Decisão Arbitral
1. RELATÓRIO
1.1. A..., contribuinte n.º..., e B..., casados, residentes na Rua ... n.º..., ..., ...-... ...(doravante designados por “Requerente”) apresentaram em 10-05-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
1.2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., de 07-01-2019, referente ao exercício de 2015, no montante de € 6.418,35 (seis mil, quatrocentos e dezoito euros e trinta e cinco cêntimos) com as consequências legais, nomeadamente a restituição do imposto pago em excesso e o pagamento de juros indemnizatórios.
1.3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
1.4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 15-05-2019.
1.5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
1.6. As partes foram notificados, em 01-07-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22-07-2019.
1.8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 23-07-2019, apresentou, em 23-09-2019, a sua Resposta e, na mesma data, juntou o Processo Administrativo.
1.9. O Tribunal Arbitral, em 23-09-2019, notificou o Requerente para, no prazo de cinco dias, querendo se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida na Resposta.
1.10. O Requerente, em 27-09-2019, pronunciou-se sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida.
1.11. O Tribunal Arbitral, por despacho de 14-10-2019, considerando que estavam apenas em causa questões de direito, notificou o Requerente para, no prazo de cinco dias, manifestar interesse na produção de prova testemunhal e indicar os pontos de facto sobre os quais deveria incidir.
1.12. O Tribunal Arbitral, em 07-11-2019, proferiu o despacho seguinte:
“1- Considerando que o Requerente não se pronunciou após a notificação do despacho arbitral de 14-10-2019 e atendendo à circunstância da matéria de facto, relevante para a questão discutida nos presentes autos arbitrais, constar de prova documental;
Considerando que já foi exercido o contraditório em matéria de exceção e não havendo mais questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido;
Assim, o Tribunal dispensa a inquirição da testemunha indicada pelo Requerente e a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT).
2- Notifiquem-se ambas as partes para, no prazo de 10 dias, a partir da notificação do presente despacho, produzirem, querendo, alegações escritas com caracter sucessivo.
3- Designa-se o dia 20 de dezembro de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data, o Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.”
1.13. O Requerente apresentou, em 14-11-2019, as suas alegações. A Requerida não apresentou alegações.
1.14. A data para a prolação da decisão arbitral estabelecida no despacho de 07-11-2019 foi posteriormente adiada, através do despacho do Tribunal Arbitral, de 19-12-2019.
1.15. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:
1.15.1. O Requerente, desde o ano de 2002, esteve enquadrado, para efeitos de tributação pessoal, no regime de contabilidade organizada por opção, nos termos do 28.º do Código do IRS. Acontece que, devido à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que alterou o montante anual ilíquido de € 150.000,00 para € 200.000,00 de rendimentos empresariais e profissionais, por forma a determinar o regime de tributação (regime simplificado ou contabilidade organizada) dos sujeitos passivos, o Requerente foi enquadrado automaticamente pelos serviços da AT no regime simplificado, uma vez que no ano de 2013 o total dos seus rendimentos era inferior ao valor previsto no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, no montante de € 153.556,00 (cento e cinquenta e três mil, quinhentos e cinquenta e seis euros).
1.15.2. Este enquadramento automático operado pelos serviços da AT quanto ao regime de tributação dos rendimentos profissionais nunca foi notificado ao Requerente.
1.15.3. A atuação da AT violou os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança, descritos no artigo 2.º da CRP, que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que no caso concreto não aconteceu.
1.15.4. Acresce que, o Requerente encontra-se numa situação de descriminação negativa, porque não lhe foi dada a opção de alterar o seu regime de tributação de acordo com a legislação em vigor, contrariamente à oportunidade criada pelo ofício-circulado n.º 20172, de 28.03.2014, da Direção dos Serviços do IRS, donde consta que quem pretendesse manter o regime de contabilidade decorrente da alteração operado pelo Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro) poderia ter exercido a opção pelo regime de contabilidade organizada até ao fim do mês de março de 2014, e pela situação enquadrada na norma transitória da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro (Lei da Reforma do IRS), em que os sujeitos passivos podiam exercer essa opção até 31 de março de 2015, através da apresentação de declaração de alterações, optando pelo regime de contabilidade organizada.
1.15.5. Neste sentido, é claro que ao Requerente não foi concedido o direito e/ou a opção pelo regime da contabilidade organizada, tal como as que existiram para os sujeitos passivos enquadrados nas situações descritas no ofício circulado n.º 20172, de 28.03.2014, da Direção de Serviços do IRS e para aqueles que agissem de acordo com a norma transitória prevista na Lei da Reforma do IRS.
1.15.6. Em suma, o Requerente encontra-se numa situação de discriminação negativa, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, no sentido da proibição do arbítrio em que devem ser tratadas de forma igual as situações iguais, e de forma desigual as situações desiguais, o que no caso concreto não aconteceu.
1.15.7. Aliás, mantendo-se a situação do Requerente – enquadramento automático no regime simplificado – uma das vertentes do princípio da igualdade também está posto em causa, o da obrigação do pagamento de impostos mediada pela capacidade contributiva. O que, no caso concreto, se refletiu na liquidação de IRS do ano de 2015, aqui impugnada, o que implicou um imposto manifestamente desproporcional à capacidade contributiva do Requerente.
1.15.8. Refira-se ainda que, a própria Circular n.º 2/2016, da Direção de Serviços do IRS, relativa à Categoria B - Enquadramento, afirma no ponto 3 que “os sujeitos passivos que exercem a opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade nas condições previstas no n.º 4 do artigo 28.º do Código do IRS, permanecem nesse regime até manifestação em contrário, não sendo relevantes as variações do montante anual ilíquido do rendimento da categoria B que vierem a ocorrer.” Ora, o mesmo princípio terá de ser aplicado ao Requerente, estando no regime de contabilidade organizada por opção, independentemente das variações do montante anual ilíquido, regime esse a que só deixará de estar vinculado quando manifestar o contrário – o que não aconteceu.
1.15.9. Na verdade, tem sido este o entendimento sufragado na jurisprudência dos tribunais superiores, o qual é manifestado, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01094/17 de 12.09.2017.
1.15.10. Esta matéria tem sido, igualmente, objeto de ponderação e apreciação no mesmo sentido por parte dos tribunais arbitrais constituídos no CAAD, nomeadamente nas decisões proferidas nos processos n.ºs 295/2017-T e 283/2018-T.
1.15.11. Como resulta de todo o exposto, o ato de liquidação impugnado é ilegal, por padecer do vício de violação do disposto no artigo 28.º do Código do IRS, porquanto não é legítimo à AT fazer o enquadramento oficioso do Requerente no regime simplificado, quando o mesmo optou pela sua tributação para efeitos fiscais, em 2002, no regime de contabilidade organizada, sem que tenha alterado tal opção, independentemente de ter ou não ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos profissionais de € 200.000,00. Em consequência, o ato de liquidação impugnado, referente ao exercício de 2015, deve ser anulado, e substituído por outro que seja apurado em conformidade com o regime de contabilidade organizada, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
1.16. A Requerida na Resposta começou por arguir a exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, nos seguintes termos:
1.16.1. Da leitura do requerimento inicial e dos documentos a ele anexos, conclui-se que o pedido em apreço se reconduz a um pedido de decisão arbitral que determine que o Requerente se encontrava enquadrado no regime de contabilidade organizada, no triénio 2014/2016, devendo ter o consequente tratamento fiscal.
1.16.2. No caso em apreço, o ato objeto do litígio não pode ser qualificado como um ato de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. O que se trata aqui é o regime de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, fixado no artigo 28.º e seguintes do Código do IRS.
1.16.3. O artigo 28.º do Código do IRS enquadra e desenvolve as regras de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais fixando as condições em que deve ser aplicado, mantido, renovado ou prorrogado o enquadramento no regime simplificado ou regime de contabilidade organizada, fixando os pressupostos de aplicação e/ou de cessação de cada um destes dois regimes de determinação de rendimentos da categoria B de IRS.
1.16.4. O ato impugnado não integra o elenco potencial dos atos de fixação de matéria tributável ou matéria coletável na medida em que não aplica um conjunto de fatores, objetivos ou subjetivos, que conduzam à liquidação do correspondente tributo, localizando-se, antes, a montante da fixação da matéria tributável.
1.16.5. O que os Requerentes pretendem é a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária que enquadrou o Requerente no regime simplificado de tributação. Este procedimento de “enquadramento fiscal” sendo prejudicial relativamente ao “ato de liquidação” propriamente dito não se confunde, no entanto, com o ato de fixação da matéria tributável.
1.16.6. O pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária nos pressupostos de aplicação ao regime de tributação dos rendimentos empresariais e profissionais do Requerente, o que, tendo em consideração a matéria a sindicar, não é suscetível de resolução por via arbitral. Neste sentido decidiu o tribunal arbitral no processo n.º 118/2012-T, que versa sobre a mesma matéria em discussão nos presentes autos.
1.67.7. Sendo um ato da Administração Tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a Requerida da instância.
1.17. Na sequência do despacho do Tribunal Arbitral, de 23-09-2019, (vd., 1.9. supra) o Requerente pronunciou-se sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida na Resposta, nos seguintes termos:
1.17.1. O pedido principal afirma o seguinte: “Termos em que requer a V. Exa. se digne anular o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., de 07.01.2019, referente ao exercício de 2015, no montante de € 6.418,35 (seis mil, quatrocentos e dezoito euros e trinta e cinco cêntimos), por ilegal, face aos vícios acima enunciados, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente a restituição do imposto pago em excesso, e o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.”
1.17.2. O tribunal arbitral tem competência para apreciar a pretensão de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” (artigo 2.º, alínea a), do RJAT).
1.17.3. O pedido do Requerente é, na verdade, a anulação da liquidação de IRS do ano de 2015, sustentada nos vícios invocados no pedido arbitral – causa de pedir -, e dos quais resulta a manifesta ilegalidade daquele ato.
1.17.4. Nestes termos, é manifesto que a exceção de “incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria”, invocada pela Requerida é improcedente, por totalmente infundada.
1.17.5. Esta é também a posição sufragada maioritariamente no CAAD que já se pronunciou e decidiu processos em que o pedido e a causa de pedir são idênticos aos dos presentes autos, e sobre todos eles foi proferida decisão final que conheceu do mérito da causa (vd., Processo n.º 262/2018-T; Processo n.º 266/2013-T; Processo n.º 760/2015-T; Processo n.º 97/2017-T; Processo n.º 114/2017-T; Processo n.º 295/2017-T; Processo n.º 434/2017-T; Processo n.º 484/2017-T; Processo n.º 230/2018-T; Processo 299/2018-T; Processo n.º 323/2018-T).
1.17.6. Face ao exposto, deve a exceção de “incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria”, invocada pela Requerida ser considerada totalmente improcedente, por não provada, e o processo seguir os seus ulteriores trâmites normais.
1.18. A defesa da Requerida por impugnação, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:
1.18.1. Conforme consta do processo administrativo, o Requerente quando iniciou a sua atividade optou pelo regime da contabilidade organizada, no qual ficou enquadrado. De 2002 até 2013, o Requerente ficou integrado no regime da contabilidade organizada por imposição legal, uma vez que o montante anual ilíquido de rendimentos da categoria B ultrapassava o limite legal previsto no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS.
1.18.2. Nos termos do n.º 6 do artigo 28.º do Código do IRS, o Requerente ao ultrapassar os montantes indicados no n.º 2 do mesmo artigo, ficou enquadrado no regime regra de contabilidade organizada, por imposição legal, mantendo-se no mesmo até 2013.
1.18.3. Em 2013, o Requerente declarou, referente aos rendimentos da categoria B, um rendimento de € 153.556,00, montante este inferior ao limite do n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, pelo que reuniu os pressupostos de enquadramento no regime simplificado, o qual teve efeitos no período de tributação de 2014.
1.18.4. Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 28.º do Código do IRS, “Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.” Assim, para que o Requerente se mantivesse no regime da contabilidade organizada teria de exercer essa opção, afastando assim o enquadramento no regime simplificado.
1.18.5. Quanto ao exercício de 2014, e porque se encontra no período de permanência dos três anos para o regime simplificado, o Requerente podia ter exercido essa opção, até março de 2014, o que não fez.
1.18.6. Desta forma, o enquadramento do Requerente no regime simplificado, decorreu da verificação dos requisitos legais previstos no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS. Em 2001, o Requerente optou pelo regime da contabilidade organizada quanto à tributação dos rendimentos da categoria B, mas como ultrapassou os montantes previstos no n.º 2 e n.º 6 do artigo 28.º do Código do IRS, ficou enquadrado, por imposição legal, no regime da contabilidade organizada relativo à tributação dos rendimentos da categoria B, até 2013, inclusive. Em 01-01-2014, o Requerente foi oficiosamente colocado no regime simplificado, por ter sido apurado um rendimento da categoria B inferior ao limite legal de € 200.000,00, previsto no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS. Como o Requerente não optou pela tributação no regime da contabilidade organizada até final de março de 2014, manteve-se no regime simplificado de tributação quanto ao triénio 2014/2016.
1.18.7. A liquidação foi efetuada com base na lei aplicável, à qual a Administração está vinculada, e o direito a juros indemnizatórios, previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado da anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração tributária.
1.18.8. Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.
1.19. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
1.20. Cumpre decidir, a título prévio, sobre a exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, invocada pela Requerida na Resposta (vd., 1.17. supra) e sobre a qual o Requerente se pronunciou (vd., 1.18. supra).
1.20.1. A Requerida suscita a questão da incompetência em razão da matéria, por entender que o Requerente pretende apenas a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária que o enquadrou no regime simplificado de tributação, sendo que tal decisão não constitui um ato enquadrável no artigo 2.º do RJAT.
1.20.2. Do pedido de pronuncia arbitral, constante dos presentes autos, resulta que o pedido formulado pelo Requerente consiste na declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2019..., de 07-01-2019, referente ao exercício de 2015, no montante de € 6.418,35. Não está, pois, em causa conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo.
1.20.3. Nesta questão concordamos integralmente com o disposto na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 262/2018-T ao afirmar:
“Os actos interlocutórios do procedimento de liquidação, inclusivamente os que decidiram ser de aplicar o regime simplificado não são impugnáveis autonomamente, por não serem lesivos, podendo ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida, por força do disposto no artigo 54.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
É à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.
O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT inclui na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
Por isso, sendo pedida a declaração de ilegalidade de actos de liquidação, tem de se concluir que este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a pretensão dos Requerentes.”
1.20.4. Atendendo ao exposto, e considerando a formulação do presente pedido de pronúncia arbitral, o qual versa inequivocamente sobre a impugnação de um ato de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.
1.21. Nestes termos, verificam-se todos os pressupostos processuais para o Tribunal Arbitral conhecer do pedido.
2. MATÉRIA DE FACTO
2.1. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A) O Requerente, em 25-06-2001, exerceu a opção pelo regime da contabilidade organizada para o exercício da sua atividade “CIRS 6010 - Advogados” (vd., Processo Administrativo fls. 19);
B) O enquadramento feito pela AT, nos exercícios de 2001 a 2014, face aos rendimentos declarados pelo Requerente foi o seguinte:
Ano Rendimentos Regime de tributação em IR
2001 € 121.856,86 Contabilidade por opção
2002 € 136.638,63 Contabilidade por imposição legal
2003 €138.731,36 Contabilidade por imposição legal
2004 €145.292,33 Contabilidade por imposição legal
2005 €174.736,85 Contabilidade por imposição legal
2006 €141.401,98 Contabilidade por imposição legal
2007 €173.860,81 Contabilidade por imposição legal
2008 €174.143,89 Contabilidade por imposição legal
2009 €151.163,20 Contabilidade por imposição legal
2010 €174.540,20 Contabilidade por imposição legal
2011 €167.338,23 Contabilidade por imposição legal
2012 €153.812,00 Contabilidade por imposição legal
2013 €153.556,00 Contabilidade por imposição legal
2014 €131.479,93 Regime simplificado
(vd., Processo Administrativo fls. 20);
C) No exercício de 2014, a AT enquadrou o Requerente no regime simplificado de tributação, porque entendeu que o regime de contabilidade organizada por exigência legal tinha a validade de apenas 1 ano e no ano de 2013 foi apurado relativamente ao Requerente um montante anual de rendimentos inferior a € 200.000,00 (vd., Processo Administrativo fls. 17);
D) Em 28-05-2015, o Requerente apresentou a declaração de IRS Modelo 3, de IRS, referente ao ano de 2014, composta pelos anexos A, C, G e H (vd., Processo Administrativo fls. 17);
E) A AT, por ofício de 11-06-2015, notificado ao Requerente, considerou que na declaração, identificada na alínea anterior, se verifica “C70-INCOMPATIBILIDADE ENTRE O ANEXO ENTREGUE E OPÇÃO EM CADASTRO” (vd., Processo Administrativo fls. 17);
F) O Requerente em exposição dirigida ao Diretor de Serviços de IRS, em 27-11-2015, requereu o direito de continuar integrado no regime da contabilidade organizada “(…) no qual deveria estar, se lhe tivesse sido confirmado que era necessário exercer, em prazo que ainda não estava esgotado, opção em conformidade” (vd., Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
G) Através do ofício n.º..., de 01-07-2016, da Direção de Serviços do IRS o Requerente foi informado “(…) que se encontra no regime simplificado, devendo para o efeito submeter a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2014, com o Anexo B que se encontra em erro” (vd., Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
H) Em 02-08-2016, o Requerente apresentou recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças, que recebeu o n.º ...2016..., para anular o ato de não aceitação do seu enquadramento no regime de contabilidade organizada, para efeito de determinação dos seus rendimentos empresariais e profissionais, (vd., Processo Administrativo fls. 1 a 8);
I) O recurso hierárquico, identificado na alínea anterior, foi indeferido, por despacho do Diretor do Serviço Central, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, em 11-05-2017, e notificado ao Requerente através do ofício n.º..., de 16-05-2017 (vd., Processo Administrativo fls. 40 e 41);
J) O Requerente apresentou a declaração de IRS Modelo 3, de IRS, referente ao ano de 2015, e à semelhança dos anos anteriores, constava o Anexo C para a tributação segundo o regime da contabilidade organizada (vd., pedido de pronuncia arbitral n.º 19);
K) A AT, através do Ofício ..., de 13-06-2016, notificou o Requerente de “Erros centrais na declaração Mod. 3 de IRS, Exercício de 2015” com o seguinte teor: “Para a declaração mod. 3 de IRS, submetida via internet, foi verificada a existência dos seguintes erros, após validação central: C70-INCOMPATIBILIDADE ENTRE O ANEXO ENTREGUE E OPÇÃO EM CADASTRO.” No referido ofício é solicitado ao contribuinte que proceda à correção do erro ou, caso considere que não existe erro, se desloque ao Serviço de Finanças para justificar o preenchimento realizado (vd., documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
L) O Serviço de Finanças de Oeiras ... (...), através do Ofício n.º..., de 14-12-2016, informou o Requerente do seguinte:
“Da análise efectuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2015, com a identificação..., constatou-se a existência da seguinte incorreção:
Ao passar a estar enquadrado no regime de contabilidade organizada por condições em 2002-01-01, deixou de estar abrangido pela opção exercida em 2001.
Como no ano de 2014 auferiu um rendimento de € 131.479,93 inferior ao limite de € 200.000,00 por enquadramento automático ficou no regime simplificado com efeitos a 2014-01-01 até 2016-12-31, por aplicação do exposto no ponto n.º 5 do Ofício-Circulado n.º 20172 de 2014-03-28 da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e o n.º 2 do art.º 28 do CIRS.
Caso pretendesse manter o regime de contabilidade, deveria ter exercido a opção pelo regime de contabilidade organizada até ao fim do mês de Março de 2014 (cf. Nº 3 e 4 do artº 28 CIRS).
Poderia, ainda, até 31 de Março de 2015 ter apresentado declaração de alterações a optar pelo regime de contabilidade organizada ao abrigo da disposição transitória prevista na Lei de Reforma do IRS (artº 15 nº 2 da Lei E/2014 de 31 de Dezembro.
Deste modo, fica notificado da intenção de se efectuarem as seguintes correções aos valores inscritos na referida declaração mod. 3.
Substituição na Declaração Modelo 3 do IRS do anexo C-Categoria B (Regime de contabilidade organizada) pelo anexo B-Categoria B (regime simplificado). O rendimento tributável desta categoria será apurado, de acordo com o n.º 31 do CIRS, em vigor para 2015, por aplicação do indicador 0,75 ao valor das prestações de serviços.
Mais se informa que, caso pretenda exercer o direito de audição previa a que se refere o art.º 60º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, poderá apresentar as suas alegações no prazo de 15 dias, por email (…) ou em alternativa, junto do Serviço de Finanças de OEIRAS ... (...)” (Vd., Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
M) O Requerente, em 30-12-2016, através do requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras ... (...) exerceu o seu direito de audição prévia, ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPA e do artigo 60.º da LGT. (Vd., Documento n.º 9, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
N) O Requerente foi notificado, em 22-01-2019, através do documento n.º 2019..., da demonstração de liquidação de IRS n.º 2019..., de 2019-01-07, referente ao exercício de 2015 (Vd., Documento n.º 1, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
O) O Requerente, em 22-02-2019, procedeu ao pagamento da importância proveniente da liquidação de IRS, identificada na alínea anterior, no montante de € 6.418,35 (Vd., Documento n.º 10, anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
2.2. Factos dados como não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa.
Atendendo à circunstância da matéria de facto, relevante para a questão discutida nos presentes autos arbitrais, constar totalmente de prova documental o Tribunal dispensou a inquirição da testemunha indicada pelo Requerente, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, nos termos do disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT (vd., n.ºs 1.11. e 1.12. supra).
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
3. MATÉRIA DE DIREITO
3.1. A principal questão decidenda nos presentes autos diz respeito à interpretação e aplicação do regime previsto no artigo 28.º do Código do IRS, referente às formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, e consequente enquadramento legal do ato de liquidação de IRS supra identificado.
Depois, o Tribunal terá de analisar o pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente.
Cumpre apreciar.
3.2. Importa começar por estabelecer o enquadramento legal da questão.
O n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, vigente em 2001, estabelecia o seguinte:
“Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua actividade, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: € 149 739,37;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99 759,58.”
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de dezembro, a norma passou a ter a redação seguinte:
“Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: € 149 739,37;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99 759,58.”
Depois, através da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, a redação da norma foi a seguinte:
“Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000.”.
Por fim, a referida norma foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, nos seguintes termos:
“Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.”
O artigo 28.º, n.º 3, do Código do IRS, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 211/2005, 7 de Dezembro, e que se manteve em vigor no período fiscal em questão nos autos (2015), diz o seguinte: “Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade”.
3.3. Resulta das normas acima citadas que os contribuintes da categoria B de IRS podem ficar sujeitos ao regime de contabilidade por opção ou por imposição legal. Tratam-se, em suma, de dois fundamentos juridicamente autónomos. Cada um desses fundamentos, por si só, determina a aplicação do regime da contabilidade organizada. Quando uma situação jurídica tem dois fundamentos autónomos o facto de deixar de subsistir um deles não obsta que a situação se mantenha com base no outro, porque cada um deles é suficiente para, por si só, lhe dar suporte jurídico.
3.4. Atendendo à factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., alíneas A), B) e C) do n.º 2.1. supra) verifica-se que o Requerente ficou sujeito ao regime de contabilidade organizada por opção manifestada em 2001 e, posteriormente, também por imposição legal, porque os rendimentos auferidos na categoria B foram superiores ao valor previsto no artigo 28.º, n.º 2, do Código do IRS. Assim, existiram dois fundamentos jurídicos para tornar aplicável ao Requerente o regime de contabilidade organizada.
Como o Requerente optou pelo regime de contabilidade organizada, consequentemente ficou afastada a aplicação do regime simplificado. Por outro lado, ficou provado que o Requerente não comunicou qualquer alteração do regime pelo qual se encontrava abrangido.
Tendo o contribuinte optado por ser tributado com base na contabilidade organizada não pode a Administração Tributária vir a enquadrá-lo automaticamente no regime simplificado de tributação, substituindo-se ao contribuinte nessa opção. Efetivamente, apenas o contribuinte pode optar por regime diferente, exceto quando estando enquadrado no regime simplificado exceder o montante de rendimentos antes indicado por dois períodos sucessivos, nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 6, do Código do IRS.
Em síntese, não existe norma legal que permita que a opção pelo regime de contabilidade organizada deixe de ter qualquer relevância, pelo facto de passar a ser obrigatória a aplicação desse regime face aos rendimentos anuais obtidos, desconsiderando-a quando estes voltem a ser inferiores ao limite de valor legal. (vd., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de maio de 2016, proferido no processo n.º 01536/15).
3.5. A este propósito o presente Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 262/2018-T ao afirmar:
“ (…) como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 11 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 01536/15, “tendo os contribuintes optado por serem tributados com base na sua contabilidade não pode a Administração Tributária vir a enquadrá-los no regime simplificado de tributação”. Como se refere no mesmo acórdão, “a Administração Tributária não podia ter-se substituído aos contribuintes nessa opção, porque não foi ultrapassado o período mínimo de permanência no regime escolhido, mas, sobretudo, porque apenas os sujeitos passivos podem optar por diverso regime, excepto quando estando enquadrados no regime simplificado excederem o montante de rendimentos antes indicado por dois períodos sucessivos – art.º 28.º, n.º 6 do CIRS”. A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, não alterou este regime, limitando-se, no que aqui interessa, a aumentar o valor de rendimentos a partir do qual é obrigatória a aplicação do regime de contabilidade organizada, não impondo a sua cessação. Como se refere naquele acórdão, “se a permanência no regime simplificado implica que os sujeitos passivos, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000, não há qualquer requisito específico quanto ao valor dos rendimentos auferidos para que os mesmos possam optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade”. Não existe qualquer disposição legal que permita concluir que a opção pelo regime de contabilidade organizada deixe de ter relevância, pelo facto de passar a ser obrigatória a aplicação desse regime.”
3.6. Pelo exposto, a liquidação impugnada ao assentar no pressuposto de que ao Requerente seria aplicável o regime simplificado enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.7. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.
A existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal constitui a condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios.
Verifica-se que o Requerente comprovou o pagamento integral do ato de liquidação (vd., alínea O) do n.º 2.1. supra).
No caso em apreço, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efetuou as liquidações. Nestes termos, o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força do ato anulado e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
4. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente a exceção de incompetência material invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2019..., de 07-01-2019, referente ao exercício de 2015, com as devidas consequências legais;
c) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;
d) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
5. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 6.418,35 (seis mil, quatrocentos e dezoito euros e trinta e cinco cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido considerado procedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 13 de janeiro de 2020.
O Árbitro
Olívio Mota Amador