DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 7 de Outubro de 2019, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., contribuinte nº..., casado com B..., contribuinte nº..., residentes na Rua..., nº..., r/c esq., em ... (adiante designados por “Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 26 de Julho de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. Os Requerentes peticionam no pedido arbitral que sejam declaradas ilegais e anuladas as “(…) liquidações de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2015, 2016 e 2017, e bem assim, dos juros compensatórios, tudo no valor global de € 23.899,77. Mais requerendo (…) a restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 29 de Julho de 2019 e notificado, na mesma data, à Requerida.
1.4. Em 17 de Agosto de 2019, dado que os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Em 7 de Outubro de 2019, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
1.8. Em 4 de Novembro de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo-se por impugnação, no sentido de que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a Autoridade Tributária do pedido, com as devidas consequências legais”.
1.9. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo.
1.10. Por despacho arbitral datado de 4 de Novembro de 2019 (notificado às Partes em 5 de Novembro de 2019), tendo em consideração o facto de não ter sido suscitada, na Resposta apresentada pela Requerida, matéria de excepção e o facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental apresentados, não viu este Tribunal Arbitral qualquer utilidade em realizar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, tendo decidido, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT:
1.10.1. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
1.10.2. Determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho;
1.10.3. Designar o dia 19 de Dezembro de 2019 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.11. Por último, o Tribunal Arbitral advertiu ainda os Requerentes para “(…) até à data da prolação da decisão arbitral, deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.
1.12. Os Requerentes e a Requerida não apresentaram alegações.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. Os Requerentes começam por esclarecer que são casados, referindo que apresentaram nos anos de 2015, 2016 e 2017 declaração de rendimentos anual da qual consta a totalidade dos rendimentos obtidos por todos os membros que integram o agregado familiar.
2.2. Ora, “foram os requerentes notificados, por carta registada com aviso de recepção, da Nota de Liquidação (…) referente ao ano de 2015 (…) e bem assim das (…) Notas de Liquidação (…) referente ao ano 2016 e (…) referente ao ano de 2017 (….)” relativas a imposto e juros, no montante total de EUR 23.899,77.
2.3. Segundo os Requerentes, a Requerida fundamenta as liquidações apresentadas “(…) nos factos constantes de auto de notícia, os quais foram notificados aos requerentes (…)” com fundamento no facto de considerar que “(…) o sujeito passivo aquando da entrega da declaração modelo 3 de IRS (…)” dos anos de 2015, 2016 e 2017, “(…) declarou os rendimentos por si auferidos no âmbito da sua actividade de administrador de insolvências no campo 404 do Anexo B da declaração modelo 3 do IRC, campo a utilizar para as prestações de serviços previstas na alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS, às quais é aplicável o coeficiente 0,35” mas, segundo a Requerida, “os rendimentos auferidos no âmbito da actividade de administrador de insolvências deveriam ter sido declarados no campo 403 do Anexo B de cada uma das referidas declarações modelo 3 de IRS, campo a utilizar para as prestações de serviços previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 31º do CIRS, às quais é susceptível de ser aplicado o coeficiente 0,75. (…)”.
2.5. Ora, do exposto, “resultou uma diminuição do rendimento tributável (…)”, em 2015 (EUR 1.800,00), em 2016 (EUR 10.400,00) e em 2017 (EUR 38.185,73) e, em consequência, “daqui decorre também um erro de quantificação da matéria colectável decorrente da aplicação de tal coeficiente”.
Da errónea qualificação da actividade do Requerente A...
2.6. Neste âmbito, “o requerente declarou início de actividade em 08-06-2015, declarando, entre outras o exercício da actividade Outros prestadores de serviços (1519)” sendo que, “nos períodos em causa (anos de 2015, 2016 e 2017) (…) o requerente exerceu a actividade de Administrador Judicial de pessoas colectivas e singulares (…)”.
2.7. Ora, segundo os Requerentes, “(…) contrariamente ao indicado pela AT as funções/actividades de um Administrador Judicial não é sequer comparável com a actividade de Administrador de Bens” porquanto, “(…) nos termos do disposto na Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a nova redacção que lhe foi dada pela Lei nº 17/2017, de 6/05 - Estatuto dos Administradores Judiciais, mormente no seu artigo 2º, “o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que são cometidos pelo presente estatuto e pela lei”.
2.8. Assim, segundo os Requerentes, “o administrador judicial designa-se administrador judicial provisório, administrador da insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo, nos termos da lei”.
2.9. Ora, “posto isto, resulta que o administrador judicial não exerce funções de administrador de bens, não podendo por isso ser enquadrado ao nível fiscal nessa actividade”.
Da errónea quantificação da matéria colectável decorrente da aplicação do coeficiente previsto no art. 31, nº 2, alínea b) do Códiqo do IRS (0,75)
2.10. Neste âmbito, “na medida em que a actividade do requerente (…) não se enquadra em nenhuma das actividades profissionais especificamente previstas na tabela anexa a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, nos períodos em causa sempre emitiu recibos por referência ao código 1519 referente aos outros prestadores de serviços”.
2.11. Por último, os Requerentes alegam ainda a violação do princípio da confiança e da boa-fé porque “(…) o requerente ao ver validadas as declarações de rendimentos em sede de IRS referente aos anos de 2015, 2016 e 2017 criou a firme expectativa de que a sua situação fiscal se encontrava consolidada, nomeadamente, as declarações de rendimentos apresentadas, relativas à qualificação da sua actividade e quantificação da matéria colectável”, “confiança essa que foi violada/ultrajada com as correções oficiosas da AT do MOD. 3 do IRS, relativas ao ano de 2015, 2016 e 2017”.
2.12. Assim, não podendo os Requerentes “(…) conformar-se com tal correcção atenta a sua manifesta ilegalidade quer no que respeita à violação de normas jurídicas estabelecidas e que regulam a matéria em causa quer pela violação dos mais elementares princípios (…) da boa-fé e da confiança”, vêm os Requerentes peticionar, com o pedido de pronúncia arbitral a declaração da ilegalidade dos referidos actos de tributação de IRS e de juros compensatórios e a consequente anulação dos mesmos, requerendo ainda a restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. Segundo a Requerida, “os Requerentes deduziram pedido de pronúncia arbitral, que tem por objeto a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS dos anos de 2015, 2016 e 2017, no valor global de € 23.899,77, com fundamento em errónea qualificação dos tributos e errónea quantificação da matéria coletável”.
3.2. Neste âmbito, alega a Requerida que “em 2015-06-08, o Requerente A... (…) declarou o inicio de atividade, indicando, entre outras atividades, Outros prestadores de serviços – código 1519” sendo que, segundo a Requerida, “entendem os Requerentes que a atividade que o Requerente (…) exerce não se enquadra em nenhuma das atividades profissionais especificamente previstas na tabela anexa a que se refere o artigo 151.º do CIRS, nos períodos em causa, pelo que emitiu recibos por referência ao código 1519”, tendo, “em sede de declarações de rendimentos, modelo 3, dos anos de 2015, 2016 e 2017 (…)” o Requerente A... declarado “(…) no anexo B, no quadro 4 A, campo 404, reservado á inscrição de rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores, rendimentos provenientes do código de atividade 1519”.
3.3. Ora, esclarece a Requerida que “em 2019-04-24, os Requerentes foram objeto de uma ação inspetiva (OI 2018...) relativamente ao controlo declarativo em sede de IRS, do ano de 2015, tendo por fim a comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”, tendo essa acção inspectiva concluído que a actividade desenvolvida pelo Requerente A... é a administrador de insolvências ainda que este declare que a mesma se enquadra no “(…) código 1519 - Outros prestadores de serviços (…)” porquanto entende o Requerente que “(…) para efeitos de emissão das faturas-recibos (…) o código 1310 – Administradores de bens não é o mais indicado para o exercício da atividade de administrador de insolvência”.
3.4. “Na sequência dessa ação inspetiva, a AT elaborou a declaração oficiosa modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2015, em que foi inscrito no anexo B, no campo 403 do quadro 4 A, o montante declarado nesse anexo, suprimindo do campo 404 esses valores” sendo que “em 2019-04-24, foram ainda tramitadas as ações inspetivas (OI 2018... e OI 2018...), relativamente ao controlo declarativo em sede de IRS, dos anos de 2016 e 2017 (…), visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”.
3.5. Ora, segundo a Requerida, também “essas ações inspetivas concluíram que os rendimentos que o Requerente [A...] declarou no anexo B, no quadro 4 A, campo 404, deveriam ter sido declarados no campo 403” porquanto “a AT considera que os rendimentos auferidos pelo Requerente (…), no âmbito da atividade de administrador de insolvência deveriam ter sido declarados no campo 403 do Anexo B da declaração de rendimentos, modelo 3 de IRS, campo este a utilizar para as prestações de serviços previstas na alínea b) do n.º 1 do art. 31.º do CIRS, às quais é aplicável o coeficiente 0,75”.
3.6. Ora, “na sequência dessas ações inspetivas, a AT elaborou a declaração oficiosa modelo 3 de IRS, referente aos anos de 2016 e 2017, em que foi inscrito no anexo B, no campo 403 do quadro 4 A, o montante declarado nesse anexo, suprimindo do campo 404 esses valores”.
3.7. Contudo, os Requerentes não concordaram com tal entendimento porquanto entendem “(…) que a atividade de administrador judicial, não corresponde às funções de administrador de bens, não podendo por isso o Requerente (…) ser enquadrado ao nível fiscal nessa atividade”, posição que a Requerida não partilha, tendo em consideração as razões que a seguir, em síntese, se apresentam.
Da alegada errónea qualificação da actividade do Requerente e da alegada errónea quantificação da matéria colectável decorrente da aplicação do coeficiente previsto no artigo 31º, nº 2, alínea b) do Código do IRS
3.8. Neste âmbito, alega a Requerida que “o ponto central controvertido do presente processo arbitral, mais não é do que, tendo o Requerente [A...] a atividade de administrador de insolvências, nos anos de 2015, 2016 e 2017, para efeitos de categoria B e em sede de declaração de rendimentos por si auferidos, esta atividade ser considerada no código CIRS - Administrador de bens – Código 1310, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira ou com o código CIRS - Outros prestadores de serviços – Código 1519, como advogam os Requerentes” e, “consequentemente, ser-lhe aplicado o coeficiente 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º (…) ou o coeficiente 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores (…), porquanto os rendimentos auferidos pelo Requerente [A...] são determinados com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado”.
3.9. Segunda a Requerida, o Requerente A... para defesa do que alega, entende “(…) que a sua atividade de administrador judicial, não é sequer comparável à atividade de administrador de bens (…), especificamente prevista na tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, com a menção e interpretação de alguns artigos do Estatuto dos Administradores Judiciais (…), referindo as funções exercidas, independência hierárquica e considerando (…) que jamais se poderá igualar a atividade de administrador judicial com o a atividade de administrador de bens”.
3.10. Ora, segundo entende a Requerida, “(…) em primeiro lugar, refira-se que, a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação da atividade REALMENTE e ESPECIFICAMENTE exercida” (maiúsculas da Requerida).
3.11. Neste âmbito, reitera a Requerida que a Lei da Reforma Fiscal em sede de IRS, “(…) em vigor a partir de 2015, veio proceder à reforma da tributação das pessoas singulares, introduzindo alterações ao CIRS e consequentemente, à reformulação de toda a declaração modelo 3 e respetivos anexos, em conformidade com as alterações legislativas decorrentes da referida lei, bem como das respetivas instruções de preenchimento” sendo que “com a redação introduzida para o ano de 2015, restringiu-se a aplicação do coeficiente de 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º, pelo que (…) o coeficiente de 0,75 só se aplicará se a atividade desenvolvida, o serviço concretamente prestado, puder ser enquadrado num dos códigos da citada tabela tendo sido criado um novo coeficiente de 0,35 para as restantes prestações de serviços”.
3.12. Adicionalmente, segundo entende a Requerida, “(…) para ser aplicado o coeficiente 0,75 não se exige que o prestador de serviços esteja coletado com um código da tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS, pois mesmo que esteja coletado com um código do CAE, se o serviço prestado se enquadrar numa das atividades especificamente previstas naquela tabela, será sempre de aplicar o coeficiente 0,75 e de indicar o valor dos serviços prestados no campo 403 do quadro A do anexo B da declaração de IRS” sendo que “(…) a exclusão deste campo dos rendimentos das atividades com o código 1519 (…) só deve ser efetuada quando o serviço prestado não corresponder a nenhuma das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”.
3.13. Refere ainda a Requerida que, “a este respeito (…), veio a Direção de Serviços esclarecer (…)” na informação vinculativa 3716/2008, com despacho concordante do substituto legal do Diretor-Geral dos Impostos, de 2009/12/28, que:
3.14. Neste âmbito, transcreve ainda a Requerida um parecer técnico da Ordem dos Contabilistas Certificados, o qual segue a mesma linha de orientação referida nos pontos anteriores quanto ao enquadramento do rendimento do exercício de funções de administrador de insolvência.
3.15. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) devido à forma autónoma como é exercida, as funções de administrador judicial enquadram-se, em termos de incidência real de IRS, no artigo 3º, nº 1, alínea b) do CIRS, cabendo na lista de atividades a que se refere o artigo 151º do CIRS, na atividade de administradores de bens, código 1310” concluindo que ao contrário do preconizado “(…) pelo Requerente a atividade que este exerce é CONCRETA e ESPECIFICAMENTE a de administração de bens do devedor ou do insolvente, singular ou coletivo (…), pelo que a atividade que exerce como administrador judicial tem inequívoca e clara constância na tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, no código CIRS - Administrador de bens – Código 1310” (maiúsculas da Requerida).
3.16. Assim, entende a Requerida que deverá ser “(…) aplicado o coeficiente 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º, nos termos da alínea b) do artigo 31º do CIRS”, “inexistindo (…) qualquer errónea quantificação da matéria coletável decorrente da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto no artigo 31º, nº 1, alínea b) do CIRS”.
Da alegada violação do princípio da confiança e da boa-fé
3.17. Segundo a Requerida, “vêm os Requerentes alegar que a AT violou o princípio da confiança e da boa-fé, ao aceitar as declarações de rendimentos, modelo 3, IRS, referentes aos anos de 201, 2016 e 2017”, tendo vindo depois a notificar os Requerentes das liquidações adicionais de IRS aqui em crise.
3.18. Neste âmbito, não concorda a Requerida com a posição defendida pelos Requerente porquanto “a atuação da AT baseou-se no estrito cumprimento dos princípios fiscais e constitucionais legalmente consagrados (…)”, tendo sido “(…) rigorosamente cumprido o estipulado no princípio da participação, prazo de caducidade e todo o âmbito do procedimento inspetivo”, “donde se conclui a não existência de qualquer violação da confiança e da boa-fé por parte da AT”.
Do pedido de juros indemnizatórios
3.19. Neste âmbito, “os Requerentes invocam ainda o direito a juros indemnizatórios” porquanto entendem que “estando assim, a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55º da LGT”.
3.20. Contudo, entende a Requerida que sendo “o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT, derivado da anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária” o que, segundo entende, não acontece no caso em análise porquanto “o erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais”.
3.21. Ora, segundo a Requerida, “uma vez que (…) a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT”.
3.22. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a Autoridade Tributária do pedido, com as devidas consequências legais”.
4. SANEADOR
4.1. O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
4.2. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.
4.3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando devidamente representadas.
4.4. Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimentos e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT].
5.2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Dos factos provados
5.3. O Requerente A... declarou início de actividade, para efeitos da Categoria B de rendimentos, em 08 de Junho de 2015, tendo declarado como actividade principal o código 1519 “Outros prestadores de serviços” e como actividade secundária o código 1310 “Administradores de bens”.
5.4. Para efeitos de enquadramento em sede de IRS, os rendimentos auferidos pelo Requerente A... no âmbito da categoria B ficaram enquadrados no âmbito das regras do regime simplificado de tributação.
5.5. O Requerente A... entregou, em 11 de Janeiro de 2016, declaração de alterações, nos termos da qual comunicou o fim do exercício da actividade “administradores de bens”, (código 1310), passando a partir daquela data a constar do seu cadastro como actividade principal o código 69101 “Actividades Jurídicas” e como actividade secundária o código 1519 “Outros prestadores de serviços”.
5.6. Em 20 de Junho de 2017, o Requerente A... entregou nova declaração de alterações, na qual declarou o fim da actividade exercida no âmbito do código 6910, passando apenas a exercer como actividade (principal) “Outros prestadores de serviços” (código 1519).
5.7. A actividade exercida no âmbito do código 1519 foi a de “administrador judicial”.
5.8. De acordo com o disposto no respectivo Estatuto, “o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei”, sendo designado por “administrador judicial provisório, administrador da insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo, nos termos da lei”.
5.9. No âmbito da actividade exercida como “administrador judicial”, o Requerente A... emitiu, nos anos de 2015, 2016 e 2017, recibos verdes electrónicos com a indicação do código de actividade 1519 – “Outras prestações de serviços”.
5.10. No que diz respeito ao cumprimento das obrigações declarativas, os Requerentes preencheram e entregaram, para efeitos de tributação em sede de IRS, as seguintes declarações de rendimentos modelo 3 de IRS, relativas aos anos de 2015, 2016 e 2017:
ANO DECLARAÇÃO MODELO 3 DATA DE ENTREGA
2015 ... 18-05-2016
2016 ... 06-07-2017
2017 ... 24-04-2018
5.11. Apesar de serem casados, os Requerentes não optaram pela tributação conjunta relativamente aos rendimentos auferidos no ano 2015, tendo optado pela tributação conjunta relativamente aos rendimentos auferidos no ano 2016 e 2017.
5.12. Em cada uma das referidas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS, o Requerente A... declarou no respectivo Anexo B, no Quadro 4 A, Campo 404, os seguintes rendimentos provenientes de actividade exercida no âmbito do código de actividade 1519 (montantes em Euros):
ANO RENDIMENTOS
2015 4.500,00
2016 26.000,00
2017 95.464,33
5.13. Em 24 de Abril de 2019, os Requerentes foram objecto de uma acção inspectiva externa (OI 2018...), de âmbito parcial, relativamente ao controlo declarativo em sede de IRS, do ano de 2015, tendo por finalidade a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
5.14. No âmbito da acção inspectiva realizada, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) concluíram, em 08 de Junho 2019, que a actividade exercida pelo Requerente A... como “administrador de insolvência” deveria ser evidenciada na declaração modelo 3 de IRS do ano 2015, no respectivo Anexo B, no Quadro 4 A, Campo 403 porquanto os rendimentos a inscrever resultam de actividade exercida no âmbito do código 1310 “Administradores de bens” e não do código 1519 “Outros prestadores de serviços”.
5.15. Na sequência da referida acção inspectiva, a Requerida elaborou em 24 de Abril de 2019 uma declaração oficiosa modelo 3 de IRS (...), referente ao ano de 2015, na qual foram inscritos, no Anexo B, Quadro 4 A, Campo 403, rendimentos no montante de
EUR 4.500,00, os quais haviam sido previamente declarados, pelo Requerente A..., no Quadro 4 A, Campo 404 daquele anexo tendo sido, em consequência, suprimido esse valor deste campo.
5.16. Em 24 de Abril de 2019, foram ainda tramitadas as ações inspetivas externas (OI 2018... e OI 2018...), de âmbito limitado, relativamente ao controlo declarativo em sede de IRS, dos anos de 2016 e 2017, tendo por finalidade a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
5.17. No âmbito das referidas acções inspectivas foi também concluído que os rendimentos relativos aos anos 2016 e 2017 que o Requerente A... declarou no Anexo B, no Quadro 4 A, Campo 404, deveriam ter sido declarados no Quadro 4 A, Campo 403 tendo em consideração os argumentos apresentados no ponto 5.14., supra.
5.18. Em consequência, a Requerida elaborou em 24 de Abril de 2019, declarações oficiosas modelo 3 de IRS, referentes aos anos de 2016 e 2017 (... e ..., respectivamente), nas quais foram inscritos no Anexo B, Quadro 4 A, Campo 403, rendimentos no montante de EUR 26.000,00 e EUR 95.464,33, respectivamente, os quais haviam sido previamente declarados, pelo Requerente A..., no Quadro 4 A, Campo 404 daquele anexo tendo tais valores sido suprimidos deste campo.
5.19. Em consequência do entendimento da Requerida, os rendimentos auferidos, pelo Requerente A..., no âmbito da actividade de “administrador de insolvência”, foram enquadrados pela Requerida no código de actividade 1310 “administradores de bens”, ficando assim abrangidos pelo disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 31º do CIRS, ou seja, deveria ser aplicável a tais rendimentos, para efeitos de tributação em sede de IRS, o coeficiente 0,75 e não o coeficiente 0,35, como defendem os Requerentes.
5.20. Em consequências das declarações oficiosas modelo 3 de IRS referidas nos pontos 5.15. e 5.18., supra, os Requerentes foram notificados dos seguintes documentos de cobrança:
ANO DOCUMENTO DE COBRANÇA MONTANTE DATA LIMITE PARA PAGAMENTO DATA DE PAGAMENTO
2015 2019... 810,16 12-08-2019 10-07-2019
2016 2019... 4.291,52 19-06-2019 29-05-2019
2017 2019 ... 18.798,09 19-06-2019 29-05-2019
TOTAL 23.899,77
5.21. Como evidenciado, os Requerentes pagaram as liquidações de imposto e juros identificadas no ponto anterior dentro do prazo para pagamento voluntário.
5.22. Por não concordarem com as correcções efectuadas pela Requerida, os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral em 26 de Julho de 2019.
Motivação quanto à matéria de facto
5.23. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo o processo administrativo.
Dos factos não provados
5.24. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. MATÉRIA DE DIREITO
6.1. Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.
6.2. Nos autos, o pedido formulado pelos Requerentes é no sentido de serem declaradas ilegais e anuladas as “(…) liquidações de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2015, 2016 e 2017 (…)” identificadas no processo “(…) e bem assim, dos juros compensatórios, tudo no valor global de € 23.899,77 (...)”, com o consequente reembolso do montante pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
6.3. Assim, cumpre analisar o pedido de pronúncia arbitral de modo a aferir a qual das Partes assiste razão, ou seja:
6.3.1. Se aos Requerentes quando defendem que “(…) aquando da entrega da declaração modelo 3 de IRS (…)” dos anos de 2015, 2016 e 2017, os rendimentos auferidos pelo Requerente A... foram como “administrador de insolvências” foram declarado Quadro 4 A, campo 404 do Anexo B da declaração modelo 3 do IRS dos anos 2015, 2016 e 2017, porquanto entenderam que os rendimentos derivados daquelas prestações de serviços estão abrangidos pelo disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 31º do Código do IRS, às quais é aplicável o coeficiente 0,35, ou,
6.3.2. Se à Requerida quando defende que os rendimentos auferidos no âmbito da actividade de “administrador de insolvências” deveriam ter sido declarados no Quadro 4 A do campo 403 do Anexo B da declaração modelo 3 do IRS dos anos 2015, 2016 e 2017, porquanto tais rendimentos derivam de prestações de serviços previstas na alínea b), do nº 1, do artigo 31º do Código do IRS, às quais é aplicado o coeficiente 0,75.
6.4. Analisemos pois o enquadramento dos factos subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral, face à legislação aplicável.
Do enquadramento prévio da prestação de serviços de “administrador judicial”
6.5. Com entrada em vigor do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, eliminou-se a distinção entre a figura do gestor judicial (designado no âmbito do processo de recuperação) e a do liquidatário judicial (incumbido de proceder à liquidação do património do falido, uma vez decretada a sua falência), passando a existir a figura única do administrador da insolvência sendo que, de acordo com o regime transitório previsto naquele diploma, até à entrada em vigor do estatuto do administrador da insolvência e publicação das respectivas listas oficiais, os gestores e liquidatários judiciais exerceriam as funções de administrador da insolvência.
6.6. De acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro (diploma que veio criar o Estatuto do Administrador Judicial), na redação em vigor à data a que se reportam as liquidações em crise, “o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei”, sendo que “o administrador judicial designa-se administrador judicial provisório, administrador da insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo, nos termos da lei” (sublinhado nosso).
6.7. De acordo com o disposto no artigo 13º do referido Estatuto, “sem prejuízo do disposto no artigo 53.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apenas podem ser nomeados administradores judiciais aqueles que constem das listas oficiais de administradores judiciais”.
6.8. De acordo com o previsto no artigo 22º do referido Estatuto, “o administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas” sendo que de acordo com o artigo 23º, nº 1 daquele Estatuto, “o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia” (sublinhado nosso).
6.9. Ora, do acima exposto, resulta do Estatuto do Administrador Judicial (artigo 2º, nº 1) que este, no âmbito da sua actividade, fiscalização e orienta os actos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo referido Estatuto e pela lei.
6.10. Como acima referido, resulta do artigo 2º, nº 2 daquele Estatuto que a figura do administrador judicial designa o administrador judicial provisório, o administrador da insolvência ou o administrador fiduciário, em conformidade com as funções que foram exercidas no respectivo processo, nos termos da lei.
6.11. Ora, de acordo com o disposto no artigo 32º, nº 1 do CIRE, na redação em vigor à data a que se reportam os rendimentos, “a escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”.
6.12. Já de acordo com o artigo 33º, nº 1 do CIRE, “o administrador judicial provisório a quem forem atribuídos poderes exclusivos de administração do património do devedor deve providenciar pela manutenção e preservação desse património, e pela continuidade da exploração da empresa, salvo se considerar que a suspensão da actividade é mais vantajosa para os interesses dos credores e tal medida for autorizada pelo juiz” sendo que nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “o juiz fixa os deveres e as competências do administrador judicial provisório encarregado apenas de assistir o devedor na administração do seu património, devendo a) especificar os actos que não podem ser praticados pelo devedor sem a aprovação do administrador judicial provisório ou b) indicar serem eles genericamente todos os que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa” (sublinhado nosso).
6.13. Já de acordo com o nº 3 do mesmo artigo, “em qualquer das hipóteses previstas nos números anteriores, o administrador judicial provisório tem o direito de acesso à sede e às instalações empresariais do devedor e de proceder a quaisquer inspecções e a exames, designadamente dos elementos da sua contabilidade, e o devedor fica obrigado a fornecer-lhe todas as informações necessárias ao desempenho das suas funções (…)”.
6.14. No que diz respeito às competências do administrador de insolvência, de acordo com o disposto no artigo 55º nº 1 do CIRE, “no âmbito deste processo, cabe ao designado administrador de insolvência, nomeadamente, prover à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à preparação do pagamento das suas dívidas à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente designadamente das que constituem produto da alienação, que lhes incumbe promover, dos bens que a integram (…)” (sublinhado nosso).
6.15. “A par desta sua função essencial, estão-lhe atribuídas outras tarefas, de natureza complementar como sejam o acompanhamento do insolvente ou mesmo a sua substituição em actos ou procedimentos em que intervêm os credores (…)”, sendo que “a sua intervenção noutros procedimentos não afasta a sua função do essencial (…)” que é a de “administrar os bens do insolvente e garantir os pagamentos aos credores” (sublinhado nosso).
6.16. Adicionalmente, cite-se a Decisão Arbitral nº 150/2019-T, de 31 de Outubro, nos termos da qual se refere que “(…) a massa insolvente destina-se á satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Assim, a massa insolvente é o conjunto de bens atuais e futuros do devedor os quais a partir da declaração de insolvência formam um património separado, adstrito à satisfação dos interesses dos credores (Vd., Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª ed., 2014, Almedina, pp. 256). (…) por mero efeito da declaração de insolvência o devedor fica privado dos seus poderes de administração dos bens integrantes da massa insolvente e os poderes de administração da massa insolvente passam a competir ao administrador da insolvência com a cooperação da comissão de credores. Em suma, o administrador da insolvência assume o controlo da massa insolvente, procede à sua administração e liquidação e, finalmente, reparte o respetivo produto final pelos credores. Havendo declaração da insolvência, em regra, passa a competir ao administrador da insolvência o poder de administrar os bens integrantes da massa insolvente” (sublinhado nosso).
Enquadramento em sede de IRS, no âmbito do regime simplificado, dos rendimentos da actitvidade de prestações de serviços de administrador de insolvência
6.17. De acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IRS, na redação em vigor à data a que se reportam as liquidações de IRS em crise, “consideram-se rendimentos empresariais e profissionais (…) os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; (…) os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior; (…) os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário” (sublinhado nosso).
6.18. De acordo com o disposto no nº 6 do mesmo artigo, “os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de fatura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares (…)”.
6.19. Nos termos do previsto no artigo 28º, nº 1 do Código do IRS, “a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se (…) com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado; (…) com base na contabilidade”, sendo que de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, “ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000”, sem prejuízo de, de acordo com o previsto no nº 3, poderem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.
6.20. Adicionalmente, de acordo com o previsto no nº 6 do artigo 28º do Código do IRS, “a aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos”.
6.21. Nos termos do disposto no nº 7 do referido artigo 28º do Código do IRS, “os valores de base necessários para o apuramento do rendimento tributável são passíveis de correção pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos do artigo 39.º (…)”.
6.22. De acordo com o disposto no nº 10 do mesmo artigo, “no exercício de início de atividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de atividade, caso não seja exercida a opção (…)” de tributação de acordo com o regime de contabilidade organizada.
6.23. No âmbito do regime simplificado, de acordo com o disposto no artigo 31º, nº 1 do Código do IRS, “(…) a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação (…)” de determinado coeficientes aí elencados, sendo aqui de transcrever os que estão na origem do diferendo entre as Partes, ou seja:
6.23.1. O coeficiente de 0,75 aplicável aos rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º;
6.23.2. O coeficiente de 0,35 aplicável aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores.
6.24. De acordo com o previsto no nº 10 do referido artigo 31º do Código do IRS, “os coeficientes previstos nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 são reduzidos em 50 % e 25 % no período de tributação do início da atividade e no período de tributação seguinte, respetivamente, desde que, nesses períodos, o sujeito passivo não aufira rendimentos das categorias A ou H” e tenha, de acordo com o regime transitório previsto no artigo 17º, nº 4 da Lei 84-E/2014, de 31 de Dezembro, declarado início de actividade em ou após 1 de Janeiro de 2015, não sendo aquela redução aplicável nos casos em que tenha ocorrido cessação de actividade há menos de cinco anos (nº 11 do artigo 31 do Código do IRS).
6.25. Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 151º do Código do IRS, “as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças”.
6.26. A portaria referida nos termos do ponto anterior, que veio a ser aprovada para o efeito, foi a Portaria nº 1011/2001, de 21 de Agosto, nos termos da qual se aprovou a tabela de actividades do artigo 151º do Código do IRS, que faz parte integrante da referida portaria (que é a constante do anexo I àquele Código), e da qual constam, entre outras, as actividades com o código 1310 “administradores de bens” e com o código 1519 “outros prestadores de serviços”.
6.27. Ou seja, da referida tabela de actividades não consta um código que se refira expressamente ao Administrador Judicial mas daí não resulta que este não possa estar incluído no código 1310 “administradores de bens”, “(…) porque o elemento literal não é o único a ter em consideração no âmbito da tarefa interpretativa”.
6.28. Ora, neste âmbito, e em conformidade com o vertido na Decisão Arbitral nº 150/2019-T, acima já citada, com cujo teor concorda este Tribunal Arbitral, “(…) a designação de Administrador de bens, constante da tabela (…) identificada, deve ser entendida num sentido amplo, ou seja, refere-se à pessoa encarregada de gerir um património, praticando, portanto, os atos necessários à sua conservação e desenvolvimento. Assim, o Administrador de bens pratica os atos necessários à gestão normal de um património, conservando o seu valor e fazendo-o frutificar”.
6.29. Assim, sem prejuízo da especificidade do seu estatuto, o Administrador Judicial ao ter como função essencial administrar os bens do insolvente e garantir os pagamentos aos credores, enquadra-se na designação de “administrador de bens” constante do código 1310 da tabela de actividades prevista no artigo 151º do Código do IRS, ao qual se aplica o coeficiente 0,75, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 31º do Código do IRS.
6.30. Face ao acima exposto, conclui-se que, no caso em análise, assiste razão à Requerida porquanto defende o enquadramento da actividade do Requerente A... nos termos do disposto no ponto anterior, pelo que será de concluir que as liquidações oficiosas identificadas neste processo, e que deram origem ao pagamento de imposto e juros no montante total de EUR 23.899,77 não enfermam de qualquer ilegalidade, sendo assim de as manter.
6.31. Refira-se ainda que os Requerentes alegam ainda a violação do princípio da confiança e da boa-fé porque “(…) o requerente ao ver validadas as declarações de rendimentos em sede de IRS referente aos anos de 2015, 2016 e 2017 criou a firme expectativa de que a sua situação fiscal se encontrava consolidada, nomeadamente, as declarações de rendimentos apresentadas, relativas à qualificação da sua actividade e quantificação da matéria colectável”, “confiança essa que foi violada/ultrajada com as correções oficiosas da AT do MOD. 3 do IRS, relativas ao ano de 2015, 2016 e 2017”.
6.32. Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 75º do Código do IRS, “a liquidação do IRS compete à Autoridade Tributária e Aduaneira” sendo que, em conformidade com o previsto no artigo 76º, nº 1, alínea a) do Código do IRS, a liquidação do IRS, “tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal (…) tem por objeto o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados (…)”, podendo ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da Lei Geral Tributária (LGT), em conformidade com o previsto no nº 4 do artigo 76º do Código do IRS (sublinhado nosso).
6.33. Neste âmbito, refira-se que, de acordo com o disposto no artigo 8º, nº 1 da LGT, “estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais”, estando ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária, nomeadamente, “a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade” [nº 2, alínea a) do mesmo artigo].
6.34. Ora, de acordo com o disposto no artigo 45º, nº 1 da LGT, “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro” sendo que, nos impostos periódicos (como é o caso do IRS), “o prazo de caducidade conta-se (…) a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”(nº 4).
6.35. Em conformidade com o disposto no artigo 54º, nº 1 da LGT, “o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente (…) a liquidação dos tributos quando efectuada pela administração tributária (…)” [alínea b)] sendo que, de acordo com o disposto no artigo 55º da LGT, “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.
6.36. No caso, não obstante a Requerida ter validado as declarações de IRS (identificadas nos autos), oportunamente entregues pelos Requerentes, veio a efectuar procedimentos inspectivos externos, de âmbito parcial, realizados ao abrigo das ordens de serviço OI2018... (ano 2015) e OI2018... (anos 2016 e 2017), de acordo com o disposto no RCPITA, para comprovação e verificação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários [artigo 12º, nº 1, alínea a) do RCPITA].
6.37. Em consequência dos procedimentos inspectivos externos realizados, resultaram os projectos de correcções em matéria de IRS dos anos de 2015, 2016 e 2017, tendo os Requerentes sido regularmente notificados do teor dos mesmos e tendo sido assegurado, pela Requerida, a devida notificação para exercício do direito de audição prévia, previsto no artigo 60º da LGT, direito que os Requerentes optaram por não exercer.
6.38. Assim, quanto ao que vem alegado nesta matéria, entende este Tribunal Arbitral não se ter verificado qualquer violação dos princípios da confiança e da boa-fé invocados pelos Requerentes, tendo a actuação da Requerida sido realizada de acordo com o normativo legal vigente, sendo assim de improceder os argumentos alegados, nesta matéria, pelos Requerentes.
Do pagamento dos juros indemnizatórios
6.39. A par do pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de imposto e juros identificadas no processo, aos Requerentes peticionavam ainda o pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.
6.40. Contudo, face à conclusão obtida nos pontos 6.30. e 6.38., supra de que são legais as liquidações de IRS e de juros objecto do pedido arbitral, improcede o pedido de reembolso das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.41. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
6.42. Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.43. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.44. Ora, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente aos Requerentes.
7. DECISÃO
7.1. Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:
7.1.1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, porquanto os actos de liquidação de IRS e juros impugnados não padecem de qualquer ilegalidade, sendo assim de os manter;
7.1.2. Em consequência, julgar improcedente o pedido de reembolso dos montantes pagos, bem como o pedido de incidência de juros indemnizatórios sobre as referidas quantias;
7.1.3. Condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo.
Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 23.899,77.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.224,00, a cargo dos Requerentes, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
*****
Notifique-se.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2019
O Árbitro,
Sílvia Oliveira