10M e 2016/11M, devendo os mesmos manter-se na ordem jurídica, e consequentemente, mantida a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quanto a estes;

c)            Julgar procedente o pedido de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/12M, devendo o mesmo ser anulado, e consequentemente, revogada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quanto a este.

d)           Julgar procedente o pedido de restituição da importância paga, com referência a IVA do período 2016/12M, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios contados desde o dia 21 de dezembro de 2019, até à data de emissão da nota de crédito respetiva.

 

VIII. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixa-se o valor do processo em € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX. CUSTAS:

 

Custas a cargo da Requerente e Requerida, em proporção do decaimento (70% e 30% respetivamente) o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.530,00 (mil, quinhentos e trinta euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de julho de 2020.

 

O Árbitro

Jorge Carita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

23.          Em 13 de julho de 2019, A..., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da decisão final no sentido do indeferimento da Reclamação Graciosa que apresentou contra os atos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos 2016/10, 2016/11 e 2016/12, no montante de € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), e, nessa sequência, a declaração da ilegalidade e anulação dos referidos atos e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

24.          A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária Dr.ª B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr. C... e Dr. D... .

25.          Verificada a regularidade formal do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro, o signatário.

26.          O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 24 de setembro de 2019, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.

 

27.          Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 6 de novembro de 2019, a sua resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

28.          No dia 11 de novembro de 2019, o presente Tribunal notificou a Requerente, para, em cumprimento do princípio do contraditório, se pronunciar sobre a exceção invocada pela Requerida e para comunicar ao Tribunal se mantém o interesse na audição da testemunha indicada, e, em caso afirmativo, para indicar os factos a que pretende que a mesma seja ouvida.

29.          A Requerente, no dia 22 de novembro de 2019, apresentou requerimento de resposta ao despacho identificado em 6. supra.

30.          Nesta sequência, e tendo em consideração o teor do requerimento apresentado pela Requerente referido imediatamente supra, o Tribunal, por despacho de 28 de novembro de 2019, designou o dia 12 de dezembro de 2019, às 14h30m para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como para a audição da testemunha arrolada pela Requerente.

31.          Em virtude da falta de comparência dos juristas da Requerida à reunião agendada para o dia 12 de dezembro de 2019, foi a mesma adiada para o dia 13 de janeiro de 2020, às 15h.

32.          No decurso da reunião realizada no dia 13 de janeiro de 2020, e após a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, o Tribunal, por um lado, informou as partes que sobre as exceções invocadas se pronunciaria a final, por outro, notificou-as para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, por outro, ainda, designou o dia 24 de março de 2020 para efeito de prolação da decisão final, e por último, advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

33.          No dia 27 de janeiro de 2020, a Requerente apresentou, por um lado, um requerimento de “apreciação de elementos probatórios adicionais”, por outro, as suas alegações finais e, por último, juntou aos autos comprovativo da taxa arbitral subsequente.

34.          A Requerida não apresentou alegações.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

5.            A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos 2016/10, 2016/11 e 2016/12, no montante de € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos) e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, em ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO, em virtude de tais atos terem excedido os montantes efetivamente devidos, face aos pagamentos efetuados pelo IMT, IP., a título de comparticipação pela implementação dos mesmos.

 

6.            Neste contexto,  refere que «(…) procedeu ao pagamento de imposto em excesso por considerar sujeitas a IVA e dele não isentas as componentes dos passes sociais que não foram comparticipadas pelo Estado», sendo que «(…) a liquidação de IVA em excesso foi determinada por um erro na determinação do valor tributável aquando da venda dos passes pela Requerente, tendo esta última liquidado imposto sobre comparticipações que, efectivamente, nunca auferiu (nem devia auferir), mas sobre as quais entendia, erroneamente, que deveria incidir imposto. A conduta da Requerente materializou-se, assim, num erro na autoliquidação, o qual, por via da presunção prevista no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, se considera imputável aos serviços.»

 

7.            Concluindo no sentido de que «por ter feito incidir IVA sobre montantes que não chegaram a ser-lhe atribuídos, considera a Requerente que deve ser-lhe restituído o imposto cuja entrega ao Estado se revelou indevida.»

 

8.            Peticiona, a final, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

4.            Inicia a Requerida a sua resposta, invocando a exceção «da tempestividade do recurso ao procedimento de reclamação graciosa», referindo que «(…) não obstante a reclamação graciosa se configurar como o meio adequada à salvaguarda das pretensões da Requerente, mostra-se intempestiva no que concerne às declarações periódicas entregues relativamente aos períodos de Outubro e Novembro de 2016. Com efeito, relativamente aos períodos de Outubro e Novembro de 2016 a Requerente entregou as declarações periódicas a 29.11.2016 e 16.12.2016, respectivamente. Pelo que, deveria ter apresentado a reclamação graciosa até ao dia 30.11.2018 e 17.12.2018, respectivamente. Por assim ser, tendo a Requerente apresentado a referida reclamação graciosa em 21.12.2018, a mesma mostra-se intempestiva, relativamente àqueles dois períodos de imposto.»

 

5.            Por impugnação, rebate a Requerida os argumentos da Requerente, nomeadamente quanto ao vício invocado, pugnando pela improcedência do mesmo, por considerar que: «(…) na situação dos presentes autos, mostra-se difícil admitir a existência de um mero erro na autoliquidação, porquanto tais actos limitam-se a reflectir os registos contabilísticos existentes. E, aqui chegados, importa realçar que, a Requerente não logrou efectuar prova do alegado.»(…) Pelo que, ao não efectuar prova do alegado, fica precludida a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a Requerida o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação.»

 

6.            Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida na reunião consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

c.            FACTOS DADOS COMO PROVADOS

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

R.            A Requerente é uma entidade pública empresarial com sede em território português, que se encontra registada a título principal para o exercício da atividade de “Transporte Interurbano de Passageiros por Caminhos-de Ferro” (CAE 49100), que se dedica ao transporte ferroviário, presta um serviço público de transporte ferroviário de passageiros em linhas férreas, troços de linha e ramais que integram ou venham a integrar a rede ferroviária nacional, bem como o transporte internacional de passageiros – cfr. acordo das partes - ;

S.            Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal – cfr. acordo das partes- ;

T.            O Orçamento do Estado para 2016, aprovado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, contemplou dotações para indemnizações compensatórias a atribuir a empresas que prestam serviço público,  nomeadamente a aqui Requerente, cuja distribuição se definiu na Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016, de 30 de junho. - cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;

U.           A referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016 resolve, com interesse para os presentes autos:

«1 - Autorizar a realização de despesa resultante do Acordo para a Implementação do «passe ...tp», celebrado entre o Estado e o conjunto de operadores aderentes, a concretizar do seguinte modo:

a) (…);

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 346 930,77, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I. P.).

2 – (…)

3 - Autorizar a realização de despesa resultante do «Acordo para a Implementação do «Passe...tp», celebrado entre o Estado e os operadores de serviço de transporte coletivo de passageiros, públicos e privados, a concretizar do seguinte modo:

a) (…);

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 662 060,70, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo IMT, I. P.

4 -  (…);

5 - Autorizar a realização de despesa decorrente da celebração do «Acordo para a Implementação do Tarifário Social no Sistema Intermodal Andante», celebrado em 29 de junho de 2006, entre o Estado e os operadores de serviço de transporte coletivo de passageiros, públicos e privados, objeto de Adendas assinadas em 23 de dezembro de 2008 e 17 de dezembro de 2014, respetivamente, a concretizar do seguinte modo:

a) (…);

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 255 022,18, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo IMT, I. P.

6 - Autorizar a realização de despesa relativa à comparticipação financeira a atribuir a cada um dos operadores de transporte coletivo de passageiros, pela implementação do Passe..., no âmbito do sistema de títulos intermodais das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, ao abrigo do disposto na Portaria n.º 272/2011, de 23 de setembro, alterada pela Portaria n.º 36/2012, de 8 de fevereiro, e no Despacho n.º 14216/2011, de 13 de outubro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 202, de 20 de outubro, a realizar do seguinte modo:

a) (…);;

b) (…);

c) Até ao montante de (euro) 1 015 986,28, com IVA incluído à taxa legal em vigor, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, a processar pelo IMT, I. P.» (negrito nosso) - cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;

V.           A comparticipação financeira do Estado, atribuída à Requerente, ao abrigo da Resolução identificada em C. e D. supra, pela implementação dos passes nela identificados, teria de um valor máximo de € 2.279.999,93 (dois milhões duzentos e setenta e nove mil, novecentos e noventa e nove euros e noventa e três cêntimos), sobre a qual incidiria IVA à taxa reduzida de 6%, legal em vigor, à data dos factos. – cfr. acordo das partes - ;

W.          A Requerente, no ano de 2016, declara ter recebido, a título da referida comparticipação financeira do Estado o montante de € 2.151.557,62 (dois milhões, cento e cinquenta e um mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), pago em quatro prestações: duas prestações pagas em novembro e outras duas pagas em dezembro de 2016 – cfr. depoimento da testemunha E...-;

X.            A Requerente pagou IVA sobre o valor de € 2.629.380,23 (dois milhões, seiscentos e vinte e nove euros trezentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos) – cfr. depoimento da testemunha E...- ;

Y.            A Requerente não emitiu faturas com referência aos montantes atribuídos pelo IMT e por si recebidos. -  cfr. depoimento da testemunha, E...-;

Z.            Tais montantes eram contabilizados, numa primeira fase, na conta 27, sendo, posteriormente, transferidos, após o correspondente pagamento pelo IMT, I.P., para a conta corrente – cfr. depoimento da testemunha E...-;

AA.        No dia 29 de novembro de 2016, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA respeitante ao período 2016/10M – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

BB.         No dia 16 de dezembro de 2016, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA referente ao período 2016/11M – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

CC.         No dia 9 de fevereiro de 2017, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA com referência ao período 2016/12M - cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;

DD.        No dia 21 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT e do artigo 97.º do Código do IVA, contra os atos de autoliquidação de IVA com referência aos períodos 2016/10M, 2016/11M e 2016/12M, no montante total de € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos) – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

EE.          Na referida reclamação graciosa, a Requerente ressalvou que se aquele não fosse o meio próprio para alcançar a finalidade visada que fosse o mesmo convolado oficiosamente para a forma adequada, em conformidade com o disposto no artigo 52.º do CPPT – cfr. acordo das partes -;

FF.          A reclamação graciosa identificada em M. supra foi indeferida, por despacho, de 17 de abril de 2019, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação de competências – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

GG.        No dia 13 de julho de 2019 a Requerente apresentou, junto do CAAD, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

d.            FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS.

 

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.

 

VI- DO DIREITO

 

B.            QUESTÃO PRÉVIA:

 

87.          A Requerida na Resposta que apresentou, suscitou a exceção da «(in)tempestividade do recurso ao procedimento de reclamação graciosa», com a seguinte motivação: «(…) o legislador estipulou um prazo de dois anos para a apresentação da referida reclamação graciosa, contado da data da autoliquidação, cuja correção se pretende. Findo tal prazo, a referida reclamação graciosa pode ser rejeitada por intempestividade. Trata-se, portanto de um prazo peremptório.»

 

88.          Mais, refere a Requerida que, no caso em apreço,« (…) não obstante, a reclamação graciosa se configurar como o meio adequado à salvaguarda das pretensões da Requerente, mostra-se intempestiva no que concerne às declarações periódicas entregues relativamente aos períodos de Outubro e Novembro de 2016», atendendo a que foram apresentadas «(…) a 29.11.2016 e 16.12.2016, respectivamente,» pelo que,  «(…) deveria ter apresentado a reclamação graciosa até ao dia 30.11.2018 e 17.12.2018, respectivamente.»

 

89.          Ora, «(…) tendo a Requerente apresentado a referida reclamação graciosa em 21.12.2018, a mesma mostra-se intempestiva, relativamente àqueles dois períodos de imposto.»

 

90.          Argumenta, ainda, a Requerida que a constatação da intempestividade da reclamação supra mantém-se, não obstante, o facto de a «Requerente ter vindo pedir, a título subsidiário, a convolação da reclamação graciosa no meio legalmente adequado para alcançar a finalidade visada, invocando o disposto no artigo 52.º do CPPT.» [sugerindo para o efeito] «(…) o mecanismo da revisão oficiosa, dado em seu entender, estarmos perante um erro na autoliquidação, presumindo-se que o mesmo é imputável à Requerida, o que determina que a A... disponha do prazo de 4 anos após a liquidação, tendo em consideração o preceituado no artigo 78º da LGT.»

 

91.          Refere, complementarmente a Requerida que «defende a Requerente que se está perante um suposto erro na autoliquidação derivado duma incorrecta interpretação das normas do CIVA no que se refere à incidência de IVA sobre os valores recebidos pelo Estado Português, a título de indemnizações compensatórias. Além do mais, o alegado erro seria, segundo a Requerente, considerado imputável aos serviços, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA [referindo-se, com certeza, a LGT]».

 

92.          Ora, menciona, a Requerida, em resposta a esta questão da “revisão oficiosa – ato de autoliquidação - erro imputável aos serviços” que «por força da alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março {Lei de Orçamento de estado de 2016), o n.º 2 do mencionado artigo 78.º foi objeto de revogação, ou seja, deixou de vigorar a “ficção legal” de que todo e qualquer erro na autoliquidação deveria ser considerado imputável aos serviços.», pelo que «tratando-se de uma norma procedimental, nos termos do artigo 12.º da LGT, a mesma seria de aplicação imediata.», ou seja, com efeitos a partir de 30.03.2016 (entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, 30.03)» exceto, quando sejam colocados em causa «as garantias, direitos e interesses anteriormente constituídos dos contribuintes.»

 

93.          Concluindo, quanto a esta matéria, frisa a Requerida que «[n]o caso de actos praticados após [30.03.2016](…) na eventualidade de se apurar a ocorrência duma ilegalidade, os contribuintes passaram a ter o ónus de comprovar a imputabilidade do erro, que nos termos da lei anterior, se presumia atribuído à requerida. Pelo que, concluindo-se que o erro é imputável ao contribuinte, como no caso dos autos, se o pedido for apresentado para além do prazo de reclamação graciosa, o mesmo deve ser indeferido por extemporâneo».

 

94.          POR SEU TURNO, em pleno exercício do contraditório, defende a Requerente que «[e]estando em causa imposto autoliquidado nas Declarações Periódicas de IVA de Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, o prazo para apresentar Reclamação Graciosa terminava em Dezembro de 2018, pelo que a mesma se revelava, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, efectivamente tempestiva.»

 

95.          Mais refere, a Requerente que «(…) na Reclamação Graciosa apresentada [ressalvou] que caso fosse entendido que parte (ou a totalidade) desse meio não fosse o adequado para alcançar a finalidade  visada, ao abrigo do disposto no artigo 52. 0 do CPPT e dos seus princípios enformadores, se desse a sua convolação oficiosa para a forma adequada, sendo certo estar em causa um erro de Direito imputável aos serviços».»

 

96.          Com efeito, entende a Requerente que «(…) decorre do explanado que, sob pena de violação dos princípios constitucionais da legalidade, justiça e igualdade, deverá a Revisão Oficiosa, a par de outros, ser considerada o meio procedimental adequado à impugnação dos actos tributários de liquidação de tributos. Ora, de acordo com o supra exposto, o Pedido de Revisão Oficiosa por iniciativa do contribuinte deve (i) ser apresentado no prazo de 4 anos após a liquidação do tributo e (ii) ter como  fundamento a ilegalidade da liquidação por motivo de erro imputável aos serviços.»

 

97.          Assim, «[q]uanto ao primeiro requisito, cumpre notar que se peticionou, a título subsidiário, a convolação para a Revisão Oficiosa do imposto por si liquidado nas declarações periódicas de IVA de Outubro, Novembro e Dezembro referentes ao ano 2016. Ora, uma vez que a Reclamação Graciosa foi apresentada a 21 de Dezembro de 2018, e respeitava às autoliquidações de Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, a mesma estaria dentro do prazo de 4 anos podendo, desta forma, ter lugar a sua convolação para um Pedido de Revisão Oficiosa, tal como previsto no 1 do artigo 78.º da LGT.»

 

98.          «Por sua vez, com referência ao segundo requisito, cabe referir que a revogação da norma presuntiva vertida no n.º 2 do artigo 78.º da LGT — (…)— não veio coarctar o recurso à revisão oficiosa no prazo de quatro anos por erro de autoliquidação», pois tal interpretação, segundo sustenta a Requerente seria de se «afastar liminarmente (…) porque contrária à ratio do mecanismo de revisão oficiosa consagrado no referido preceito.»

 

99.          Com efeito, defende a Requerente que «(…) atendendo à extrema relevância do objectivo jurídico visado pelo artigo 78.º da LGT (a tutela/reposição da legalidade), o legislador criou em termos práticos um "concurso de legitimados", alargando o elenco de. legitimados, sendo então claro que existe compatibilidade entre o impulso procedimental do contribuinte e a iniciativa da AT, em virtude do dever de colaboração recíproca (artigo 59.º n.º 1, da LCT), possibilitando-se assim um reforço efectivo no exercício do direito do contribuinte (artigo 78.º, n.º 7 da LCT). Neste sentido, face ao propósito eminentemente garantístico da legalidade, subjacente ao instituto da revisão oficiosa consagrado no artigo 78.º da LCT, impõe-se concluir que o legislador entendeu ser redundante a equiparação expressa, pelo revogado n.º 2 do mesmo preceito, do erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços. Este entendimento é, de resto, o único que se compatibiliza com a natureza tutelar do instituto da revisão oficiosa (…)»

 

100.       Concluindo no sentido de que «[d]e tudo quanto até aqui foi exposto resulta que, não obstante, a revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços seja sempre da iniciativa da AT e o prazo seja de quatro anos, nada impede que os interessados possam requerer que seja cumprido esse dever dentro dos limites temporais em que a AT o possa exercer, não podendo a mesma demitir-se legalmente de o fazer pelas razões acima referidas — interesse público na eliminação da ilegalidade do acto tributário ao abrigo do preceituado nos artigos 55.º e 56.º da LGT e no n.º 1 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.»

Pois, vejamos,

 

101.       A questão que se coloca, quanto à exceção invocada, é a de saber se a reclamação graciosa apresentada pela Requerente contra os atos de autoliquidação de IVA com referência aos períodos 2016/10M e 2016/11M é ou não tempestiva,

 

102.       … em virtude de as declarações periódicas respeitantes a tais atos terem sido apresentadas a 29.11.2016 e 16.12.2016 respetivamente, e a reclamação graciosa, no dia 21.12.2018, ou seja, depois de expirado o prazo de 2 anos, previsto no artigo 131.º do CPPT.

 

103.       Na verdade, à primeira vista, parece tratar-se de uma evidência, e que a resposta à questão será no sentido afirmativo. No entanto, vejamos, se assim é efetivamente.

 

104.       Conforme resulta supra a Requerente, «(…) vem pedir a título subsidiário, a convolação da reclamação graciosa no meio legalmente adequado para alcançar a finalidade visada, invocando o disposto no artigo 52.º do CPPT, sugerindo a revisão oficiosa, dado estarmos perante um erro na autoliquidação, presumindo-se que o mesmo imputável à AT, o que determina que a A... disponha do prazo de 4 anos após a liquidação, tendo em consideração o preceituado no artigo 78.º da LGT».(artigo 45 da douta resposta)

 

105.       Ora, o pedido de convolação do procedimento encontra-se previsto no artigo 52.º do CPPT sob a epígrafe “Erro na forma de procedimento”, dispondo que «[s]e, em caso de erro na forma de procedimento, puderem ser aproveitadas as peças úteis ao apuramento dos factos, será o procedimento oficiosamente convolado na forma adequada.»

 

106.       Com efeito, e como esclarece JORGE LOPES DE SOUSA  sobre esta matéria: «[o] erro na forma de procedimento constitui uma irregularidade suscetível de justificar a anulação do mesmo.»

 

107.       Continua aquele Autor com manifesto interesse que: «(…) em face do princípio da colaboração recíproca da Administração Tributária e dos contribuintes, cuja observância é imposta pelo art. 60.º da LGT, e da supremacia que é reconhecida a essa Lei pelo art. 1.º do CPPT, deverá adoptar-se o entendimento de que também se deverá efetuar a convolação pelo menos nos casos em que o requerimento do contribuinte foi tempestivamente apresentado, à face do prazo previsto para o meio processual adequado, e o requerente deixaria de estar em tempo para o utilizar se tivesse de apresentar um novo requerimento após ser detectado o erro na forma de procedimento. Com efeito, é corolário mínimo daquele princípio que o contribuinte não perca direitos substantivos por meras razões formais, se não há razões de segurança jurídica que devam prevalecer, e estas só prevalecem depois de esgotado o prazo legal em que a situação jurídica em causa pode ser discutida. Pela mesma razão, será de efectuar a convolação quando o contribuinte utiliza um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental, com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte. Embora numa situação deste tipo não se esteja perante um absoluto «erro na forma de procedimento», parece que, por mera interpretação declarativa ( e, seguramente, se pode enquadrar a situação neste conceito, já que se está perante uma situação em que o meio escolhido não é, no momento em que foi utilizado, o que o contribuinte deveria utilizar, havendo, consequentemente, um erro na forma de procedimento que deveria ter sido utilizada. Assim por exemplo, se o contribuinte apresenta contra uma acto de liquidação uma reclamação graciosa fora do prazo legal de 120 dias previsto no art.º 70.º, n.º 1 do CPPT, mas ainda está em tempo para pedir a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT, em vez de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa deverá ser, depois de constatada a intempestividade, efectuada a convolação do requerimento em que é pedido  a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa.» (negrito nosso).

 

108.       Com efeito, no caso em apreço, verificamos que a Requerente, no âmbito da reclamação graciosa que apresentou ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, requereu, a título subsidiário, a convolação desse procedimento na revisão oficiosa do ato tributário, previsto no artigo 78.º da LGT, a qual não foi admitida pela Requerida por entender que não se verificam os pressupostos necessários para o efeito, nomeadamente quanto ao ónus de imputabilidade do erro.

Vejamos,

 

109.       Ora, previa o artigo 78.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe «Revisão de atos tributários”, à data dos factos em causa nos presentes autos que:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado.)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

 

110.       Esclarece o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0476/12, de 12 de setembro de 2012, quanto à forma de recorrer à revisão de ato tributário previstas no artigo 78.º da LGT, o seguinte:

«I- O art. 78.º da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.»

II – De acordo com o disposto no art. 78.º, n.º 2 da LGT considera-se imputável aos serviços para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artigo 131.º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa da ilegalidade cometida na autoliquidação.

III – Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade – artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

 IV – Face a tais princípios, não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art.º 9.º do CPA no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no artº. 2° do mesmo código.

V - Sendo assim, e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efectuado no prazo de quatro anos após a autoliquidação, deverá ser apreciado o respectivo pedido de revisão.» (sublinhado nosso).

 

111.       Há assim diversas formas de proceder ao pedido de revisão de ato tributário:

a) por iniciativa do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa (2 anos), fundamento: ilegalidade; 

b) por iniciativa da AT, no prazo de 4 anos ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago; fundamento: erro imputável aos serviços;

c) por iniciativa da AT, no prazo 3 anos, fundamento: injustiça grave e notória;

d) a pedido do contribuinte e iniciativa da AT, no prazo de 4 anos, fundamento: erro imputável aos serviços.

 

112.       Ora, no caso dos autos, menciona a Requerida que, o n.º 2  do artigo 78.º da LGT foi revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março [Lei de Orçamento do Estado para 2016], alguns meses antes da prática dos factos tributários em causa nos presentes autos.

 

113.       Revogação essa que operou e produziu os seus efeitos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT (norma que prevê a aplicação da lei tributária no tempo), de imediato – com entrada em vigor daquela Lei de Orçamento do Estado, ou seja, a 31.03.2016, como consabidamente refere a Requerida.

 

114.       Ora, a verdade é que o n.º 2 do artigo 78.º da LGT tinha uma especial relevância no caso de autoliquidações, uma vez que, para efeitos de revisão oficiosa de ato tributário, ficcionava o erro imputável aos serviços.

 

115.       Esta ficção era como que “uma rampa de lançamento segura” para que o contribuinte, em caso de erro na autoliquidação de imposto, pudesse lançar mão da revisão oficiosa do ato tributário, sem qualquer dificuldade.

 

116.       Na verdade, aquele n.º 2 do artigo 78.º da LGT, previa uma especialidade: «ficciona[va], para efeitos de revisão oficiosa do acto de liquidação, o erro na autoliquidação como erro imputável aos serviços. Esta solução legal compreende-se à luz de dois pressupostos: por um lado, a imputação do erro dos serviços é entendida objetivamente, não relevando aqui a apreciação de elementos de culpa dos serviços ( que dificilmente se verificariam nos casos de autoliquidação, com excepção das situações em que o erro resulta de instruções da Fazenda Pública); por outro lado, o legislador entendeu que as diferenças técnicas no apuramento do imposto não eram motivo racional suficiente para justificar um tratamento diferenciado, para efeitos de revisão do acto, entre os vários tributos. O erro imputável aos serviços, ficcionado no caso das autoliquidações, atento o disposto no citado art.º 78, n.º 2 da LGT abarca também os erros de direito, enquanto fundamento de revisão do acto tributários».

 

117.       Ficção esta que ao “desaparecer” com a revogação da supramencionada norma legal levada a cabo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, acarretou como consequência, a necessidade de, nos casos de autoliquidação – cuja liquidação é efetuada pelo próprio contribuinte, normalmente, sem a intervenção da AT - , o sujeito passivo passar a ter que comprovar que o erro é imputável aos serviços, no caso de pretender fazer uso da revisão oficiosa.

 

118.       No caso em apreço, estando em causa atos de autoliquidação de imposto praticados pelo próprio contribuinte (sem que o mesmo tivesse sido condicionado por qualquer informação ou orientação da AT), após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, a verdade é que relativamente aos mesmos não pode ser artificialmente, por via da presunção, imputado ou assacado qualquer erro aos serviços, por não terem tido qualquer participação no mesmo.

 

119.       Ora, à parte da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, o regime de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT, segundo elucida o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 1349/10.0BELRS, de 23.03.2017:

«(…) consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr.artºs.70 e 102, do C.P.P.T.; dec.lei 10/2011, de 20/1).

3. Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artº.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr.parte final do nº.1, do artº.78), a injustiça grave ou notória (cfr.nº.4, do artº.78) ou a duplicação de colecta (cfr.nº.6, do artº.78, da L.G.T.).

4. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

5. O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.»

 

120.       Na verdade, a doutrina e a jurisprudência  tem sido firme quanto à possibilidade de os contribuintes poderem provocar a revisão oficiosa de um ato tributário, com a qual o presente Tribunal Arbitral concorda e acompanha na íntegra.

 

121.       Possibilidade essa que decorre da obrigação prevista no artigo 55.º da LGT, de a Administração Tributária pautar a sua atuação no sentido da descoberta da verdade material, a qual deve exercer «(…) as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.»

 

122.       Com efeito, o princípio da descoberta da verdade resulta, necessariamente, do princípio da cooperação (cf. art. 59.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), segundo o qual, Administração Tributária e sujeito passivo estão obrigados a deveres de colaboração recíproca. A verdade material implica, igualmente, o meticuloso cumprimento dos princípios da igualdade e da justiça na tributação.

 

123.       É neste campo que surge a revisão de ato tributário, como um mecanismo legal ao dispor dos contribuintes, que tem por objetivo último garantir o cumprimento destes princípios.

 

124.       Contudo, há que ter em atenção que tal pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte terá de respeitar uma condição, tal como anunciado supra:  que haja erro imputável aos serviços.

 

125.       Condição esta que, aliás, encontra previsão no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA, o qual prevê que: «[q]uando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária».

 

126.       Conforme explica PAULO MARQUES , “…o legislador tributário não estabelece «qualquer ilegalidade», imputável ou não aos serviços, mas a existência necessariamente de «erro imputável aos serviços» (revisão oficiosa) como requisito indispensável para operar a revisão normal (ou ordinária), seja erro material (artigo 174.º, n.º 1, do NCPA) ou de direito, como veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, abrangendo então igualmente o erro na autoliquidação. (…) O “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade desde que relevante, mas não imputável ao contribuinte por conduta negligente…” .

 

127.       Este é também o entendimento generalizado na jurisprudência, bem patente no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 23 de Março de 2017 no âmbito do processo 1349/10.0BELRS, onde se lê que “[o] conceito de “erro imputável aos serviços” a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro. Por outras palavras, o dito “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente…”.

 

128.       Assim, no caso concreto, bastaria que a Requerente demonstrasse a existência de um erro de facto ou de direito imputável à Requerida, para que pudesse lançar mão ao mecanismo de revisão oficiosa e assim, ser legítima a convolação, ao abrigo do disposto no artigo 52.º do CPPT da reclamação graciosa apresentada ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, naquele meio, nos termos e prazo aduzidos.

 

129.       Ora, tendo em consideração que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente, no dia 29.12.2018, se mostra extemporânea no que respeita aos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/10M e 2016/11 M, por ultrapassados os 2 anos previstos no artigo 131.º do CPPT,

 

130.       … e que a convolação requerida ao abrigo do artigo 52.º do CPPT, daquele procedimento em revisão oficiosa do ato tributário não é possível por falta de verificação dos seus pressupostos legais – falta de comprovação por parte da Requerente de erro imputável aos serviços - , previstos no artigo 78.º da LGT, entende o presente Tribunal Arbitral ser de considerar a exceção invocada pela Requerida procedente, por provada, pelo que, quanto a estes atos de autoliquidação não poderá o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre a respetiva legalidade, devendo, por esta razão, os mesmos permanecer na ordem jurídica.

 

131.       Face ao exposto, entende o presente Tribunal Arbitral ser de proceder a exceção de intempestividade da reclamação graciosa para apreciar a legalidade do ato de autoliquidação de IVA com referência aos períodos 2016/10M e 2016/11M.

 

B - DA QUESTÃO DE MÉRITO

 

132.       Resolvida a exceção invocada pela Requerida no sentido da sua procedência e da inviabilidade do presente Tribunal em aferir da ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/10M e 2016/11M, pelas razões acima enunciadas, debruçar-nos-emos, então, sobre a questão de fundo nos presentes autos e que se prende com o facto de apurar se o ato de autoliquidação de IVA referente ao período 2016/12 M, relativo à venda dos passes (i) Passe...tp (ii) Passe ...; (iii) Passe..., na parte correspondente a comparticipações financeiras do Estado que a Requerente não recebeu, é legal.

 

Vejamos,

 

133.       Antes de mais, cumpre esclarecer que, ao contrário do lapso em que labora a Requerida na defesa da sua posição nos presentes autos, e, consequentemente, a Requerente em resposta, como resulta dos factos dados como provados, esta não emitiu qualquer fatura ao IMT, I.P., ao arrepio do disposto no artigo 29.º do Código do IVA com referência à prestação de serviços realizada e da qual resultaria o correspondente pagamento das compensações financeiras estatais.

 

134.       Na verdade, esse incumprimento deverá ter repercussões noutra sede que não a dos presentes autos cabendo ao presente Tribunal ponderar, apenas, a matéria da legalidade ou não do ato de autoliquidação de IVA referente ao período 2016/12M, por dele constar matéria tributável não recebida pela Requerente.

 

135.       Ora, este facto: não emissão de fatura pela Requerente referente ao ato de autoliquidação sindicado, é indispensável para a apreciação do caso em apreço, porquanto oferece uma solução diferente, caso tal documento tivesse sido devidamente emitido.

 

136.       Ademais, de referir que a emissão ou não de fatura não tem repercussões quanto à (i)legalidade do ato de autoliquidação do IVA, tem, sim, consequências quanto ao modo como se poderá fazer a recuperação/dedução/regularização do imposto em função das circunstâncias.

 

137.       Na verdade, praticamente todas as situações previstas no Código do IVA, quanto a regularizações, deduções do imposto, entre outras, se reconduzem à existência de fatura, sendo este um documento de extrema importância no que toca ao imposto em causa, definindo-se, assim, um regime próprio do seu funcionamento.

 

138.       No caso concreto, a inexistência de tal documento leva a que o presente Tribunal aprecie a legalidade do ato de autoliquidação, de acordo com essa realidade, que é o que o presente Tribunal se propõe, então, a fazer, face às posições assumidas pelas partes.

 

139.       Ora, por um lado, afere a Requerente que «é uma entidade pública empresarial, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, cujo objecto principal resulta na prestação. No âmbito do serviço público que presta, foi atribuída à Requerente, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016, uma comparticipação financeira pela implementação dos seguintes passes: (i) Passe ...tp; (ii) Passe ...tp; (iii) Passe ...; (iv) Sistema Intermodal Andante, perfazendo um total de € 2.279.999,93 a ser atribuído pelo IMT, I.P., com efeitos a 1 de Janeiro de 2016.»

 

140.       «Neste sentido, por cada passe vendido pela Requerente, esta última entidade auferia uma contraprestação financeira por parte do consumidor final, e outro montante, a título de comparticipação, por parte do IMT, I.P., sendo que, sobre o valor total auferido (ou a auferir), fez incidir imposto à taxa legal em vigor de 6%, com referência ao ano 2016. Sucede que, a partir de Outubro deixaram de ser auferidos (porque não devidos, uma vez que havia sido atingido o valor máximo de comparticipações definido pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016), quaisquer montantes por parte do IMT, I.P, sem prejuízo de a Requerente os ter considerado para determinação do valor tributável, para efeitos de IVA.»

 

141.       Continua a Requerente, mencionando que «[n]ão obstante não recepcionar os montantes referentes à atribuição do IMT desde Outubro de 2016, a Requerente continuou a considerou como base tributável para efeitos de IVA não apenas os montantes pagos pelos consumidores finais, mas também os montantes a título de comparticipação que entendia serem devidos, tendo liquidado o correspondente imposto sobre o valor total até ao final do ano 2016.»

 

142.       Aduz, ainda, que «[n]ão obstante a Requerente não emitir facturas com referência aos montantes atribuídos pelo IMT, a mesma liquidou IVA sobre aqueles montantes, tendo o correspondente imposto sido calculado com base (unicamente) em documentos internos da Requerente.»

 

143.       E conclui no sentido de que «[a]ssim, a Requerente procedeu à liquidação de IVA sobre montantes que não atribuídos peio IMT a título de comparticipação dos passes sociais, pelo que a respectiva liquidação não se afigura devida, tendo, por conseguinte, a Requerente procedido à entrega de imposto em excesso, relativamente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, com referência à comparticipação do IMT que não foi efectivada. Ora, por ter feito incidir IVA sobre montantes que não chegaram a ser-lhe atribuídos, considera a Requerente que deve ser-lhe restituído o imposto cuja entrega ao Estado se revelou indevida.»

 

144.       Em resposta à posição da Requerente, faz a Requerida algumas considerações com o pressuposto de que a Requerente emitiu fatura ao IMT, I.P, contudo, e como já abordado e consta da matéria de facto dada como assente, tal pressuposto não se verifica, pelo que, a exposição infra será apenas no sentido de se apurar se o IVA constante da declaração periódica mensal do período 2016/12M é ou não devido, e se deve o mesmo ser restituído à Requerente, por ilegal ou não.

 

145.       Sem embargo das referidas considerações - que o presente Tribunal descortinou pelos motivos supra expostos – de salientar que sustenta a Requerida que «(…) tomando em consideração a factualidade descrita pela própria Requerente, não se compreende, como é que, por um lado, vem dizer que o lapso verificado se deveu a um erro de enquadramento em sede de CIVA, e depois vem dizer que afinal o erro assentou na assumpção de que iria receber montantes superiores aqueles que estão definidos na Resolução de Conselho de Ministros. Importa, pois, referir que estamos perante um diploma legal aprovado para o ano de 2016, mas que tem sido replicado ao longo dos anos precedentes, apenas se alterando os montantes das indemnizações compensatórias a atribuir, em cada um desses períodos. Pelo que, não se concebe como pode a Requerente vir agora, vários anos depois, invocar que desconhecia o procedimento de pagamento dos valores em análise, não se concebendo que possa vir afirmar que assumiu que seria comparticipada em montantes superiores aos definidos em diploma legal. »

 

146.       Mais, aduzindo no sentido de que: «[p]or outro lado, não se vislumbra a existência de qualquer erro de enquadramento em sede de CIVA. De facto, os montantes das comparticipações recebidas pela Requerente, relativas à implementação dos passes, encontram-se sujeitos a tributação, sujeição essa que não só decorre do CIVA como, vem expressamente, mencionada na citada Resolução de Conselho de Ministros. Nesse sentido, mais uma vez se mostra sem fundamento a alegada existência de erro de interpretação das normas do CIVA, quanto à incidência e ao valor tributável.  (…) A existir um eventual lapso, como pretende fazer valer a Requerente, o mesmo encontrar-se-ia circunscrito ao valor tributável, montante sobre o qual incidiria a taxa de IVA aplicável.»

 

147.       Acrescenta, a Requerida que: «[o]ra, tendo em consideração que a declaração periódica reporta os valores constantes dos registos contabilísticos e dos documentos que lhes serviram de suporte, a admitir-se qualquer erro, (…), a única hipótese plausível para o sucedido seria ter havido um erro de transcrição dos registos contabilísticos para a declaração periódica, o que configuraria um erro material ou de cálculo, que mais uma vez, deveria ser objeto de regularização nos termos do disposto no nº 2 do artigo 78º do CIVA.  Assim, prevendo esta disposição um prazo de dois anos para se proceder à referida regularização, também nesta circunstância, tal prazo já se teria esgotado.»

 

148.       Menciona, por último, que «(…) como atrás ficou referido, a Reclamante não logrou fazer qualquer prova dos factos que alega, nomeadamente, da ocorrência de um erro que determinou a liquidação de IVA em excesso, e que o mesmo não se mostra devido. Ora, dispõe o artigo 74.º da LGT que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos que invoca como fundamento da sua pretensão, não podendo a mesma ser efectuada a partir dos elementos que a administração fiscal dispõe. Pelo que, ao não efectuar prova do alegado, fica afastada a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a Requerida o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação. »

 

149.       Concluindo, assim, que: «[n]ão violou, pois, a Requerida qualquer dos princípios invocados pela Requerente, seja o da legalidade, da justiça, ou o da neutralidade.»

 

Vejamos, 

 

150.       O IVA é um imposto complexo, o qual, segundo os ensinamentos de CLOTILDE CELORICO PALMA  é «caracterizado, essencialmente, como um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo através do método subtractivo indirecto».

 

151.       Trata-se, na verdade, de um imposto sobre o consumo, dada a sua incidência em todas as fases do circuito económico e por tributar todo o ato de consumo (em contraposição aos impostos especiais sobre o consumo).

 

152.       É «cobrado em todos os estádios da produção, (…) não favorece nem desfavorece a junção ou a separação das operações das unidades produtivas. Na medida em que o valor tributável é, em princípio, o preço efectivo da transacção, e não um valor normal» , e «visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo a sua incidência todas as fases do circuito económico, desde a produção a retalho, sendo porém, a base tributável limitada ao valor acrescentado em cada fase» .

 

153.       Com efeito, a neutralidade deve ter expressão em todas as fases essenciais da vida deste imposto, mormente, no que toca às regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução.

 

154.       Ora, conforme consta da decisão do CAAD proferida no processo n.º 429/2014-T, quanto à caracterização e especificação do princípio da neutralidade, este princípio «encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros».

 

155.       Com efeito, «a aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida deste tributo, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução. Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo TJUE para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência. Assim, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (…)» assegurando «aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação».

 

156.       Assim sendo, de acordo com este princípio fundamental, e como já aludido, o IVA deverá ser interpretado e aplicado, interna e internacionalmente, por forma a se assegurar um sistema homogéneo que garanta uma concorrência sadia no espaço da União Europeia.

 

157.       Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, estão sujeitas a este imposto:

d)           As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

e)           As importações de bens;

f)            As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).

 

158.       Ora, a Requerente é, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, uma empresa pública empresarial e que se dedica aos transporte ferroviários, presta um serviço público de transporte ferroviário de passageiros em linhas férreas, troços de linha e ramais que integram ou venham a integrar a rede ferroviária nacional, bem como o transporte internacional de passageiros, os quais, como prudentemente refere a Requerida, «se traduzem na realização de serviços de interesse geral.»

 

159.       Com efeito, como compensação pelo cumprimento de tais obrigações, no ano de 2016, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 37-B/2016, de 30 de junho, determinou o valor das indemnizações compensatórias correspondentes, em concreto no que se refere à prestação dos serviços decorrentes do Acordo de Implementação dos seguintes passes: "passe...tp", "passe...tp"; "passe ..." e "sistema intermodal andante".

 

160.       Deste modo, e conforme decorre do Anexo II à referida Portaria, os montantes previstos ascenderiam, no mencionado período, a € 2.279.999,93, devendo os mesmos ser pagos pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT, IP), sobre o qual incidia IVA à taxa legal em vigor, ou seja, a taxa reduzida de 6%, por aplicação da verba 2.14, da Lista I, Anexa ao CIVA, conjugada com a alínea a) do nº 1 do artigo 18º do CIVA.

 

161.       Sucede que, não obstante esse facto, a verdade é que, conforme consta da matéria de facto dada como assente, a Reclamante declarou ter recebido, a título das referidas comparticipações, o montante de € 2.151.557,62, sobre o qual deveria incidir o IVA e o qual deveria constar das declarações periódicas de IVA.

 

162.       Sucede que, segundo afirma a Requerente assumiu, por lapso, que seria comparticipada em montante superior ao que foi estipulado na Resolução de Conselho de Ministros n.º 37.º-B/2016, tendo liquidado IVA sobre o valor excedente,

 

163.       … fazendo, consequentemente, incidir IVA sobre montantes que não auferiu.

 

164.       O que significa que houve, efetivamente, um lapso cometido pela própria Requerente, circunscrito ao valor tributável, ou seja, o montante sobre o qual incidiria a taxa de IVA aplicável.

 

165.       Lapso esse que, não foi formalizado em fatura, mas tão-só no registo contabilístico da Requerente, constou da declaração periódica respeitante ao período aqui em causa – 2016/12M – o que configura um erro com base no qual, a Requerente pretende a anulação do referido imposto.

 

166.       De modo, a formalizar os seus intentos, conforme acima referido, apresentou reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, dentro do prazo concedido para o efeito,

 

167.       … a qual foi indeferida, por despacho de 17.04.2019, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (cfr. matéria de facto dada como assente), porquanto «a Reclamante não só não comprova que valores lhe foram pagos, como não demonstra que os montantes alegadamente liquidados não eram devidos, pois limita-se a juntar as declarações periódicas, a Resolução do Conselho de Ministros e uns documentos que se traduzem em ficheiros Excel que não têm valor probatório que a Reclamante lhes pretende atribuir. Dispõe o artigo 74.º da LGT que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos que invoca como fundamento da sua pretensão, não podendo a mesma ser efetuada a partir dos elementos que a AT dispõe. Pelo que, não efetuar prova do alegado, fica afastada a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a AT o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação.» (Vide pontos 121 a 123 da decisão de indeferimento da reclamação graciosa junta aos autos como Doc. n.º 1).

 

168.       Ora, a verdade é que quanto a esta matéria, a Requerente apenas apresentou prova testemunhal, a qual, não obstante, parecer credível, não teve a consistência que o Tribunal considera necessária para considerar que foi feita prova devida sobre os factos determinantes para apreciação dos presentes autos.

 

169.       Na verdade, a prova testemunhal poderia ter sido auxiliada por documentação respeitante aos factos em apreciação nos presentes autos, de que a Requerente certamente dispõe e que não juntou.

 

170.       Com efeito, menciona a testemunha, no decurso do seu depoimento que, no ano de 2016, a Requerente recebeu, a título da referida comparticipação financeira do Estado o montante de € 2.151.557,62 (dois milhões cento e cinquenta e um mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), pago em quatro prestações: duas prestações pagas em novembro e outras duas pagas em dezembro de 2016 e que liquidou e pagou IVA sobre o valor de € 2.629.380,23 (dois milhões, seiscentos e vinte e nove euros trezentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos). (alíneas F) e G) da matéria de facto dada como assente).

 

171.       Contudo, estranha o presente Tribunal que a Requerente não tenha junto aos autos, por exemplo, os comprovativos das transferências dos 4 pagamentos indicados, ou qualquer outro documento que permitisse ao Tribunal aferir do valor efetivamente recebido, a título das comparticipações financeiras do Estado.

 

172.       Mais, a Requerente junta aos autos duas cartas, uma, do Conselho de Administração, datada de 27.12.2016 – Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral – e outra, da Diretora Financeira da A... para o Conselho de Administração – Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral - contudo, das mesmas é possível retirar que «até à presente data , já foi atribuído para os diferentes tipos de passes, um valor que ascende a 1.720.377,25 euros, e apenas nos foi transferido em Novembro de 2016 a verba de € 957.653,11.», valores estes que não se compadecem com o valor que a Requerente alega ter efetivamente recebido, no ano de 2016, a título de comparticipação,

 

173.       Junta, a Requerente, ainda como Doc. n.º 5, uma listagem com valores, datas e inscrições relativamente à qual não esclarece ou explica do que realmente se trata cada coluna dela constante. Documento este, aliás, impugnado pela Requerida.

 

174.       Na verdade, entende o presente Tribunal Arbitral que a Requerente não logrou fazer prova dos valores que efetivamente recebeu, a título de comparticipação financeira do Estado por parte da IMT,

 

175.       … e que tais montantes não correspondem ao valor que declarou na declaração periódica de IVA referente ao período 2016/12-T, cuja legalidade se aprecia nos presentes autos.

 

176.       Deste modo, não tendo a Requerente feito prova que o montante declarado na declaração periódica de IVA referente ao período de 2016/12M é superior ao valor que efetivamente recebeu do IMT, a título de comparticipação estatal, e que o mesmo não padece do erro que lhe imputa, não se vislumbra qualquer ilegalidade da liquidação do imposto, pelo que deverá o mesmo ser mantido na ordem jurídica.

 

177.       Face ao exposto, entende o presente tribunal ser de improceder a pretensão da Requerente, no que respeita ao ato de autoliquidação de IVA com referência ao período 2016/12M, concluindo-se pela legalidade do mesmo, o qual deve ser mantido na ordem jurídica.

 

C – DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

33.          Improcedendo o pedido de pronúncia arbitral fica prejudicado o conhecimento do direito aos juros indemnizatórios.

 

VII. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

 - Julgar procedente a exceção de intempestividade da reclamação graciosa no que respeita aos atos de liquidação de IVA com referência aos períodos de 2016/10M e 2016/11M;

 - Julgar improcedente o pedido de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/10M e 2016/11M, devendo os mesmos manter-se na ordem jurídica, e consequentemente, mantida a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quanto a estes;

 - Julgar improcedente o pedido de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos 2016/12M, devendo o mesmo ser mantido na ordem jurídica, e consequentemente, mantida a decisão de indeferimento da reclamação graciosa quanto a este.

 

VIII. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixa-se o valor do processo em € 27.046,56 (vinte e sete mil, quarenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX. CUSTAS:

 

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.530,00 (mil, quinhentos e trinta euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de fevereiro de 2020.

 

O Árbitro

Jorge Carita