Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 497/2019-T
Data da decisão: 2020-01-31  IMI  
Valor do pedido: € 45.500,00
Tema: IMT – Revogação do acto de liquidação (artigo 13.º do RJAT) – Extinção da instância – Juros indemnizatórios.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 7 de Outubro de 2019, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A..., pessoa colectiva nº ..., registado junto da CMVM com o nº..., representado pela respectiva sociedade gestora, a B..., S.A., pessoa colectiva nº ..., com sede na rua ..., nº..., ..., em Lisboa (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 24 de Julho de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        O Requerente peticiona no pedido arbitral que seja “anulado o acto de liquidação de IMT nº..., de 18/12/2018 no montante de € 45.500,00 (…)” e seja “ordenado o reembolso desta quantia já paga, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde 18 de Dezembro de 2018 até integral reembolso destas importâncias”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 25 de Julho de 2019 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.        Em 13 de Setembro de 2019, a Requerida apresentou requerimento ao abrigo do disposto no artigo 13º, nº 1 do RJAT no sentido de comunicar (para os efeitos previstos naquele artigo) que “(…) foi anulado o acto tributário impugnado nos autos, com todas as legais consequências”.

 

1.5.        Em 16 de Setembro de 2019, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do CAAD, foi o Requerente notificado para, “(…) face ao circunstancialismo previsto no artigo 13º nº 2 do RJAT, se digne informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento”.

 

1.6.        Na mesma data, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD (tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos) tendo naquela data as Partes sido devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.        Em 27 de Setembro de 2019, o Requerente apresentou requerimento no sentido de informar que não havia sido “(…) até à presente data, reembolsado do imposto indevidamente pago, nem dos juros indemnizatórios pagos” manifestando interesse no prosseguimento do procedimento arbitral.

 

1.8.        Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de Outubro de 2019, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.9.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.10.      Em 7 de Novembro de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e concluído no sentido de que “(…) deve ser julgada procedente a excepção dilatória de Incompetência Material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios em singelo, bem como para obter o reembolso do imposto indevidamente pago, em consequência do despacho de revogação do acto de liquidação impugnado nos autos, ou se assim não se entender, deve ser julgada procedente a excepção peremptória de Falta de Objecto, com as legais consequências (…)”.

 

1.11.      Por despacho arbitral datado de 11 de Novembro de 2019, o Tribunal Arbitral mandou notificar o Requerente para “(…) no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a referida matéria de excepção”.

 

1.12.      O Requerente nada veio dizer, no prazo concedido, relativamente à matéria de excepção deduzida pela Requerida.

 

1.13.      Por despacho arbitral, datado de 27 de Novembro de 2019, tendo em consideração, nomeadamente, “a revogação, por parte da Requerida (…) do acto tributário de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) objecto do pedido de pronúncia arbitral”, foi decidido pelo Tribunal Arbitral, “ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis (…)”, “dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT; determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias (…); notificar o Requerente para, dentro do prazo das suas alegações, informar este Tribunal Arbitral se já foi ou não reembolsado do IMT pago relativamente ao acto de liquidação de imposto entretanto anulado pela Requerida; designar o dia 31 de Janeiro de 2020 para efeitos de prolação da decisão arbitral”.

 

1.14.      Por último, o Tribunal Arbitral advertiu ainda o Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a fazer em 2 de Janeiro de 2020).

 

1.15.      Em 9 de Dezembro de 2019, o Requerente apresentou requerimento no sentido de informar o Tribunal Arbitral de que já tinha sido reembolsado, em 16 de Outubro de 2019 do montante de IMT indevidamente pago, não tendo até àquela data recebido os juros indemnizatórios peticionados.

 

1.16.      Em 10 de Dezembro de 2019, o Requerente apresentou as suas alegações, reiterando o que já havia referido, quer no pedido, quer no requerimento apresentado em 27 de Setembro de 2019 e pronunciando-se quanto ao teor das excepções suscitadas pela Requerida, na Resposta.

 

1.17.      A Requerida não apresentou alegações.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        O Requerente peticiona com o pedido de pronúncia arbitral a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de IMT nº..., de 18/12/2018, no montante de EUR 45.500,00.

 

2.2.        Segundo o Requerente, “no âmbito da sua actividade, (…) adquiriu, por escritura publica de compra e venda, arrendamento e promessa unilateral de compra outorgada a 18 de Dezembro de 2018 (…) a propriedade plena do prédio urbano (…)” identificado nos autos, tendo nessa mesma data sido liquidado e pago IMT referente àquela aquisição, no montante de EUR 45.500,00.

 

2.3.        Contudo, dado não concordar com a referida liquidação de IMT, o Requerente apresentou, em 2 de Janeiro de 2019, no Serviço de Finanças de Lisboa ..., reclamação graciosa na qual peticionou a anulação da mesma (com fundamento em ilegalidade por violação do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro) e o consequente reembolso da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios calculados à taxa legal.

 

2.4.        Neste âmbito, entende o Requerente que dado que o prazo para a decisão da referida reclamação graciosa terminou em 2 de Maio de 2019, nesta data presumiu que tal reclamação foi indeferida.

 

2.5.        O Requerente alega que não concorda com a referida liquidação de IMT porquanto a mesma aplicou a taxa de 6,5% prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 17º do Código do IMT mas a aquisição sobre a qual incidiu aquela liquidação estava isenta de IMT ao abrigo do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, nos termos do qual se estabelece que “são isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora” norma que, segundo entende o Requerente, estava ainda em vigor à data da referida aquisição porquanto, com a reforma da tributação do património, “como não foi prevista a vigência temporária do citado artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, a eventual cessação da vigência desta norma só pode resultar de revogação por outra Lei, como decorre do nº 1 do artigo 7º do Código Civil”.

 

2.6.        Contudo, segundo o Requerente, “dado que não existiu revogação expressa nem tácita daquela norma, (…) a isenção consagrada na mesma permanece (…) em vigor, como, alias, tem sido o entendimento (…) do CAAD (…)”.

 

2.7.        Neste âmbito, entende o Requerente que “(…) a isenção de IMT introduzida no artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ESF) pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 (…) não veio revogar, expressa ou tacitamente, a mencionada isenção de Sisa (IMT) constante do citado artigo 12º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro”, nem a “revogação tácita tampouco existiu, pois inexiste qualquer incompatibilidade entre as disposições do artigo 46º do EBF e a regra precedente do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro”.

 

2.8.        Assim, defende o Requerente que “uma interpretação conjunta da nova disposição do artigo 46º do EBF e da regra precedente do artigo 1º do já mencionado Decreto-Lei, permite concluir que a partir da entrada em vigor da nova redacção do artigo 46º do EBF passaram a estar isentas do IMT, não apenas as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar esses fundos (estabelecido na regra precedente) como também os prédios integrados nos fundos imobiliários (…)”.

 

2.9.        Nestes termos, conclui o Requerente que “não subsistem dúvidas que a isenção de Sisa prevista no artigo 1º do Decreto­Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro (…) se mantinha ainda em vigor a data dos factos objecto dos presentes autos, pelo que, naquele momento temporal estavam isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela sua respectiva sociedade gestora, ou seja, levadas a cabo com o intuito de os imóveis objecto das mesmas passarem a integrar o próprio fundo”.

 

2.10.      Entende assim o Requerente que “(…) a presente impugnação deverá ser considerada procedente, por provada e por via dela ser declarada a ilegalidade do acto de liquidação de IMT (…)” “(…) por violação do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro (…)” e, em consequência, deve ser anulado o acto de liquidação de imposto identificado, no montante de EUR 45.500,00 e deve ser “ordenado o reembolso desta quantia já paga, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde 18 de Dezembro de 2018 até integral reembolso (…)”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida, na Resposta apresentada, veio reiterar que “por despacho de 18.09.2019, proferido pelo Sr. Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (…), foi revogado o acto de liquidação impugnado nos presentes autos, tendo sido determinado o cumprimento do disposto no art. 100º da LGT (…)”, tendo a Requerida “(…) no prazo a que se refere o art. 13º do RJAT (…)” dado “(…) conhecimento aos autos do despacho de revogação”.

 

3.2.        Continua a Requerida referindo que “(…) não só a administração fiscal não está legalmente impedida de revogar o acto de liquidação impugnado que reconheceu ser ilegal, como, ademais, os efeitos jurídicos do acto revogatório na pendencia do procedimento arbitral estão expressamente previstos no art. 13º do RJAT”.

 

3.3.        Adicionalmente, a Requerida invoca em sua defesa as excepções que, a seguir, se apresentam, concluindo que “(…) deve ser julgada procedente a excepção dilatória de Incompetência Material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios em singelo, bem como para obter o reembolso do imposto indevidamente pago, em consequência do despacho de revogação do acto de liquidação impugnado nos autos, ou se assim não se entender, deve ser julgada procedente a excepção peremptória de Falta de Objecto, com as legais consequências (…)”.

 

Da incompetência material do Tribunal Arbitral para julgar o pedido de juros indemnizatórios

 

3.4.        Neste âmbito, refere a Requerida que “a competência do Tribunal Arbitral decorre do disposto no artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (…)”, sendo que “(…) considerando que com o presente pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, bem como obter o reembolso do imposto indevidamente pago, é manifesto que a apreciação e reconhecimento de tal pedido não se inserem no âmbito das competências (…) elencadas”.

 

3.5.        Assim, segundo a Requerida, “(…) nunca seria através de uma acção de impugnação ou da presente acção arbitral que o Requerente poderia ver reconhecido o seu direito aos juros indemnizatórios, quando peticionados em singelo, ou obter o reembolso do imposto ilegalmente pago, por aqueles não serem os meios judiciais adequados para a sua pretensão”, pelo que entende a Requerida que “(…) no presente caso, (…), ocorre a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros indemnizatórios, (…), conducente à absolvição da instancia da Requerida (…)”.

 

Da falta de objecto

 

3.6.        Nesta matéria, defende a Requerida que “a pretensão principal do Requerente - anulação do acto de liquidação por efeito da respectiva revogação - foi plenamente alcançada antes da constituição do Tribunal Arbitral, tendo deixado existir na ordem jurídica qualquer acto sobre que o Tribunal Arbitral pudesse pronunciar-se” porquanto “(…) o reconhecimento do direito de juros indemnizatórios resulta directa e imediatamente da lei, como efeito da anulação administrativa do acto tributário de liquidação, à semelhança do que aconteceria se o acto tributário fosse anulado por decisão judicial/arbitral”.

 

3.7.        Com efeito, segundo a Requerida, “(…) na execução de um acto administrativo (…) a AT está obrigada, nos termos da lei, a reconstituir a situação que existiria se o acto tributário anulado não tivesse sido praticado”.

 

3.8.        Assim, alega a Requerida que “sabendo-se (…) que a anulação administrativa tem, por regra, efeitos retroactivos, (…)”, “(…) não obstante o despacho de 18.09.2019 referir revogação, trata-se de um acto de anulação administrativa, ou seja, um acto que assenta em considerações de legalidade administrativa” sendo que “(…) no presente caso, o acto de revogação até se pronuncia expressamente sobre os efeitos anulatórios do acto de liquidação de IMT quanto ao direito aos juros indemnizatórios”, “(…) cujo pagamento deverá observar o disposto no art. 100º da LGT (…)”.

 

3.9.        Nestes termos, entende a Requerida que “as razões invocadas pelo Requerente para prossecução da lide arbitral não correspondem a qualquer pretensão susceptível de pronúncia arbitral, por manifesta falta de objecto processual, à data da constituição do Tribunal Arbitral”, “pelo que se verifica a excepção peremptória de falta de objecto (…), o que implica a absolvição total”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT (vide Capítulo 6. quanto à análise das excepções suscitadas pela Requerida).

 

4.2.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.3.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março e estão devidamente representadas.

 

4.4.        Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        O Requerente “é um fundo fechado de subscrição particular (…) sendo, especialmente, vocacionada para a aquisição de imóveis afetos à atividade turística para efeitos de arrendamento (…)”, cuja constituição foi autorizada por decisão do Conselho Directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), de 20 de Janeiro de 2000, que opera nos termos previstos nos artigos 204º e seguintes do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei nº 16/2015, de 24 de Fevereiro.

 

5.4.        O Requerente é gerido pela sociedade B... S.A.

 

5.5.        No âmbito da sua actividade, o Requerente adquiriu, em 18 de Dezembro de 2018, por escritura pública de compra e venda, arrendamento e promessa unilateral de compra, o direito de propriedade plena sobre prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., concelho de Melgaço, sob o artigo ... (ex artigo ... da extinta freguesia de ...).

 

5.6.        Na mesma data, foi liquidado e pago IMT relativo à aquisição do prédio identificado no ponto anterior, no montante de EUR 45.500,00.

 

5.7.        O Requerente, por não concordar com a referida liquidação de IMT, apresentou no Serviço de Finanças Lisboa ..., em 2 de Janeiro de 2019, reclamação graciosa na qual peticionava a anulação daquela liquidação de IMT, com fundamento em alegada violação do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, bem como peticionava o consequente reembolso da quantia de imposto paga, acrescida de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor.

 

5.8.        A Requerida, dentro do prazo de quatro meses previsto para se pronunciar sobre o teor da reclamação graciosa, não proferiu qualquer decisão expressa de apreciação da mesma.

 

5.9.        Dado o decurso do prazo, o Requerente presumiu, em 2 de Maio de 2019, o indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta e apresentou, em 24 de Julho de 2019, pedido de pronúncia arbitral, peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IMT identificado nos autos, bem como o reembolso do montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

5.10.      Em 13 de Setembro de 2019, a Requerida apresentou, no CAAD, requerimento ao abrigo do artigo 13º, nº 1 do RJAT, no sentido de comunicar que havia sido anulado (ou melhor dizendo, de que iria ser anulado, o acto tributário impugnado nos autos [porquanto o despacho de revogação (anulação) tem data de 18 de Setembro de 2019], com todas as legais consequências.

 

5.11.      Em 16 de Setembro de 2019, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do CAAD, foi o Requerente notificado para que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13º, nº 2 do RJAT, se dignasse informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento arbitral.

 

5.12.      O Requerente foi notificado em 19 de Setembro de 2019, através do Ofício nº..., de 18 de Setembro de 2019, do despacho proferido pelo Director da Unidade de Grandes Contribuintes (UGC), da mesma data, no sentido de ter sido revogado o acto de liquidação de IMT, no montante de 45.500,00, objecto do pedido arbitral, com fundamento na Informação nº 44-... /2019, de 16 de Setembro de 2019, emitida pela UGC nos termos da qual se entendeu que “assiste (…) mérito ao pedido sob apreciação, devendo, em consequência, ser promovida a anulação devida e consequentemente o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios, a partir de 3 de maio de 2019, nos termos do artigo 43º da LGT. (…). Considerando o exposto, somos de Parecer que ao abrigo da faculdade prevista no nº 1 do art.º 13º (…) se determine a devida revogação e, em consequência, o cumprimento do disposto no art.º 100º da LGT, disso se notificando a entidade Requerente” (sublinhado nosso).

 

5.13.      Em 27 de Setembro de 2019, o Requerente apresentou requerimento no sentido de informar o CAAD que, até àquela data, não havia ainda sido reembolsado do imposto indevidamente pago, nem dos juros indemnizatórios peticionados, pretendendo o prosseguimento do procedimento arbitral.

 

5.14.      O Tribunal Arbitral constituiu-se em 7 de Outubro de 2019.

 

5.15.      O Requerente foi reembolsado, em 16 de Outubro de 2019, do montante de imposto indevidamente pago, em consequência do despacho de revogação do respectivo acto de liquidação de IMT.

 

5.16.      Até 9 de Dezembro de 2019 o Requerente não tinha ainda recebido quaisquer juros indemnizatórios incidentes sobre o montante de IMT indevidamente pago (e reembolsado), apesar de o direito aos mesmos ter sido reconhecido na decisão de revogação do acto de liquidação de IMT, suportada na informação identificada no ponto 5.12., supra.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.17.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos.

 

 

Dos factos não provados

 

5.18.      Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        A questão que aqui se discute é a de saber se, tendo sido revogado pela Administração Tributária o acto de liquidação de IMT que constitui objecto do processo arbitral, pode o processo prosseguir para a condenação em juros indemnizatórios, e, em caso afirmativo, se o Tribunal Arbitral dispõe de competência jurisdicional para emitir decisão condenatória quanto a esses juros.

 

6.2.        Recorde-se que a Requerida, após ter sido notificada, em 25 de Julho de 2019, do pedido arbitral apresentou, em 13 de Setembro de 2019, comunicação nos termos do disposto no artigo 13º, nº 1 do RJAT, no sentido de informar o CAAD que o acto de liquidação de IMT impugnado havia sido revogado (ou melhor, iria ser revogado) por despacho proferido pelo Director da UGC, datado de 18 de Setembro de 2019.

 

6.3.        O Requerente, notificado de despacho proferido pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, de 16 de Setembro de 2019 (no sentido de o notificar para que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13º, nº 2 do RJAT, se dignasse informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento), veio apresentar requerimento, em 27 de Setembro de 2019, no sentido de comunicar ao CAAD que, até àquela data, ainda não havia sido reembolsado do imposto indevidamente pago, bem como dos juros peticionados, pelo que pretendia que o procedimento arbitral prosseguisse para apreciação desta parte do pedido.

 

6.4.        Assim, o Tribunal Arbitral constituiu-se em 7 de Outubro de 2019, dando-se nessa data início ao processo arbitral.

 

Questão prévia – da alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral

 

6.5.        A Requerida, na Resposta apresentada em 7 de Novembro de 2019, veio não só reiterar a revogação do acto de liquidação de IMT, bem como suscitar:

 

6.5.1.     A excepção dilatória da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios em singelo e o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, bem como,

6.5.2.     A excepção peremptória de falta de objecto por entender que as pretensões do Requerente (de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios) não correspondem a qualquer pretensão susceptível de pronúncia arbitral.

 

6.6.        Ora, dado que a eventual infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (e a falta de jurisdição do Tribunal Arbitral), a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, conforme se extrai do cotejo dos artigos 16º do CPPT e 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por remissão do artigo 29º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT.

 

6.7.        Segundo a Requerida, “(…) considerando que com o presente pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, bem como obter o reembolso do imposto indevidamente pago, é manifesto que a apreciação e reconhecimento de tal pedido não se inserem no âmbito das competências (…) elencadas” como competência do Tribunal Arbitral.

 

6.8.        O Requerente em sede de alegações veio contrapor referindo que “no (…) processo o Requerente peticionou a ilegalidade do acto de liquidação de IMT incidente sobre a aquisição do (…) identificado prédio urbano e, consequentemente, o reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde 18 de Dezembro de 2018 ate ao integral reembolso”, sendo “inócuo o facto de a ATA ter na pendência do presente processo arbitral procedido à revogação do acto tributário impugnado”, dado que “a competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”.

 

6.9.        Neste âmbito, refira-se que de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões”:

 

“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

6.10.      Por outro lado, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.11.      De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.12.      E, como refere Jorge Lopes de Sousa, “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.   

 

6.13.      Assim, dado que à data da apresentação do pedido arbitral, o mesmo dizia respeito ao pedido de anulação da liquidação de IMT identificada, respectivo reembolso do montante indevidamente pago e condenação em juros indemnizatórios, face ao acima exposto, improcede a excepção invocada pela Requerida da alegada incompetência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar quanto aos juros indemnizatórios pedidos.

 

Questão prévia – da alegada excepção da falta de objecto do pedido

 

6.14.      Segundo a Requerida, dado que “a pretensão principal do Requerente - anulação do acto de liquidação por efeito da respectiva revogação - foi plenamente alcançada antes da constituição do Tribunal Arbitral (…)”, deixou de “(…) existir na ordem jurídica qualquer acto sobre que o Tribunal Arbitral pudesse pronunciar-se” porquanto “sabendo-se (…) que a anulação administrativa tem, por regra, efeitos retroactivos, (…)”, “(…) no presente caso, o acto de revogação até se pronuncia expressamente sobre os efeitos anulatórios do acto de liquidação de IMT quanto ao direito aos juros indemnizatórios”.

 

6.15.      Assim, entende a Requerida que “as razões invocadas pelo Requerente para prossecução da lide arbitral não correspondem a qualquer pretensão susceptível de pronúncia arbitral, por manifesta falta de objecto processual, à data da constituição do Tribunal Arbitral”, “pelo que se verifica a excepção peremptória de falta de objecto (…)”.

 

6.16.      O Requerente em sede de alegações veio contrapor referindo que quando for “(…) praticado um ato revogatório (…), mas subsistirem efeitos produzidos pelo ato revogado, parece que a processo poderá prosseguir em relação a esses efeitos se foi pedida a sua eliminação (…)”, sendo que “neste processo arbitral foram peticionados juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde 18 de Dezembro de 2018, data de pagamento do IMT, ate integral reembolso do imposto indevidamente cobrado” mas “no despacho de 18 de Setembro de 2019 do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes apenas se prevê a pagamento de juros indemnizatórios a partir de 3 de Maio de 2019 (…)”.

 

6.17.      Assim, segundo alega o Requerente “a extensão temporal dos juros indemnizatórios prevista no acto revogatório é mais reduzida do que a constante do pedido de pronúncia arbitral que reporta a data do pagamento do imposto em causa”, considerando por isso que “subsistem prejuízos provocados pelo acto revogado (…) que, por conseguinte, deverão ser compensados ao Requerente”.

 

6.18.      Neste âmbito, e independentemente do que a seguir se dirá sobre a natureza jurídica do acto, a revogação do acto de liquidação de IMT, com base nos fundamentos constantes da informação para a qual remete (identificada no ponto 5.12., supra), tem implícita a própria anulação do acto tributário de liquidação.

 

6.19.      Na verdade, quando o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do nº 1 do artigo 13º do RJAT, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro (por revogação, ratificação, reforma ou conversão), a Administração Tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar se quer ou não prosseguir com o procedimento arbitral.

 

6.20.      Neste âmbito, “a prática tem demonstrado que a Autoridade Tributária tem aproveitado esta segunda oportunidade para, com a cautela que a caracteriza, olhar para o acto tributário sob o ponto de vista dos argumentos deduzidos pelo sujeito passivo e repor a legalidade, quando o ache acertado (…), evitando-se então litigância desnecessária, com o reconhecimento prévio do vencimento dos argumentos do sujeito passivo”.

 

6.21.      Contudo, este “(…) direito ao arrependimento da Administração Tributária terá de ocorrer antes da constituição do Tribunal Arbitral”(embora nem sempre assim tenha sido).

 

6.22.      Assim, e ao que ao presente caso aproveita, promovida a revogação do acto tributário de liquidação de IMT pela Requerida, nos termos do disposto no artigo 13º, nº 1, e notificado o Requerente desse facto, este veio ao processo implicitamente declarar que pretendia o prosseguimento do pedido arbitral porquanto não havia sido ainda “(…) até à presente data, reembolsado do imposto indevidamente pago, nem dos juros indemnizatórios pagos”.

 

6.23.      Ora, dado que “a revogação, enquanto acto destinado a fazer cessar os efeitos do acto administrativo anterior, pressupões a extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto revogado não pressupondo obrigatoriamente a produção, neste caso, pela Administração Tributária de um acto administrativo substituto”, apenas nos casos em que o acto tributário tenha sido parcialmente revogado “haverá necessidade de a Administração Tributária emitir um acto substituto daquele que inicialmente praticou, havendo então que proceder à notificação do sujeito passivo para (…) se pronunciar se quer ou não prosseguir com o procedimento arbitral já iniciado” quanto ao novo acto tributário que irá estar em discussão, de modo a evitar repetir actos procedimentais que são aproveitáveis (princípio da economia processual).

 

6.24.      Assim, pode desde já afirmar-se que, no caso em análise, atento o circunstancialismo dado como provado, o procedimento arbitral não deveria ter prosseguido, atentos os argumentos que a seguir se apresentam, relativamente à apreciação dos juros indemnizatórios peticionados, de acordo com a mais recente jurisprudência arbitral.

 

6.25.      Com efeito, em conformidade com o teor da decisão arbitral nº 481/2018, de 7 de Março de 2019 que, atento o circunstancialismo do caso, aqui se acompanha, “(…) o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e revogação anulatória. Segundo a definição constante do artigo 165.º, a revogação é o acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, ao passo que a anulação administrativa é o acto administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade. A revogação produz, em regra, apenas efeitos para o futuro (artigo 171.º, n.º 1), enquanto que a anulação administrativa, tendo por objeto a eliminação do mundo jurídico de atos anuláveis, tem, em regra, efeitos retroativos (artigo 171.º, n.º 3)”.

 

6.26.      E, no âmbito da referida decisão arbitral, refere-se que quando “a Administração anulou o acto sem instituir uma qualquer nova regulação da situação jurídica, limitando-se a conformar-se com o reconhecimento da ilegalidade do acto anteriormente praticado”, decorre que “(…) a anulação do ato impugnado pela própria Administração, na pendência do processo, satisfazendo a pretensão impugnatória do autor, conduz à impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância (…)”, sendo que “(…) a anulação administrativa de um acto administrativo na pendência do processo judicial de impugnação, pode não conduzir, necessariamente, à extinção da instância quando tenham sido deduzidas, em cumulação com a pretensão impugnatória, outras pretensões, dirigidas a obter prestações repristinatórias, indemnizatórias ou outras, que a anulação do ato, só por si, não satisfaz (…)” (sublinhado nosso).    

 

6.27.      Em termos gerais, “nesta hipótese, a anulação administrativa não impede o processo de prosseguir, para apreciação das pretensões que vinham cumuladas, como pedidos dependentes, com o pedido principal de impugnação”.

 

6.28.      Ora, “no âmbito do processo arbitral (…) como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pagamento de juros indemnizatórios é devido como efeito da decisão arbitral de procedência sobre o mérito da pretensão deduzida pelo sujeito passivo e tem em vista restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto de decisão arbitral não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT)” sendo “estando em causa a anulação do acto tributário por iniciativa da Administração Tributária, o pagamento de juros indemnizatórios é devido no âmbito do próprio procedimento tributário, em aplicação do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária. De resto, ao contrário do que parece pressupor o acórdão do STA de 7 de janeiro de 2016 (Processo 0574/14), a condenação em juros indemnizatórios não poderia resultar directamente da anulação oficiosa, mas implicaria o prosseguimento do processo judicial para efeito de apreciar a validade do acto tributário, visto que só em caso de procedência do mérito da pretensão é que o tribunal pode proferir uma decisão condenatória”.  

 

6.29.      Assim, no caso, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios foi acolhido na decisão que fundamento o despacho que revogou o acto de liquidação de IMT objecto do pedido (quando nela se refere que “assiste (…) mérito ao pedido sob apreciação, devendo, em consequência, ser promovida a anulação devida e consequentemente o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios, a partir de 3 de maio de 2019, nos termos do artigo 43º da LGT. (…). Considerando o exposto, somos de Parecer que ao abrigo da faculdade prevista no nº 1 do art.º 13º (…), disso se notificando a entidade Requerente”)

 

6.30.      Por outro lado, a notificação da revogação do acto tributário refere que “se informa que (…) irão os Serviços competente conferir cumprimento ao disposto no art. 100º da LGT”, nos termos do qual se prevê que, recorde-se, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso)”.

 

6.31.      Na verdade, de acordo com o referido na decisão arbitral nº 481/2018, de 7 de Março de 2019, “sendo um dos deveres em que a Administração fica constituída, por efeito da anulação administrativa do acto, a reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, nada impede que nesse âmbito sejam devidos juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestação tributária, em consonância com o também estabelecido no artigo 43.º da Lei Geral Tributária” (sublinhado nosso).

 

6.32.      Ora, no caso, tendo a revogação do acto efeito retroactivos e estando a Requerida obrigada a reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (que determinou essa revogação do acto tributário), a contagem dos juros indemnizatórios terá de ser reportada à data da liquidação do imposto anulado, ou seja, 18 de Dezembro de 2018 (devendo talvez, por mero lapso, a Requerida indicado na informação já identificada a data de 3 de Maio de 2019).

 

6.33.      Assim, a pretensão jurídica do Requerente (de anulação do “acto de liquidação de IMT nº..., de 18/12/2018 no montante de € 45.500,00 (…)”, de “reembolso desta quantia já paga, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde 18 de Dezembro de 2018 até integral reembolso destas importâncias”) ficou integralmente satisfeita pela anulação daquele acto, tendo os seus efeitos lesivos sido expurgados.

 

6.34.      Nestes termos, considera-se procedente a excepção peremptória suscitada pela Requerida relativa à falta de objecto porquanto, atento o acima apresentado, “(…) o presente processo arbitral por efeito da anulação administrativa do acto impugnados não pode prosseguir (…)” para decidir o pedido de juros indemnizatórios, julgando-se extinta a instância por inutilidade da lide e absolvendo-se a Requerida do pedido arbitral.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.35.      Em termos gerais, de harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 536º do CPC [aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT], “quando a demanda do (…) requerente ou a oposição do (…) eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais”.

 

6.36.      Não obstante, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “(…) a responsabilidade pelas custas fica a cargo do (…) requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao (…) requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”, sendo que o nº 4 do referido artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.

 

6.37.      No caso em análise, a revogação da liquidação de IMT controvertida (que determinou a inutilidade da lide) ocorreu em momento prévio ao da constituição do Tribunal Arbitral, de acordo com a matéria dada como provada, sendo que o procedimento arbitral prosseguiu para a constituição daquele Tribunal dada a manifestação de interesse do Requerente nesse sentido.

 

6.38.      Ora, como acima foi decidido, a instância considerou-se extinta, não tendo este Tribunal Arbitral emitido qualquer pronúncia sobre os referidos juros (pelas razões já apresentadas) e, por isso, considera-se que é imputável ao Requerente a responsabilidade pelas custas do presente processo, ficando estas inteiramente a seu cargo.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida;

7.1.2.     Julgar procedente a excepção da falta de objecto do pedido, julgando-se extinta a instância, por inutilidade e absolvendo-se a Requerida do pedido arbitral;

7.1.3.     Condenar o Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 45.500,00.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo do Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

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Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2020

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira