Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Fernando Borges de Araújo e Catarina Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 22 de Março de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2017..., relativo ao ano de 2013, no valor de € 108.547,81, e da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa que teve o referido acto como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. vício de violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, por erro nos pressupostos de facto;
ii. vício de erro sobre os pressupostos de direito, por aplicação de uma norma ilegal, com fundamento na violação do princípio da justiça, previsto no artigo 55.º da LGT.
3. No dia 25-03-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 17-05-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-06-2019.
7. No dia 09-07-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. No dia 05-11-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente dedica-se à actividade principal de montagem de materiais refratários, isolante e anticorrosivos e construção e projecto de instalações industriais.
2- A Requerente internacionalizou a sua actividade.
3- A internacionalização da Requerente foi assegurada através da constituição ou aquisição de participações maioritárias nas seguintes sociedades:
• B..., em Itália;
• C..., no Reino Unido;
• D..., em França;
• E..., no Japão;
• F..., na Índia;
• G..., na Polónia;
• H... Ltda., no Brasil;
• I..., S.A., em Portugal; e
• J..., Lda., em Portugal.
4- A Requerente contraiu diversos empréstimos, contabilizados nas diversas contas 2511 (Financiamentos obtidos – contas caucionadas/Empréstimos bancários) e 2512 (Descobertos bancários), que em 31-12-2013, totalizaram € 6.693.049,32.
5- A Requerente suportou encargos financeiros com os referidos empréstimos que contabilizou como gasto e que em 2013, ascenderam a € 395.585,67.
6- Uma parte dos financiamentos obtidos foi utilizada pela Requerente para conceder empréstimos não remunerados a 10 empresas participadas, associadas e subsidiárias, sujo saldo devedor em 31-12-2013 era o seguinte:
7- Apenas o empréstimo concedido à participada K... BV (K...) foi remunerado, tendo sido reconhecidos, no período de tributação de 2013, rendimentos no montante de €13.203,70.
8- A Requerente financiou-se junto de entidades financeiras e dos próprios accionistas.
9- Não sendo possível, à data da formalização do contrato de financiamento com os accionistas, determinar o momento exacto do reembolso, ficou determinado que o reembolso seria realizado tão depressa quanto possível.
10- Os accionistas foram reembolsados do capital em dívida ao longo do exercício de 2014 porém, os juros acordados não foram, até esse ano, pagos ou colocados à disposição dos accionistas.
11- A Requerente procedeu ao reconhecimento dos juros dos encargos devidos e gerados nos exercícios em causa.
12- A opção pela não remuneração dos empréstimos tinha como propósito de curto prazo assegurar uma redução de custos operacionais das participadas e a médio/longo prazo assegurar que as mesmas contribuíam directa ou indirectamente para os resultados da própria Requerente.
13- A concessão de empréstimos não remunerados às participadas teve como objectivo expandir o mercado da Requerente, ganhar representatividade e credibilidade e adquirir novos clientes.
14- Foi devido à existência da sociedade G... na Polónia que a Requerente conseguiu angariar clientes e cumprir as suas obrigações decorrentes de contratos celebrados na Polónia.
15- No que respeita à B..., em consequência das operações realizadas foi deliberada a distribuição de dividendos em 2017.
16- A presença directa no mercado internacional através da localização das suas participadas, foi um factor decisivo da angariação de clientes e na adjudicação de serviços à Requerente.
17- Em 2013, a Requerente realizou às entidades relacionadas prestações de serviços num valor global de cerca de 11 milhões de euros.
18- A Requerente teve, em 2013, cerca de 28 milhões de euros de rendimentos no mercado externo.
19- À data da concessão do empréstimo, a sociedade J... Lda., encontrava-se na iminência de ser encerrada.
20- A Requerente tinha interesse em manter o cumprimento do contrato de leasing que se encontrava em vigor, relativamente a um imóvel detido pela J... Lda., de forma a evitar custos maiores para esta, decorrentes do incumprimento do contrato celebrado com a respetiva instituição financeira e a perda do bem.
21- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, através da Ordem de Serviço n.º OI2016..., tendo por referência o exercício de 2013.
22- Em 19-10-2017, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, no qual a AT propunha as seguintes correções:
• não aceitação de encargos financeiros suportados com empréstimos bancários no valor de €313.912,62, referente ao ano de 2013, por não estar cumprido o requisito da indispensabilidade conforme estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC;
• não aceitação dos custos suportados com juros de suprimentos efetuados pelos accionistas no montante de €33.324,00, por não estar comprovado o vencimento dos mesmos.
23- Em 03-11-2017, a Requerente exerceu direito de audição.
24- Em Novembro de 2017, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção no qual consta, além do mais, o seguinte:
25- Mais consta do relatório de inspecção o seguinte:
26- Na sequência da referida inspecção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., no valor de €108.547,81.
27- A Requerente apresentou reclamação graciosa tendo o referido ato de liquidação como objeto.
28- Tendo sido notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, em 30-11-2018, a Requerente exerceu direito de audição.
29- Em 24-12-2018, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... .
30- Em 14-11-2019, a AT procedeu à compensação, no âmbito do processo de execução fiscal, no montante de €107.805,07, com vista ao pagamento do valor liquidado.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, , bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Em causa nos presentes autos estão exclusivamente em causa as correcções operadas pela AT relativamente a encargos, não aceites fiscalmente, relacionados com financiamento gratuito a participadas, com fundamento no disposto no art.º 23.º/1/c), vigente à data do facto tributário.
A redacção da norma em questão, é a seguinte:
“1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”;
A matéria em questão foi objecto de ampla apreciação e discussão, a nível jurisprudencial e doutrinal, sendo que, independentemente do mais, julga-se que o ponto de partida para a apreciação de qualquer questão que se apresente a decidir relativa à matéria em causa, deve ser, conforme formulado no Acórdão do STA de 04-06-2014, proferido no processo 01763/13, o de que “a relevância ou não de determinadas despesas como custos do exercício sempre teria que ser vista em concreto, caso a caso, em função do peculiar contexto empresarial em que se desenvolvem e das finalidades que prosseguem”.
Posto isto, “constitui jurisprudência consolidada do S.T.A. que à luz do artº.23, do C.I.R.C., não são de considerar como fiscalmente relevantes, além do mais, os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas” .
Com efeito, reiteradamente, tem afirmado o STA que “À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.” e que “Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos” .
O referido entendimento tem sido reafirmado por aquele Superior tribunal, ao longo dos anos e até ao presente, tendo nos acórdãos de 19-04-2017 e de 28-02-2018, proferidos, respectivamente, nos processos 0925/16 e 01206/17, sido exarado que:
- “I - Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.
II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”;
- “I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.
II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.
III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.
IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.”.
Por seu lado, doutrina relevante, como dá conta a Requerente, emergiu em várias sedes de forma crítica em relação à jurisprudência assinalada, pugnando que os financiamentos gratuitos de uma sociedade a uma outra, sua participada, poderão ainda considerar-se como exercício da actividade empresarial daquela.
No processo arbitral 695/2015T , é revista doutrina e jurisprudência anterior sobre a matéria, análise para a qual se remete.
Em síntese, no referido aresto arbitral, quanto ao conceito de activo e de fonte produtora, conclui-se que quanto à questão “Uma sociedade participante que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?, deverá considerar-se que “a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”.
Entendeu-se assim, naquele caso, que quando a participante financia as participadas (seus activos financeiros), na contabilidade da participante “a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros” da participante.
Mais se julgou que “a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da [participante], que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da [participante]: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.”.
Ainda no acórdão arbitral em questão, acabou-se por concluir que: “… a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela [participante]. …, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.
Ponderados os vários argumentos das posições antagónicas acima apresentadas, propende-se para o entendimento de que os financiamentos de uma sociedade a uma sua participada, da qual detenha uma parte substancial do capital social, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira, conquanto que, na parte não detida pela sociedade financiadora, igual participação haja sido aportada pelos restantes sócios.
Com efeito, será notório, crê-se, que numa situação dessas a “saúde” financeira da sociedade participada se revista de capital importância para a sociedade participante, como notório será que o bom desempenho económico da sociedade participada é susceptível de gerar ganhos sujeitos a IRC para a sociedade participante, quer ao nível do aumento do valor económico das participações, com o consequente aumento do património e da robustez financeira da sociedade participante, e todas as vantagens, em termos de mercado, que daí advêm, quer ao nível da eventual geração de dividendos e/ou mais-valias.
Deste modo, não se julga que se deva colocar em causa que a disponibilização de meios financeiros, por uma sociedade participante a uma sua participada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira.
No que diz respeito à existência e quantificação da taxa de juro aplicada, com o referido acórdão arbitral proferido no processo 695/2015T do CAAD, julga-se que a questão deverá ser, nas situações em causa, aferida à luz do regime dos preços de transferência, regulada no art.º 63.º do CIRC, e não à luz da necessidade dos gastos, regulada no art.º 23.º do mesmo Código.
Não obstante, e como se viu, à luz da redacção vigente em 2013 da norma aplicanda (art.º 23.º/1/c) do CIRC então vigente), a jurisprudência do STA na matéria é clara e reiterada, no sentido de que “os encargos financeiros (...) suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas (...) associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”.
Efectivamente, julga-se que o problema fiscal da concessão de empréstimos por sociedades participantes a sociedades participadas, em situações como a dos presentes autos, reside, não na falta de interesse empresarial na operação, mas, antes, na possibilidade de esses interesses serem prosseguidos de maneira abusiva, permitindo a transferência de resultados entre as sociedades envolvidas, de forma não permitida pela lei, sendo que, de resto, o art.º 63.º do CIRC se refere expressamente a tais situações, ao incluir nas suas previsões as “operações financeiras”.
Efectivamente, como a própria AT, refere, a questão prende-se essencialmente com a “assunção de passivos elevados por uma sociedade ( a ora Requerente) por conta de outras ( as sociedades participadas) que efectivamente utilizam aquele financiamento no desenvolvimento da actividade económica, com óbvias consequências tanto nos resultados líquidos e fiscais apurados como nas demonstrações financeiras que resultam deturpadas em deterimento das que se obteriam caso o financiamento oneroso estivesse alocado às sociedades que dele efectivamente necessitaram e o aplicaram no exercício da actividade empresarial.”. Matéria que, manifestamente, julga-se, é típica do regime de preços de transferência, e não do regime da necessidade dos gastos.
Não obstante, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).
Por outro lado, e nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”.
Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência firmada pelo STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade fundamental dos factos e do direito a aplicar a este, entre o presente caso, e os já julgados quer pelo STA, quer pelos Tribunais Centrais Administrativos, seria, não só susceptível de recurso nos termos do referido art.º 25.º/2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada por aquele Alto Tribunal.
Assim, e em suma, não se crê que tivesse qualquer utilidade, pelo contrário (daria azo a tramitação processual adicional inútil e desnecessária), este Tribunal concluir de outra forma, no que diz respeito às correcções ora em apreço, relativas ao exercício de 2013, que não a reafirmada recorrentemente pelos Tribunais estaduais superiores, ou seja, que os encargos financeiros suportados pela Requerente com o financiamento gratuito das suas participadas não têm acolhimento, no que à sua dedutibilidade diz respeito, no disposto no art.º 23.º/1/c) do CIRC aplicável, por não se apurar que o objecto social da Requerente abranja a detenção e gestão de participações sociais.
A Requerente alega ainda a violação do n.º 2 do art.º 23.º do CIRC aplicável.
Todavia, o que se verifica é que a liquidação objecto do presente processo arbitral não se funda nesse normativo, cujo teor é:
“Não são aceites como gastos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação.”.
Por outro lado, invoca ainda a Requerente a violação do princípio da justiça, consagrado no art.º 55.º da LGT, alegando, simplesmente, que “não podem as sociedades que investem nas suas participadas e no crescimento do grupo ser discriminadas face àquelas cujos encargos financeiros são aplicados apenas a financiar a atividade normal ou corrente da própria empresa que se endividou, num conceito de atividade restritivo e que não atende à diversa natureza dos ativos que os capitais alheios podem financiar nem aos tipos de rendimento (operacionais, financeiros) que as empresas podem obter.”.
Ora, um dos vectores básicos do princípio da justiça, é o de não tratar o desigual como igual.
No caso, uma sociedade que prossiga a actividade em nome próprio, não está numa posição igual a uma sociedade que prossiga a sua actividade, ou a pretenda incrementar, por meio da constituição de subsidiárias, que são pessoas jurídicas, e centros de responsabilidade tributária, autónomos.
Daí que não vislumbre qualquer violação do princípio da justiça invocado.
Assim, e pelos fundamentos expostos, deverá improceder o pedido arbitral.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Absolver a Requerida do pedido; e
b) Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 108.547,81, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2020
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Fernando Borges de Araújo)
O Árbitro Vogal
(Catarina Gonçalves – com voto de vencida)
Declaração de voto
Pese embora os argumentos invocados pelos Exmos Senhores Árbitros que a subscreveram, não acompanho a posição que fez vencimento quanto à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente com o financiamento gratuito das suas participadas.
Esta divergência resulta não da questão de fundo, mas das consequências retiradas em virtude da existência de Jurisprudência reiterada dos tribunais superiores em sentido diverso do que defendo.
De facto, e em síntese, tal como outros antes de mim , entendo que:
a) A concessão de financiamentos a uma participada integra ainda o conceito de atividade própria da participante, mesmo que esta não seja uma SGPS;
b) A questão em apreço deverá ser analisada à luz do regime dos preços de transferência e não à luz do art.23.º do CIRC.
E é este, penso ser também um entendimento comum aos demais árbitros deste Acórdão: “Ponderados os vários argumentos das posições antagónicas acima apresentadas, propende-se para o entendimento de que os financiamentos de uma sociedade a uma sua participada, da qual detenha uma parte substancial do capital social, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira, conquanto que, na parte não detida pela sociedade financiadora, igual participação haja sido aportada pelos restantes sócios. No que diz respeito à existência e quantificação da taxa de juro aplicada, com o referido acórdão arbitral proferido no processo 695/2015T do CAAD, julga-se que a questão deverá ser, nas situações em causa, aferida à luz do regime dos preços de transferência, regulada no art.º 63.º do CIRC, e não à luz da necessidade dos gastos, regulada no art.º 23.º do mesmo Código. Efectivamente, julga-se que o problema fiscal da concessão de empréstimos por sociedades participantes a sociedades participadas, em situações como a dos presentes autos, reside, não na falta de interesse empresarial na operação, mas, antes, na possibilidade de esses interesses serem prosseguidos de maneira abusiva, permitindo a transferência de resultados entre as sociedades envolvidas, de forma não permitida pela lei, sendo que, de resto, o art.º 63.º do CIRC se refere expressamente a tais situações, ao incluir nas suas previsões as “operações financeiras”.”
Pelo que, ainda que entenda a posição assumida à luz do princípio da económica processual, não posso deixar de discordar da mesma, porque substancialmente não concordo com a matéria de fundo.
Catarina Gonçalves