DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. A..., titular do NIF..., e B..., titular do NIF..., ambos residentes na Rua ..., n.º...– ... Esquerdo, ...-... Lisboa, casados no regime de separação de bens, doravante designados por “Requerentes”, vieram, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 10.º, n.º 1. alínea a) e seguintes, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e com os fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do artigo 99.º do CPPT, apresentar pedido de pronúncia arbitral.
2. Os Requerentes pretendem a anulação dos seguintes atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS):
• liquidação n.º 2018..., de 30-11-2018, relativa a IRS de 2016, no valor de €6.528,58, e liquidação n.º 2018..., no valor de €42,57, relativa a juros, que originaram o Documento de cobrança n.º 2018..., com o valor de € 4.407,82;
• liquidação n.º 2019..., de 29-03-2019, relativa a IRS de 2016, no valor de €8.658,19 e liquidação de juros n.º 2019... no valor de €320,21, que originaram o Documento de cobrança 2019..., com o valor de € 2.129,61;
• liquidação n.º 2019..., de 29-03-2019, relativa a IRS de 2015, no valor de €16.693,16 e liquidação de juros n.º 2019... no valor de €142,34, que originaram o documento de cobrança com o número 2019..., com o valor de € 2.343,96.
3. Os Requerentes pedem ainda a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, relativas aos atos cuja anulação requer, acrescidas de juros indemnizatórios nos termos das disposições conjugadas dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, bem como juros de mora a que houver lugar, custas e no mais que resultar da lei.
4. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 16/04/2019.
6. A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 24/04/2019.
7. O signatário foi designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
8. Em 11/06/2019 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
9. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 02/07/2019.
10. Os Requerentes fundamentam o pedido de pronúncia arbitral nos seguintes termos:
a) Relativamente à liquidação com n.º 2018... datada de 30-11-2018 no valor de € 6.528,58 e liquidação de juros n.º 2018... no valor de € 42,57, a Direção de Finanças de Lisboa não enviou qualquer notificação aos Requerentes para estes exercerem o seu direito de audição, nem tão-pouco apresentou qualquer explicação ou fundamento para os valores indicados nas liquidações em apreço referentes ao ano de 2016;
b) Os Requerentes não sabem quais as contas que a AT fez, nem qual o racional para os valores apresentados, sabem, apenas, que os cálculos estavam errados, caso contrário não teria surgido a liquidação adicional no 2019...;
c) Foi, por isso, desrespeitado o disposto no artigo 60.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT), o qual prevê que "o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte";
d) E foi totalmente postergado o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito, o qual está expressamente consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que a liquidação em causa é nula;
e) Quanto às Liquidações nº 2019... e nº 2019..., ambas datadas de 29/03/2019, referentes a IRS de 2016 e 2015, respetivamente, foram precedidas do ofício ... de 23 de janeiro de 2019, cujo teor, segundo os Requerentes, mostra que a AT procurou abreviar o procedimento tributário, mas com atropelo da lei e lesão grave do direito fundamental dos contribuintes poderem participar na formação dos atos em matéria tributária que lhes digam respeito;
f) Qualquer procedimento tributário que ainda está na sua fase inicial para recolha de elementos e de instrução não pode conter convite aos SP para exercerem o direito de audição sobre um projeto de decisão que não existe, por falta dos seus elementos estruturantes;
g) Acresce que, ao abrigo do princípio do inquisitório, a AT "deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material", nada obstando, antes tudo assim aconselhando, que a AT tivesse requisitado informações à Câmara Municipal de Lisboa sobre as obras de reabilitação urbana realizadas pelos Requerentes no âmbito do processo camarário no .../... /2014, só no caso da edilidade não lhe ter remetido tais informações – o que não se concede tenha ocorrido – é que faria sentido o pedido de envio de documentos aos SP;
h) Antes de ter analisado quaisquer documentos e/ou requisitado confirmação oficial junto da autarquia lisboeta, a AT anunciou genericamente aquilo que já decorria da lei para eventualidade da situação não ser enquadrável no benefício fiscal concedido às obras de reabilitação urbana, o que não consubstancia uma real oportunidade concedida aos SP para se pronunciarem sobre um projeto de decisão (que tem ser devidamente fundamentado casuisticamente e não genericamente) de correções à sua matéria coletável em sede de IRS e de liquidações adicionais desse tributo;
i) Os Requerentes efetuaram obras de reabilitação num prédio que lhes pertence e, por isso, aos rendimentos prediais (auferidos nesse imóvel) seria aplicada uma taxa de 5% em sede de IRS;
j) Contudo, a AT entendeu que, no caso em apreço, não podia haver o Benefício Fiscal previsto no número 7 do artigo 71º do EBF por falta de apresentação de elementos (que lhe foram tempestivamente enviados) e, por isso, aplicou a taxa de 28% sobre os rendimentos prediais que obteve nos anos de 2015 e 2016, sem que fossem apreciados os documentos exibidos pelos Requerentes no âmbito do dever de colaboração e sem que a estes fosse entregue qualquer fundamentação para os atos de liquidação adicionais supra identificados;
k) Os Requerentes enviaram os elementos solicitados à AT através de correspondência que designaram por exercício do direito de audição;
l) Essa correspondência foi enviada a 08/02/2019 por meio de carta registada, com registo RH ... PT, tendo sido rececionada pela Direção de Finanças de Lisboa em 11/02/2019;
m) Porém, a AT desconsiderou esses documentos por, alegadamente, terem sido enviados fora de prazo;
n) Em 13 de Fevereiro de 2019 a DDF Lisboa proferiu a decisão;
o) Nessa decisão consta que o prazo para os Requerentes apresentarem os elementos e exercerem o seu direito de audição terminou no dia 11/02/2019;
p) De acordo com a notificação DFLISBOA..., de 23 de janeiro de 2019, os Requerentes podiam exercer o seu direito de audição: "(...) no prazo de 15 dias, contados continuamente a partir do 3.º dia útil posterior ao do registo, (...)";
q) A notificação DFLISBOA... foi feita por carta com o registo RH ... PT, datado de 23 de janeiro de 2019, pelo que o terceiro dia útil posterior ao do registo ocorria no dia 28 de janeiro de 2019;
r) Assim, o dies a quo do prazo para a prática do ato (apresentação dos elementos solicitados relativos às obras de reabilitação e eventual exercício do direito de audição) corresponde ao dia 29 de janeiro de 2019 e o dies ad quem (último dia do prazo perentório) só ocorreu no dia 12 de fevereiro de 2019;
s) Ainda que a AT pudesse considerar que os Sujeitos Passivos tinham sido notificados no dia 24 de janeiro de 2019 e que, portanto, não funcionaria a presunção legal, ainda assim o primeiro dia do prazo só ocorreria no dia 25 de janeiro de 2019 e o seu termo a 8 de fevereiro de 2019;
t) Os Requerente enviaram a sua correspondência por correio registado nesse mesmo dia 8 de fevereiro de 2019;
u) Por força da redação introduzida no n.º 2 do artigo 26.º do CPPT, para efeitos de procedimento tributário, a data relevante para a prática de ato (requerimentos ou petições) que sejam remetidos à AT por correio registado é a data deste registo que não a data da efetiva receção;
v) Este também tem sido o entendimento dominante da jurisprudência;
w) Os Requerentes praticaram o ato tempestivamente, pelo que as liquidações em causa que o desconsideram são manifestamente ilegais;
x) A Direção de Finanças de Lisboa estava obrigada a pronunciar-se sobre a prova fornecida pelos Sujeitos Passivos e não o fez, usando um fundamento que não corresponde à verdade, pelo que houve preterição de formalidade essencial do procedimento tributário que afeta a decisão que nele foi tomada (artigos 135.º e 136.º, n.º 2 do CPA);
y) A AT tem o dever de fundamentar os atos de liquidação ora impugnados de harmonia com o princípio plasmado no artigo 268.º da CRP e acolhido nos artigos 125.º do CPA e 77.º da LGT;
z) Em nenhuma das liquidações mencionadas supra foi apresentada uma explicação para os cálculos realizados pela Direção de Finanças de Lisboa, nem tão-pouco foi elaborada uma fundamentação completa e clara para que os Requerentes percebessem como é que se chegou ao montante total das liquidações adicionais em apreço.
11. A Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral com base nos seguintes argumentos:
a) A alegada preterição do direito de audição refere-se aos procedimentos anteriores à elaboração das declarações de rendimentos - modelo 3 nº ..., que originou a liquidação adicional de IRS do ano de 2015 nº 2019..., e declaração nº..., que gerou a liquidação adicional de IRS do ano de 2016 nº 2019...;
b) Relativamente à questão controvertida, verifica-se que foram selecionadas as declarações de rendimentos, modelo 3 de IRS, referentes aos anos de 2015 e 2016, para efeitos de análise e comprovação dos requisitos legais necessários para o enquadramento enquanto imóveis recuperados ou objeto de reabilitação, tendo em conta o preenchimento efetuado nos anexos F, quadros 7A (benefício fiscal previsto no artigo 712.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);
c) Resulta da consulta do processo administrativo que os ora Requerentes foram notificados da decisão final, pelo ofício nº..., de 23/04/2019, da Divisão de Liquidação do imposto sobre o rendimento e despesa, da Direção de Finanças de Lisboa, através de carta registada com aviso de receção (registo nº RH...PT), assinado em 24/04/2019;
d) Do mencionado ofício consta que: “A presente notificação anula e substitui a notificação feita através do n/ofício ... de 19/02/2019 (registo RH...PT) bem como a informação ali contida (.../2019 de 14/02/2019).”;
e) Na informação prestada no processo nº ...2019..., que fundamentou o despacho proferido, por delegação, em 21/03/2019 e notificado aos Requerentes pelo ofício nº..., de 23/04/2019, são expressamente referidos os documentos entregues, a sua análise e a conclusão de que os mesmos não são suficientes para provar o direito dos rendimentos ora em análise sejam tributados à taxa de 5%, nos termos do disposto no artigo 71º do EBF, tudo em sede de direito de audição;
f) Em sede de direito de audição foram recebidos os documentos fornecidos pelos requerentes e que constam do processo administrativo, sendo que, após a sua análise, face à inexistência da “Certidão de Obra de Reabilitação Urbana”, certidão esta que deverá ser passada pela Câmara Municipal de Lisboa e ao estipulado no artigo 71º do EBF, verificou-se que não estão reunidas as condições para, em sede de categoria F de IRS, dos anos de 2015 e 2016, as importâncias em questão, serem tributadas à taxa reduzida de 5%, sem prejuízo da liquidação considerar como válida a dedução das despesas efetuadas com as obras, nos termos do disposto no artigo 41º do CIRS;
g) Cabe aos Requerentes nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar que se verificaram os pressupostos para serem tributados os rendimentos, em sede de categoria F de IRS, dos anos de 2015 e 2016, com a taxa reduzida de 5% (artigo 71º do EBF), o que o não fizeram;
h) A fundamentação dos atos tributários visa permitir um conhecimento das razões que determinaram o órgão a atuar como atuou, de molde a permitir ao contribuinte optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação;
i) Considera-se que o ato se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos;
j) No caso concreto, o ato tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação dos Requerentes, bem como da entrega de documentos, quer no âmbito do processo do exercício do direito de audição, quer no presente pedido de pronúncia arbitral, revela que estes não tiveram dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato;
k) O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT, derivado da anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária;
l) O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade, mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais;
m) Entende a Requerida que, à data dos factos, fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, pelo que não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.
12. Por despacho de 14/10/2019, este Tribunal concedeu à Requerida o prazo de 10 dias para remeter ao tribunal arbitral cópia dos documentos referidos nos n.ºs 10 a 12 da sua Resposta, considerando que, apesar de aí remeter expressamente para o “processo administrativo junto”, os documentos mencionados não constam da cópia deste.
13. Em 15/10/2019, os Requerentes apresentaram reclamação, contestando que os documentos em causa, maxime o Ofício n.º..., de 23/04/2019, integrem o processo administrativo, embora não se opondo à junção do referido documento, sem prescindirem do exercício do contraditório sobre o conteúdo desse documento.
14. Em 15/10/2019, a Requerida veio requerer ao Tribunal a junção aos autos dos documentos referidos nos artigos 10.º a 12.º da Resposta que apresentou.
15. Em 16/10/2019, os Requerentes vieram exercer o contraditório quanto à força probatória do Ofício ... de 23/04/2019.
16. Por despacho de 22/10/2019, este Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade e da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e do princípio da limitação dos atos [artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT], tendo em conta que não foram suscitadas exceções, considerando a prova documental produzida e considerando a natureza dos factos cuja prova se pretende e das questões a decidir, decidiu admitir a junção aos autos do documento remetido pela Requerida ao tribunal na sequência do despacho arbitral de 14/10/2019, bem como do requerimento através do qual os Requerentes exerceram o respetivo contraditório, bem como dispensar a produção de prova testemunhal e a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
17. As Partes apresentaram alegações.
18. Nas suas alegações, a Requerente reproduz, no essencial, a argumentação expendida no pedido de pronúncia arbitral, aditando referências doutrinais e jurisprudenciais que, em seu entender, escoram essa argumentação.
19. A Requerida, em sede de alegações, mantém integralmente o teor da sua Resposta, o qual entende ser demonstrativo da inexistência de qualquer ilegalidade na tributação de IRS, objeto de contestação.
II – SANEADOR
20. Não foram suscitadas exceções.
21. A apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.
22. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
23. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.
III. MÉRITO
III. 1. MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
24. Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Os Requerentes submeteram as declarações de rendimentos, modelo 3, n.ºs ...-2015-... e ...-2016-......, referentes, respetivamente, aos anos de 2015 e 2016;
b) Os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS nº 2018..., relativa ao ano de 2016, datada de 30/11/2018, no valor de €6.528,58, e da liquidação relativa a juros n.º 2018..., no valor de €42,57 (documentos n.ºs 1 e 2 apresentados com o pedido de pronúncia arbitral);
c) As referidas liquidações não foram precedidas de qualquer notificação da AT nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (conforme afirmado pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral e não contestado pela Requerida);
d) As liquidações descritas supra deram origem ao documento de cobrança n.º 2018..., no valor de €4.407,82 (documento n.º 3 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
e) Em 04/01/2019, os Requerentes procederam ao pagamento integral do montante de €4.407,82 (documento n.º 4 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
f) A Requerida, através de carta com o registo RH...PT, de 23/01/2019, notificou os Requerentes do ofício DFLISBOA...de 23/01/2019 (cfr. processo administrativo), o qual se dá por integralmente reproduzido, e no qual se refere, designadamente, o seguinte:
g) Na sequência do mencionado ofício, os Requerentes enviaram, através de correio registado com o n.º RH...PT, de 08/02/2019, a exposição através da qual pretendiam exercer o direito de audição, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, juntamente com 16 documentos e procuração, tendo a mesma sido rececionada pela AT em 11/02/2019 (documento n.º 15 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
h) Os Requerentes foram notificados da decisão final, através do ofício DFLISBOA... de 19/02/2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (documento n.º 6 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
i) Na informação n.º.../2019, em que se baseou o despacho proferido, por delegação, em 14/02/2019 e notificado aos Requerentes através do supramencionado ofício DFLISBOA... de 19/02/2019 (documento n.º 6 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, refere-se, designadamente, que:
j) Os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS nº 2019..., relativa ao ano de 2016, datada de 29/03/2019, no valor de € 8.658,19, e da liquidação de juros n.º 2019... no valor de € 320,21 (documentos n.ºs 7 e 8 apresentados com o pedido de pronúncia arbitral);
k) As liquidações descritas na alínea anterior deram origem ao documento de cobrança n.º 2019..., no valor de €2.129,61 (documento n.º 9 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
l) Em 12/04/2019, os Requerentes procederam ao pagamento integral do montante de €2.129,61 (documento n.º 10 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
m) Os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS nº 2019..., relativa ao ano de 2015, datada de 29-03-2019, no valor de € 16.693,16, e da liquidação de juros n.º 2019... no valor de € 142,34 (documentos n.ºs 11 e 12 apresentados com o pedido de pronúncia arbitral);
n) As liquidações descritas na alínea anterior deram origem ao documento de cobrança n.º 2019..., no valor de €2.343,96 (documento n.º 13 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
o) Em 12/04/2019, os Requerentes procederam ao pagamento integral do montante de €2. 343,96 (documento n.º 14 apresentado com o pedido de pronúncia arbitral);
p) Em 15/04/2019, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;
q) Em 24/04/2019, a Requerida notificou os Requerentes, através de carta registada expedida sob o registo RH...PT endereçada ao seu mandatário, do Ofício DFLISBOA ... de 23/04/2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e que inclui a seguinte nota:
r) O referido Ofício DFLISBOA ... foi acompanhado de cópia do Parecer da Chefe de Divisão, datado de 20/03/2019, e do despacho proferido, por delegação, pela Diretora de Finanças Adjunta, em 21/03/2019, concordando com a Informação elaborada pelo Técnico da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa, com data de 19/03/2019, a qual se dá por integralmente reproduzida, e determinando que se procedesse conforme proposto – promovendo a correção das declarações de IRS dos anos de 2015 e 2016;
s) Na mencionada Informação, datada de 19/03/2019, afirma-se, designadamente, o seguinte:
§2. Factos não provados
25. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.
§3. Motivação quanto à matéria de facto
26. Cabe ao Tribunal selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
27. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
28. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
§1. Questões decidendas
29. No presente processo arbitral está em causa saber se as liquidações adicionais contestadas, melhor identificadas supra, padecem, ou não, de vício de forma por preterição de formalidades essenciais, em virtude da postergação do direito de audição ou da violação do dever de fundamentação.
30. O artigo 60.º da Lei Geral Tributária, que consagra o princípio da participação, tem a seguinte redação:
“Princípio da participação
1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”
31. Também o artigo 45.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) prevê o direito de participação do contribuinte na formação da decisão, nos seguintes termos:
“Contraditório
1 - O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão.
2 - O contribuinte é ouvido oralmente ou por escrito, conforme o objectivo do procedimento.
3 - No caso de audiência oral, as declarações do contribuinte serão reduzidas a termo”.
32. Os referidos preceitos estão em sintonia com o disposto no artigo 12.º Código do Procedimento Administrativo (CPA), que prevê o seguinte:
“Princípio da participação
Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código”.
33. O artigo 121.º do CPA prevê expressamente o direito de audiência prévia, nos seguintes termos:
“Direito de audiência prévia
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2 - No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.
3 - A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos”.
34. O artigo 122.º do CPA contém as regras referentes à notificação para a audiência, determinando, no seu n.º 2, que “[a] notificação fornece o projeto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado”.
35. Todos estes preceitos legais concretizam a garantia constitucional da participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações administrativas, prevista no artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, cuja redação é a seguinte:
“5. O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.
36. Quanto ao dever de fundamentação, o artigo 77.º da LGT dispõe, nos seus números 1 e 2, o seguinte:
“Fundamentação e eficácia
1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
[…]”
37. O dever de fundamentação tem também consagração no artigo 152.º do CPA, nos seguintes termos:
“Dever de fundamentação
1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
2 - Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal”.
38. O artigo 153.º do CPA prevê os requisitos da fundamentação, com a seguinte redação:
“Requisitos da fundamentação
1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados”.
39. Estes preceitos legais concretizam o direito à fundamentação expressa e acessível dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, previsto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, cujo texto é a seguinte:
“3. Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
40. Considerando a factualidade dada como provada, o tribunal deverá decidir, com base nas normas mencionadas supra, se, no caso sub judice, foram, ou não, preteridas formalidades essenciais que afetem as liquidações adicionais contestadas.
41. Em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, há que decidir, ainda, se os Requerentes têm direito ao reembolso dos montantes de imposto pagos acrescidos de juros indemnizatórios.
§2. Aplicação do direito ao caso sub judice
A) Liquidação n.º 2018..., de 30-11-2018, relativa a IRS de 2016, e a liquidação n.º 2018..., relativa a juros
42. Não tendo a liquidação n.º 2018..., de 30/11/2018, relativa a IRS de 2016, sido precedida de qualquer notificação da AT nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, conclui-se que os Requerentes ficaram impedidos de exercer o seu direito de participação.
43. Com efeito, o artigo 60.º da LGT prevê o direito de os contribuintes serem ouvidos antes da liquidação [alínea a), do n.º 1], no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte [n.º 3], devendo a AT comunicar-lhes o projeto da decisão e sua fundamentação [n.º 5], o que, no caso vertente, não sucedeu.
44. E não se verifica qualquer das situações previstas na lei que permitem dispensar o direito de audição, designadamente as enunciadas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 60.º da LGT.
45. No caso sub judice, os Requerentes foram surpreendidos com a liquidação mencionada supra (n.º 42), sem terem tido a oportunidade de serem ouvidos e sem lhes terem sido dados a conhecer, mesmo que sumariamente, os fundamentos da mesma.
46. Deste modo, estamos perante a postergação do direito de audição, enquanto expressão do direito de participação (previsto no artigo 60.º da LGT, no artigo 45.º do CPPT, no artigo 121.º e 122.º do CPA e no artigo 267.º, n.º 5, da CRP), e do princípio da participação (artigo 12.º do CPA), e a violação do dever de fundamentação (consagrado no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT e nos artigos 152.º e 153.º do CPA e no artigo 268.º, n.º 3, da CRP), o que configura a preterição de formalidades essenciais e determina, consequentemente, a invalidade (anulabilidade) do ato de liquidação contestado (artigo 163.º, n.º 1, do CPA).
47. Conforme é referido no Acórdão do TCAS, de 24/02/2016, proferido no proc. 12747/15, “[a] preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode degradar-se em formalidade não essencial, e assim destituída de efeito invalidante, se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente. Ónus esse de alegação e de prova que recai sobre a Administração”.
48. E sendo inválida a liquidação n.º 2018..., também o é, consequentemente, a liquidação n.º 2018..., relativa a juros, pelo que é inexigível a importância de € 4.407,82, constante do Documento de cobrança n.º 2018... .
B) Liquidação n.º 2019..., de 29-03-2019, relativa a IRS de 2016, e liquidação de juros n.º 2019..., e a liquidação n.º 2019..., de 29-03-2019, relativa a IRS de 2015, e liquidação de juros n.º 2019...
49. A Requerida notificou os Requerentes do ofício DFLISBOA...de 23/01/2019, no qual informam os Requerentes que podem pronunciar-se sobre o teor dos atos notificados “no prazo de 15 dias, contados continuamente a partir do 3.º dia útil posterior ao do registo”.
50. Na sequência desse ofício, os Requerentes enviaram, em 08/02/2019, a exposição através da qual pretendiam exercer o direito de audição.
51. Contudo, de acordo com o teor da informação n.º .../2019, em que se baseou o despacho proferido, por delegação, em 14/02/2019 e notificado aos Requerentes através do ofício DFLISBOA..., de 19/02/2019, foi entendimento da AT que o prazo para o exercício do direito de audição prévia já tinha decorrido, tendo terminado no dia 11/02/2019, “sem que os notificandos viessem aos autos exercer o seu direito de audição”, o que conduziu à decisão final, notificada aos Requerentes em 19/02/2019.
52. Estamos, manifestamente, perante um erro dos serviços, uma vez que a exposição através da qual os Requerentes pretendiam exercer o direito de audição deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa no dia 11/02/2019, ou seja, dentro do prazo que os Requerentes dispunham para o efeito.
53. Argumenta a Requerida que a notificação datada de 24/04/2019, através da carta com o registo RH...PT, do Ofício DFLISBOA ... de 23/04/2019, acompanhada da Informação com data de 19/03/2019, anula e substitui a notificação feita através do ofício DFLISBOA..., de 14/02/2019, bem como a informação aí contida.
54. Deste modo, a AT pretendeu apresentar uma nova fundamentação para as liquidações adicionais, datadas de 29/03/2019, que já haviam sido notificadas aos Requerentes, tendo estes já procedido aos pagamentos respetivos (em 12/04/2019).
55. A referida notificação, datada de 24/04/2019, acontece, portanto, em data posterior às liquidações adicionais que pretendem fundamentar, em data posterior aos pagamentos efetuados pelos Requerentes, e em data posterior à da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral (15/04/2019), que originou o presente processo.
56. Na informação que foi dada a conhecer aos Requerentes em 24/04/2019, a AT sustenta que, em sede de direito de audição, foram recebidos e analisados os documentos fornecidos pelos Requerentes, e que, perante a inexistência da “Certidão de Obra de Reabilitação Urbana”, concluiu que não estavam reunidas as condições para, em sede de categoria F de IRS, dos anos de 2015 e 2016, as importâncias em questão, serem tributadas à taxa reduzida de 5%, sem prejuízo da liquidação considerar como válida a dedução das despesas efetuadas com as obras, nos termos do disposto no artigo 41º do CIRS.
57. O Ofício DFLISBOA ... de 23/04/2019 (e notificado aos Requerentes em 24/04/2019) contem uma breve nota na qual se refere que “[a] presente notificação anula e substitui a notificação feita através do n/ ofício ... de 19/02/2019 (registo RH...PT) bem como a informação ali contida (.../2019 de 14/02/2019)”.
58. Todavia, nenhuma referência é feita, no conteúdo da “decisão final”, à anulação e substituição de atos anteriores.
59. Aliás, nenhuma das liquidações contestadas no presente processo foi anulada ou substituída por outra, nem os Requerentes foram reembolsados dos montantes que já haviam pago.
60. Do que se trata é, portanto, da pretensão de substituição de uma fundamentação por outra, já depois de terem sido praticados os atos a cuja fundamentação respeita, depois de terem sido feitos os pagamentos respetivos e depois de os Requerentes terem apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral.
61. Estamos, portanto, perante um caso de fundamentação sucessiva ou a posteriori.
62. De acordo com J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “[o] sentido jurídico-constitucional do dever de fundamentação aponta inequivocamente para a contextualização da fundamentação; ela deve ser parte da decisão administrativa (e não elaborada a posteriori) e deve ser notificada juntamente com ela, independentemente do pedido do interessado” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 827).
63. Conforme escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “[a] fundamentação sucessiva ou a posteriori não é admissível, em regra”, acrescentando que, por isso, “a fundamentação ou a remissão para documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio acto e serem contemporâneas dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto fundamentos invocados posteriormente”, e que “[d]a mesma forma, não pode o autor do acto, após a sua prática, justifica-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa” (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, 2012, p. 678).
64. Como referem os mesmos autores, “só se poderá aceitar a fundamentação sucessiva se, por um lado, os elementos nela invocados não forem posteriores à prática do acto e não sejam elementos que não tenham sido considerados pelo seu autor ao praticá-lo e, por outro lado, se essa fundamentação é levada ao conhecimento dos destinatários a tempo de não prejudicar o seu direito de impugnação contenciosa” (ibidem; cfr., no mesmo sentido, o Acórdão do STA de 07/11/2001, proferido no processo n.º 038983).
65. No caso sub judice, ocorre uma alteração da fundamentação dos atos contestados no decurso do processo, mas sem que os mesmos tenham sido anulados.
66. Como bem refere a Requerida na sua resposta (art. 20.º), “a fundamentação dos atos tributários visa permitir um conhecimento das razões que determinaram o órgão a atuar como atuou, de molde a permitir ao contribuinte optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação”.
67. Compreende-se, assim, que não seja de admitir a alteração da fundamentação em momento posterior ao do exercício do direito de impugnação.
68. Conforme tem sido afirmado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a fundamentação “tem de constar do próprio acto e ser dele contemporânea, não assumindo, portanto, relevância a fundamentação a posteriori …” (Acórdão do STA de 09/09/2015, proferido no âmbito do processo nº 01173/14), pelo que esta fundamentação deve ser desconsiderada pelo tribunal.
69. No mesmo sentido, entendeu o STA, no seu Acórdão de 27/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 043/16, que no contencioso de mera legalidade “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência de meio impugnatório”.
70. Pelas razões expostas, entende este tribunal desconsiderar a fundamentação a posteriori contida na Informação com data de 19/03/2019, dada a conhecer aos Requerentes em 24/04/2019, juntamente com o Ofício DFLISBOA ... de 23/04/2019.
71. E, portanto, deve ser considerada a fundamentação constante da Informação .../2019 de 14/02/2019, que foi dada a conhecer aos Requerentes juntamente com a decisão final, notificada através do ofício ... de 19/02/2019 (registo RH...PT).
72. Essa fundamentação revela a desconsideração, na fundamentação da decisão final, dos elementos submetidos pelos sujeitos passivos em sede de audiência prévia, em violação do disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT.
73. E não se verifica nenhuma das situações tipificadas na lei que permitem dispensar a audiência prévia (artigo 60.º, n.ºs 2 e 3 da LGT).
74. Assim sendo, estamos perante a preterição de uma formalidade legal que tem como consequência a anulabilidade da decisão e dos atos consequentes.
75. Segundo o entendimento do STA expresso no seu Acórdão de 25/06/2015, proferido no processo n.º 01391/14, “[d]estinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão, a menos que seja inequívoco que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso, se impunha aproveitá-la pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo”.
76. No mesmo Acórdão, o STA sustenta que “[a] possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente”, e que “[p]ara a formulação do juízo de prognose póstuma, no âmbito de aplicação do princípio do aproveitamento do acto tributário, é irrelevante a procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial”.
77. Dito de outro modo, “a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso” (Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 22 de janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13).
78. Ainda de acordo com a jurisprudência do STA, “[n]ão será pelos fundamentos invocados em sede de impugnação contenciosa do acto que se poderá aferir da relevância ou não do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, mas antes pela sua susceptibilidade de influir sobre o conteúdo decisório do acto, motivo por que aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciada pela intervenção do interessado”, e, na medida em que tem que ser feito um juízo a posteriori, “este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pela improcedência dos demais vícios (para além da preterição do direito de audiência) invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do direito de participação e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição desse direito» (Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 15 de outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13).
79. Ora, no caso sub judice, não é possível concluir, sem margem para dúvidas, pela irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do ato, pelo que não existe fundamento para que a formalidade em causa (essencial) possa ser degradada em não essencial (não invalidante da decisão).
80. Pelas razões expostas, conclui-se que a desconsideração, na fundamentação da decisão final, dos elementos submetidos pelos sujeitos passivos em sede de audiência prévia, em violação do disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, configura a preterição de formalidade essencial que tem como consequência a invalidade da decisão e dos atos consequentes (artigo 163.º, n.º 1, do CPA).
81. Portanto, são inválidas (anuláveis) a liquidação n.º 2019..., de 29/03/2019, relativa a IRS de 2016, a liquidação de juros n.º 2019..., a liquidação n.º 2019..., de 29/03/2019, relativa a IRS de 2015, e a liquidação de juros n.º 2019... .
82. E sendo estas liquidações inválidas, são inexigíveis as importâncias de €2.129,61 e de €2.343,96, constantes, respetivamente, dos Documentos de cobrança n.º 2019... e n.º 2019... .
C) Reembolso dos montantes de imposto pagos e juros indemnizatórios
83. De acordo com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT, “[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários […] [r]estabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
84. Esta norma do RJAT é coerente com a previsão contida no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, cujo texto é o seguinte:
“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
85. Quanto à possibilidade de o tribunal arbitral reconhecer o direito a juros indemnizatórios, prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
86. E, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
87. Face à total procedência do pedido de pronúncia arbitral, e tendo ficado provado que os Requerentes procederam ao pagamento integral dos montantes indicados nos documentos de cobrança emitidos na sequência das liquidações contestadas, reconhece-se aos Requerentes o direito ao reembolsado desses montantes de imposto indevidamente pagos, uma vez que tal reembolso é essencial para o restabelecimento da situação que existiria se os atos tributários objeto da presente decisão arbitral não tivessem sido praticados.
88. Este tribunal reconhece, igualmente, que a ilegalidade das liquidações em causa nos presentes autos resultou de erros imputáveis aos serviços da Administração Tributária, em virtude da preterição de formalidades essenciais no procedimento que conduziu às liquidações contestadas.
89. Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até ao integral reembolso, por aplicação da taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
IV – DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Declarar ilegal e anular, com todas as consequências legais, os seguintes atos de liquidação: liquidação n.º 2018..., relativa a IRS de 2016; liquidação n.º 2018..., relativa a juros; liquidação n.º 2019..., relativa a IRS de 2016; liquidação de juros n.º 2019...; liquidação n.º 2019..., relativa a IRS de 2015; liquidação de juros n.º 2019...;
c) Julgar procedente o pedido de reembolso dos montantes de imposto pagos indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento até integral reembolso, tudo conforme for apurado em sede de execução de sentença, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar tal reembolso acrescido de juros;
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
V- VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.881,39.
VI – CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Como se referiu, o erro que afeta as liquidações impugnadas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que é esta a responsável pelo pagamento da totalidade das custas.
Notifique-se.
Lisboa, 19/12/2019
O Árbitro
(Paulo Nogueira da Costa)