Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 467/2019-T
Data da decisão: 2020-01-23  IRS  
Valor do pedido: € 18.186,77
Tema: IRS – mais-valias – alienação de habitação própria e permanente e reinvestimento – exclusão de tributação – artigo 10.º, nº 1, alínea a) e n.º 5.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1 - Relatório

1.1 – A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., em Lisboa, doravante designado por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 12 de julho de 2019, tem por objeto o despacho de indeferimento do recurso hierárquico (Processo n.º .../18) proferido pela Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 10 de abril de 2019, bem como a consequente declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017..., efetuada pela “AT” em 14 de novembro de 2017, com referência ao ano de 2016, no montante 27 279,98 €, a que corresponde a demonstração de acerto de contas de 28-11-2017 (compensação n.º...) no montante de 18 186,77 € (dezoito mil, cento e sessenta e seis euros e setenta e sete cêntimos).  

 

1.3 – Com o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente juntou 13 documentos, além da procuração forense e do documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral inicial, requerendo ainda a produção de prova testemunhal.

 

1.4 – A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 22 de julho de 2019.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 4 de setembro de 2019 as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 24 de setembro de 2019.

 

1.9 - A AT foi notificada por despacho arbitral desta data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 - Em 22 de outubro de 2019 a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, requerendo a produção da prova testemunhal indicada pelo Requerente no artigo 25.º da p.i., pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação, com a consequente absolvição do pedido.

 

1.12 - Na mesma data juntou aos autos alguns documentos relacionados com a matéria controvertida.

 

1.13 – Em 25 de outubro de 2019 as Partes foram notificadas do despacho da mesma data, de que foi designado o dia 28 de novembro de 2019, para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a realizar nas instalações do CAAD, pelas 10:30, na qual seria produzida a prova requerida (inquirição das testemunhas arroladas a apresentar pelo Requerente), nos termos dos artigos 495.º e ss. do Código de Processo Civil (CPC) e artigos 118.º e 119.º do CPPT, devendo o Requerente, no prazo de dez dias, indicar quais os factos alegados no pedido de pronúncia arbitral que pretendia provar, com a limitação prevista no n.º 1 do artigo 118.º deste código, segundo a qual o número de testemunhas a inquirir não poderá exceder três por cada facto. 

 

1.14 – Em 26 de outubro de 2019 a Requerida foi notificada do despacho da mesma data, para, no prazo de dez dias, indicar quais os factos alegados no pedido de pronúncia arbitral que pretendia provar, atenta a limitação referida anteriormente. 

 

1.15 – O que o Requerente fez em 05 de novembro de 2019.

 

1.16 – Em 08 de novembro de 2019 o Requerente requereu a substituição de duas testemunhas oportunamente arroladas e a junção de um documento (escritura de compra e venda celebrada em 16-11-2016), protestando juntar mais alguns e substituir outros.   

 

1.17 – O requerimento que foi deferido por despacho de 12 de novembro de 2019, no qual foi determinada a notificação da Requerida para, no prazo de cinco dias, usar, querendo, de igual faculdade, nos termos do n.º 2 do artigo 598.º do CPC.

 

1.18 – Em 11 de novembro de 2019 o Requerente veio juntar os documentos que protestara fazer no requerimento antes referido, sendo a Requerida notificada para se pronunciar, querendo, conforme despacho de 12 de novembro de 2019, na mesma data notificado.

 

1.19 – Por despacho de 15 de novembro de 2019 foi admitida a junção aos autos dos referidos documentos, sendo a Requerida notificada na mesma data.

 

1.20 – Em 20 de novembro de 2019 o Requerente veio informar os autos de que prescindia, por substituição, das testemunhas B... e C... .

 

1.21 – Tendo em vista o exercício do contraditório por parte da requerida, foi a mesma notificada para, no prazo de dez dias, se pronunciar, querendo.

 

1.22 – Em 28 de novembro de 2019, pelas 10h30, teve lugar, no CAAD, a reunião do tribunal arbitral, prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual o representante da Requerente declarou prescindir da testemunha D..., requerendo que a inquirição das outras testemunhas fosse realizada pela seguinte ordem: E...; F...; G...; H...; e I... . A representante da Requerida declarou nada ter a opor à ordem dos depoimentos e prescindiu da inquirição das testemunhas arroladas, pretendendo apenas realizar instâncias.

Foram notificadas as Partes para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias.

Em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do RJAT, foi designada a data de 9 de março de 2020 para a prolação da decisão arbitral.  

Da reunião foi lavrada a respetiva ata, sendo a inquirição das testemunhas realizada com reprodução sonora dos depoimentos prestados.

 

1.23 – O Requerente alegou em 16 de dezembro de 2019, concluindo pela ilegalidade da liquidação impugnada, requerendo a sua anulação por padecer de erro nos pressupostos de facto e de direito, bem como a condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto até à do processamento da respetiva nota de crédito.

               

1.24 – Alegações que a Requerida também apresentou, em 18 de dezembro de 2019, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que está em causa o direito à exclusão de tributação de IRS sobre o ganho obtido com a venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente, conforme artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.

Para a concessão daquele direito a exclusão, quer o imóvel vendido quer o imóvel adquirido tem de se verificar a condição de neles se localizar a habitação própria e permanente do contribuinte, o que no caso concreto se verificou, primeiro no imóvel alienado e depois no adquirido. 

No entanto em nenhum dos imóveis se localizou o seu domicílio fiscal, conceito distinto do de habitação própria e permanente. Como refere o acórdão do STA de 23-11-2011, tirado do Processo n.º 0590/11, “(…) É evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.

Mas, no plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82.º do CCiv (cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98 e Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 380 e 381).

O pressuposto «habitação própria e permanente» é a situação de facto que condiciona a isenção do IMI. O requisito da permanência na “habitação” (a lei não usa o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do nº 2 do art. 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação. (…) O facto da morada constante do cadastro dos contribuintes ser diferente do local da situação do prédio não justificava, por si só, que os recorridos habitavam nessa outra morada”.

Do exposto resulta que não há uma coincidência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente, conceitos que traduzem realidades diferentes que se podem assim caraterizar: O domicílio fiscal corresponde ao lugar da residência habitual do contribuinte que funciona como sua sede para efeitos jurídico-fiscais, nomeadamente para qualquer tipo de contacto necessário com a administração fiscal: A residência própria e permanente traduz a ligação que uma pessoa tem com um local onde habita, reside ou vive e frequenta, realidade que se consubstancia na utilização de um local onde se confecionam refeições, se recebem e se confraterniza com amigos, onde se praticam atos de higiene, e se dorme, tudo com alguma regularidade.

A ilegalidade da atuação da AT não se limita ao errado enquadramento que faz da interpretação dos conceitos de domicílio fiscal e habitação própria e permanente. A sua atuação viola, igualmente, as regras do procedimento administrativo, uma vez que, não só desatendeu a documentação apresentada, como desconsiderou o seu dever de no procedimento realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, conforme lhe é imposto pelo artigo 58.º da LGT.

Em jeito de conclusão o Requerente refere:

“Que não tem, nem nunca teve, a sua habitação própria e permanente localizada na Rua de ..., n.º...;

O imóvel localizado na Rua ...–..., vendido em 2016, correspondia à sua habitação própria e permanente, o mesmo sucedendo com o imóvel localizado na Rua ..., n.º ... – R/c dto;

Por os dois imóveis declarados verificarem a condição de habitação própria e permanente, encontram-se cumpridos os requisitos legalmente previstos para que seja excluído parcialmente de tributação o ganho com a venda, dado que o valor realizado com essa venda foi parcialmente reinvestido na compra do imóvel adquirido.

O facto de ser outro o seu domicílio fiscal constitui presunção ilidível nos termos supra explanados que o requerente alcançou ilidir, pelo que o acto de liquidação adicional aqui contestado assenta em erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes à aplicação do disposto no n.º 5, do artigo 10.º do CIRS, devendo ser considerado comprovado, para todos os efeitos legais, o reinvestimento na aquisição da nova habitação própria e permanente do reclamante.

Verificando-se, assim, preenchidos todos os pressupostos vertidos no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, deverá o presente pedido proceder.

Feita a prova dos factos que preenchem a verificação dos requisitos que sustentam o direito à não sujeição, cabia à AT a prova, nos termos do art.º 13, n.º 13 do CIRS, de que o requerente e sua família habitavam com caráter de permanência, o edifício sito na Rua de ..., n.º..., sede do grupo empresarial J... .

A recusa da AT em cumprir esta regra, implicou a violação dos seus deveres no âmbito do princípio do inquisitório (art. 58 da LGT e art.º 68 (certamente estaria a referir-se ao art. 69.º) alínea e), do CPPT)”. 

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências previstas na lei, nomeadamente o reembolso do montante pago, no montante de 18 186,77 €, acrescido dos juros indemnizatórios que, nos termos do artigo 43.º da LGT, se mostrarem devidos, bem como na condenação da AT nas custas do processo. 

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que no sistema de gestão e registo de contribuintes, o requerente, até 28/08/2019 e, pelo menos desde 28/04/2010, teve domicílio fiscal na Rua ..., nº..., Lisboa. Nesta data alterou-o para a Rua ..., nº..., Lisboa.

A exclusão da tributação em IRS dos ganhos provenientes de transmissão onerosa implica que «o imóvel de "partida" e o de "chegada" têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou de só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência e a mais-valia realizada no imóvel de "partida" será tributável (Cf., neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, págs. 413/414.)»  

O Requerente nunca teve o seu domicílio fiscal na morada do imóvel alineado e apenas em Agosto de 2019, muito depois do prazo legal para o efeito, é que passou a ter o domicílio fiscal no imóvel adquirido, onde declarou ter reinvestido as mais-valias imobiliárias.

O disposto no artigo 10.º do CIRS deve ser interpretado de forma conjugada e não em desarmonia com o disposto no 42.º do EBF, resultando manifesto do seu confronto com os artigos 19.º da LGT e artigo 43.º do CPPT que, do ponto de vista fiscal, os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal devem coincidir entre si, sendo que o domicílio fiscal declarado perante a AT é um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente.

Assim, para que o requerente pudesse beneficiar da exclusão de incidência de tributação, para efeitos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, resultantes da alienação do imóvel sito na Rua de ... nº ...(e do consequente reinvestimento na aquisição do imóvel sito na Rua ... nº...) teria de ter o seu domicílio fiscal, à data da alienação, no imóvel alienado e, no prazo de doze meses após o reinvestimento, no imóvel adquirido com o produto das mais-valias.

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

 

 

2. Saneamento

2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

               

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)            No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT (Situação Cadastral Atual), o Requerente bem como os restantes membros que compõem o respetivo agregado familiar (dois filhos), desde 28 de abril de 2010, pelo menos, até 28 de agosto de 2019, tinham o domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., em Lisboa, (cfr. págs. 64/75 do PA e artigo 22.º da Resposta da AT, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

 

b)           Em 28 de agosto de 2019 o Requerente alterou o domicílio fiscal para a Rua ..., n.º..., em Lisboa, (cfr. artigo 22.º do Resposta da AT e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

c)            A sociedade “J..., SGPS, SA”, da qual o Requerente foi administrador, tinha a sua sede social na Rua ..., n.º..., em Lisboa e não dispunha de quaisquer condições de habitabilidade, pois não tinha quartos de dormir, cozinha e nem sequer um chuveiro (cfr. depoimento das testemunhas H... e I...).

 

d)           O Requerente e o seu agregado familiar nunca tiveram habitação própria e permanente na sede da referida sociedade (cfr. depoimento das testemunhas H... e I...)      

 

e)           Em 10 de novembro de 2016, o Requerente vendeu a fração autónoma identificada pela letra “D” do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua de ..., ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo..., pelo preço de 810 000,00 € (cfr. doc. n.º 3 (pág. 2) junto pelo Requerente ao pedido de pronúncia arbitral (p.p.a.) e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

f)            No ano de 2016, do agregado familiar do Requerente faziam parte o seu filho K..., nascido em 01-10-1998, portador de incapacidade permanente global, e L..., nascido em 28-08-2001, a si entregues judicialmente aos cuidados e à sua guarda única, (cfr. doc. n.º 10 - certidão do «Novo Acordo de Regulação do Poder Paternal (Responsabilidades Parentais) extraído dos autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais com o n.º .../10... TBCSC, do 2.º Juízo de família e Menores do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, cuja sentença homologatória transitou em julgado em 23-06-2010 e doc. n.º 11 - Atestado Médico de Incapacidade Multiuso emitido pelo Ministério da Saúde, em 08-07-2004, conferindo ao referido K... uma incapacidade permanente global de 60% e Informação Pediátrica da Clínica ..., passada em 03-06-2013, declarando que o mesmo sofre de uma doença genética permanente (Trissomia 21), juntos ao p.p.a. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

g)            Em 10 de novembro de 2016 e desde há mais de dez anos, o Requerente e seu agregado familiar tinham a habitação própria e permanente na Rua ..., ...º, freguesia da ..., concelho de Lisboa (cfr. depoimento das testemunhas H... e I..., complementado com as faturas dos consumos de água (...) e de gás natural (...), juntas aos autos em 11 de novembro de 2019, cfr. alínea ee) infra.

 

 

h)           Em 16 de novembro de 2016, por documento particular autenticado, o Requerente comprou as frações autónomas identificadas pelas letras «A», destinada a habitação própria e permanente do adquirente e «B», destinada a habitação, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., pelo preço global de 615 000,00 €, sendo 315 000,00 € para a fração «A» e 300 000,00 € para a fração «B» (cfr. documento junto aos autos pelo Requerente, em 08 de novembro de 2019, e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 

 

i)             Em 16 de novembro de 2016 ou quando muito antes dos doze meses seguintes, o Requerente e agregado familiar tinham a habitação própria e permanente na Rua ..., ..., dt.º, freguesia de ..., concelho de Lisboa, (cfr. depoimento das testemunhas E..., F..., H... e I..., complementado com as faturas dos consumos de água (...), eletricidade (...) e comunicações (...), juntas aos autos em 11 de novembro de 2019, cfr. alínea ee) infra.

 

 

j)             Em 31 de maio de 2017 o Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2016, inscrevendo o campo 4001, quadro 4 do anexo “G” nos seguintes termos (cfr. pág. 61 verso do PA2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido): 

                ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS   

(art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS)

                Realização           Aquisição

                Ano       Mês       Valor     Ano       Mês       Valor

4001      2016      11           810 000,00          2000      8             423 978,21

    

IDENTIFICAÇÃO MATRICIAL DOS BENS   Quota-parte

%

 

Freguesia (código)          Tipo       Artigo   Fração/Secção 

...            U            ...            D             100,00

 

k)            Esta declaração deu origem à liquidação n.º 2017..., de 05-06-2017, no montante a pagar de 39 819,97 € (cfr. pág. 61 verso do PA2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 

 

l)             Em 27 de junho de 2017 o Requerente apresentou uma declaração de substituição com o n.º..., inscrevendo o campo 4001 do quadro 4 do anexo “G” nos seguintes termos (cfr. doc. n.º 4 junto pelo Requerente ao p.p.a. e págs. 16/20 do PA nos seguintes termos e que aqui se dá por integralmente reproduzido): 

 

                ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS   

(art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS)

                Realização           Aquisição           

                Ano       Mês       Valor     Ano       Mês       Valor     Despesas e encargos

4001      2016      11           810 000,00          2000      8             423 978,21          47 556,21

  

 

  IDENTIFICAÇÃO MATRICIAL DOS BENS Quota-parte

%

 

 

Campo Freguesia (código)          Tipo       Artigo   Fração/Secção 

4001      ...            U             ...            D             100,00

 

E os campos 5006, 5008 e 5011, todos do anexo “G” nos seguintes termos:

 

INTENÇÃO DE REINVESTIMENTO

5006      Valor de realização que pretende reinvestir sem recurso ao crédito         315 000,00

 

REINVESTIMENTO APÓS A ALIENAÇÃO

5008      Valor de realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito)                315 000,00

 

IDENTIFICAÇÃO MATRICIAL DO IMÓVEL OBJETO DE REINVESTIMENTO (NO TERRITÓRIO NACIONAL)

Campos               Freguesia (código)          Tipo       Artigo   Fração/Secção  Quota-parte

%

5008 a 5011       ...            U            ...            A             100,00

 

m)          Esta declaração deu origem à liquidação n.º 2017..., de 27-06-2017, no montante a pagar de 9 093,21 € (cfr. pág. 61 verso do PA2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 

 

n)           E provocou um procedimento de análise de divergências com o código D25, sendo o Requerente notificado, por carta registada de 05-09-2017, para, no prazo de 15 dias, apresentar declaração de substituição, retirando os valores dos campos 5006 e 5508, por não se verificar o reinvestimento, conforme domicílio fiscal, ou, no mesmo prazo, exercer o direito de audição prévia referido no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (cfr. doc. n.º 5 junto pelo Requerente ao p.p.a. e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 

 

o)           Em 27 de setembro de 2017, o Requerente apresentou defesa escrita, referindo nunca ter tido habitação própria e permanente no edifício da Rua ..., n.º..., em Lisboa, que correspondia à sede da sociedade “J..., SGPS, SA”, da qual o Requerente foi administrador durante vários anos e onde trabalhava um número considerável de pessoas, não dispondo de condições de habitabilidade. Que a sua habitação própria e permanente, juntamente com os restantes membros do seu agregado familiar, foi na Rua ..., n.º..., em Lisboa, no período entre fevereiro de 2005 a novembro de 2016, e depois na Rua ..., n.º..., em Lisboa (cfr. doc. n.º 6 junto pelo Requerente ao p.p.a. e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 

 

p)           Pelo ofício n.º... do Serviço de Finanças de Lisboa-..., o Requerente foi notificado de que, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, foi elaborada uma declaração oficiosa, sendo mantidas todas as inscrições do campo 4001 do quadro 4 do anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2016, e eliminadas as inscrições nos campos 5006 (valor a reinvestir) e 5008 (valor reinvestido no ano da alienação) do quadro 5 do mesmo anexo (cfr. doc. n.º 7 junto pelo Requerente ao p.p.a. e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 

 

q)           A declaração oficiosa deu origem à liquidação adicional de IRS n.º 2017..., efetuada pela “AT” em 14 de novembro de 2017, com referência ao ano de 2016, no montante 27 279,98 €, a que corresponde a demonstração de acerto de contas de 28-11-2017 (compensação n.º...) no montante de 18 186,77 € (cfr. doc.s n.ºs 1 e 2 juntos pelo Requerente ao p.p.a. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos). 

 

r)            O imposto liquidado, no montante de 18 186,77 €, foi pago em 08 de janeiro de 2018 (cfr. doc. n.º 2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

s)            Em 17 de abril de 2018 o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação (Processo n.º ...2018...), reiterando o que já constava da exposição de 27-09-2017, referida na alínea n) do probatório (cfr. doc. n.º 12 junto pelo Requerente ao p.p.a. e págs. 2/14 do PA, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos). 

 

t)            À reclamação graciosa o Requerente juntou dois atestados passados em 25-09-2017 pelas Juntas das Freguesias da ... e ..., do concelho de Lisboa, as quais atestaram, com base em declaração do Requerente, a primeira, que o Requerente reside na Rua ..., n.º..., há 18 anos, e a segunda, que o mesmo reside na Rua ..., n.º..., desde 16-11-2016 (cfr. documento n.º 5 junto com a reclamação graciosa, documento n.º 9 junto pelo Requerente ao p.p.a. e págs. 25 e 29 do PA, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

 

u)           Seis declarações de pessoas com relações de vizinhança com o Requerente, capazes de testemunhar os factos e que poderiam declarar pessoalmente, se a AT assim o desejasse - n.º 17 da petição, (cfr. documento n.º 5 junto com a reclamação graciosa, documento n.º 9 junto pelo Requerente ao p.p.a. e págs. 22, 23, 24, 26, 27 e 28 do PA, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

v)            Certidão passada pelo 2.º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores, em 30-06-2010, do «Novo Acordo de Regulação do Poder Paternal (Responsabilidades Parentais)» extraído dos autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais com o n.º .../10...TBCSC, do 2.º Juízo de família e Menores do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, cuja sentença homologatória transitou em julgado em 23-06-2010, segundo a qual os menores, filhos do Requerente, identificadas na alínea e) do probatório, ficavam entregues aos cuidados e à guarda exclusiva do Pai (cfr. documento n.º 6 junto com a reclamação graciosa e págs. 30/32 do PA, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

w)          Atestado Médico de Incapacidade Multiuso emitido pelo Ministério da Saúde, em 08-07-2004, conferindo a K..., filho do Requerente, uma incapacidade permanente global de 60% e Informação Pediátrica da Clínica ..., passada em 03-06-2013, declarando que o mesmo sofre de uma doença genética permanente (Trissomia 21), (cfr. documento n.º 7 junto com a reclamação graciosa e págs. 34/35 do PA, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).   

 

x)            Nos termos do artigo 60.º da LGT o Requerente foi notificado para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia, cfr. ofício do Serviço de Finanças de Lisboa-..., de 05-09-2017, o que o mesmo fez, por escrito, mediante exposição de 29-09-2017, na qual reitera o alegado anteriormente (págs. 41/46 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

 

y)            Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de lisboa-..., de 19-04-2018, notificado ao Requerente pelo ofício n.º ..., de 20-04-2018, a reclamação graciosa foi indeferida com base no fundamento constante da informação prestada em 19-04-2018, a saber: “5. Consultado o Sistema Informático de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que o agregado familiar não detinha, à data de alienação, domicílio fiscal na morada do imóvel alienado, nem procedeu à afetação a habitação do imóvel no qual alega o reinvestimento, cfr. fls. 64 e seguintes dos presentes autos. 6. Desta forma constata-se que a liquidação ora reclamada encontra-se efetuada nos termos legais” (cfr. doc. n.º 13 junto pelo Requerente ao p.p.a. e págs. 76/80 do PA, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos). 

 

z)            As testemunhas oferecidas pelo Requerente não foram ouvidas nem o Serviço de Finanças se pronunciou sobre a dispensabilidade em as ouvir.

 

aa)         Em 23 de maio de 2018 o Requerente interpôs recurso hierárquico (Processo n.º .../18) do indeferimento da reclamação graciosa, tendo juntado nove documentos (cfr. págs. 1/51 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

 

bb)         Por despacho da Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 10 de abril de 2019, notificado ao Requerente pelo ofício n.º ... de 17 do mesmo mês de abril, o recurso hierárquico foi indeferido com base nos fundamentos constantes da informação prestada em 05-04-2019, nomeadamente nos seguintes pontos: “17 – Conforme se verifica por consulta informática de gestão e registo de contribuintes, o sujeito passivo não tinha o domicílio fiscal no imóvel alienado. (…) 21 – É que o imóvel adquirido em 2016NOV16, sito em ..., não foi afeto a habitação própria e permanente do sujeito passivo, continuando o recorrente a ter o domicílio fiscal na rua de ..., na freguesia da ... . (…) 27 – Pelo exposto, e mantendo-se válidos os fundamentos em que se baseava o indeferimento da reclamação graciosa, propomos que seja negado provimento ao recurso hierárquico” (cfr. doc. n.º 3 junto ao p.p.a. e págs. 61/63 do PA2).

 

cc)          Em 12 de julho de 2019 o Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo juntado 13 documentos e requerida produção de prova testemunhal. 

 

dd)         Em 08 de outubro de 2019 foi requerida a alteração ao rol através da substituição de duas testemunhas e a junção de um documento, protestando o Requerente a junção de outros, o que foi deferido por despacho de 12-11-2019.

 

ee)         Em 11 de novembro de 2019 foram apresentados documentos emitidos em nome do Requerente, que este protestara juntar, relativos aos seguintes consumos:

Na Rua ..., ..., em Lisboa –

De energia, relativo ao período de 26-10-2016 a 25-11-2016, no montante de 17,75 €; e

De água, relativo ao período de 13-10-2016 a 14-11-2016, no montante de 22,73 €.

 

Na Rua ..., n.º ...º, em Lisboa -

De energia, relativo ao período de 24-01-2017 a 23-02-2017, no montante de 169,72 €;

De água, relativo ao período de 09-12-2016 a 08-01-2017, no montante de 36,38 €; e

De comunicações (televisão e telefone), relativo ao mês de fevereiro de 2017, no montante de 122,70 €.

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no acervo documental junto aos autos, nas posições assumidas pelas Partes bem como no depoimento das testemunhas que demonstraram conhecimento acerca da matéria em discussão nos presentes autos, revelando-se os depoimentos esclarecidos, assertivos, consistentes e espontâneos, resultado de um discurso fluido e sem dificuldades de recordar, expressar e contextualizar os factos afirmados.  

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

As questões que constituem o thema decidenduum reconduzem-se a saber se o Requerente ou o seu agregado familiar tinha a sua habitação própria e permanente no imóvel sito na Rua de ..., ..., em Lisboa, na data em que o vendeu (10-11-2016) e no imóvel sito na Rua ..., ..., também em Lisboa, na data em que o comprou (16-11-2016), ou nos doze meses seguintes.

 

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada;

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios; e

- Da não condenação da Requerida no pagamento das custas arbitrais.

 

4.1 - Da (i)legalidade da liquidação impugnada -

Nos termos da alínea a), n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

Deste modo os ganhos obtidos pelo Requerente com a venda da fração autónoma identificada pela letra «D» do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., estão sujeitos a IRS, sendo constituídos, nos termos da alínea a), n.º 4 do referido artigo 10.º, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este, objeto de correção monetária, nos termos do artigo 50.º do CIRS, e acrescido das despesas e encargos de acordo com o artigo 51.º do mesmo código.

Porém, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS (redação à data dos factos), são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.

Refere ainda o n.º 6 do mesmo artigo 10.º que não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando, tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento (cfr. alínea a)), e que nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização (cfr. alínea b)).

Da declaração de rendimentos (modelo 3) de substituição, apresentada pelo Requerente em 27 de junho de 2017 (alínea l) do probatório), consta que a fração autónoma identificada pela letra «D» do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia da ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., foi adquirida em agosto de 2000 pelo montante de 423 978,21 € e alienada (vendida) em novembro de 2016 pelo valor de 810 000,00 €. Mais consta que deste montante foi reinvestida a importância de 315 000,00 € na aquisição da fração autónoma identificada pela letra «A» do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... .

Deste modo para se verificar a exclusão de tributação em IRS mostra-se necessário que o imóvel alienado tenha sido destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar e que o reinvestimento seja efetuado na aquisição de outro imóvel, exclusivamente com o mesmo destino, entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da venda, e o adquirente o afete à sua habitação e do seu agregado familiar, até decorridos 12 meses após o reinvestimento.

Assim, considerando que em 16 de novembro de 2016 o Requerente reinvestiu parcialmente o valor de realização (venda), no montante de 315 000,00 €, na compra da fração autónoma identificada pela letra «A» do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., poderia beneficiar da exclusão da tributação de acordo com o n.º 7 do artigo 10.º do CIRS (No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido), desde que, até 16 de novembro de 2017 (cfr. artigo 279.º, alínea c) do Código Civil), afetasse o imóvel adquirido à sua habitação ou do seu agregado familiar.

Para a Requerida, o Requerente não poderia beneficiar da exclusão, ainda que parcial, da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa da fração autónoma identificada pela letra «D» do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., porque, como refere no artigo 22.º da Resposta, “No sistema de gestão e registo de contribuintes, o requerente, até 28/08/2019 e, pelo menos desde 28/04/2010, teve domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., Lisboa. Na referida data de 28/08/2019 alterou o domicílio fiscal para a Rua ..., n.º..., Lisboa”.

Com efeito no ponto 17 da informação de 05-04-2019 constante do processo n.º .../18 organizado no âmbito do recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, é referido que “Conforme se verifica por consulta ao sistema informático de gestão e registo de contribuintes, o sujeito passivo não tinha o domicílio fiscal no imóvel alienado”.

Efetivamente como consta da alínea a) do probatório, no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT (Situação Cadastral Atual), o Requerente bem como os restantes membros que compõem o respetivo agregado familiar (dois filhos), desde 28 de abril de 2010, pelo menos, até 28 de agosto de 2019, tinham o domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., em Lisboa.

E em 28 de agosto de 2019 alterou o domicílio fiscal para a Rua ..., n.º..., em Lisboa, (cfr. alínea b) do probatório).

Nos termos da alínea a), n.º 1 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária, o domicílio fiscal das pessoas singulares é, salvo disposição em contrário, o local da residência habitual, fazendo presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário, cfr. dispõe o n.º 10 do artigo 13.º do CIRS.

Assim, como refere o n.º 11 do referido artigo 13.º, considera-se preenchido o requisito de prova previsto no referido n.º 10, designadamente quando o sujeito passivo: alínea a) - faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro local; ou, alínea b) – Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.

Tratando-se, como se trata, de uma presunção legal, o ónus da prova cabe ao sujeito passivo, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, que refere: “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”.

Aliás este princípio encontra-se plasmado no n.º 12 do referido artigo 13.º do CIRS, quando refere: “A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei”, competindo à Autoridade Tributária e Aduaneira, contudo, demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados naquele número ou das informações neles constantes, cfr. n.º 13 do mesmo artigo.

Assim, mostra-se provado:

1.            Que o Requerente e o seu agregado familiar nunca tiveram a habitação própria e permanente na Rua ..., n.º..., em Lisboa, que corresponde à sede social da sociedade “J..., SGPS, SA”, além do mais porque não dispunha de condições de habitabilidade, conforme alíneas c) e d) do probatório;

 

2.            Que em 10 de novembro de 2016, o Requerente e seu agregado familiar tinham a habitação própria e permanente na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, conforme alínea g) do probatório;

 

3.            Que em 10 de novembro de 2016, o Requerente vendeu a fração autónoma identificada pela letra “D” do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., pelo preço de 810 000,00 €, conforme alínea e) do probatório;

 

4.            Que em 16 de novembro de 2016, por documento particular autenticado, o Requerente comprou as frações autónomas identificadas pelas letras «A», destinada a habitação própria e permanente do adquirente e «B», destinada a habitação, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ..., ... -..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo..., pelo preço global de 615 000,00 €, sendo 315 000,00 € para a fração «A» e 300 000,00 € para a fração «B», conforme alínea h) do probatório;  

 

5.            Que em 16 de novembro de 2016 ou quando muito antes dos doze meses seguintes, o Requerente e agregado familiar tinham a habitação própria e permanente na Rua..., ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, conforme alínea i) do probatório; e

 

6.            Que do valor da venda do imóvel referido no n.º 3, no montante de 810 000,00 €, o Requerente reinvestiu 315 000,00 € na compra do imóvel referido no n.º 4, correspondente à fração autónoma identificada pela letra «A», do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo ..., o que fez constar da declaração de substituição com o n.º identificação da declaração n.º..., apresentada em 27 de junho de 2017, conforme alínea l) do probatório.

 

Deste modo estão reunidas as condições para a exclusão da tributação parcial em IRS (mais-valias) dos ganhos provenientes da venda da fração autónoma identificada pela letra “D” do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ..., ...º, freguesia da ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... .

 

Assim, deve o pedido de pronúncia arbitral proceder, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

4.2 - Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios -

O Requerente pede ainda que lhes sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado por este preceito, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, nos termos que aqui interessa:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».

 Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Em qualquer caso considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA , sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T) .

Tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência que justifica a anulação da liquidação impugnada, reconhece-se o direito do Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado (08-01-2018) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

4.3 - Da não condenação da Requerida no pagamento das custas arbitrais -

De harmonia com o disposto no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4 e 29.º, n.º 1, alínea e), todos do RJAT, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Refere o n.º 2 do mesmo artigo 527.º do CPC que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Esta regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade, indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respetiva proporção, como refere Salvador da Costa .    

Porém, pese embora a liquidação tivesse sido efetuada por virtude de o domicílio fiscal do Requerente não corresponder aos endereços das frações autónomas pelo mesmo vendida e comprada, a decisão de indeferimento proferida no processo de reclamação graciosa n.º Processo n.º ...2018..., tendo por base o fundamento constante da informação prestada em 19-04-2018, “5. Consultado o Sistema Informático de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que o agregado familiar não detinha, à data de alienação, domicílio fiscal na morada do imóvel alienado, nem procedeu à afetação a habitação do imóvel no qual alega o reinvestimento”, conforme alínea y) do probatório, não ouviu as pessoas que o reclamante e ora Requerente arrolou, como sendo pessoas com relações de vizinhança capazes de testemunhar os factos, nem se pronunciou sobre a dispensabilidade em as ouvir, conforme alínea u) do probatório.

É que, como refere Jorge LOPES DE SOUSA , “A limitação dos meios de prova à documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham não obsta à realização das diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia com o princípio do inquisitório que vigora na generalidade dos procedimentos tributários, e que obriga à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, sem subordinação à iniciativa do requerente (art. 58.º da LGT). (…) Neste contexto, existindo o referido dever, não há qualquer obstáculo a que o próprio reclamante requeira ou sugira a realização das diligências que considere indispensáveis para a descoberta da verdade, o que imporá à Administração Tributária o dever de se pronunciar expressamente sobre a alegada indispensabilidade da sua realização, se não antes, pelo menos na decisão final (…)”.

Assim, caso as testemunhas tivessem sido ouvidas, o despacho proferido na reclamação graciosa poderia, eventualmente, ser favorável ao reclamante, e deste modo, não sendo requerida a constituição de tribunal arbitral para se pronunciar sobre a mesma questão, não haveria custas arbitrais.

Por tal motivo as custas devem ficar a cargo da Requerida, porque, além de vencida, foi quem lhes deu causa.

 

 

**

 

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a)            Julgar procedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico (Processo n.º .../18), proferido pela Chefe da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 10 de abril de 2019;

b)           Julgar procedente, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017..., efetuada pela “AT” em 14 de novembro de 2017, com referência ao ano de 2016, no montante 27 279,98 €, a que corresponde a demonstração de acerto de contas de 28-11-2017 (compensação n.º...) no montante de 18 186,77 € (dezoito mil, cento e sessenta e seis euros e setenta e sete cêntimos); e  

c)            Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a quantia indevidamente paga pelo Requerente, no montante de 18 186,77 €, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à do processamento da respetiva nota de crédito; e

d)           Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 18 186,77 € (dezoito mil, cento e sessenta e seis euros e setenta e sete cêntimos).

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00 €, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Notifique.

 

Lisboa, 23 de janeiro de 2020.

 

 

 

O Árbitro,

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.