DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A. A MARCHA DO PROCESSO
1. A A..., LDA. (doravante Requerente), NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, veio, em 3.12.2018, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01.2011 (doravante «RJAT»), apresentar um pedido de pronúncia arbitral («PPA») no âmbito do CAAD onde solicita:
(a) a anulação de um conjunto de atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA»), relativos a transmissões de bens alimentares de panificação (identificados em lista anexa como documento n.º 1) efetuadas nos anos de 2014 a 2016, no valor de € 415.268,83, acrescido de juros compensatórios que se cifram em € 38.944,74, perfazendo, assim, o montante global de € 454.213,57 (cfr. p. 1 do PPA), por considerar estarem tais liquidações feridas de ilegalidade nos pressupostos de facto e de Direito, devendo a essas transmissões aplicar-se a taxa reduzida de IVA de 6% (cfr. PPA, p. 68);
(b) a anulação dos atos de liquidação de IVA por si efetuados no segundo semestre de 2016 referentes a operações tributáveis com "sumos naturais", às quais a Requerente aplicou a taxa normal de IVA (23%), alegando ter seguido a orientação da AT constante do Ofício-Circulado n.º 30181, de 06.06.2016, em vez da taxa reduzida de 6% que agora entende ser aplicável à situação em causa, por considerar ilegal a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) constante da referida orientação, e solicitando, em consequência, a restituição do IVA indevidamente cobrado, no montante de € 364.062,05 (cf. art. 162 da PPA, art. 120 das alegações e doc. n.º 5 anexo à PPA);
(c) o reembolso à Requerente de quaisquer quantias já pagas, e bem assim de quaisquer quantias que, entretanto, possam vir a ser pagas ou ser indemnizada por quaisquer quantias desembolsadas para sustar a execução, nomeadamente custos com garantias prestadas, acrescidas dos juros legais e indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao efetivo reembolso e tudo com as devidas consequências legais (cf. pp. 68 e 69 do PPA);
(d) que a AT calcule e liquide juros indemnizatórios a seu favor desde o momento em que foi pago o IVA em excesso a anular, em virtude de erro imputável aos serviços consubstanciado no acima referido Ofício-Circulado que entende consagrar um entendimento absolutamente ilegal acerca da tributação dos ditos "sumos naturais".
2. A Requerente, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 5.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, procedeu no PPA à designação como árbitro da Profª Doutora Clotilde Celorico Palma, indicando ainda como testemunha B..., gestora de empresas.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, efetuado em 03.12.2018, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 04.12.2018 e notificado à Requerida em 10.12.2018.
4. Em 13.12.2018, a Requerente enviou para junção aos autos a ficha técnica do produto "Massa Prokorn".
5. Em 23.01.2019, a AT comunicou que mantinha, nos seus precisos termos, os atos tributários indicados como objeto do pedido e informou ainda, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 3 do RJAT, que designava como árbitro o Dr. Emanuel Vidal Lima.
6. Os árbitros indicados pelas Partes aceitaram o respetivo encargo e, não se tendo verificado qualquer oposição à sua designação, informaram o Exm.º Presidente do Conselho Deontológico do CAAD que, com base no n.º 6 do artigo 11.º do RJAT, pretendiam, por consenso, designar o Prof. Doutor António Carlos dos Santos como árbitro presidente do Tribunal Arbitral.
7. Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, foi constituído em 18.02.2019 o Tribunal Arbitral coletivo.
8. Por despacho arbitral de 25.02.2019, foi notificada, nos termos do artigo 17.º do RJAT, a Exm.ª Diretora-Geral da AT para apresentar resposta e providenciar a remessa de cópia do procedimento administrativo, tendo este sido recebido no CAAD em 01.04.2019.
9. Na mesma data, a Requerida apresentou a sua resposta, onde, para além de se pronunciar sobre a questão das liquidações adicionais de um conjunto de produtos alimentares (em termos adiante analisados), invocou quanto às liquidações relativas aos "sumos naturais", três questões prévias tendentes à declaração de incompetência do Tribunal Arbitral.
10. Dada a especificidade da matéria de facto relativa à questão de saber, em concreto, o que poderia ser considerado como "pão" para efeitos de IVA, o Tribunal, por despacho de 17.04.2019, solicitou às Partes que estas indicassem nomes de técnicos que pudessem efetuar uma peritagem e indicou o dia 11.06.2019 para a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente.
11. Em 24.04.2019, a Requerente, invocando o princípio do contraditório, apresentou um novo requerimento onde defende a redução do âmbito das questões a tratar por este Tribunal face ao reconhecimento expresso pela AT da não conformidade com a lei das liquidações adicionais de IVA de produtos de padaria referentes aos períodos de imposto relativos a 2014, 2015 e primeiro trimestre de 2016, e onde defende ainda a competência do Tribunal para apreciar a questão dos "sumos naturais", contestando assim as questões prévias suscitadas pela Requerida nesta matéria.
12. Em 09.05.2019, a Requerente solicitou prorrogação do prazo para indicar o nome de um perito, prorrogação essa concedida a ambas as Partes por despacho de 10.05.2019.
13. Em 13.05.2019, a Requerida solicitou esclarecimentos sobre o objeto da perícia.
14. Em 20.05.2019, a Requerente indicou o Chefe C... como perito.
15. Em 23.05.2019, a Requerida reafirmou a necessidade dos esclarecimentos pedidos a 13.05.2019 e solicitou informação sobre quem suportará os custos da prova pericial.
16. O objeto da prova pericial foi esclarecido por despacho arbitral de 28.05.2019, onde se refere igualmente que o Coletivo pretendia a nomeação, se possível por consenso, de um único perito, a expensas da Requerente.
17. Em 03.06.2019, a Requerida apresentou novo requerimento em que se opõe ao objeto da perícia e ao nome do perito apresentado pela Requerente, protestando apresentar o nome de um perito próprio e insistindo na ideia de uma peritagem coletiva e na produção da prova testemunhal depois da peritagem.
18. Por despacho arbitral de 07.06.2019, foi adiada, para dia a designar posteriormente, a data de inquirição de testemunha, e foi ainda solicitado à Requerente que se pronunciasse sobre o requerimento apresentado pela Requerida.
19. Em novo requerimento de 14.06.2019, a AT apresentou como perito o Dr. D..., sem, porém, enviar o seu CV, e insistiu na ideia da peritagem coletiva e do alargamento do objeto da peritagem.
20. Na mesma data, a Requerente reafirmou que o âmbito da peritagem deveria manter-se inalterado nos termos dos artigos 2.º e 3.º do despacho arbitral proferido no dia 28.05.2019.
21. Por despacho arbitral de 21.06.2019, o Tribunal indicou que designaria árbitro próprio caso não houvesse consenso entre as Partes, e solicitou o envio do CV do Dr. D... .
22. Por requerimento de 27.06.2019, a Requerente informou o Tribunal que não concordava com o nome indicado como perito pela Requerida e solicitou ao Tribunal que este nomeasse autonomamente um perito.
23. Em 1.07.2019, dado não ter havido consenso entre as Partes para a nomeação de um perito comum, o Tribunal designou como perito o Chefe padeiro E... para a realização da peritagem a ocorrer no dia 29.07.2019, pelas 11.30 horas, no local e com o âmbito definido no despacho de 28.05.2019, e marcou a inquirição da testemunha para o mesmo dia nas instalações do CAAD pelas 15 horas.
24. Em requerimento de 08.07.2019, a Requerida indicou como perito, em substituição do Dr. D..., anteriormente referido, o Dr. F... da ASAE, solicitando prazo adicional para junção do respetivo CV, bem como que a prova testemunhal fosse efetuada depois da peritagem e fora do período de férias judiciais.
25. Em 15.07.2019, a fim de esclarecer as dúvidas quanto à realização da prova pericial que foram sendo suscitadas pelas Partes, o Tribunal emitiu despacho onde se manteve a decisão de nomear como único perito o Chefe E... .
26. Nesse mesmo despacho, reafirmou-se que a peritagem teria o âmbito e seria efetuada nos termos definidos no referido despacho arbitral de 01.07.2019 ao mesmo tempo que atendia ao pedido da Requerente quanto ao adiamento desta diligência, sendo, para o efeito designado o dia 10.09.2019 .
27. O Tribunal decidiu ainda que, no mesmo dia 10.09.2019, às 15 horas, nas instalações do CAAD, se procederia à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente.
28. Em 19.07.2019, a Requerente solicitou o adiamento da realização de prova pericial.
29. Por despacho arbitral de 23.07.2019, tendo em conta o pedido da Requerente, o decurso do período de férias judiciais e as dificuldades de se encontrar por consenso uma data mais próxima, o Tribunal designou o dia 11.10.2019 para a realização das diligências referidas no despacho arbitral de 15.07.2019, devendo a peritagem (com o âmbito já definido) decorrer pelas 11 horas na Fábrica sita na Rua..., n.ºs ... a ..., ...-..., Lisboa, e a inquirição da testemunha no CAAD pelas 15h30. No mesmo despacho, o Tribunal prorrogou por dois meses o prazo para a emissão da decisão arbitral.
30. Em 13.09.2019, o Tribunal solicitou, com conhecimento das Partes, a notificação formal do Chefe E... para comparecer no dia e local marcado para a inspeção pericial, com o âmbito anteriormente definido, e para indicar o montante dos honorários a suportar pela Requerente pelos serviços a prestar.
31. Em 11.10.2019, conforme ata em anexo, estiveram presentes na prova por inspeção os membros do coletivo, os representantes das Partes e o Dr. F..., como assessor técnico da Requerida, tendo, no final, o Tribunal concedido o prazo de 15 dias ao perito para a elaboração do seu relatório.
32. Na tarde desse mesmo dia, o Tribunal procedeu à inquirição da única testemunha apresentada, conforme ata junta aos autos e, no final, deu o prazo de quinze dias às Partes para alegações escritas sucessivas, a contar da notificação da junção do relatório do perito e onde se pronunciarão igualmente sobre este mesmo relatório, determinando ainda a prorrogação por mais dois meses do prazo anteriormente fixado para a decisão do processo, sendo designado para o efeito o dia 18.12.2019.
33. Em 29.10.2019, o perito Chefe E... apresentou o seu relatório, datado de 26.10.2019, relativo à inspeção efetuada em 11.10.2019, com o objetivo de classificar, como "pão" ou não, os produtos da Requerente designados por Brioche, Croissant de centeio, Croissant sementes (prokorn), Arrufada, Croissant brioche e Croissant francês, o qual não foi objeto de rejeição ou contestação de qualquer das Partes .
34. Em 15.11.2019, foi junta aos autos a comunicação do perito relativo aos seus honorários cujo pagamento foi efetuado em 18.11.2019.
35. Em 18.11.2019, foram juntas aos autos desenvolvidas alegações da Requerente.
36. Em 09.12.2019, foram juntas aos autos as alegações da Requerida, a qual se limitou a referir «que resulta suficientemente explicitada a posição da Requerida, quer na fundamentação subjacente ao RIT, quer na Resposta e demais requerimentos apresentados nos autos, seja quanto às questões prévias, seja quanto à matéria de exceção e de impugnação, para que se remete e se dá aqui por reproduzido de modo a evitar repetições inúteis», sem que nelas sejam tecidos quaisquer comentários ou observações sobre o teor do relatório do perito.
37. Em 18.12.2019, o Tribunal produziu novo despacho, solicitando às Partes alguns esclarecimentos relativos à matéria de facto e prorrogando o prazo para a decisão final .
38. Em 20.12.2019, a Requerente procedeu, como resposta, à junção aos autos de uma fatura de um menu quente (fornecido em 10.12.2019) onde é evidenciada a liquidação do IVA relativo a sumos de laranja naturais à taxa normal e da ficha técnica do croissant francês e da respetiva receita (que haviam sido solicitadas pelo perito) disponibilizadas pelo fornecedor G... .
39. Em 21.01.2020 foi junta aos autos uma exposição da Requerida onde esta Parte veio prestar alguns esclarecimentos sobre as correções advindas da ação inspetiva, confirmando ter havido algumas situações em que a Recorrente não liquidou imposto em julho de 2016 (o que ocorreu num produto específico, a Pavlova, bem como em alguns sumos integrantes de menus) ou aplicou a taxa intermédia (em diversos sumos integrados em menus) ou mesmo a taxa mínima a produtos alienados pelo sujeito passivo nomeadamente a produtos desconhecidos, a sumos, a produtos afins de pão e outros que pela sua natureza são sujeitos a taxa normal. Todos estes casos foram objeto de correção para 23%, taxa que, no entender da AT seria a aplicável. No entanto, no que toca aos sumos, tendo sido comprovado tratar-se de vendas em regime de alienação de produtos (take away), essa situação foi revertida, em sede de direito de audição, e manteve-se a aplicação da taxa reduzida à venda destes sumos .
40. Em 28.01.2020, foi junto aos autos um esclarecimento da Requerente dando conta do facto de os casos referidos na exposição da Requerida (de 21.01.2020) serem todos pontuais e imateriais e apenas terem ocorrido em algumas lojas num mês de transição legislativa, havendo sido no essencial corrigidos. Nesse documento a Requerente acrescenta ainda que, em relação ao doc. n.º 5 por ela junto aos autos aquando do PPA, julga aplicável o n.º 1 do artigo 75.º da LGT e que a eventual discordância com os valores e/ou cálculos que constam desse documento deveria ser suscitada em sede de execução de julgados .
B. O LITÍGIO
1. A causa de pedir e os seus fundamentos
41. A Requerente solicitou a anulação dos atos tributários em crise, por erros nos pressupostos de facto e de Direito ocorridos nos períodos de tributação de 2014 a 2016, tendo por base, como já se referiu e agora se desenvolve:
a) uma errada qualificação pela AT de um conjunto de produtos vendidos pela Requerente que esta considera deverem ser havidos como "pão", "pão especial" ou "produtos afins de pão" no quadro da vigência das Portarias n.º 425/98, de 25.07 e 52/2015, de 26.02 (diplomas para que remete a interpretação da verba 1.1.5 da Lista I anexa ao Código do IVA, doravante CIVA) e como "pão" após a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03.2016 (Lei de Orçamento do Estado para 2016, doravante LOE 2016). Tais produtos foram qualificados pela Requerida, na sequência de um procedimento inspetivo externo , conforme consta do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (doravante, «RIT») , como "produtos de pastelaria", daí tendo decorrido a aplicação da taxa normal de IVA às respetivas transmissões, diferentemente da aplicação pela Requerente da taxa reduzida (6%) constante da verba 1.1.5 da Lista I anexa ao CIVA; e
b) uma errada aplicação da taxa normal (em vez de taxas reduzidas) por si efetuada relativamente a atos de autoliquidação de IVA respeitantes a operações tributáveis com «sumos naturais» (cf. documento n.º 5 em anexo). Esta autoliquidação teria sido induzida por uma Orientação Administrativa de 6.06.2016 emanada da AT , pelo que a Requerente solicita a sua anulação com a consequente sujeição das operações em causa à aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) quando englobadas em «menus», ou, caso assim não se entenda, pelo menos, à taxa intermédia de imposto (13%);
42. Em decorrência da anulação ora pedida, a Requerente solicita ainda que a Requerida seja condenada a proceder ao reembolso à Requerente de quaisquer quantias já pagas, e bem assim, de quaisquer quantias que entretanto possam vir a ser pagas ou a indemnizá-la por quaisquer quantias desembolsadas para sustar a execução, nomeadamente custos com garantias prestadas, acrescidas dos juros legais e indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao efetivo reembolso e tudo com as devidas consequências legais.
43. Por fim, solicita ainda que o Tribunal ordene que a AT calcule e liquide juros indemnizatórios a favor da Requerente desde o momento em que foi pago o IVA em excesso a anular no que se refere às taxas de IVA aplicadas aos sumos naturais, em virtude de erro imputável aos serviços consubstanciado no Ofício-Circulado n.º 30181, de 06.06.2016, derivado de um "entendimento absolutamente ilegal" respeitante aos referidos «sumos naturais».
44. Em síntese, a Requerente peticiona a anulação das seguintes correções relativas a produtos de panificação (cf. artigos 125.º, 131.º, 133.º, 153.º e 154.º do PPA):
a) Ano de 2014 – «todas as correções referentes a Croissant Francês, Croissant Francês Mini, Bola Carnes, Fatia de Bola de Carnes, na medida em que se trata de "afins de pão" - atento o seu teor de açúcar situado entre 5% e 22% (Portaria n.º 425/98, de 25 de julho) – têm, cabimento na verba 1.1.5 da Lista I anexa ao CIVA ("pré-LOE2016”) conjugada com a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º daquele diploma – devendo, por isso, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2014 e que ascendem a um valor global de € 97.878,96 ser imediatamente anuladas», dos quais € 13.190,77 relativos a juros compensatórios;
b) Ano de 2015 – todas as correções referentes aos mesmos produtos e pelos mesmos motivos, «devendo, por isso, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2015 e que ascendem a um valor global de € 82.490,86 ser anuladas», dos quais € 8.461,89 relativos a juros compensatórios;
c) Ano de 2016 – todas as correções relativas a este ano, dividido em 2 semestres, devendo ser anuladas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, na importância global de € 273.843,75:
1º semestre - liquidações de IVA no valor de € 43.559,41 e liquidações de juros compensatórios no montante de € 3.677,31, no total de € 47.276,72, referentes aos mesmos produtos e com idêntica argumentação;
2.º semestre – liquidações de IVA no valor de € 212.952,26 e as relativas a juros compensatórios de € 13.614,77, no total de € 226.567,03, referentes às vendas de Croissant Francês e Croissant Francês Mini, bem como de Croissant Brioche, Brioche Tabuleiro, Arrufada, Croissant Prokorn Cozido e Croissant Centeio, que, tendo em atenção a entrada em vigor das novas regras introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03 (LOE 2016), a Requerente considera integráveis na verba 1.1.5, da Lista anexa ao CIVA, na medida em que entende tratar-se de «pães especiais» – devido ao seu teor de açúcar situado entre 8% e 22% (Portaria n.º 52/2015, de 26 de Fevereiro), contrariamente ao entendimento da Requerida que vê neles «produtos afins de pão ou de padaria fina» e, como tal, produtos sujeitos a taxa normal.
45. Trata-se, assim, do pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA relativas aos referidos produtos de panificação bem como das liquidações dos correspondentes juros compensatórios emitidas pela AT na sequência do procedimento inspetivo, que se encontram identificadas no Documento n.º 1 anexo ao PPA e mencionadas a páginas 4 do mesmo pedido, conforme o seguinte quadro:
Ano
Tipo N.º de liquidação/demons-tração de acerto de contas
Período
Valor a pagar Termo do prazo para pagamento voluntário
2014
IVA 2018... 201401 8.210,62 03/09/2018
JC 2018... 201401 1.419,87 03/09/2018
IVA 2018... 201402 8.048,92 03/09/2018
JC 2018... 201402 1.364,56 03/09/2018
IVA 2018... 201403 8.970,96 03/09/2018
JC 2018... 201403 1.489,42 03/09/2018
IVA 2018... 201404 7.432,81 03/09/2018
JC 2018... 201404 1.209,61 03/09/2018
IVA 2018... 201405 7.996,86 03/09/2018
JC 2018... 201405 1.275,99 03/09/2018
IVA 2018... 201406 5.902,38 03/09/2018
JC 2018... 201406 921,09 03/09/2018
IVA 2018... 201407 6.527,09 03/09/2018
JC 2018... 201407 997,12 03/09/2018
IVA 2018... 201408 7.091,45 03/09/2018
JC 2018... 201408 1.060,02 03/09/2018
IVA 2018... 201409 5.695,71 03/09/2018
JC 2018... 201409 832,04 03/09/2018
IVA 2018... 201410 6.394,64 03/09/2018
JC 2018... 201410 913,11 03/09/2018
IVA 2018... 201411 6.066,32 03/09/2018
JC 2018... 201411 844,29 03/09/2018
IVA 2018... 201412 6.350,43 03/09/2018
JC 2018... 201412 863,65 03/09/2018
2015 IVA 2018... 201501 5.774,88 03/09/2018
JC 2018... 201501 767,66 03/09/2018
IVA 2018... 201502 6.417,22 03/09/2018
JC 2018... 201502 831,24 03/09/2018
IVA 2018... 201503 7.200,58 03/09/2018
JC 2018... 201503 908,25 03/09/2018
IVA 2018... 201504 6.171,50 03/09/2018
JC 2018... 201504 757,48 03/09/2018
IVA 2018... 201505 5.944,55 03/09/2018
JC 2018... 201505 710,73 03/09/2018
IVA 2018... 201506 5.315,29 03/09/2018
JC 2018... 201506 617,38 03/09/2018
IVA 2018... 201507 5.634,80 03/09/2018
JC 2018... 201507 635,29 03/09/2018
IVA 2018... 201508 5.760,40 03/09/2018
JC 2018... 201508 629,28 03/09/2018
IVA 2018... 201509 6.083,43 03/09/2018
JC 2018... 201509 645,34 03/09/2018
IVA 2018... 201510 6.457,75 03/09/2018
JC 2018... 201510 663,82 03/09/2018
IVA 2018... 201511 6.582,90 03/09/2018
JC 20180... 201511 653,60 03/09/2018
IVA 2018... 201512 6.685,67 03/09/2018
JC 20180... 201512 641,82 03/09/2018
2016 IVA 2018... 201601 6.896,47 03/09/2018
JC 2018... 201601 640,14 03/09/2018
IVA 2018... 201602 7.106,89 03/09/2018
JC 2018... 201602 634,75 03/09/2018
IVA 2018... 201603 7.704,59 03/09/2018
JC 2018... 201603 663,65 03/09/2018
IVA 2018... 201604 7.550,36 03/09/2018
JC 2018... 201604 622,23 03/09/2018
IVA 2018... 201605 7.873,87 03/09/2018
JC 2018... 201605 624,71 03/09/2018
IVA 2018... 201606 6.467,23 03/09/2018
JC 2018... 201606 491,83 03/09/2018
IVA 2018... 201607 34.677,95 03/09/2018
JC 2018... 201607 2.511,93 03/09/2018
IVA 2018... 201608 31.140,47 03/09/2018
JC 2018... 201608 2.160,21 03/09/2018
IVA 2018... 201609 32.910,50 03/09/2018
JC 2018... 201609 2.171,19 03/09/2018
IVA 2018... 201610 39.297,77 03/09/2018
JC 2018... 201610 2.454,75 03/09/2018
IVA 2018... 201611 38.022,18 03/09/2018
JC 2018... 201611 2.254,15 03/09/2018
IVA 2018... 201612 36.903,39 03/09/2018
JC 2018... 201612 2.062,54 03/09/2018
46. Adicionalmente, no que se refere ao pedido de anulação dos atos de autoliquidação de IVA relativos aos “sumos naturais”, a Requerente alega que, na sequência do referido Ofício Circulado n.º 30.181, de 06.06.2016, liquidou IVA à taxa normal em diversas operações relativas a esse tipo de produtos, quando, segundo se teria apercebido posteriormente (cfr. artigos 160.º do PPA e 118.º das Alegações), o deveria ter feito à taxa reduzida ou à taxa intermédia. Solicita, nessa medida, a restituição do imposto que considera indevidamente liquidado.
47. É nos artigos 160.º a 162.º da PPA que a Requerente formula o seu pedido, nos termos que ora se transcrevem:
«(160). E é nesta ocasião que a [Requerente] dá conta de que efetivamente tem vindo a (auto)liquidar imposto à taxa normal sobre os "sumos naturais" seguindo de perto (e em conformidade com) as orientações genéricas emitidas pela AT em matéria exclusivamente de direito - in casu, da doutrina administrativa amplamente citada no RIT que versa sobre as " verbas 1.8 e 3.1. da Lista II anexa ao Código do IVA" – e cujo alcance normativo descreveremos de seguida.»
«(161). Tal constatação afeta – por vício de violação da lei – os atos tributários em discussão nos presentes autos porque estes derivaram de uma ação inspetiva que (teoricamente) obedeceu às instruções constantes do Ofício-Circulado n.º 30.181, de 6 de junho de 2016 - na medida em que estas "orientações genéricas" se consubstanciaram em interpretações ilegais e restritivas daquelas verbas, com efeitos diretos e imediatos para o segundo semestre de 2016 alvo de inspeção.»
«(162). Em termos quantitativos, são os seguintes «sumos naturais» em que erroneamente foi aplicada a taxa normal de IVA (23%) quando deveria ter sido aplicável a taxa reduzida de imposto (6%) neste segundo semestre de 2016 e que se pretende ilustrar com a tabela-síntese que se segue:
O que perfaz uma quantia total de € 364.062,05, a título de imposto indevidamente liquidado no consumo destes "sumos naturais" (17%) [e que se junta como documento n.º 5 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido].»
2. A posição da Requerida
2.1 Operações com produtos de panificação
48. Com base na doutrina formulada em diversos Ofícios Circulados e Informações Vinculativas (identificadas nos artigos 31.º a 34.º da sua Resposta ), a Requerida concordou com a anulação das liquidações adicionais (decorrentes do RIT) relativas aos anos de 2014, de 2015 e ao primeiro trimestre de 2016, no que respeita a vendas de produtos de panificação abaixo identificados [n.º 49 («35»], por as reconhecer como indevidas, em virtude de estarmos perante "produtos afins de pão".
49. Pela sua manifesta importância, transcrevem-se em seguida os artigos 35.º a 42.º da Resposta da Requerida que documentam a afirmação efetuada no ponto anterior:
« (35) Nesta conformidade, afigura-se que, quanto ao produtos Croissant Francês, Croissant Francês Mini, Bola Carnes e Fatia de Bola de Carnes, se tem de admitir o seu enquadramento na anterior redação da verba 1.1.5 da Lista I anexa ao Código do IVA, conjugada com a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º daquele diploma, por se tratar, ao que tudo indica (e como é reconhecido pela Requerente) de “produtos afins de pão”, não se mostrando devidas as correspondentes correções relativas aos anos de 2014, 2015 e primeiro trimestre de 2016 (até à data de entrada em vigor da atual redação)."
« (36) Porém, e por se admitir que se trata de “produtos afins de pão”, os produtos designados por Croissant Francês, Croissant Francês mini, Croissant Brioche, Brioche Tabuleiro, Arrufada, Bola de Carne, Croissant Prokorn Cozido e Croissant Centeio não têm enquadramento na redação atual da verba 1.1.5 da Lista I anexa ao Código do IVA.»
« (37) Contrariamente ao que refere a Requerente, designadamente nos pontos 131.º e 153.º do PPA, «O teor de açúcares totais, expresso em sacarose e referido à matéria seca, das diversas variedades de pão especial não pode exceder 8%» (realce e sublinhado nosso), em conformidade com o enunciado normativo do artigo 6.º, n.º 2, da Portaria n.º 52/2015, de 26 de fevereiro.»
« (38) Acresce ainda o disposto nos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo 6.º da Portaria n.º 52/2015, no sentido de que “O teor máximo de sal deve cumprir o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 75/2009, de 12 de agosto” (realce nosso), o que"(...) não se aplica aos produtos afins do pão ou de padaria fina.»
« (39) Por sua vez, "o teor de açúcares totais, expresso em sacarose e referido à matéria seca, dos produtos afins do pão ou de padaria fina [é que] não pode ser inferior a 8% nem exceder 22%, de harmonia com o disposto no n.º 3 do mesmo artigo.»
« (40) Em suma: Corrigido este equívoco, parece-nos que não resta alternativa que não seja a de que, efetivamente, os produtos Croissant Francês, Croissant Francês mini, Croissant Brioche, Brioche Tabuleiro, Arrufada, Bola de Carne, Croissant Prokorn Cozido e Croissant Centeio são de qualificar, verificados que estejam as referidas características analíticas, como “produtos afins do pão ou de padaria fina”, estão, assim, excluídos na redação atual da verba 1.1.5 da Lista I anexa ao Código do IVA."
« (41) Devendo, no entanto, quanto aos anos de 2014, 2015 e primeiro trimestre de 2016 (redação anterior) e, tendo por base os mapas (Anexos 3, 5 e 7) juntos ao relatório de inspeção tributária, anular-se as correções de IVA correspondentes aos produtos croissant francês, croissant francês mini, bola de carnes e fatia de bola de carnes, (abreviadamente designados por "Croissants e bola de carnes").»
50. As correções referidas nos artigos 35, 36 e 41 da Resposta da Requerida (acima transcritos) foram, portanto, indevidas, como esta reconhece, devendo ser anuladas conjuntamente com as correspondentes liquidações de juros compensatórios .
2.2 Operações com sumos
51. Em relação a operações com "sumos" relativas ao 2.º semestre de 2016 , como a Requerida veio esclarecer na sua exposição de 21.01.2020, a Inspeção Tributária começou por promover diversas correções, passando da aplicação de taxas reduzidas a certas operações (em casos pontuais e imateriais, segundo a Requerente) para a taxa normal, o que configuraria uma liquidação adicional. No entanto, houve uma reversão dessas correções, em virtude de a Requerente ter provado, em sede de direito de audição, que as operações relativas a esses sumos não diziam respeito a prestações de serviços (tributadas a 23%), mas sim a vendas em regime de "take away", isto é, a transmissões de bens (tributadas a 6%). A Requerida manteve, porém, todas as autoliquidações respeitantes a prestações de serviços (vendas de sumos integrados em menus), a que, de acordo com a leitura da lei efetuada pelas Orientações de 2016, seria aplicável a taxa normal de IVA .
2.3 Questões prévias suscitadas pela Requerida
52. Uma primeira questão prévia suscitada pela Requerida no ponto III.1.1 da sua Resposta (pp. 5 e ss., em especial nos seus n.ºs 13 a 16) é a de excluir do presente processo as liquidações adicionais efetuadas pela AT e não impugnadas pela Requerente em relação a "produtos desconhecidos", a "produtos não comestíveis" e a certos produtos comestíveis aos quais as taxas reduzidas não seriam aplicáveis.
53. A Requerida levanta no ponto III.1.2 da sua Resposta uma segunda questão prévia relativa ao pedido de reembolso por parte da Requerente de quantias já pagas ou que possam vir a ser pagas [formulado no ponto (iii) do capítulo VI do PPA (p. 68), na sequência do pedido de anulação dos atos de autoliquidação referentes aos "sumos naturais"], o que faz nos termos seguintes:
«(25). Sucede que, sem prejuízo do disposto no artigo 100.º da LGT, a Requerente não faz prova do pagamento de quaisquer quantias, pelo que a condenação da AT não pode ser determinada pelo Tribunal na presente ação.»
«(26). Do mesmo modo não pode o Tribunal condenar a AT na segunda parte do pedido formulado pela Requerente, uma vez que se trata de pedido meramente hipotético/conjetural.»
«(27). Assim, quanto às quantias que eventualmente sejam pagas ou quanto aos custos com a garantia que eventualmente seja apresentada, está-se perante matéria a ser apreciada em execução do julgado na medida da procedência ou improcedência do pedido arbitral sub judice e em face da prova carreada pela Requerente e cuja competência é, desde logo, num primeiro momento, da AT (cf. artigo 24.º do RJAT).»
«(28). Efetivamente, sendo o processo arbitral previsto no RJAT um meio contencioso de anulação, que tem por objetivo declarar a ilegalidade de atos do tipo dos indicados no seu artigo 2.º, o pedido, nos termos formulados, implica a incompetência do Tribunal.»
2.4 Exceções invocadas pela Requerida relativas a certas operações com "sumos naturais"
a) Posição da Requerida
54. Relativamente às autoliquidações de IVA relativas a operações com "sumos naturais" fornecidos em menus, a Requerida invoca duas exceções que conduziriam igualmente à incompetência deste Tribunal Arbitral (artigos 42 a 59 da Resposta) com base em dois fundamentos distintos.
55. O primeiro é o da incompetência por impossibilidade de impugnação contenciosa direta das autoliquidações de 2015 e 2016, pois decorreria do artigo 131.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT a necessidade de o PPA ter sido precedido de reclamação graciosa, uma vez que não estaríamos exclusivamente perante matéria de direito, pois haveria que apurar se estamos perante uma simples transmissão de bens (take away) ou perante uma prestação de serviços de alimentação (eat in), o que implicaria «uma análise da faturação destes sumos, ou seja, uma análise casuística e factual».
56. O segundo é o da incompetência por intempestividade parcial, pois o prazo de dois anos para deduzir impugnação contenciosa direta (caso esta fosse aceite) contar-se-ia a partir do término da data para apresentação das autoliquidações de IVA, isto é, do dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações e, portanto, encontrar-se-ia ultrapassado relativamente à autoliquidações dos meses de julho a outubro de 2016 (cujo término legal para a sua apresentação se verificou a 10.09.2016.10.10.2016 e 10.11.2016), atento o facto de o PPA ter sido apresentado a 3.12.2018, mais de dois anos depois daquelas datas.
b) Posição da Requerente
57. A Requerente contesta o entendimento da AT relativo às exceções invocadas pela Requerida quer no seu Requerimento de 24.04.2019, quer nas alegações finais, nos seguintes termos.
58. Quanto à primeira exceção (a que invoca o disposto no artigo 131.º do CPPT para afirmar a incompetência do Tribunal por impossibilidade de impugnação contenciosa direta), defende a Requerente (a) não estarmos perante uma verdadeira autoliquidação, mas sim perante operações relativas a atos de liquidação adicional de IVA (liquidações oficiosas) (b) serem essas liquidações decorrentes das correções efetuadas pela AT na sequência da inspeção por ela promovida ao abrigo das orientações genéricas constantes do Ofício-Circulado n.º 30.181, de 6.06.2016 e da ficha doutrinária referente à Informação Vinculativa n.º 10.730, atos esses que a Requerente qualifica, nas suas alegações, como um "ato administrativo de liquidação lato sensu" e (c) estarmos perante exclusivamente uma questão de direito, dado a matéria de facto (os factos subjacentes às autoliquidações) não serem controvertidos: segundo a Requerente «o pomo de discórdia prende-se justamente com o enquadramento jurídico a que as referidas faturas deveriam dar expressão - essa é exclusivamente matéria de direito» (artigo 56 do Requerimento e 138 a 141 das alegações da Requerente).
59. A Requerente invoca a seu favor o Acórdão de 07.12.2011 do Supremo Tribunal Administrativo ("STA"), proferido no processo n.º 0299/11, em que, numa situação análoga, este Tribunal decidiu que, «tendo em consideração que no presente caso já houve uma tomada de posição da Administração sobre o ato de autoliquidação do imposto – através do ato tributário de correção dos valores declarados pelo contribuinte – não se está perante situação que exija nova intervenção da Administração antes da colocação do problema ao tribunal, isto é, não se está perante situação que exija prévia reclamação no prazo de dois anos contados da declaração (artigo 131.º do CPPT)».
60. E o STA acrescentou: «Só esta interpretação logra assegurar uma adequada garantia jurisdicional no âmbito do contencioso tributário, cobrindo, sem lacunas, todas as ofensas dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes, pois que se assim não fosse estes ficariam impossibilitados de reagir (graciosa e contenciosamente) contra os atos tributários lesivos dos seus direitos e interesses legítimos sempre que a Administração procedesse a correções de declarações que geraram autoliquidação de imposto nos dois anos posteriores à sua apresentação pelo contribuinte, o que constituiria uma afronta inadmissível ao princípio da tutela jurisdicional efetiva acolhido no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República» (realce da Requerente).
61. Defende, por fim, estarmos exclusivamente perante uma matéria de direito, uma vez que, nesta questão, a factualidade relevante não é sequer controvertida.
62. Quanto à segunda exceção (a relativa à intempestividade parcial do pedido por a Requerida entender que as autoliquidações dos meses de julho a outubro de 2016 não foram impugnadas dentro do prazo de dois anos previsto no citado artigo 131.º do CPPT), defende a Requerente que, sob pena de violação das garantias dos contribuintes , o prazo legal para a impugnação (dos atos de liquidação adicional de imposto) seria o de «90 dias contados desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT , ex vi alínea a) do artigo 10.º do RJAT», pelo que a impugnação poderia ser apresentada, como o foi, até 03.12.20018.
63. Acrescenta ainda a Requerente nas suas alegações (artigo 147): «E mesmo que assim não se entenda, no que não se concede, esta "intempestividade parcial" invocada pela AT improcede igualmente por a contribuinte estar ainda em tempo para contestar as autoliquidações, in casu, por esta ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da AT; desde logo porque o n.º 1 do artigo 98.º do CIVA diz-nos que «por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º» da LGT que, por seu turno, esclarece que «[a] revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços» (realce nosso).»
2.5 Defesa por impugnação da Requerida e contra-argumentação da Requerente
2.5.1 Quanto a operações com produtos de panificação
a) Posição da Requerida
64. A Requerida, baseando-se no teor do Ofício-Circulado n.º 30.180, de 31.03.2016 e da Informação Vinculativa n.º 10.839, sancionada por despacho do Subdiretor-Geral do IVA, de 01.09.2016 (transcrita no artigo 34 da sua Resposta e que se dá aqui por reproduzida), entende, ao contrário da Requerente, que as operações com os produtos designados por Croissant Francês, Croissant Francês mini, Croissant Brioche, Brioche Tabuleiro, Arrufada, Croissant Prokorn Cozido e Croissant Centeio deixaram de ter enquadramento na nova redação da verba 1.1.5 da Lista I anexa ao CIVA por considerar que se trata de “produtos afins de pão” ou de "padaria fina" e não de "pão" .
b) Posição da Requerente
65. A Requerente considera que as correções efetuadas abrangem também o segundo trimestre de 2016 e que produtos alimentares Croissant Francês, Croissant Francês Mini, Croissant Brioche, Brioche Tabuleiro, Arrufada, Croissant Prokorn Cozido e Croissant Centeio postos em crise no subcapítulo do RIT «III. 3.3.2 Segundo semestre de 2016», devem ser qualificados como "pão", embora um "pão especial", atendendo aos resultados da peritagem, das fichas técnicas da prova testemunhal produzida e tendo em conta uma interpretação declarativa da Portaria n.º 52/2015, de 26.02.2015.
66. De facto, segundo a Requerente (artigo 78 das Alegações) e de acordo com os n.os 2 e 3 do artigo 6.º da referida Portaria, «o único caráter verdadeiramente objetivo que diferencia estes "produtos afins do pão ou de padaria fina" dos "pães especiais" é o teor de açúcares totais, dado que, nos primeiros, este teor "não pode ser inferior a 8% nem exceder 22%", enquanto que nos segundos "não pode exceder 8%".
67. Neste sentido, conclui a Requerente, «todas as correções respeitantes a Croissant Francês, Croissant Francês Mini, Croissant Brioche, Brioche Tabuleiro, Arrufada, Croissant Prokorn Cozido e Croissant Centeio são inválidas, impondo-se a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios relativos ao segundo semestre de 2016 na importância global de € 226.567,03» .
2.5.2 Quanto a operações com "sumos naturais"
68. A Requerida alega, em relação a estas operações com "sumos naturais" (i) a inexistência de erro nas autoliquidações impugnadas; (ii) que o imposto entregue pela Requerente não foi por si suportado, mas repercutido aos seus clientes e (iii) a inaplicabilidade da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA a essas operações (sumos naturais integrados em menus), contestando assim a posição em sentido contrário assumida pela Requerente no PPA e nas Alegações e outros documentos.
(i) Inexistência de erro nas autoliquidações impugnadas
a) Posição da Requerida
69. Alegando a inexistência de erro nas autoliquidações efetuadas pela Requerente, a Requerida invoca, em favor da sua posição, os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos n.º 0878/10, de 02.03.2011 [segundo o qual «A retificação facultativa de IVA relativo ao ano de 1993, por iniciativa do contribuinte, tem de respeitar o prazo de um ano previsto no n.º 3 do artigo 71.º do CIVA (atual artigo 78.º)] », e n.º 0769/12, de 05.12.2012, que subscreve a mesma posição .
70. Invoca ainda a decisão proferida em 08.11.2016 no processo arbitral n.º 63/2015-T, relativo a um caso que considera com muitas similitudes com o ora analisado.
71. O Tribunal arbitral declarou nesta decisão que a viabilidade da pretensão da Requerente em ver restituído o IVA que considerou cobrado a mais em virtude da aplicação de uma taxa normal em vez de uma taxa reduzida assentava na demonstração de dois requisitos cumulativos fundamentais: (a) a ilegalidade dos atos de autoliquidação; e (b) a legitimidade da Requerente para pedir a restituição, para si, do imposto que se tenha verificado ilegalmente liquidado em excesso, caso que se verificará quando se demonstre que foi a Requerente quem, economicamente, suportou o imposto .
72. Quanto ao primeiro, defende a Requerida que, da conjugação dos artigos 29.º, n.º 1, alínea b), 29.º, n.º 7, 36.º, n.º 5, 37.º, n.º 1, 44.º e 78.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5 do CIVA, resulta «que numa situação como a sub judice, em que se está perante a alteração da taxa de IVA aplicável, impõe-se sempre: a emissão de documento retificativo de fatura, isto é de notas de crédito e de novas faturas, nos termos do artigo 29.º, n.º 7, do Código do IVA, bem como, «a respetiva contabilização da regularização e inscrição no campo 40 da declaração periódica referente ao período a que respeita a regularização, nos termos dos artigos 44.º e 45.º do Código do IVA» (artigo 71 da Resposta).
73. Assim, «a correção da inexatidão das faturas emitidas pela Requerente quanto à taxa aplicável nunca [poderá ser efetuada] através da substituição ou anulação da declaração periódica relativa ao período correspondente às faturas que se anularam» (artigo 74 da Resposta), pelo que "as autoliquidações referentes aos períodos correspondentes às faturas, cuja taxa a Requerente veio depois concluir estar incorreta, não padecem de qualquer erro, tendo por base a contabilização daquelas faturas com a taxa indicada pela Requerente".
74. Quanto à questão da ilegalidade dos atos de autoliquidação, a Requerida entende, pois, de acordo com o decidido no referido processo arbitral n.º 63/2015-T, não existir ilegalidade alguma, pois a Requerente limitou-se a entregar o imposto cobrado aos seus clientes, desconhecendo-se que tenham sido feitas quaisquer regularizações relativas a retificações da taxa de IVA.
b) Posição da Requerente
75. A Requerente concentra grande parte da sua atenção na contestação à interpretação dada pela Requerida ao n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, sublinhando que «Para efeitos de regularizações, o conceito de "faturas inexatas" – entendimento que seria pacificamente aceite – restringe-se a erros materiais, e não a erros de subsunção normativa ou de "enquadramento jurídico"».
76. Em apoio deste entendimento faz apelo para três decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD, a primeira por um Tribunal Arbitral Singular no processo n.º 348/2014-T; a segunda por um outro Tribunal Arbitral Singular no processo n.º 612/2015-T e a terceira por um Tribunal Arbitral Coletivo no processo n.º 170/2016 T.
77. Valendo-se da decisão deste último Tribunal Arbitral Coletivo, a Requerente defende a sua posição nos seguintes termos: «[a]s regras sobre correção da inexatidão das faturas, "a emissão de notas de crédito e de novas faturas (com os campos do valor tributável e imposto devido corretos face à nova taxa aplicável), nos termos dos artigos 29.º, n.º 1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º do Código do IVA", que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na sua Resposta, aplicam-se nessas situações em que o sujeito passivo tem a iniciativa da correção, mas não nos casos em que o juízo sobre a existência de uma situação irregular é reconhecida por via administrativa ou jurisdicional, situações em que a constatação da ilegalidade tem como corolário a reconstituição da situação tributária substantiva que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado [artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT], independentemente de o adquirente dos bens ou serviços ter conhecimento da existência de uma ilegalidade e de terem sido emitidas novas faturas ou outros documentos ou ser efetuada correção contabilística, tanto nos casos em que houve liquidação de imposto a menos, como nos casos em que foi liquidado em excesso» (realce da Requerente).
78. Defende assim a Requerente que este entendimento «tem plena aplicação ao caso em apreço, mutatis mutandis, porque as correções à taxa de imposto aplicada, de facto, nas faturas emitidas pela PP decorrem de uma ação inspetiva, não sendo de aplicar in casu o n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA; a Requerente simplesmente insta ao reconhecimento, por via arbitral, da "existência de uma situação irregular" e, portanto, "a constatação da ilegalidade tem como corolário a reconstituição da situação tributária substantiva que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado" e sempre "independentemente de o adquirente dos bens ou serviços ter conhecimento da existência de uma ilegalidade e de terem sido emitidas novas faturas ou outros documentos ou ser efetuada correção contabilística"» (realce nosso).
(ii) Quanto à questão do IVA não ter sido suportado pela Requerente
a) Posição da Requerida
79. A Requerida funda a sua posição no disposto no artigo 97.º, n.º 3, do CIVA, segundo o qual «As liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura passada ao adquirente nos termos do artigo 37.º», para daí concluir que as autoliquidações impugnadas não podem ser anuladas, por se tratar de imposto legalmente repercutido a terceiros, relativamente aos quais, não existem evidências de que foram ressarcidos de qualquer importância que agora a Requerente considera indevidamente cobrada.
80. Invoca ainda (indiretamente) a decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 63/2015 (relativo a erros na faturação), e no acórdão do TCA- Sul, de 04.07.2000, onde expressamente se refere que "em caso de imposto mencionado na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, é o mesmo devido, cabendo à Administração Fiscal a sua liquidação adicional, no caso de o sujeito passivo o não fizer".
81. Lembra ainda que o TJUE tem, aliás, assumido a juridicidade da repercussão, ao afirmar, em várias decisões, que o IVA está construído de modo a que "a carga final do imposto seja, em definitivo, suportada pelo consumidor" (Acórdão de 03.10.2006, Banca Popolare di Cremona, C-475/03, em especial n.ºs 28 e 32 a 35).»
82. Não devendo o imposto constituir um gasto dos sujeitos passivos e, no caso concreto, não apresentando a Requerente notas de crédito que demonstrem a devolução do montante que alegadamente liquidou em excesso, deve ainda ter-se em conta o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que considera como sujeito passivo do imposto as pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura.
83. A Requerida socorre-se ainda do Acórdão do TJUE, de 06.09.2011, Lady & Kids, proferido no processo C-398/09, onde se delimita o conceito de enriquecimento sem causa, para este efeito, nos seguintes termos: «As regras do direito da União relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado-Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos diretamente no comprador.» (sublinhado da Requerida).
84. E também do Acórdão do TJUE, de 16.05.2013, Alakor Gabonatermelő és Forgalmazó Kft., proferido no processo C-191/12, onde pode ler-se: «Daqui decorre que o direito à repetição do indevido destina-se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente. Todavia por via de exceção essa restituição pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A proteção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente sobre outras pessoas.» (sublinhado da Requerida).
b) Posição da Requerente
85. Caso o ato de liquidação seja anulado, entende a Requerente, ao contrário do que defende a AT, ter direito à restituição do imposto (por ela cobrado a mais por aplicação da taxa normal em vez de uma das taxas reduzidas) com base na figura da repetição do indevido (arts. 265 e ss. das Alegações).
86. Embora reconheça que o IVA assenta numa lógica de repercussão do imposto para o consumidor final, põe o acento tónico na incidência económica do imposto e, consequentemente, na influência da elasticidade da procura e da oferta em mercado concorrencial, para daí extrair argumentos relativos ao ónus da prova e ao âmbito de aplicação do artigo 97.º do CIVA.
87. Começa assim por afirmar algo que é pacífico: «269. Apesar de formalmente esta lógica [a da repercussão do imposto para o consumidor final] aparentar funcionar perfeitamente, nem sempre o IVA é economicamente repercutido para o adquirente dos bens, ficando o seu encargo na esfera do próprio sujeito passivo fornecedor (interrompendo-se, assim, a cadeira da repercussão e a neutralidade do imposto).» [realce nosso]
88. E continua a Requerente: «272. Num mercado concorrencial como o da restauração – em que a procura pode ter acesso a muitos fornecedores que concorrem entre si –, a subida de preço decorrente da variação de uma taxa reduzida ou intermédia para a taxa normal de IVA (meramente por obediência a orientações genéricas veiculadas pela AT) pode, notoriamente, prejudicar a quota de mercado do agente que opera essa subida de preço. E é assim porque para o consumidor final que não deduz o IVA, este imposto é parte do preço de custo e, em condições de igualdade de produto, a opção mais eficiente será comprar aos fornecedores que não aumentam esse preço (quando não redunda em simples inibição de consumo).» [negrito da Requerente] .
89. Ora, prossegue a Requerente (artigo 275 das Alegações), «o direito ao reembolso de uma prestação tributária indevida é uma garantia inerente às regras que determinam a tributação, constituindo uma decorrência natural das próprias normas que estabelecem o montante de imposto devido e das que proíbem a cobrança de tributos ilegais (nem faria sentido doutra forma).»
90. Reconhecendo embora que a questão do "direito à repetição do indevido" não está regulamentada a nível europeu, a Requerente (artigo 276 das Alegações) recorre, para o efeito, a certos princípios e cânones gerais do Direito da União Europeia como os princípios da autonomia, da equivalência e da eficiência .
91. A Requerente invoca em seu favor os seguintes acórdãos, alguns dos quais dizem especificamente respeito ao IVA: Acórdão de 27.02.1980, Hans Just (proc. C-68/79); Acórdão de 09.11.1982, San Giorgio (proc. C-199/82); Acórdão de 14.01.1997, Comateb (proc. C-192/ 95); Acórdão de 2.10.2003, Weber's Wine World Handels-GmbH (proc. C-147/01); Acórdão de 6.09.2011, Lady & Kid (proc.C-398/09); Acórdão de 21.09.2000 Michaïlidis (proc. C-441/98); Acórdão de 10.04.2008, Marks Spencer, (proc. C-309/06) e Acórdão de 18.06.2009, Stadeco (proc. C-566/07).
92. Sustenta a Requerente (artigo 277 das Alegações) que «o TJUE tem entendido por diversas vezes que o direito da União não obsta a que um ordenamento jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições que impliquem um "enriquecimento sem causa" de quem se arroga a esse direito, entendendo-se por "enriquecimento sem causa", enquanto conceito autónomo do direito da União, uma situação em que não seja o sujeito passivo quem suporta o encargo do imposto indevido, mas o cliente sobre quem foi repercutido esse encargo – passing on –, de tal modo que restituir ao sujeito passivo o valor do imposto equivaleria a torná-lo beneficiário de um duplo pagamento de uma idêntica prestação tributária» [realce e sublinhado da Requerente].
93. Mais adiante, afirma ainda a Requerente suas Alegações: «325. A AT incorre, porém, em dois erros sobre os pressupostos de direito – erra na aplicação da norma invocada ao caso sub judice (desde logo porque a mens legislatoris deste preceito não parece apontar nesse sentido), e erra também porque a interpretação normativa aventada na sua resposta desemboca numa presunção inilidível de «enriquecimento sem causa» que não se coaduna com a jurisprudência firmada pelo TJUE nem com o princípio harmonizado da eficiência.»
94. E prossegue nos artigos a seguir transcritos: «330. Foi justamente esta a leitura que nos foi oferecida pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído sob a égide do CAAD na decisão arbitral proferida no processo n.º 39/2015-T (disponível em www.caad.org.pt). Atente-se no excerto que reproduzimos (porque capta fielmente a ratio legis do n.º 3 do artigo 97.º que aqui nos ocupa):
«Por fim, mas não menos relevante, o artigo 97.º/3 do CIVA dispõe que “As liquidações só podem ser anuladas”, na sequência de recurso hierárquico, reclamação e/ou impugnação, “quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura ou documento equivalente passado ao adquirente nos termos do artigo 37.º”.
Deste modo fica demonstrado, julga-se, que a autoliquidação efetuada pelos sujeitos passivos de IVA, na declaração apresentada nos termos do artigo 29.º/1/c) do CIVA, apenas poderá ser anulada, quer em sede de revisão oficiosa, quer em sede de impugnação, no que se refere ao apuramento do montante de imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, se o imposto em causa não estiver contido em fatura ou documento equivalente passado ao adquirente, e em vigor.
O que, de resto, bem se compreende, já que, a mecânica do imposto em questão assenta na essencialidade da fatura, pelo que, desde logo, o(s) adquirente(s) dos serviços da Requerente, que detenham as faturas por esta emitidas, poderão, reunindo os requisitos que lei aplicável lhes imponha, deduzir o imposto contido nas mesmas» (realce da Requerente).»
95. «335. Assim, não só não pode a AT adotar uma interpretação extensiva do n.º 3 do artigo 97.º do CIVA – cujo alcance normativo passaria a abranger as relações B2C a par das relações B2B (quando apenas nestas últimas é pertinente a questão do prejuízo para a receita tributária) – «como muito menos pode o Fisco permitir-se a dispensar de averiguar se aquele IVA, anulado porque indevido, foi porventura deduzido por outro sujeito passivo, para assim recusar a sua restituição».
96. «336. Aplicada essa interpretação praeter legem ao universo dos clientes da [Requerente] quem enriquecerá «sem causa» é o próprio Estado – que recebeu «a pronto» o fruto da aplicação da taxa normal de 23%, em cumprimento das orientações genéricas emitidas pela sua longa manus.» (realce da Requerente).
97. «337. Caso assim não se entenda, e sem prescindir do supra exposto, sempre se dirá que a aplicação do n.º 3 do artigo 97.º à situação vertente como se sagrasse uma proibição absoluta de reembolso do IVA pago indevidamente ou como se de uma presunção juris et de jure de «enriquecimento sem causa» se tratasse não é compatível com a jurisprudência europeia, especialmente com os corolários do princípio da eficiência, por impossibilitar ou tornar excessivamente difícil a obtenção do reembolso devido (esse sim) derivado de uma ilegalidade por violação do direito da União Europeia e do direito nacional, ao fazer impender sobre o contribuinte a probatio diabolica de provar que o imposto indevidamente suportado não foi repercutido em terceiros.»
(iii) Quanto à questão da inaplicabilidade da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA
a) Posição da Requerida
98. Baseada numa interpretação literal da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA (que a Requerente considera "restritiva"), a Requerida entende que a operação que envolve o fornecimento de “sumos naturais” aos clientes no âmbito de um menu é uma operação que se deve qualificar como prestação de serviços e que os "sumos naturais", a exemplo dos restantes sumos integrados em menus, estão excluídos da aplicação das taxas reduzidas, sufragando assim o entendimento do Ofício Circulado n.º 30181, de 6.06.2016, a cuja aplicação se encontra vinculada.
99. A qualificação dessas operações como prestação de serviços está de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, de 15.03.2011, o qual define "serviços de restauração e de catering" como «os serviços que consistam no fornecimento de comida ou de bebidas, preparadas ou não, ou de ambas, destinadas ao consumo humano, acompanhado de serviços de apoio suficientes para permitir o consumo imediato das mesmas. O fornecimento de comida ou de bebidas, ou de ambas, constitui apenas uma componente de um conjunto em que os serviços são predominantes. Constituem serviços de restauração os serviços prestados nas instalações do prestador e serviços de catering os serviços prestados fora das instalações do prestador».
100. Constando das faturas a menção "serviço de restauração" (e não serviço de take away), é, nos termos do artigo 74.º do CPPT, à Requerente que cabe provar inequivocamente os factos por si alegados.
101. Neste sentido, invoca, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, proferido no processo n.º 0982/11 .
b) Posição da Requerente
102. A Requerente sintetiza a posição da AT na ação inspetiva, inspirada no Ofício Circulado n.º 30.181 de 06.06.2016, no PIV n.º 10.730, de 23.08.2016 ou no PIV n.º 8.006, de 4.02.2015 (e em vários outros), quanto ao consumo de uma bebida, distinguindo três tratamentos fiscais diferentes: (i) se for vendida fora do eat in – maxime, em mercados e supermercados – terá a taxa de transmissão de bem que de modo individual lhe couber; (ii) se for servida em eat in e não fizer parte das exclusões da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA terá a taxa intermédia; e (iii) se for servida em eat in e for expressamente excluída, terá a taxa normal de 23%, ainda que em contexto que não seja o do eat in beneficie de taxa reduzida
103. Considera, porém, que esta posição conducente a que o consumo de sumos naturais (quando sejam incluídos nas refeições consumidas in-house, quer em serviço a la carte, com escolha específica de cada elemento, quer em serviço de menu, em que é adquirido um conjunto de produtos, confecionados nos estabelecimentos ou não) deva ser tributado à taxa normal é indefensável, tanto à luz da sobredita interpretação estrita das normas aplicáveis, como à luz dos mais basilares princípios do IVA.
104. Do ponto de vista da Requerente, às bebidas excluídas da previsão da verba 3.1 da Lista II do CIVA deve aplicar-se não a taxa normal de imposto, mas sim aquela que seria aplicada à sua transmissão em singelo.
105. Ou seja, tendo a intenção do legislador sido a de discernir o que é "alimentação" de "bebidas", mesmo os sumos e néctares integrados numa refeição in house deveriam beneficiar da taxa reduzida por aplicação da verba 1.11. da Lista I do CIVA.
106. Reza assim o artigo 181 das suas Alegações: «É assim incontornável reconhecer que a intenção do legislador há-de ter sido – relativamente às bebidas que não estão expressamente excluídas, ie., aquelas que se deva entender não subsumíveis no elenco "bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares, e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias" – determinar que as mesmas estão sujeitas às taxas que individualmente lhe caberiam, tal como se aquelas bebidas houvessem sido adquiridas em singelo, sem estarem integradas em qualquer refeição ou pretenso "serviço de alimentação e de bebidas", independentemente de ser superior, igual ou menor do que a taxa intermédia aplicável àquele "serviço"».
107. Da argumentação invocada pela Requerente em favor da sua tese sobressai a da violação do princípio da neutralidade (sobretudo na ótica do consumidor médio) que decorreria da posição da AT, uma vez que «produtos alimentares tributados à taxa normal (23%) passam a ser tributados à taxa intermédia (13%) quando simplesmente inseridos num "serviço de bebidas", como é o caso do café ou do chá ou até do chocolate quente (excluindo o chá "refrigerante")». (cf. artigo 207 das Alegações).
108. Assim, prossegue a Requerente (nos artigos 212 e 213 das Alegações): «212. Se o legislador distinguiu os sumos e néctares de frutos, como bens merecedores de uma taxa reduzida de imposto, concedendo a outros produtos, nomeadamente de cafetaria, tais como chás, cafés e chocolates quentes, a taxa intermédia, não se pode admitir que a AT, numa interpretação ab-rogante dessa clara distinção, defenda um resultado hermenêutico contrário; mais, a própria alusão a produtos de cafetaria no Ofício-Circulado citado é totalmente imprecisa e sugere, ela própria, uma tendência discriminatória, não se percebendo porque razão um leite achocolatado é um produto de cafetaria e um sumo de fruta não o é.»
109. «213. O que é absolutamente certo é que a discriminação positiva que a AT reconhece àqueles ditos "produtos de cafetaria" e aos seus produtores, nomeadamente cafeeiras e empresas de lacticínios, contrasta flagrantemente com a discriminação negativa a que, numa tal interpretação da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, são votados os produtores e distribuidores hortofrutícolas, os quais, paradoxalmente, produzem bens tidos como merecedores de maior proteção que os ditos produtos beneficiados.»
110. Para concluir: «215. Em resumo, deve, pelas razões supra expostas, ser anulado o ato de liquidação consequente da inspeção tributária, na parte em que omite as correções a favor da Requerente que se peticionam (relativas ao segundo semestre de 2016), ou ainda que assim não se entenda, anulados os atos de autoliquidação (declarações periódicas do segundo semestre de 2016), a favor da Requerente, sendo que em ambos os casos, deverá ser pela diferença entre o produto da taxa normal de 23% sobre o volume de vendas de sumos em eat in e o mesmo produto sobre esse volume de vendas à taxa de 6% (€ 364.062,05) [cfr. documento n.º 5, já junto].
C. DESPACHO SANEADOR
111. Tendo em conta o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT (em articulação com os normativos da alínea a) do artigo 99.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), bem como os preceitos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e o artigo 1.º da Portaria n,º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se que as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, que estão representadas nos termos da lei e que o processo não enferma de nulidades.
112. Verifica-se ainda que o Tribunal é competente para a resolução do presente litígio, nomeadamente por improcedência das duas exceções de incompetência do Tribunal invocadas pela Requerida relativas a certas operações com "sumos naturais".
113. A primeira exceção era relativa à incompetência por impossibilidade de impugnação contenciosa direta das autoliquidações de 2015 e 2016, uma vez que, contrariamente ao disposto no artigo 131.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT , o PPA não fora precedido de reclamação graciosa.
114. Esta argumentação não colhe, dado estarmos exclusivamente perante matéria de direito (a matéria de facto não é, quanto a este ponto, controversa) e haver um Ofício Circulado (n.º 30.181, de 2016), que contém as orientações interpretativas da AT , seguidas na grande maioria dos casos em disputa pela Requerente, ao aplicar às operações com sumos naturais integrados em menus a taxa normal de IVA (23%).
115. A segunda exceção era respeitante à intempestividade parcial, pois o atual prazo de dois anos para deduzir impugnação contenciosa direta (previsto no citado artigo 131.º do CPPT) teria sido ultrapassado, pois contar-se-ia a partir do término da data para apresentação das autoliquidações de IVA (isto é, do dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações) e, portanto, não abrangeria as autoliquidações dos meses de julho a outubro de 2016 (cujo término legal para a sua apresentação se teria verificado respetivamente a 10.09.2016, 10.10.2016 e 10.11.2016), atento o facto de o PPA ter sido apresentado a 03.12.2018, mais de dois anos depois destas datas.
116. Quanto a esta exceção, trata-se de saber se ao caso sub judice se aplica o disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT ou o n.º 1, alínea a) do artigo 102.º do mesmo diploma . Quanto a este ponto, é de acolher a posição de Jesuíno Alcântara Martins, segundo a qual, nestes casos, «são aplicáveis as regras gerais e a impugnação judicial não depende de prévia reclamação e o seu prazo é de três meses a contar dos momentos previstos no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT" .
117. O âmbito do presente processo não abrange matéria não controvertida ou que deixou de o ser, tendo em conta o referido nos artigos 48 e 49 desta decisão.
118. Do mesmo modo, o âmbito do presente processo não abrange as liquidações adicionais efetuadas pela AT e que não foram impugnadas pela Requerente, tais como as relativas a "produtos desconhecidos", a "produtos não comestíveis" e a certos produtos comestíveis aos quais as taxas reduzidas não são aplicáveis (vide artigo 52 da presente decisão).
119. É pertinente a questão prévia suscitada pela Requerida nos artigos 24 a 28 da sua Resposta (reproduzidos no artigo 54 da presente decisão), pelo que o presente processo não prossegue relativamente ao ponto (iii) do pedido da Requerente formulado a pp. 68 do PPA.
120. Pelo exposto, o presente processo prossegue tendo como objeto
1.º) o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA referentes às operações com os produtos de panificação realizadas nos anos de 2014, 2015 e de 2016 (Croissant Francês, Croissant Francês Mini, Bola de Carnes e Fatia de Bola de Carnes, Arrufada, Brioche, Croissant Brioche, Tabuleiro, Croissant Prokorn Cozido e Croissant Centeio) e correspondentes juros compensatórios, no total de € 415.268,83 e € 38.944,74 respetivamente, conforme decorre do documento n.º 1 anexo ao PPA; e
2.º) o pedido de anulação das autoliquidações relativas aos "sumos naturais" relativas ao segundo semestre de 2016, com as devidas consequências legais.
D. OS FACTOS
Fundamentação
121. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).
122. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. anterior artigo 511.º, n.º 1 do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
123. Em matéria tributária, está consagrado o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual o tribunal deve julgar segundo a sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação dos vários meios de prova trazidos ao processo (cf. art.º 655.º, n.º 1 do CPC e art.º 72.º LGT). Esta metodologia não implica, contudo, qualquer arbítrio do julgador, devendo a prova ser valorada segundo critérios da experiência comum.
124. Sendo, no processo tributário, admitidos todos os meios gerais de prova (art.º 115.º, n.º 1 do CPPT), foram tidos em consideração, antes de mais, os factos documentados no PPA, em requerimentos e nas alegações da Requerente, na resposta e esclarecimentos posteriores da Requerida (cf. o artigo 110.º, n.ºs 6 e 7 do CPPT), incluindo o Processo Administrativo juntos aos autos, em especial o RIT, cujo valor probatório tem força obrigatória na medida em que as asserções que do mesmo constam não tenham sido impugnadas.
125. Foi ainda tida em consideração a prova por inspeção levada a cabo nas instalações da Requerente, bem como o relatório do perito cujo teor não foi posto em causa por qualquer das Partes.
126. Por fim, foi igualmente considerada a prova testemunhal produzida, a qual não suscitou da parte da Requerida quaisquer dúvidas ou reservas (nem antes, nem durante, nem em momento posterior à inquirição), quer quanto à idoneidade da pessoa indicada, quer relativamente ao depoimento efetuado.
127. Quer a prova por inspeção, quer a prova testemunhal disponibilizada corroboraram ou não contradisseram a prova documental existente, mostrando-se, deste modo, coerentes e suficientemente seguras para não se suscitarem dúvidas razoáveis relativamente à verificação dos factos analisados.
128. Não foram dados como provados ou como não provados factos alegados pelas Partes, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se tem de aferir em relação à concreta matéria de facto , nem raciocínios abstratos de natureza jurídica ou económica não suportados por produção de provas admitidas em direito.
129. Tendo em conta os pressupostos acima referidos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade por quotas registada para o exercício da atividade de “exploração da indústria hoteleira, estabelecimentos de restauração e bebidas e atividades afins, nomeadamente pastelarias, restaurantes, geladarias e snack-bares, fabrico próprio de pastelaria, panificação, salgados, gelados e pizzas”, com o CAE 10711 – Panificação, estando ainda registada para o exercício da atividade de pastelaria – CAE 10712, pastelarias e casas de chá – CAE 56303, comércio a retalho de pão, produtos de pastelaria e confeitaria em estabelecimentos especializados – CAE 47240, restaurantes n. e. – CAE 56107 e armazenagem não frigorífica – CAE 52102;
b) Em sede de IVA, a Requerente é, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, a), do CIVA, um sujeito passivo de IVA, visto que exerce atividades económicas de forma independente e se encontra enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal por força do disposto no artigo 41.º, n.º 1, alínea a), do CIVA.
c) A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo de âmbito parcial em sede de IVA, ao abrigo das Ordens de Serviço nºs OI2017..., OI2017... e OI2017..., emitidas pela Direção de Finanças de Lisboa, abrangendo os períodos de tributação de 2014 a 2016, «e teve como origem o facto de o sujeito passivo ter liquidado naqueles anos imposto a taxa reduzida em produtos e prestações de serviço que pela sua natureza são sujeitas a imposto a taxa normal».
d) Na sua Resposta, a Requerida, tendo em conta orientações administrativas e informações vinculativas existentes à data das operações, foi de opinião não se mostrarem devidas as liquidações relativas a produtos de panificação realizadas entre 2014 e o primeiro trimestre de 2016 (inclusive), e de se deverem manter, as liquidações adicionais produzidas relativamente ao segundo trimestre e ao segundo semestre de 2016;
e) Quanto a 2016 , o RIT distingue dois períodos correspondentes aos dois semestres desse ano, desconsiderando as operações relativas ao primeiro trimestre de 2016;
f) No primeiro semestre de 2016, a Requerente manteve um comportamento análogo ao dos anos anteriores, havendo, porém, um acréscimo dos produtos identificados como "desconhecidos";
g) No segundo semestre de 2016, a Requerente, na generalidade das lojas, em alguns artigos poucos e com maior preponderância num produto específico, a Pavlova) não liquidou qualquer IVA, e numa determinada loja não liquidou mesmo imposto numa série alargada de produtos;
h) De entre estes casos sobressaem as transações respeitantes a limonadas, sumos de morango e hortelã, sumos frutos do bosque sumos de laranja natural e sumos de manga natural, todos integrados em menus (RIT, p. 30) e às operações relativas aos itens discriminados no quadro 21 do RIT, tendo, consoante os casos, a AT, no seguimento do processo inspetivo externo, corrigido essa situação mediante a aplicação da taxa normal a esses itens (por entender, quanto aos sumos e néctares servidos em menus e refeições, que estes, estão excluídos da atual verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA) ou mediante a aplicação da taxa intermédia, por entender estarmos perante prestações de serviços de alimentação e bebidas (dá-se como exemplo destas, bebidas como chá, café, cariocas, água, galão e outras que não sumos), como decorre de pp. 30 e 31 a 33 do RIT;
i) A Requerente liquidou ainda à taxa intermédia os itens descritos no quadro 23 do RIT (entre os quais bebidas como Compal néctar, limonada, multivitaminas e sumos vários integrados em menus, que a AT, aplicando a doutrina das referidas orientações administrativas, nomeadamente do Ofício-Circulado de 2016, considera sujeitas a taxa normal de imposto (por estarem excluídas da referida verba 3.1 da Lista II);
j) A Requerente liquidou à taxa reduzida (6%) um conjunto de operações (constantes do quadro 26 do RIT, pp. 39-42) que a AT corrigiu, aplicando a essas situações a taxa de 23%.;
k) Por fim, a Requerente liquidou à taxa normal operações que envolvem "sumos naturais" inseridos em menus que, posteriormente, passou a entender serem de tributar a uma das taxas reduzidas (6% ou 13%);
l) Tendo em conta a sistematização constante do RIT (p. 42), as operações acima descritas podem ser relativas a: 1) produtos afins de pão ou de padaria fina (como arrufadas, brioches tabuleiro, croissants, croissants centeio, croissants prokorn e pão de Deus tabuleiro) que, no entender da AT, não integram a noção de "pão"; 2) sumos que, por serem parte integrante de um menu, estariam excluídos da atual verba 3.1 da Lista II e, consequentemente, sujeitos a taxa normal; 3) produtos desconhecidos em que, apesar de muitas vezes haver um código a eles associado, não se consegue efetuar uma ligação direta entre códigos e produtos, razão pela qual devem ser tributados à taxa normal por se ignorar de que produtos se trata; 4) outros produtos que, pela sua natureza, são sujeitos a taxa normal, como certos produtos não consumíveis de que são exemplo pás de lixo, palhinhas, panelas inox, sacos de plástico reutilizáveis ou chávenas de café) ou produtos consumíveis que são produtos processados não constantes de qualquer verba das listas anexas ao CIVA (como batatas fritas, gelados e croquetes);
m) Como se comprovou pela peritagem e pelas fichas de receitas anexas ao Relatório do perito ou juntas posteriormente, os produtos da Requerente designados por brioche, croissant de centeio, croissant sementes (prokorn), arrufada e croissant brioche são produtos que entram na designação de pães especiais, uma vez que respeitam as características analíticas previstas na lei, não ultrapassando o teor de açúcar no brioche, e não tendo açúcar nas outras massas dos produtos designados;
n) O mesmo ocorre relativamente ao croissant francês, como decorre da ficha e da receita posteriormente juntas aos autos.
Factos não provados
130. Não há factos não provados que se mostrem relevantes para a decisão.
E. O DIREITO
1. A questão da aplicação de taxas reduzidas a operações relativas a produtos de panificação
131. O artigo 18.º do CIVA dispõe o seguinte:
«1 - As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13%;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.»
132. Por sua vez, tendo em conta a sucessão de regimes de tributação, deve distinguir-se na Lista I relativa a bens e serviços de tipo alimentar sujeitos à taxa reduzida de 6%, dois períodos:
a) Até à entrada em vigor da LOE para 2016 (em 31.03.2016, com produção imediata de efeitos neste ponto), a verba 1.1.5 desta Lista englobava, como sujeitos a taxa reduzida, o "pão e produtos de idêntica natureza, tais como gressinos, pães de leite, regueifas e tostas";
b) A partir da LOE para 2016, a verba 1.1.5 da Lista I passa a referir-se apenas a "pão".
133. Na ausência de uma definição no CIVA das noções de pão, pão especial, produtos de idêntica natureza e produtos afins de pão, e em conformidade com as regras da hermenêutica jurídica acolhidas nos artigos 11.º da LGT e 9.º do Código Civil, deve remeter-se para legislação de onde constem tais definições, como é o caso, num primeiro momento, da Portaria n.º 425/98, de 25.07 (da Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Saúde, doravante P 425/98) e, mais tarde, da Portaria n.º 52/2015, de 26.02 (dos Ministérios da Economia, da Agricultura e do Mar e da Saúde, doravante P 52/2015), que entrou em vigor em 27.02.2015, tendo revogado a referida P 425/98.
134. Assim, nas suas alíneas a) a g) do artigo 4.º, a P 425/98, em vigor até à sua revogação pela P 52/2015, definia os tipos de pão que podiam ser fabricados e comercializados do seguinte modo:
«Tipos de pão
Poderão ser fabricados e comercializados os seguintes tipos de pão:
a) Pão de trigo – o pão fabricado com farinha de trigo dos tipos 45, 55, 65, 80 ou 110, água potável, sal e fermento ou levedura, podendo também ser utilizados farinha de glúten, extrato de malte, açúcares e os aditivos referidos nos nºs 6.º e 7.º do presente diploma;
b) Pão integral de trigo – o pão de trigo fabricado com farinha de trigo do tipo 150;
c) Pão de centeio – o pão fabricado com farinha de centeio dos tipos 70, 85 ou 130, ou em mistura com farinha de trigo dos tipos 65, 80, 110 ou 150, desde que a farinha de centeio seja utilizada numa incorporação superior a 50%, água potável, sal, fermento ou levedura, podendo também ser utilizados extrato de malte, farinha de malte, açúcares e os aditivos referidos nos nºs 6.º e 7.º do presente diploma;
d) Pão integral de centeio – o pão de centeio fabricado com farinha de centeio do tipo 170;
e) Pão de triticale – o pão fabricado com farinha de triticale, de acordo com o estabelecido para o pão de centeio;
f) Pão de mistura – o pão fabricado com mistura de farinhas de trigo dos tipos 65, 80, 110 ou 150, de centeio dos tipos 70, 85, 130 ou 170 e de milho dos tipos 70, 100 ou 175, ou apenas com farinhas de dois destes cereais, com uma incorporação mínima de 10% de farinha de cada cereal, água potável, sal, fermento ou levedura, podendo também ser utilizados farinha de glúten, extrato de malte, farinha de malte, açúcares e os aditivos referidos nos nºs 6.º e 7.º do presente diploma;
g) Pão de milho ou broa de milho – o pão de mistura em cujo fabrico seja utilizado predominantemente qualquer dos tipos de farinha de milho".
135. A estes tipos de pão, a alínea h) do mesmo artigo 4.º da P 425/98 adicionava um outro tipo de pão, o pão especial, ou seja, «o pão fabricado com qualquer dos tipos de farinha definidos na Portaria n.º 1023/94, de 22 de Novembro, estremes ou em mistura, água potável, sal, fermento ou levedura, podendo também ser utilizados farinha de glúten, extrato de malte, farinha de malte, açúcares e aditivos nas condições legalmente estabelecidas e os ingredientes referidos no n.º 7.º do presente diploma e que obedeça aos requisitos a estabelecer nos termos do n.º 5.º».
136. Por fim, na alínea b) do seu artigo 2.º, esta mesma Portaria procedia à definição e classificação de produtos afins do pão, considerando como tais, «os produtos obtidos a partir de massas levedadas e ou sovadas, do tipo panar, fabricadas em formatos que não se confundam com os adotados para o pão, sendo ainda possível a utilização de ingredientes, incluindo aditivos, bem como auxiliares tecnológicos nas condições legalmente fixadas».
137. Da análise do teor da P 425/98, pode concluir-se que as diferenças técnicas entre o pão, o pão especial e os produtos afins de pão residiam apenas no formato e no teor de açúcar. A questão do formato é, porém, para efeitos fiscais, matéria juridicamente irrelevante, dizendo respeito sobretudo à apresentação e comercialização do produto. Já a questão do teor máximo de açúcares totais usado no fabrico de tais produtos constitui um critério jurídico objetivo fundado essencialmente em razões de saúde pública, segundo o qual o teor de açúcar nos produtos afins de pão pode variar entre 5% e 22%, enquanto no pão especial varia entre 3% e 5%.
138. Em 26.02.2015, a P 52/2015, veio redefinir os tipos de pão suscetíveis de produção e comercialização, não se afastando, no essencial, do disposto na Portaria de 425/98, de 25.07.1998, por ela revogada. Para além de precisar melhor o nome de alguns produtos, ela visou permitir que o fabrico dos certos tipos de pão pudesse utilizar matérias primas até então arredadas de tal utilização.
139. Assim, nos termos do artigo 3.º da P 52/2015, podem ser fabricados e comercializados os seguintes tipos de pão (sublinhados nossos):
a) "Pão de trigo", o pão fabricado com farinha de trigo dos tipos 45, 55, 65, 80 ou 110, água potável, sal e fermento ou levedura, podendo também ser utilizados glúten de trigo, extrato de malte e farinha de malte, açúcares e os aditivos referidos nos artigos 4.º e 5.º da presente portaria;
b) "Pão de centeio", o pão fabricado com farinha de centeio dos tipos 70, 85 ou 130, ou em mistura com farinha de trigo dos tipos 45, 55, 65, 80, 110 ou 150, desde que a farinha de centeio seja utilizada numa incorporação superior a 50 %, água potável, sal, fermento ou levedura, podendo também ser utilizados extrato de malte, farinha de malte, açúcares e os aditivos referidos nos artigos 4.º e 5.º da presente portaria;
c) "Pão integral", o pão fabricado com farinha de trigo do tipo 150 ou com farinha de centeio do tipo 170, observando ainda o disposto nas alíneas a) e b), respetivamente;
d) "Pão de triticale", o pão fabricado com farinha de triticale, de acordo com o estabelecido para o pão de centeio;
e) "Pão de mistura", o pão fabricado com mistura de farinhas de trigo dos tipos 45, 55, 65, 80, 110 ou 150, de centeio dos tipos 70, 85, 130 ou 170 e de milho dos tipos 70, 100 ou 175, ou apenas com farinhas de dois destes cereais, com uma incorporação mínima de 10 % de farinha de cada cereal, água potável, sal, fermento ou levedura, podendo também ser utilizados glúten de trigo, extrato de malte, farinha de malte, açúcares e os aditivos referidos nos artigos 4.º e 5.º da presente portaria;
f) "Pão de milho" ou "broa de milho", o pão de mistura em cujo fabrico seja utilizada predominantemente farinha de milho dos tipos 70, 100 ou 175;"
140. Na alínea g) do mesmo artigo, a nova portaria define ainda como "pão especial", «o pão fabricado com qualquer dos tipos de farinha definidos na Portaria n.º 254/2003, de 19 de março, estremes ou em mistura, podendo também ser utilizados glúten de trigo, extrato de malte, farinha de malte, água potável, sal e fermento ou levedura, nas condições legalmente estabelecidas e os ingredientes e aditivos referidos no artigo 5.º da presente portaria", englobando na designação "Pão especial", nomeadamente, os seguintes:
i. "Pão-de-leite", o pão especial com uma incorporação mínima de leite em pó de 50 g/kg de farinha, ou quantidade equivalente de outro produto lácteo;
ii. "Pão tostado" ou "tosta", o pão especial, cortado em fatias, que, por meio de torra especial, apresenta um teor de humidade inferior a 8 %.»
141. Por fim, na alínea h) do seu artigo 2.º, a P 52/2015 modificou a redação do artigo 2.º, alínea b) da portaria anterior, ao acrescentar à designação "produtos afins do pão" a expressão "ou de padaria fina" e ao retirar a referência aos formatos dos produtos.
142. Assim, passou a entender-se por "produtos afins do pão ou de padaria fina", os «produtos obtidos a partir de massas levedadas e ou sovadas, do tipo panar, que não se confundem com o pão, nos quais ainda é possível a utilização de ingredientes, incluindo aditivos, bem como auxiliares tecnológicos nas condições legalmente fixadas». Note-se que, de acordo com o n.º 5 do artigo 5.º deste diploma, no «fabrico dos produtos afins do pão ou de padaria fina podem ser utilizados os ingredientes admissíveis para o pão especial».
143. Deverá ainda ter-se em consideração o disposto no artigo 6.º desta mesma portaria, com a epígrafe "características analíticas", cujo teor é o seguinte:
«1 - O teor de açúcares totais, expresso em sacarose e referido à matéria seca, dos tipos de pão referidos nas alíneas a) a f) do artigo 3.º da presente portaria não pode exceder 3 %.
2 - O teor de açúcares totais, expresso em sacarose e referido à matéria seca, das diversas variedades de pão especial não pode exceder 8 %.
3 - O teor de açúcares totais, expresso em sacarose e referido à matéria seca, dos produtos afins do pão ou de padaria fina não pode ser inferior a 8 % nem exceder 22 %.
4 - O teor máximo de sal deve cumprir o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 75/2009, de 12 de agosto.
5 - O disposto no número anterior não se aplica aos produtos afins do pão ou de padaria fina.»
144. Comparando a regulamentação da P425/98 com a da P52/2015, que fixa as características a que devem obedecer os diferentes tipos de pão, os produtos afins de pão e os de padaria fina, pode concluir-se que os conceitos de pão e de produtos afins referidos nas duas portarias são em tudo semelhante. No entanto, para o pão especial o teor de açúcar passa a ter o limite máximo 8% em vez dos anteriores 5%; e para os produtos afins de pão ou padaria fina o teor de açúcar não pode ser inferior a 8% (em vez dos anteriores 5% referentes aos afins) nem exceder 22%, como se sintetiza no quadro seguinte:
Portaria n.º 435/98, de 25 de julho
Portaria n.º 52/2015, de 26 de fevereiro
Pão especial
Entre 3% e 5%
Limite máximo de 8%
Produtos afins do pão ou de padaria fina
Entre 5% e 22%
Entre 8% e 22%
145. Decorre da peritagem e das fichas de receitas anexas ao Relatório do perito ou juntas posteriormente, que devem ser qualificados como "pães especiais" os produtos da Requerente designados por brioche, croissant de centeio, croissant sementes (prokorn), arrufada e croissant brioche, o mesmo ocorrendo com o croissant francês.
146. Deste modo, a tais produtos deveria ter sido aceite a aplicação da taxa reduzida de 6% utilizada pela Requerente e não a sua correção para a taxa normal de 23%, como resultou das liquidações adicionais efetuadas pela AT.
147. É o caso das liquidações adicionais de IVA relativas às operações sobre produtos de panificação a seguir identificadas:
Período N.º da Liquidação
IVA
JC
Total
201401 2018... 8.210,62 1.419,87
201402 2018... 8.048,92 1.364,56
201403 2018... 8.970,96 1.489,42
201404 2018... 7.432,81 1.209,61
201405 2018... 7.996,86 1.275,99
201406 2018... 5.902,38 921,09
201407 2018... 6.527,09 997,12
201409 2018... 7.091,45 1.060,02
201409 2018... 5.695,71 832,04
201410 2018... 6.394,64 913,11
201411 2018... 6.066,32 844,29
201412 2018... 6.350,43 863,65
Subtotal (2014) 84.688,19 13.190,77 97.878,96
201501 2018... 5.774,88 767,66
201502 2018... 6.417,22 831,24
201503 2018... 7.200,58 908,25
201504 2018... 6.171,50 757,48
201505 2018... 5.944,55 710,73
201506 2018... 5.315,29 617,38
201507 2018... 5.634,80 635,29
201508 2018... 5.760,40 629,28
201509 2018... 6.083,43 645,34
201510 2018... 6.457,75 663,82
201511 2018... 6.582,90 653,60
201512 2018... 6.685,67 641,82
Subtotal (2015) 74.028,97 8.461,89 82.490,86
201601 2018... 6.896,47 640,14
201602 2018... 7.106,89 634,75
201603 2018... 7.704,59 663,65
201604 2018... 7,550,36 622,23
201605 2018... 7.873,87 624,71
201606 2018... 6.467,23 491,83
201607 2018... 34.677,95 2.511,93
201608 2018... 31.140,47 2.160,21
201609 2018... 32.910,50 2.171,19
201610 2018... 39.297,77 2.454,75
201611 2018... 38.022,18 2.254,15
201612 2018... 36.903,39 2.062,54
Subtotal (2016) 256.551,67 17.292,08 273.843,75
TOTAL 415.268,83 38.944,74 454.213,57
2. A questão das taxas aplicáveis a operações com "sumos naturais"
148. De acordo com o artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva IVA «2. O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação. Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço. O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive.». (realce nosso)
149. Sendo um imposto geral sobre o consumo, o IVA baseia-se no princípio da capacidade contributiva (artigo 4.º da LGT) revelada nos termos da utilização do rendimento por parte dos consumidores. É, aliás, este princípio que fundamenta a possibilidade, prevista no n.º 4, alínea a) do artigo 18.º da LGT, de o consumidor final (o repercutido legal), muito embora não seja considerado sujeito passivo de IVA, exercer o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias, nomeadamente quando sofra um encargo tributário que seja superior ao que entenda ser devido. É nele ainda que, em regra, se funda a possibilidade de aplicação de taxas reduzidas de IVA e a previsão de isenções simples.
150. Sobre os sujeitos passivos de imposto (cfr. artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva IVA e 2.º, n.º 1, al. a) do CIVA) recai, não apenas a obrigação principal de pagamento do IVA, mas também a obrigação acessória de emitir uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços e ainda que estes não a tenham solicitado (art. 29.º, n.º 1 do CIVA) .
151. De acordo com o artigo 27.º, n.º 1 do CIVA, “os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19.º a 26.º e 78.º, no prazo previsto no artigo 41.º, nos locais de cobrança legalmente autorizados” .
152. Sendo o IVA um imposto não cumulativo, o montante do encargo exigível é apurado, nos termos dos artigos 19.º e seguintes do CIVA, tendo em conta o direito à dedução exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto incidente sobre as operações efetuadas a montante, calculada de acordo com o método de crédito de imposto. Daqui decorre que «se o sujeito passivo receber determinada importância, mesmo que a título de pagamento parcial, fica obrigado a liquidar e a entregar o montante de IVA correspondente»
153. Nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. c) do CIVA, os sujeitos passivos estão ainda obrigados a enviar mensalmente «uma declaração relativa às operações efetuadas no exercício da sua atividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respetivo cálculo»
154. Em rigor, a liquidação em sede de IVA implica completar a liquidação individualizada e a cobrança efetuadas ao adquirente em cada transmissão de bens ou prestação de serviços com o apuramento do valor fiscal, a efetuar pelo sujeito passivo (autoliquidação) na declaração periódica de imposto, havendo obrigação de entrega do imposto ao erário público em caso de existir uma diferença positiva entre imposto cobrado aos adquirentes e imposto suportado pelo sujeito passivo a montante.
155. O IVA incidente sobre as operações tributáveis que o sujeito passivo efetuou e que deverá constar de tais declarações, será o IVA que foi mencionado nas correspondentes faturas emitidas pelo sujeito passivo declarante, no cumprimento das obrigações legais consagradas nos artigos 36.º, n.º5, al. d), 37.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1, al. c) do CIVA .
156. De facto, ao contrário do que ocorre com outros impostos, como o IRC, o IVA implica a existência de uma obrigação de repercussão formal, prevista no n.º 1 do citado artigo 37.º do CIVA, o qual estabelece que «A importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços.» (realce nosso) .
157. Não havendo forma de impor juridicamente esta obrigação formal de repercussão, caraterística do IVA (que, de facto, em concreto, pode não se verificar), a lei, nacional e europeia, procura meios de induzir o sujeito passivo a adotar esse comportamento. Um deles é o previsto no artigo 203.º da Diretiva IVA (equivalente ao referido artigo 2.º, n.º 1, al. c) do CIVA”), que expressamente estipula que o IVA «é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.”, devendo esta incluir, nos termos do artigo 226.º da DCIVA (e 36.º, n.º 5, al. d) do CIVA), obrigatoriamente, as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido.
158. Daqui decorre, como se conclui na decisão arbitral de 08.11.2016, proferida no processo do CAAD n.º 63/2015-T (cuja fundamentação, quanto a este ponto, integralmente acolhemos), a obrigação de entrega ao Estado do IVA faturado, ainda que indevidamente, seja porque motivo for, incluindo, obviamente, a aplicação de uma taxa superior à devida.
159. Este dipositivo visa não apenas assegurar o direito do adquirente a, quando for o caso, usufruir do direito à dedução do imposto ou do repercutido poder obter a restituição do imposto que lhe foi cobrado indevidamente, mas também evitar possíveis fraudes ou atos de planeamento fiscal abusivos, como sobretudo reforçar o interesse da lei (nacional e europeia) em assegurar o cumprimento da obrigação de repercussão formal e, consequentemente, em preservar a natureza do IVA como imposto geral sobre o consumo .
160. Outros dispositivos legais visam igualmente proteger a obrigação de repercussão formal e a posição do repercutido. É o caso do n.º 7 do referido artigo 29.º do CIVA ao estatuir que «Quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo de fatura».
161. Como é o caso do artigo 97.º, n.º 3 do CIVA quando dispõe que “As liquidações só podem ser anuladas” (na sequência de recurso hierárquico, reclamação e/ou impugnação), “quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura passada ao adquirente nos termos do artigo 37.º"
162. Pelo exposto, e salvo melhor opinião, o Coletivo entende, na esteira de diversas decisões anteriores, entre as quais a citada decisão arbitral no processo do CAAD n.º 63/2015-T, que a autoliquidação efetuada pelos sujeitos passivos de IVA, tal como consta da declaração apresentada nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. c) do CIVA, apenas poderá ser anulada, mesmo em sede de impugnação, no que se refere ao apuramento do montante de imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, se o imposto em causa não estiver contido em fatura passada ao adquirente.
163. Conclui-se, assim, que para que fosse possível anular as autoliquidações em questão, era necessário que as faturas emitidas pela Requerente, nas quais esta, confessadamente inclui 23% de IVA, fossem objeto de retificação, nos termos legais, para que passasse a constar das mesmas outra taxa, bem como o correspondente montante de imposto.
164. Era necessário, por isso, que fosse seguido o procedimento estabelecido no artigo 78.º do CIVA, que dispõe, no seu n.º 1 que “As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.”
165. Não se verificando a cumulação de tais requisitos (dos artigos 29.º, n.º 7, 97.º, n.º 3, e 78.º, n.º 1 todos do CIVA), inexistem fundamentos legais para a anulação das autoliquidações em questão, que se verificam efetuadas em conformidade com as normas que a regulam.
166. Como se decidiu na referida decisão arbitral, não obsta ao que vem de se concluir, a circunstância – não discutida no caso – de as operações em causa serem eventualmente tributáveis à taxa de 6%, e não à taxa, faturada pela Requerente, de 23%. Com efeito, daí resulta, não a ilegalidade das autoliquidações efetuadas pela Requerente nas declarações a que alude o artigo 29.º, n.º 1, al. c) do CIVA, mas das liquidações efetuadas pela própria Requerente nas faturas que emitiu, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CIVA, liquidações essa cuja correção se impunha à própria Requerente, nos termos atrás expostos.
167. A exemplo da referida decisão arbitral, concorda-se igualmente com o teor do Acórdão do TCA-Sul de 04.07.2000, proferido no processo 1525/98, o qual sentenciou o seguinte:
“1. A dívida de IVA de cada sujeito passivo é encontrada deduzindo da totalidade do imposto mencionado nas faturas processada aos seus clientes o imposto suportado nas faturas de aquisição de bens e serviços destinados à sua produção, tudo reportado a um certo período de tempo;
2. Se houver alteração do valor tributável dos bens ou serviços pode o sujeito passivo proceder à sua retificação, sendo a mesma facultativa se o imposto mencionado na fatura for superior, e obrigatória, se tal imposto for inferior;
3. Em caso de imposto mencionado na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, é o mesmo devido, cabendo à AF fiscal a sua liquidação adicional, no caso de o sujeito passivo o não fizer”.
F. DECISÃO
Deste modo, e pelas razões de facto e de direito acima expostas, o Tribunal decide:
I. Julgar procedente:
a) O pedido da Requerente referente à anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativas às vendas de "produtos de panificação" efetuadas nos anos de 2014, 2015 e primeiro trimestre de 2016 (Croissant Francês e Croissant Francês Mini, Bola de Carnes e Fatias de Bolas de Carne) por dizerem respeito a pães especiais e produtos afins do pão e, nessa medida, terem enquadramento no disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e na verba 1.1.5 da Lista I anexa ao CIVA (na redação anterior à introduzida pela LOE para 2016), sendo-lhes, por isso, aplicável a taxa reduzida de 6% e não a taxa normal de 23% como defende a Requerida;
b) O pedido da Requerente referente à anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativamente às vendas de "produtos de panificação" efetuadas nos segundo, terceiro e quarto trimestres de 2016 (Croissant Francês e Croissant Francês Mini, Bola de Carnes, Fatias de Bolas de Carne, Arrufadas, Brioches Tabuleiro, Croissants Centeio e Croissant Prokorn) por dizerem respeito a pães especiais e, nessa medida, terem enquadramento no disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e na verba 1.1.5 da Lista I anexa ao CIVA (na redação dada pela LOE para 2016), sendo-lhes por isso aplicável a taxa reduzida de 6% e não, conforme o entendimento defendido pela Requerida, a taxa normal de 23%.
II. Julgar improcedente:
a) O pedido da Requerente no que toca à anulação dos atos de autoliquidação de IVA relativos às operações tributáveis que envolvem sumos naturais e, consequentemente, o pedido de restituição do imposto que considera ter sido autoliquidado em excesso por aplicação da taxa de 23% em vez da taxa de 6% (ou mesmo a de 13%, conforme pedido efetuado subsidiariamente), em virtude de não terem sido observados os procedimentos essenciais decorrentes da lei respeitantes à retificação das faturas para solicitar a restituição de IVA, nomeadamente os decorrentes do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, c), 29.º, n.º 1, c) e n.º 7, 36.º, n.º 5, d), 37.º, n.º 1, 78.º, n.º 1 e 97.º, n.º 3, todos do CIVA, conforme argumentação expendida nos pontos n.ºs 148 a 167 da presente decisão;
b) O pedido da Requerente relativo ao pagamento de juros indemnizatórios por improceder a sua pretensão de serem anulados os atos de autoliquidação de IVA respeitantes às mencionadas operações com sumos naturais.
G. VALOR
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em € 818.275,62, calculado pela soma do montante de € 454.213,57 relativo ao litígio sobre a transmissão de produtos de panificação com o de € 364.062,05 referente ao litígio sobre as operações com "sumos naturais".
H. CUSTAS
Fixa-se o montante das custas em € 48.000,00, nos termos da Tabela II anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na sua totalidade, de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, daquele Regulamento.
Lisboa, 17 de fevereiro de 2020
O Tribunal Arbitral Coletivo,
António Carlos dos Santos
(Presidente)
Emanuel Vidal Lima
(Vogal)
Clotilde Celorico Palma
(Vogal)