Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 261/2019-T
Data da decisão: 2020-02-10  IRS  
Valor do pedido: € 28.271,88
Tema: IRS – Valor de aquisição para efeitos de mais valias imobiliárias. Valor a considerar. Artº. 46 do CIRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro singular em 3 de Junho de 2019, profere a seguinte decisão arbitral:

              

I. RELATÓRIO:

 

A... (doravante designada por IMPUGNANTE), NIF..., residente na Rua ..., ..., ...-... ...–..., veio, nos termos do disposto no artº. 10º. do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para efeitos de obter a anulação da Liquidação n.º 2019... (nº Acerto de Contas 2019..., Liquidação de Juros nº 2019...), com a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação e nota de demonstração de acerto de contas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2019... (nº Acerto de Contas 2019..., Liquidação de Juros nº 2019...), que fixou um imposto global a pagar de 28.271,88€, da Exma. Senhora Directora Geral Dra. Helena Alves Borges da Autoridade Tributária, conforme documentos que junta.

Para tanto, invoca razões de natureza formal, como sejam, o de lhe não ter sido permitido o exercício do direito de audição por via oral e fazer a apresentação de documentos, que entendia relevantes, bem como a ausência ou deficiência da motivação da liquidação impugnada, tendo optado por aplicar um critério supletivo que foi o do VPT.

Como vícios de natureza substancial invoca como vício de ilegalidades, a existência de erros sobre os pressupostos de facto, como a não consideração de que no lote adquirido inicialmente foram realizadas diversas construções que lhe aumentaram o valor, como resultou até de uma avaliação fiscal do novo prédio participado fiscalmente, pelo que ao considerar apenas como valor de aquisição o preço da compra inicial do lote de construção enferma o acto de liquidação impugnado também de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação e aplicação do artº. 46º., nº. 2 do CIRS.

Por isso, pede a procedência do presente pedido formulado, com a consequente anulação da liquidação suprarreferida e, em consequência da procedência do pedido de declaração de invalidade do acto de liquidação e porque entende que se trata de erro imputável aos serviços, pede a restituição do imposto pago acrescido de juros legais.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-4-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular o signatário, em 3-6-2019, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Nessa mesma data de 3-6-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 26-6-2019.

Notificada para responder em 27-6-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada de AT) apresentou resposta em 10-9-2019, na qual refuta os argumentos do requerente, entendendo que o valor de aquisição para efeitos de cálculo das eventuais mais valias é o valor da primeira inscrição na matriz, que remonta ao ano de 2000, sendo esse VPT de € 91.752,29. Além disso, procura demonstrar que não ocorrem os vícios apontados pelo requerente ao acto de liquidação impugnado, pois não houve qualquer preterição de formalidade, apenas que não aceitou como relevante a prova apresentada pelo requerente, acrescentando que a fundamentação existe e o Requerente tem dela conhecimento, pois a contestou no seu requerimento, além de que não utilizou um critério supletivo na determinação daquele valor de aquisição.

Quanto aos vícios substanciais, entende que não existem, pois que o prédio alienado, cuja tributação das mais-valias é matéria controversa nestes autos, foi inscrito na matriz em 2000 (como prédio edificado destinado a habitação própria e permanente), tendo sido avaliado segundo as regras da contribuição autárquica (que, por sua vez, remetia para o código da contribuição predial) tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de 91.579,29€ (18.360.000$00) e que não pode ser considerado o VPT à data de 2005, por aplicação da disciplina prevista na segunda parte do nº 3 do art.º 46º do CIRS, segundo a qual “o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”, pois, no seu entender, o Requerente não fez a devida comprovação dos custos de construção, nem no processo de divergências, em sede de audição prévia, nem nos presentes autos.

Consequentemente, deve ser julgado improcedente por não provado o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnada e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

Por despacho arbitral de 30-9-2019 e para se aferir da necessidade da inquirição da testemunha e da obtenção das declarações de parte requeridas, foi o requerente notificado informar os pontos concretos por referência aos artigos do requerimento inicial e da resposta sobre as quais pretende a realização dessas diligências de prova, bem como para juntar aos autos cópia certificada de diversos documentos que o Requerente cumpriu indicando os factos sobre os quais pretendia a produção de prova e juntando os documentos referidos no despacho.

Também foi notificada a requerida AT para juntar aos autos cópia legível da folha da matriz predial que veio anexa ao doc. 1 (declaração para inscrição ou alteração de inscrição) junta com o PA, pois a que foi junta é absolutamente ilegível, o que não foi satisfeito.

Face ao requerimento do Requerente com a indicação dos pontos de facto a que pretendia a prova testemunhal e por declarações de parte, entendeu o tribunal que não é necessária a prova requerida, pois que os factos constantes dos artºs. 2º., 3º., 7º., 8º. e 42º., do requerimento inicial prendem-se com a recusa da AT em receber os documentos que o autor apresentou com o seu requerimento inicial, pelo que a demonstração dessa eventual recusa não tem qualquer utilidade e os restantes factos referidos estão provados documentalmente, sendo que, dos documentos juntos pelo autor resulta a demonstração dos restantes pontos de facto que se pretendem também provar, quando eles sejam necessários à boa decisão da causa.

Por isso, foi proferido despacho, em 22/10/2019, dispensando a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e facultou-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, no prazo de 15 dias sucessivos, mas as partes não usaram dessa faculdade.

Por fim, por despacho de 17-12-2019, foi determinada a prorrogação do prazo referido no n.º 1 do artigo 21.ºdo RJAT, por dois meses, a contar do término daquele, bem como a comunicação de tal circunstância ao Conselho Deontológico do CAAD, por força do n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico.

 

II. DESPACHO SANEADOR:

O Tribunal Arbitral é o competente em razão da matéria, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artº. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas, não havendo excepções ou nulidades de conhecimento oficioso que cumpra conhecer.

 

III. FACTOS PROVADOS:

Atentos os documentos juntos pelo Requerente e os documentos constantes do processo administrativo, bem como o acordo das partes expresso ou por falta de impugnação, consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente celebrou em 5.11.1997 com a B... um contrato-promessa, nos termos do qual prometia comprar e aquela Cooperativa prometia vender, pelo preço de 2.895.000$00, ou seja, 14.440 € um lote de terreno com o nº. ..., sito em ...–..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. ... da freguesia da ... . – provado pelo documento 14 junto com a petição inicial – cláusulas 2ª. e 3ª.

b) Nos termos do referido contrato-promessa, o requerente pagaria ainda o valor das infraestruturas urbanísticas, equipamentos e espaços exteriores comuns atribuídos ao referido lote, no valor de 4.342.500$00 (€ 21.660,30) – provado pelo documento 14 junto com a petição inicial – cláusula 2ª.

c) Por isso, em 6/11/1997, o Requerente pagou à “B...- Cooperativa de Habitação e Turismo da ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada” a quantia total de 7.237.500$00 (€ 36.100,50) - provado pelo documento 14 B junto com a petição inicial.

d) Por escritura pública de 5 de Novembro de 1997 lavrada no extinto Cartório Notarial de ..., o Requerente declarou comprar e “B...- Cooperativa de Habitação e Turismo da ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada” declarou vender o mencionado lote ..., sito em ..., com a área de 307 metros quadrados, pelo preço declarado de 2.895.000$00 (€ 14.440,20), que os representantes da empresa vendedora declararam já ter recebido. – provado pelo documento 14A junto com a petição inicial.

e) A aquisição foi registada a favor do Requerente em 19-11-1997 - provado pelo documento 11 junto com a petição inicial.

f) Nos termos do contrato intitulado contrato-promessa, a “B...- Cooperativa de Habitação e Turismo da ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada” assumiu o encargo de construir um prédio naquele Lote, pagando o Requerente, além da quantia referida na al. b), mais o valor de 21.712.500$00 (€ 108.301,49) pela moradia a edificar, tudo num total de 28.950.000$00 (€ 144.401,99) - provado pelo documento 14 junto com a petição inicial – cláusula 3ª.

g) O Requerente e a “B...- Cooperativa de Habitação e Turismo da ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada” acertaram um plano de pagamentos da quantia referida na alínea anterior relativamente à edificação da moradia, tendo-se estimado que a obra estivesse concluída em 30/9/1998 - provado pelo documento 14 junto com a petição inicial – cláusulas 4ª. e 6ª.

h) Em cumprimento do plano de pagamento das obras referido na alínea anterior, o Requerente pagou à “B...- Cooperativa de Habitação e Turismo da ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada”, as seguintes quantias:

- 3.000.000$00 (€ 14.964,00) em 22/5/98 - al. a) do nº. da cláusula 4ª.;

- 3.000.000$00 (€ 14.964,00) em 25/7/98 - al. b) do nº. da cláusula 4ª.;

- 2.712.500$00 (€ 13.530,00) em 12/9/98 - al. c) do nº. da cláusula 4ª.;

- 3.000.000$00 (€ 14.964,00) em 11/2/99 - al. d) do nº. da cláusula 4ª.;

- € 26.000,00 em 4/8/2005 com a licença de habitação - al. f) do nº. da cláusula 4ª. - provado pelos cheques e recibos constantes do documento 14 B junto com a petição inicial.

 

i) Para a obra de construção da moradia no lote ..., foi requerida pela Cooperativa licença de construção na Câmara Municipal de ... em 12/5/1977, tendo a respectiva licença de construção com o nº. .../97, sido emitida em 11 de Dezembro de 1997 e prorrogada por duas vezes até 29/6/1999. - provado pelo documento junto em 17-10-2019.

j) Por não ter conseguido acabar a obra no prazo referido na al. anterior, a “B...- Cooperativa de Habitação e Turismo da ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada” requereu novo licenciamento em 25/8/1999, o qual deu origem a novo alvará de construção com o nº. .../99, emitido em 15/11/1999. - provado pelo documento junto em 17-10-2019.

k) Por ofício de 3/10/2002, foi a cooperativa, requerente do licenciamento, notificada de que fora deferido o averbamento do processo de licenciamento em nome do Requerente. - provado pelo documento junto em 17-10-2019.

l) Após vistoria, foi emitida pela Câmara Municipal de ..., alvará de utilização com o nº. .../2015, em 11/7/2005, no qual se autoriza a utilização para habitação unifamiliar, garagem e piscina do edifício sito m ALDEAMENTO ...- LOTE ... – ..., que corresponde ao licenciamento titulado pelo alvará de licença de construção n.º .../97, sendo o edifício composto de um Piso 0, com 175 m2, para habitação e garagem e ainda piscina com 30 m2.

m) Em 11-2-2000, o Requerente participa ao Serviço de Finanças de ..., a construção de uma moradia unifamiliar, em banda, destinada a habitação, composta de um piso e logradouros, com a área total de 307 m2, edificada no lote ..., que tinha o artigo matricial nº. ... (lote) e que deu origem ao novo artº..., todos da freguesia da ..., com o VPT de 18.360.000$00 (€ 91.579,29), protestando-se ainda a junção ulterior do alvará de utilização.

n) O Requerente construiu uma moradia unifamiliar, em banda, destinada a habitação, composta de um piso e logradouros e ainda uma piscina, no lote ... por si adquirido e após essa aquisição.

o) Em 2009, após a conclusão das obras e na sequência de notificação para o efeito datada de 27-1-2009 emitida pelo Serviço de Finanças de ..., foi pelo Requerente participada definitivamente a construção do seu prédio, pelo que o mesmo foi avaliado pelo Serviço de Finanças de ..., nele se referindo que a data da conclusão das obras foi 11/7/2005, tendo ao prédio sido atribuído o VPT € 181 480. – provado pelos documentos 7, 7-A e 8 juntos com a petição inicial.

p) Por isso, o Requerente pagou o IMI relativamente à parte não isenta dos anos de 2005, 2006 e 2007 no referido ano de 2009. - provado pelo documento 8 junto com a petição inicial.

q) Por comunicação de 7/2/2015, foi o Requerente notificado da alteração do VPT do prédio correspondente ao artº. ... para € 172.160. - provado pelo documento 12-A junto com a petição inicial.

r) Por escritura pública celebrada 6/10/2015, no Cartório Notarial de ..., sito em ..., o Requerente e respectivo cônjuge C... declararam vender a D... e marido E..., que declarou comprar o prédio urbano correspondente ao artº..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da freguesia da..., pelo preço declarado de € 300.000. - provado pelo documento 12 junto com a petição inicial.

s) Na sua declaração de rendimentos relativa a 2015, no anexo G, o Requerente participou a referida venda pelo preço de 300.000$00 em 2015, indicando como ano de aquisição o ano de 2000 e como valor de aquisição € 172.160, referindo como despesas e encargos dedutíveis a quantia de 13.410,83. - provado pelos documentos constantes do processo administrativo.

t) Por comunicação de 29-8-2016, foi o Requerente notificado que a AT considerava incorrecto o valor de aquisição, que seria apenas de € 91.759,29, pelo que deveria substituir a declaração efectuada, o que o Requerente não fez, pelo que a AT determinou por despacho notificado ao requerente em 16-1-2019, que ia proceder à correcção oficiosa, tendo emitido em 15-1-2019 declaração oficiosa de substituição, aceitando as despesas e encargos declarados. - provado pelos documentos constantes do processo administrativo.

u) O requerente foi notificado para o exercício do direito de audição prévia em 29-8-2016 - provado pelos documentos constantes do processo administrativo

v) O requerente foi notificado, em 6-2-2019, da Liquidação IRS n.º 2019... (nº Acerto de Contas 2019..., Liquidação de Juros nº 2019...), referente a 2015, da qual resultou um valor adicional, a título de mais valias, a pagar, de 28.271,88 € (36.641,00 – 8.369,15 € já liquidados em 29.08.2016).- provado pelos documentos 1 a 4A juntos com a petição inicial.

x) O prazo limite de pagamento da quantia referida era 11-3-2019 e o Requerente pagou o imposto adicional referido na alínea anterior em 7-3-2019.- provado pelo documento 3 junto com a petição inicial.

y) A petição inicial do presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 10-4-2019.

 

Com interesse para a decisão dos presentes autos, nenhum outro facto se provou.

 

Foi considerado provado que o prédio foi construído no lote adquirido pelo Requerente o que resultou provado não só do teor do contrato de empreitada constante do contrato-promessa considerado provado na al. a) dos factos provados, como ainda da licença de construção inicialmente concedida à cooperativa vendedora pela Câmara Municipal de ... em 12/5/1977, prorrogada por duas vezes (facto i) dos factos provados), do novo licenciamento concedido pela mesma autarquia à dita cooperativa em 15/11/1999 (facto j) dos factos provados), do averbamento a favor do ora Requerente do processo de licenciamento inicial (al. k) dos factos provados) e por fim do alvará de utilização a favor do ora requerente em 11/7/2015 (al. l) dos factos provados).

Esses documentos dizem respeito ao prédio cujo lote foi adquirido pelo ora Requerente como resulta do facto de todos esses documentos indicarem que se trata do lote..., exactamente o lote adquirido pelo requerente e situado no ..., na ..., como consta do contrato promessa (facto a) dos factos provados) e da escritura pública de venda (facto d) dos factos provados).

Portanto, entendeu-se que está provado que o prédio construído nesse lote é o prédio do Requerente e que as quantias pagas à cooperativa construtora o foram na edificação desse prédio. Essas quantias correspondem às prestações acordadas e têm suporte documental nas diferentes alíneas da cláusula 4ª. do contrato-promessa, também de empreitada, onde até se estipulavam multas para o não cumprimento tempestivo por parte do empreiteiro. A única excepção é a quantia de 2.500.000$00 (€ 12.470) depositada em 1/2/2001, pois a referência a crédito em conta desacompanhada de qualquer recibo com explícita referência à construção do prédio ou ao contrato promessa, também de empreitada, não comprova que seja destinada à obra em causa. Aliás foi o único pagamento expressamente impugnado pela AT.

Quanto ao pagamento de € 26.000, a referência que nele se faz à licença de habitação não significa que essa quantia tenha sido aplicada na obtenção dessa licença, mas apenas que essa obtenção, acompanhada com a entrega e aceitação das chaves determinava o vencimento da última prestação, como resulta de forma clara das alíneas e) e f) do contrato promessa com empreitada. O que, aliás, resulta evidente da expressão “com a Licença de Habitação”.

Deste modo, convenceu-se o tribunal que o Requerente despendeu as quantias em causa que foram consideradas provadas como contrapartida da construção do prédio que havia sido acordado entre o Requerente e a cooperativa que lhe vendeu o lote de terreno, até porque, pelas datas dos cheques e pelas datas dos recibos fica a verosimilhança de corresponderem à realidade, devidamente analisada e confrontada com outros documentos.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria de facto provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º., nº 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta ainda que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, sendo certo que algumas das afirmações constantes dos ofícios da AT foram expressamente aceites pelo Requerente, aplicando-se assim a mesma doutrina.

 

IV.    QUESTÕES A DECIDIR

 

1. Em face das posições assumidas e dos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, a questão de fundo em apreciação no âmbito do presente processo arbitral prende-se apenas com saber qual o valor de aquisição que se deve considerar para efeitos de determinação do IRS a pagar pelo requerente, sendo certo que é conhecido com exactidão o preço inicialmente pago pelo Requerente pelo lote adquirido, bem como o preço de venda do prédio acabado e até não são controvertidas as despesas com a alienação.

A questão cinge-se ao valor a considerar relativamente à moradia que o Requerente construiu no lote adquirido e depois desta aquisição.

 

2. O art.º 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária ex vi art.º 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, estabelece, relativamente à ordem do conhecimento dos vícios na sentença, que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art.º 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art.º 124.º). Dado que os vícios invocados pelo Requerente, a procederem, conduzem, prima facie, à anulação dos atos impugnados, cumpre atender ao disposto na al. b) do n.º 2 do art.º 124.º do CPPT, pelo que, caso seja estabelecida pelo impugnante uma relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos (vd. o art.º 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do ato impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), deve respeitar-se essa ordem – como se escreveu no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”. No caso presente, nas suas alegações o requerente começa por atacar o acto impugnado com fundamento em vícios procedimentais – impedimento do exercício efectivo do direito de audição prévia -, bem como vício da falta de fundamentação e vício de ilegalidade do recurso ao critério supletivo. Só depois é que se analisa a eventual ilegalidade da liquidação adicional oficiosa determinada pela AT. Porém, nunca estabelece entre eles uma qualquer relação de subsidiariedade. Por isso, vamos começar por analisar os vícios formais e depois consideraremos os vícios de ilegalidade apontados ao acto impugnado.

 

A. VÍCIOS DE NÃO EXERCÍCIO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA E DA EVENTUAL FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

1. O requerente alega que tendo pretendido exercer oralmente o direito de audiência prévia, o Serviço de Finanças de ... não aceitou receber os documentos que o ora Requerente pretendeu entregar para justificar as suas alegações.

                               Esses documentos, segundo alega o requerente, foram o contrato promessa do lote que incluía o contrato de empreitada da moradia no lote adquirido, bem como os documentos comprovativos dos pagamentos feitas com essa construção, que acabou por juntar com a sua petição inicial com o presente processo, segundo a sua alegação.

                               Embora se trate de uma irregularidade, pois no âmbito da audiência prévia, em que o contribuinte pode não só expor os seus argumentos, como também juntar os documentos que entenda pertinentes, nos termos do artº. 60º. da Lei Geral Tributária, tal recusa/omissão não constitui nulidade procedimental pois não tem a virtualidade de viciar o procedimento administrativo, pois que se não demonstra que com a junção desses documentos, a AT tivesse uma opinião diferente da que acabou por materializar na decisão que tomou.

                               E tanto assim é que, nos presentes autos, veio a defender essa sua decisão, não obstante esses documentos estarem juntos aos presentes autos e deles ter conhecimento a AT quando apresentou a sua contestação.

                               Por isso, considera-se que foi cumprida a formalidade da audiência prévia, embora se entenda que o seu exercício o foi de forma a limitar os direitos do contribuinte, atento o disposto no artº. 60º., nº. 7 da LGT, mas sem influência na decisão final no procedimento administrativo.

                               Por isso, julga-se improcedente o arguido vício do não exercício do direito de audiência prévia.

                              

2. Quanto ao vício arguido de eventual falta de fundamentação, também o mesmo não existe, pois que, muito embora, essa fundamentação não tenha acompanhado o acto de liquidação do adicional de IRS relativa ao ano de 2015, ela já emergia das notificações anteriores que foram feitas ao Requerente para fazer uma alteração do anexo G, por si apresentado.

                               Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), deve considerar-se “fundamentado o ato quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível por um destinatário normal colocado na posição em que se encontra o seu real destinatário” – Acórdão proferido no processo n.º 1051/09, de 17 de novembro de 2010.

                               Estes argumentos, o seu sentido e alcance, foram devidamente percecionados pela Requerente que os refuta de forma circunstanciada.

                               Deste modo, quando foi notificado da liquidação adicional o ora Requerente já conhecia o teor das divergências que a AT assinalara na sua declaração adicional de IRS, pois já anteriormente fora notificado para alterar a sua declaração inicial, mais exactamente o anexo G por comunicação de 29-8-2016 (alínea t) dos factos provados), onde lhe era indicado como deveria ser alterada essa declaração.

                               Além disso, na petição inicial do presente processo arbitral o Requerente revela conhecer o teor exacto dos argumentos da AT, refutando-os e apresentando a sua versão dos factos e do direito aplicável.

                               Assim, improcede, pelas razões expostas, o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

 

B. VÍCIO DE ILEGALIDADE POR RECURSO AO CRITÉRIO SUPLETIVO

 

Quanto ao vício da eventual ilegalidade por recurso ao critério supletivo, ele prende-se manifestamente com a questão de fundo.

Com efeito, o recurso ao Valor Patrimonial Tributário (VPT) com o critério de determinação do valor de aquisição só é possível em segunda linha se não forem provados reais custos de construção da moradia que foi edificada no lote ..., o que é questão a analisar em sede de apreciação do vício invocado de ilegalidade do acto de liquidação.

Por isso, entendemos que este é mais um vício de fundo que de forma, pelo que será apreciado naquela sede.

 

C. VÍCIO DE ILEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO

 

1. Nos termos do artº. 43º. do CIRS, na redacção vigente em 2015, determinava-se no seu nº. 1 que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes” e que, nos termos do nº. 2, “o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”

Ou seja, a mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr. artº.44, do C.I.R.S.).

Aliás, isso também resulta do disposto no artº. 10º., nº.1, al. a) do mesmo CIRS, onde a lei define o que se entende por mais-valias e que correspondem aos “ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário. “

Não havendo dúvidas quanto ao valor de realização e que é o que está inscrito na al. r) dos factos provados, ou seja, que “por escritura pública celebrada 6/10/2015, no Cartório Notarial de ..., sito em ..., o Requerente e respectivo cônjuge C... declararam vender a D... e marido E..., que declarou comprar o prédio urbano correspondente ao artº. ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da freguesia da ..., pelo preço declarado de € 300.000.”, facto este que, para além de provado pelo documento 12 junto com a petição inicial - documento autêntico -, é também objecto de acordo entre as partes como resulta dos diversos documentos de liquidação, quer apresentados pelo requerente, quer constantes de liquidações oficiosas elaboradas pela AT.

O problema coloca-se apenas quanto ao valor de aquisição.

 

2. Nos termos do artº. 46º. do CIRS, vigente ao tempo dos factos (2015) e ainda hoje em vigor, exactamente sobre a epígrafe “valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, determina a lei o seguinte:

1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.

4 - Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n.ºs. 1 e 2 deste artigo.

5 - Nos casos de bens imóveis adquiridos através do exercício do direito de opção de compra no termo da vigência do contrato de locação financeira, considera-se valor de aquisição o somatório do capital incluído nas rendas pagas durante a vigência do contrato e o valor pago para efeitos de exercício do direito de opção, com exclusão de quaisquer encargos.

 

                Dúvidas não há também que o negócio de venda referida na al. r) dos factos provados se trouxe incrementos patrimoniais ao património particular do Requerente, esses incrementos patrimoniais constituem mais valias que têm legalmente de ser tributadas.

                Para sua determinação, temos que considerar desde logo, o valor de aquisição, que segunda lei é o “o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis”.

                Ora, este valor não foi trazido aos presentes autos, pois a própria AT apenas considera como valor de aquisição o valor da avaliação que resultou da avaliação para efeitos de fixação do Valor Patrimonial Tributário subsequente à participação de prédio acabado feita pelo ora Requerente em 11/2/2000, conforme referido no facto m) dos factos provados.

                Porém, na escritura de aquisição celebrada em 5/11/97 e que foi considerada provada no facto d) dos factos provados consta que foi arquivado o conhecimento de sisa número 1351, emitido no dia 9 de Outubro de 1997 pela Repartição de Finanças do concelho de ... .

                Deste modo, o preço que é relevante é o preço declarado nessa escritura, ou seja, o preço de 2.895.000$00 (€ 14.440,20). Com efeito, foi este o valor que terá servido de base à liquidação da Sisa, que como é do conhecimento geral era o imposto que antecedeu o IMT, pelo que seria este o imposto, cuja base de liquidação serviria de base ao cálculo das mais valias, nos termos do nº. 2 do artº. 46º. do CIRS.

 

3. Como resulta da escritura de compra e venda, por esta apenas foi transmitido um lote de terreno para construção, o lote ..., pelo preço nela consignado, aliás de acordo com o que as partes compradora e vendedora haviam já acordado num contrato promessa celebrado ainda nessa data de 5/11/1997.

Porém, logo nesse contrato promessa ficou acordado um contrato de empreitada para construção de uma moradia naquele lote, construção essa que seria realizada pela empresa vendedora “B...– Cooperativa de Habitação e Turismo da ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada”, nos termos que constam da al. f) dos factos provados, tendo as partes fixado logo o valor da empreitada que seria pago pelo Requerente, bem como a forma de pagamento, mais exactamente a quantia de 21.712.500$00 (€ 108.301,49) pela moradia a edificar, bem como o valor de 4.342.500$00 (€21.660,30), pelas infraestruturas urbanísticas, equipamentos e espaços exteriores comuns atribuídos ao referido lote.

O pagamento consta da al. b) dos factos provados relativamente a esta última quantia, que foi paga no dia 6/11/1997, sendo a quantia relativa à construção do prédio paga segundo o plano considerado provado na al. g) dos factos provados.

E consta também como provado que a referida empresa cooperativa procedeu à construção desse prédio e que o Requerente pagou sucessivamente as seguintes quantias em cumprimento do clausulado (al. h) dos factos provados):

- 3.000.000$00 (€ 14.964,00) em 22/5/98 - al. a) do nº. da cláusula 4ª.;

- 3.000.000$00 (€ 14.964,00) em 25/7/98 - al. b) do nº. da cláusula 4ª.;

- 2.712.500$00 (€ 13.530,00) em 12/9/98 - al. c) do nº. da cláusula 4ª.;

- 3.000.000$00 (€ 14.964,00) em 11/2/99 - al. d) do nº. da cláusula 4ª.;

- € 26.000,00 em 4/8/2005 com a licença de habitação - al. f) do nº. da cláusula 4ª.

                Ou seja, comprovou-se que o Requerente por força da construção do seu prédio pela cooperativa vendedora do lote pagou-lhe a quantia de € 84.422, conforme está provado nessa alínea h) com base nos recibos.

 

4. Ora, conforme refere o nº. 3 do citado artº. 46º. do CIRS, “o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.”

Interpretando esta norma o primeiro critério a ser utilizado é, segundo este nº. 3, o critério do custo real e só na falta ou impossibilidade de se determinar o custo da construção do prédio é que se deve adoptar o valor patrimonial inscrito na matriz.

Que a casa que foi construída no lote adquirido pelo Requerente resulta claramente provado, nos termos dos factos provados e respectiva fundamentação.

Assim sendo com a aquisição do lote pelo preço de 2.895.000$00, ou seja, € 14.440, com o pagamento do valor das infraestruturas urbanísticas, equipamentos e espaços exteriores comuns atribuídos ao referido lote, no valor de 4.342.500$00 (€ 21.660,30) e com os pagamentos relativos à construção do prédio, no valor total de € 84 422, nos termos do artº. 46º., nº. 3 do CIRS, o preço de aquisição suportado pelo requerente com o lote e subsequente prédio que construiu nesse lote, incluindo as respectivas infraestruturas foi de € 120.522,30.

A teleologia da dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias inscreve-se no princípio genérico de que o rendimento sujeito a tributação deve ser um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida, pelo que os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento, mesmo tratando-se de um rendimento de natureza não recorrente, irregular ou fortuito, como é o caso das mais-valias, devem ser subtraídos ao valor de realização.

O entendimento que ora seguimos foi também sufragado pelos Acs. do TCA Norte de 04-05-2017, proferido no processo nº. 00314/06.6BEBRG e de 29-3-2012, proferido no processo nº. 00011/04.7BEMDL.

 

5. Entende a AT que o valor a considerar é apenas o VPT resultante da primeira avaliação fiscal, na sequência da participação, feita em 11/2/2000, pelo Requerente no SF de ..., através do Modelo 129 - Inscrição na matriz do prédio com a seguinte descrição “Moradia Unifamiliar, em banda, destinada a habitação, composta de 1 piso e logradouros”.

Consta desse Modelo 129 que “(i) Data da conclusão das obras: 05/02/2000; (ii) Observações do declarante: Protesta entregar licença de habitação logo que a mesma seja emitida pela C.M. ...: (iii) Área coberta: 173,80m2”

O prédio foi avaliado por 18.360.000$00 (€ 91.579, 29)

Ora foi este, no entender da AT, o valor de aquisição a considerar, pois que o Requerente beneficiou, do ano de 2000 ao ano de 2009 (10 anos) da isenção da contribuição autárquica/IMI e, além disso, a licença de utilização do imóvel nº .../2005 só foi emitida pela Câmara Municipal de ..., para Habitação, Garagem e Piscina, com a área coberta de 175m2.

Por isso, ainda segundo a AT, o requerente quando apresentou o Modelo 1 em 20/02/2009 (com efeitos a 2005), declarou os seguintes elementos de Qualidade e Conforto: “1- Moradias Unifamiliares, 2 - Localização em condomínio fechado, 3 – Garagem Individual e 5 – Piscina Individual, 15- Inexistência de rede pública ou provada de gás” e referiu como data da conclusão das obras: 11/07/2005

                Deste modo, segundo a AT, porque em 23/01/2002, a CM de ... aprovou alterações ao projecto /construção de piscina (of. ... de 3/10/2009), a licença de habitação apenas se reporta a estas alterações.

                Consequentemente, tendo o prédio (edificado) sido inscrito na matriz em 2000, nunca poderiam ser contabilizadas como “custos de construção”, despesas (ainda que devidamente comprovadas) posteriores a essa data, sendo certo que despesas com melhoramentos (como, no seu entender, está demonstrado ser o caso, designadamente com a construção da piscina), não integram o conceito de “custos de construção” e também não constituem “custo de construção” as despesas com licenças de habitação.

 

6. É que, tanto o Código da Contribuição Autárquica, como o CIMI, à data de 2005, não impunham que o imóvel só fosse inscrito após a obtenção da licença de utilização.

Assim era, no tempo da Contribuição Autárquica, cujo art.º 11º do respectivo código, dispunha que:

“1 – Os prédios urbanos presumem-se concluídos ou modificados na mais antiga das seguintes datas:

a) Em que for concedida licença camarária, quando exigível;

b) Em que for apresentada a declaração para inscrição na matriz;

c) Em que se verificar uma qualquer utilização, desde que a título não precário;

d) Em que se tornar possível a sua normal utilização para os fins a que se destina.”

Por seu turno, o art.º 10º do CIMI (na redacção à data dos factos) dispunha que:

“1 - Os prédios urbanos presumem-se concluídos ou modificados na mais antiga das seguintes datas:

a) Em que for concedida licença camarária, quando exigível;

b) Que a declaração de inscrição na matriz indique como data de conclusão das obras;

c) Em que se verificar uma qualquer utilização, desde que a título não precário;

d) Em que se tornar possível a sua normal utilização para os fins a que se destina;

 

Cabe aqui referir que, mesmo em 1999, já estava em vigor a Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei nº. 398/98, de 17 de Dezembro), a qual determina no seu artº. 73º. que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário” e no seu artº. 74º., nº. 1 onde se determina que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

7. Cabe agora apreciar a argumentação expendida pela AT para verificar se tem razão relativamente ao acto praticado.

                               E a primeira análise é a de saber se a licença de habitação emitida pela Câmara Municipal de ... diz respeito apenas às obras decorrentes do aditamento ao inicial alvará de licença de construção ou se respeita a todo o prédio edificado.

                               Ora, com base no texto da mesma licença, conforme o facto provado na alínea l) dos factos provados, a resposta tem de ser negativa relativamente à primeira hipótese referida.

                               Com efeito, consta do referido Alvará de Licença de Utilização nº. .../2005 que o mesmo “titula a autorização de utilização do edifício sito em ALDEAMEMTO ... - LOTE ... – ..., da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º... e inscrito na matriz Predial Urbana da respectiva freguesia, sob o artigo n.º..., a que corresponde o licenciamento titulado pelo alvará de licença de construção n.º .../97, emitido em 1997/12/31, a favor de B... - COOPERATIVA DE HABITAÇÃO E TURISMO DA ..., CRL.”

                               Deste modo, aquele alvará de Licença de Utilização nº... /2005 (facto l) dos factos provados) diz respeito à globalidade do prédio licenciado para construção sob o alvará de licença de construção nº. .../97 (facto i) dos factos provados), tendo sido autorizada a seguinte utilização: HABITAÇÃO UNIFAMILIAR, GARAGEM E PISCINA, discriminando o Piso 0 – rés-do-chão, com 175 m2 com habitação e garagem e piscina com capacidade de 30 m3.

                               Como naquele lote ... não foi construída mais nenhuma habitação, pelo menos a AT, a quem o facto aproveita não o alega, cabendo-lhe esse ónus, tem de ser julgado inválido o argumento de que o alvará nº. .../2005 não se refere à totalidade do edificado no lote ..., pelo que só com a sua emissão foi legalmente permitida a utilização do prédio edificado.

 

8. Argumenta ainda a AT que, tendo o prédio (edificado) sido inscrito na matriz em 2000, nunca poderiam ser contabilizadas como “custos de construção”, despesas (ainda que devidamente comprovadas) posteriores a essa data, sendo certo que despesas com melhoramentos (como está demonstrado, segundo alega, ser o caso, designadamente com a construção da piscina), não integram o conceito de “custos de construção” e também não constituem “custos de construção” as despesas com licenças de habitação.

                               Desde logo, não é exacto o argumento, pois que, como se alcança do facto h) dos factos provados, para além do preço de aquisição do lote, bem como o pagamento do custo das infraestruturas urbanísticas, o Requerente pagou, pelo menos e por conta da construção da vivenda edificada nesse lote, as quantias referidas nas alíneas a) a d) da cláusula 4ª. do contrato celebrado com a Cooperativa que o construiu durante o ano de 1999, ou seja, antes da participação fiscal de prédio acabado ocorrida em Fevereiro de 2000.

                               Acresce que, estando provado que o pagamento realizado em 4/8/2005 o foi também por causa da construção da edificação no lote do Requerente, deve o mesmo ser considerado como custo da construção da referida vivenda.

                               É que a lei não distingue entre custos pagos antes ou depois da participação desde que tenham sido, como se provou ser o caso, relacionado com a construção.

                              

9. Problema agora a analisar é o de saber qual o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de determinação do custo de aquisição, se o valor da avaliação de 2000, se o valor da avaliação de 2009, mas com efeitos retroagidos a 2005, tendo o Requerente pago os IMI’s correspondentes desde 2005, na parte não isenta.

                               Na realidade, o Requerente fez duas participações fiscais relativas ao edifício que implantou no seu lote ..., uma em 2000 e outra em 2009. Porém, esta resultou de imposição da AT, que face à avaliação subsequente liquidou ao Requerente o respectivo IMI desde a data em que este obteve a licença de construção.

                               Verifica-se aqui uma contradição na argumentação da AT, pois para efeitos de IMI e respectiva cobrança, entende que o prédio só se considera concluído com a licença de construção, de modo que notifica o Requerente em 2009 para fazer a correspondente participação e, após a respectiva avaliação, liquida IMI desde 2005 e para efeitos de liquidação de mais valias considera o VPT resultante da avaliação feita no ano 2000, por força da participação de prédio concluído feita pelo ora Requerente.

                               Só que entendemos que para efeitos da decisão dos presentes autos, essa contradição não tem quaisquer consequências.

 

10. Volvendo ao nº. 3 do artº. 46º. do CIRS, “o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.”

                               Sabemos que o valor do terreno (preço pelo qual foi comprado), acrescido dos custos de construção devidamente comprovados e que foram considerados provados atinge o valor de € 120.522,30.

                               Por outro lado, o VPT resultante da avaliação de 2000 é de € 91.759,29, portanto largamente inferior “ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados”.

                               Logo, tem de ser, pelo menos, a este valor que se terá de atender para efeitos de liquidação das mais valias , e não ao VPT resultante da avaliação de 2000, que a o citado nº. do artº. 46º. do CIRS só considera aplicável se o “valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados” não for superior. Deste modo, o recurso a critério supletivo do valor do VPT é ilegal.

                               Consequentemente, a liquidação efectuada pela AT viola o disposto nesse artº. 46º., nº. 3 do CIRS, pelo que é anulável, por vício de violação da lei substantiva, o que se vai decidir.

 

V. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS:

O requerente peticiona ainda a condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre a totalidade do imposto pago – alínea x) dos factos provados - desde a data em que foi pago imposto liquidado ora anulado até à data em que vier a ser reembolsado ao requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.

A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

No caso ora em apreciação, o erro que afeta a liquidação impugnada é exclusivamente imputável à requerida AT, que liquidou o imposto adicional de IRS em violação do disposto no artº. 46º., nº. 3 do CIRS, mesmo após a oposição do Requerente, pelo que dúvidas não existem de que tem o requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.

É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao proceder à liquidação ora anulada, pelo que deve pagar ao Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia paga, contados à taxa legal, desde o seu pagamento até à restituição do imposto. 

Portanto, tem o ora requerente direito a ser reembolsado relativamente à quantia que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizado por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

VI - DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2019... (nº Acerto de Contas 2019..., Liquidação de Juros nº 2019...) e da liquidação e nota de demonstração de acerto de contas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2019... (nº Acerto de Contas 2019..., Liquidação de Juros nº 2019...), que fixou um imposto global adicional a pagar de 28.271,88€, liquidações essas que se declaram anuladas para todos os devidos e legais efeitos

 b)    Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao requerente o montante de imposto indevidamente pago, quantia essa acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.

 c)    Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em euros de € 28.271,88.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 530.00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2020

***

O Árbitro

 

José Joaquim Sampaio e Nora

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.