Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Isaque Marcos Ramos e Raquel Franco (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 20 de março de 2019, A..., Lda., com o NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ...-..., ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2016..., da liquidação adicional n.º 2015..., referente a IRC de 2011, e correspondente ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2015..., no montante total de € 125.808,93.
2. A Requerente tinha apresentado uma impugnação judicial contra os mesmos atos em julho de 2016, a qual correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria sob o número .../2016...BELRA.
3. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, a Requerente apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria um pedido de extinção da instância judicial e, dentro do prazo previsto no mesmo normativo, requereu a constituição de tribunal arbitral para apreciação das mesmas pretensões formuladas naqueloutro processo de impugnação judicial.
4. Assim, consideram-se reunidas as condições previstas no Decreto-Lei n.º 81/2018 para que o processo transite para o CAAD e aqui seja apreciado nos termos do RJAT e legislação subsidiária.
5. O pedido da Requerente tem os seguintes fundamentos:
(i) os actos de liquidação padecem de falta de fundamentação;
(ii) houve preterição de formalidade legal essencial;
(iii) não se encontram verificados os requisitos para aplicação das regras de preços de transferência;
(iv) a diferença entre os custos de aquisição da matéria-prima, suportados pela B... Internacional, e o valor que esta fatura à Requerente, é inequivocamente justificado pelo facto de o produto adquirido pela Requerente à B... Internacional ser distinto do produto por este (B... Internacional) adquirido aos seus fornecedores;
(v) os preços praticados pela B... Internacional à Requerente são insuscetíveis de serem comparados com os preços pagos pela B... Internacional aos seus fornecedores;
(vi) as liquidações de juros compensatórios padecem de ilegalidade; e
(vii) são devidos juros indemnizatórios;
(viii) como tal, o despacho do Senhor Chefe de Divisão de Direção de Finanças de ..., de 18 de Maio de 2016, padece de ilegalidade.
6. No dia 19-03-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
8. Em 10-05-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
9. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 29-05-2019.
10. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta no dia 03-07-2019, tendo junto o processo administrativo.
Em síntese, alega que:
a) Entre a Requerente e o seu fornecedor B... Internacional (com sede na Irlanda) existem relações especiais, nos termos do artigo 63.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRC, atendendo a que ambas são detidas, em 99%, pela mesma entidade, a C..., sedeada no ... (Casa-Mãe).
b) Entende a AT que, se a Requerente tivesse adquirido as mercadorias necessárias à prossecução da sua atividade a outros fornecedores independentes, com os quais não tinha relações especiais, veria os seus custos diminuídos, tendo, neste âmbito, procedido aos correspondentes ajustamentos, por força da aplicação das regras de preços de transferência. De acordo com a AT, se as mercadorias em causa tivessem sido adquiridas diretamente aos fornecedores que as produzem, a Requerente suportaria um custo de €.217.410,57, o que, em termos fiscais, significa que a Requerente deixaria de ter um prejuízo fiscal declarado de €.23.507,51 para passar a ter um lucro tributável de €.449.066,69.
A Requerente não logra demonstrar que a campanha de Natal de 2011 faturada pela B... inclui, para além da componente gráfica ou material, também os direitos de autor detidos pela Casa-Mãe e destinados a custear as atividades por esta desenvolvidas no apoio aos artistas pintores com a boca e o pé, demonstração esta que resulta exigível sobretudo em face do seguinte:
- Na campanha de primavera de 2011 os mesmos bens foram obtidos diretamente aos seus fornecedores franceses e alemães, sem a intermediação da B...;
- A detentora dos direitos de autor dos artistas, para quem reverte a receita destinada a custear as atividades de apoio aos mesmos, é a Casa-Mãe, inexistindo qualquer matéria de facto alegada pela Requerente ou qualquer prova documental apresentada que seja suscetível de demonstrar que a posição da B... no Grupo lhe confere legitimidade para cobrar os direitos de autor detidos pela Casa-Mãe;
- Os descritivos das faturas referentes à campanha de primavera de 2011 e de Natal de 2011 são idênticos, embora as importâncias manifestamente discrepantes entre si.
11. Ao abrigo do disposto nas alíneas. c) e e) do artigo 16.º, e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. O Tribunal notificou ainda as Partes de que entendia já estar reunida no processo prova suficiente para a boa decisão da causa e que, nesse sentido, se afigurava inútil a realização da inquirição de testemunhas.
12. No dia 29/07/2019, a Requerente apresentou um requerimento em que defendia a necessidade de realização da prova testemunhal e, subsidiariamente, um pedido de aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo n.º 75/2016-T.
13. O pedido da Requerente de realização da inquirição de testemunhas foi deferido e marcada data para a diligência, mas, através de requerimento datado de 15/10/2019, a Requerente veio informar o Tribunal de que uma das testemunhas não poderia comparecer, pedindo o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 75/2016-T quanto a essa e a realização de inquirição neste processo apenas quanto à testemunha I... .
14. Através de despachos proferido a 31/10/2019 e a 18/11/2019, o Tribunal deferiu o pedido de aproveitamento da prova produzida no processo 75/2016-T e cancelou a data para realização da inquirição de testemunhas por entender que a prova produzida neste processo e naqueloutro seria suficiente.
15. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
16. Foi prorrogado o prazo para prolação da decisão arbitral por dois meses, ou seja, até ao dia 20.01.2020.
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
A. A Requerente encontra-se cadastrada como desenvolvendo A “ATIVIDADES DE PREPARAÇÃO DA IMPRESSÃO E DE PRODUTOS" com o CAE 018130;
B. Está enquadrada em IRC no regime geral de tributação e em IVA no regime normal mensal;
C. O capital social da Requerente é de € 24.939,89 e corresponde à soma das seguintes quotas:
• C…”, com uma quota de €.24.690,50;
• D... (NIF:...) com uma quota de € 249,40;
D. A sociedade B... é uma sociedade por quotas, sediada na Irlanda, sendo o seu capital detido em 99,99% pela C...;
E. A A..., Lda. e a B... Internacional são ambas detidas pela mesma entidade – a C...;
F. A Requerente tem por objeto social a importação, exportação e comercialização de produtos gráficos, designadamente de pinturas, brochuras, calendários e cartões, concebidos e executados por artistas deficientes manuais e outros, através do sistema de venda direta ao domicílio;
G. A atividade da Requerente consiste no envio, a um conjunto de entidades, potenciais clientes, particulares ou pessoas coletivas, de uma gama de artigos acompanhados de um folheto explicativo, em que é apresentado o objetivo da sociedade, que é o de promover a venda de artigos onde estão reproduzidos quadros originais pintados por artistas, com a boca ou com os pés;
H. Entre os artigos enviados pela Requerente aos potenciais clientes incluem-se calendários, postais de Natal, cartões de prendas, cartões de condolências, bloco-notas, agendas, papel de embrulho, entre outros. É também enviado aos potenciais clientes um folheto onde, para além do preço dos artigos enviados, se apresentam as formas de pagamento possíveis;
I. As pessoas ou entidades que recebem as coleções de artigos podem optar por adquiri-los, ou não, e podem ainda encomendar outros artigos. As coleções de artigos são enviadas para todos os que constem da base de dados que a sociedade adquire para o efeito;
J. Nos exercícios de 2011 e 2012, foram realizados, pela Requerente, pagamentos e transferências transfronteiriços destinados a entidades fornecedoras sediadas em regiões com regime tributário privilegiado, comunicados à AT através de declaração modelo 38 – Declaração de Transferências Transfronteiriças;
K. A análise à conta “31 - compras” da contabilidade da Requerente no ano de 2011 permite verificar que mais de 50% do valor de compras está contabilizado na subconta “311320111 - compras de mercadorias à Irlanda”, mais precisamente ao fornecedor B... INTERNATIONAL, IE …, com sede em …, …, …;
L. Através da análise à contabilidade de 2011 verifica-se que os artigos adquiridos pela A... para a campanha da Primavera de 2011 foram fornecidos e faturados diretamente à A... pelos mesmos fornecedores que remeteram a mercadoria para as campanhas seguintes, mas para as quais a A... suporta as aquisições com faturas da B... Internacional;
M. Para além da componente material, como sejam os calendários, envelopes, postais, etc., os produtos comercializados pela Requerente contêm elementos de natureza incorpórea relacionados com os direitos de autor dos artistas cujas obras são reproduzidas;
N. A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva efetuada ao abrigo da ordem de Serviço OI2014..., destinada a verificar, a partir da informação constante da declaração modelo 38, a justificação das operações subjacentes às transferências transfronteiras ordenadas a instituições financeiras durante o ano de 2011 e cujo destinatário fosse uma entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada;
O. Ao abrigo dos artigos 7.º, 15.º, 16.º e 25.º a 27.º do Regulamento EU 904/2010 a AT solicitou elementos à Administração Fiscal da Irlanda, relativos ao sujeito passivo B... Internacional, IE..., para os anos de 2011 e 2012, nomeadamente:
a. titularidade do capital social;
b. cópia das faturas de aquisição das mercadorias faturadas à A... DocBaseV/0 7 / 20 21.1.11;
P. A resposta remetida pelas autoridades fiscais irlandesas informa que:
a. nos anos de 2011 e 2012 a empresa C... com sede no Liechtenstein detinha 99,99% do capital social da B... Internacional, IE...;
b. a B... Internacional, IE ... é uma filial da empresa mãe sedeada no Liechtenstein denominada “C...”, empresa esta que trabalha com artistas com deficiência que pintam com a boca e os pés;
c. cada filial trabalha com um grupo de países (a B... Internacional, IE ... trabalha com a República Checa, Hungria, Itália, Polónia, Portugal, Eslováquia e Eslovénia);
d. as pinturas são fornecidas pela empresa mãe C..., que cobra uma licença de acordo com as vendas, à sociedade B... Internacional, IE..., que por sua vez as fornece aos países com os quais trabalha;
e. a A...; Lda., NIPC: ...faz as encomendas à B... Internacional, IE..., esta adquire as mercadorias aos fornecedores (E... DE...; F... GmbH DE ...; G... FR ...), que as expedem diretamente para Portugal;
f. A informação remetida pelas autoridades fiscais da Irlanda define a B... Internacional como uma sociedade por quotas, sediada na Irlanda, mais precisamente em ..., ..., ..., sendo que 99,99% do seu capital é detido pela entidade C... do Liechtenstein;
Q. No exercício de 2011 a sociedade B... Internacional faturou à A... mercadorias, conforme faturas contabilizadas, representando cerca de 60% e 67,5% do valor global do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas;
R. A Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2011, foi entregue no prazo legal previsto, tendo sido declarado um prejuízo fiscal de €.23.507,51;
S. A 25 de Março de 2015 foi enviada uma notificação ao sujeito passivo para que este, nos termos do artigo 63.º do CIRC e da Portaria 1446-C/2001 de 21 de Dezembro, provasse que o preço pago ao fornecedor B... Internacional IE...U nas faturas por este emitidas nos anos de 2011 e 2012, corresponde ao preço que seria aceite e praticado entre entidades independentes em operações idênticas, nos termos da legislação mencionada;
T. A 24 de Abril de 2015 foi recebida resposta do sujeito passivo à notificação (registo...), na qual resumidamente justifica:
a. a exponente exerce a atividade de importação, exportação e comercialização de produtos gráficos, concebidos por artistas deficientes, através da venda direta ao público;
b. nos exercícios de 2011 e 2012 o seu capital era detido maioritariamente pela B... Internacional, sociedade residente na Irlanda que abreviadamente designa por Casa Mãe;
c. nos exercícios de 2011 e 2012 a exponente fez pagamentos à Casa Mãe pelo fornecimento dos produtos gráficos comercializados;
d. este valor pago corresponde à aquisição dos produtos gráficos comercializados que integra imagens executadas por deficientes manuais;
U. A Requerente foi notificada do projeto de correções, por carta registada (RF ... PT), e para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição;
V. A Requerente não exerceu o seu direito de audição;
W. A Requerente foi notificada do relatório final, e posteriormente, da liquidação adicional n.º 2014..., bem como a demonstração da liquidação de juros compensatórios e acerto de contas.
X. Em 16 de outubro de 2015 a Requerente pagou €.125.808,93 liquidados a título de IRC e €.13.830,14 liquidados a título de juros compensatórios.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão e tendo em conta toda a prova produzida, não se consideram provados os seguintes factos alegados:
1. Qual o valor das quantias pagas pela Requerente à B... INTERNATIONAL que correspondem ao valor dos direitos de utilização das imagens e outros materiais provenientes da Casa-Mãe;
2. Que existe um acordo de partilha de custos entre a Requerente, a B... INTERNATIONAL e a Casa-Mãe, e qual o seu teor. Efetivamente, na audiência de 15 de Novembro de 2016 a Testemunha arrolada pela Requerente confirmou que não tem acesso ao contrato de licença firmado com a B... INTERNATIONAL, não lhe competindo, por isso, verificar se o custo unitário das coleções encomendadas pela Requerente à B... INTERNATIONAL corresponde, ou não, a uma aferição objetiva do valor das obras que compõem as coleções.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida no processo n.º 75/2016-T e aqui aproveitada, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
B.1. Questões a decidir
Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (cfr. artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (cfr. artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).
Neste sentido começar-se-á por apreciar o vício de violação de lei.
B.2. Apreciação
Começar-se-á por referir que o itinerário cognoscitivo seguido pela Requerida na promoção das correcções efectuadas encontra-se bem descrito no relatório de Inspecção, em particular nas págs. 15 e segs.
Com particular interesse para a decisão em apreço, escreveu-se ali, e citamos:
Dessa análise, conclui a Requerida: “(…) pelo facto da faturação dos artigos gráficos passar pela empresa irlandesa B... Internacional, a A... para por cada conjunto da Primavera € 1,105, quando se estes artigos lhe fossem facturados directamente pelos fornecedores pagaria apenas € 0,27698 pelo mesmo conjunto (…)” – cfr. Relatório de Inspecção, pág. 17.
E conclui (pág. 22):
É precisamente com base neste entendimento que promove as correcções aqui em crise nos termos seguintes.
Vejamos o normativo aplicável.
Nos termos do artigo 63.º do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos:
“Artigo 63.º
Preços de transferência
“1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.
3 — Os métodos utilizados devem ser:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
4 — Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;
d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;
e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;
f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;
g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:
1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra;
2) O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;
3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;
4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra;
5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional.
h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
5 — Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indirecta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não haja regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.
6 — O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.
7 — O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 121.º, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:
a) Identificar as entidades em causa;
b) Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;
c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.
8 — Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância.
9 — Nas operações realizadas entre entidade não residente e um seu estabelecimento estável situado em território português, ou entre este e outros estabelecimentos estáveis daquela situados fora deste território, aplicam-se as regras constantes dos números anteriores.
10 — O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral de IRC.
11 — Quando a Direcção-Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.
12 — Pode a Direcção-Geral dos Impostos proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstos.
13 — A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças.”
Por outro lado, nos termos do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de Dezembro:
“1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptívies de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.
4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.
5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.”
Adicionalmente, nos artigos 5.º a 10.º da Portaria a que nos vimos referindo, desenvolve o legislador os diferentes métodos.
Com relevância para a matéria que nos ocupa, invoque-se, ainda o n.º 3 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária que impõe deveres especiais de fundamentação, nos casos em que há lugar, como no presente, a correcções em sede de Preços de Transferência.
Nos termos do referido preceito:
3 – Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) descrição das relações especiais;
b) indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados suscetíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
d) quantificação dos respetivos efeitos.
Tal preceito que, de resto, já constava do artigo 80.º do Código de Processo Tributário, “mostra bem as precauções com que o legislador rodeou tais correcções à matéria colectável com uma disposição expressa, atinente à fundamentação (…) procurando reduzir, ao mínimo, a possibilidade de (…) se operar um poder quase discricionário da Administração” – cfr. Sá Gomes, “As garantias dos contribuintes”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 371, Lisboa, págs. 127 e segs.
Subsumindo o normativo acima referido aos autos e tendo em conta os elementos probatórios carreados para o processo, conclui-se que, no exercício aqui em causa, como alega a Requerida, a sociedade B... Internacional, com sede na Irlanda, centralizou, no exercício de 2011, do ponto de vista económico, os fornecimentos necessários à produção dos bens que foram vendidos pela Requerente (e.g. calendários, envelopes, postais de Natal, papel de embrulho).
Ficou também claro da análise levada a efeito pela AT no Relatório de Inspecção que a aquisição, por parte da Requerente desses bens directamente aos fornecedores, teria permitido diminuir significativamente a rúbrica de CMVM.
Há, porém, um elemento relevante que a AT não considerou e que assume importância decisiva no caso em apreço: é que, como alega a Requerente e a AT não contesta, o “produto final” comercializado pela Requerida, incorpora outros elementos, nomeadamente de natureza incorpórea, fundamentalmente relacionados com os direitos de autor dos artistas.
Neste sentido, a simples comparação entre o custo em que a Requerente incorreria com a aquisição, junto de fornecedores independentes, dos inputs de natureza material necessários para a produção dos bens que comercializa, com o custo efectivamente suportado com a aquisição desses produtos à B... Internacional é insuficiente. Na verdade, seria necessário um exercício adicional de avaliação da componente de natureza imaterial incorporada nos produtos.
Como se escreveu na já citada Decisão Arbitral n.º 75/2016-T (Baeta de Queirós) em que estava em causa a mesma correcção relativa ao ano de 2012 e que se acompanha de perto por não merecer censura, este exercício não é suficiente.
Com efeito, os pagamentos efectuados pela Requerente à sociedade B... Internacional, com sede na Irlanda, não constituem apenas a contrapartida pela aquisição dos materiais que aquela faz aos diversos fornecedores dos inputs de natureza material, nomeadamente às sociedades F... GmbH, G... ou H... .
Na verdade, ficou demonstrado que os produtos comercializados pela Requerente incorporam um conjunto diversos de outros custos, nomeadamente os de natureza incorpórea, como sejam os direitos de autor das obras reproduzidas, pelo que é de esperar, do ponto de vista económico, esse custo seja repercutido pela entidade que os suporta na facturação que emite às diversas entidades do Grupo, nomeadamente à B... Internacional e desta para a Requerente.
Como se decidiu na Decisão arbitral que vimos acompanhando:
“14. O elemento incorpóreo é o elemento essencial dos produtos vendidos pela Requerente, não se compreendendo, assim, a desconsideração, pela AT, do custo que lhe está implícito, na comparação que fez.
15. Compreender-se-ia que a AT, recusando legitimamente a declaração da Requerente, tivesse optado por qualquer dos métodos de determinação dos preços de transferência que lhe são proporcionados pela conjugação do artigo 63.º do Código do IRC e da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.
16. Não se compreende que, no exercício legítimo do seu poder de corrigir essa declaração, e em vez de explorar adequadamente os métodos que estão previstos nos arts. 4º a 10º daquela Portaria, superando eventualmente até as dificuldades suscitadas por questões de alegada incomparabilidade (art. 4º, 1, b) da Portaria), tenha feito tábua rasa de elementos que conhecia e não podia desconhecer:
seja por corresponderem a uma intuição simples assente em regras comuns de experiência (quem conceberia como normal que a B…, ou a Requerente, se locupletassem gratuitamente com os direitos autorais dos criadores das obras e com os demais inputs de natureza incorpórea?);
seja por tê-los tomado em consideração na liquidação de imposto de exercícios anteriores da mesma Requerente.
17. Em suma, a correcção proposta pela Requerida, posto que legítima, foi inadequada.
18. Por esta razão, o acto de liquidação é ilegal, por errónea aplicação do artigo 63.º do Código do IRC e dos arts. 4º e seguintes da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.”
Em suma, o exercício efetuado pela Requerida não foi completo. A simples comparação dos custos com a aquisição do material, desconsiderando um elemento essencial que, reconhecidamente, incorpora o produto transacionado pela Requerida, é insuficiente com consequências no quantum da matéria coletável corrigida. É por isso, e só por isso, que o ato tributário em apreço não pode manter-se na Ordem Jurídica.
Dos juros indemnizatórios
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticiona ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT: “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária […]: a) restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Por outro lado, e sob a epígrafe “Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo”, o artigo 100.º da Lei Geral Tributária determina que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Não obstante o âmbito material do RJAT não preveja, expressamente, decisões condenatórias, uma vez que o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT refere somente “declaração de ilegalidade”, a jurisprudência do CAAD entende que se integra na competência dos tribunais arbitrais a apreciação de pedidos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Neste sentido, vejam-se, a título meramente exemplificativo, as decisões do CAAD proferidas nos processos nº.s 142/2012-T (Jorge Lopes de Sousa), 303/2015-T (Jorge Lopes de Sousa), 681/2016-T (Fernanda Maçãs).
Com efeito, tratando-se o recurso à arbitragem de uma via alternativa de resolução de litígios, nomeadamente alternativa em relação à impugnação judicial, e sendo admissível na impugnação judicial peticionar juros indemnizatórios e, consequentemente, condenar a AT no seu pagamento, nada leva a que não seja possível condenar em sede de arbitral.
O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
Mais ainda, resulta do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios quando preceitua que “[é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
No entanto, para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios torna-se necessária a verificação de quatro requisitos cumulativos, a saber:
a) que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b) que ele seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, e relativamente à parte do pedido considerado procedente por este Tribunal Arbitral, todos os requisitos legais se encontram preenchidos pelo que procede, nesta parte, o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao montante a reembolsar.
III. Decisão
Em face de tudo quanto antecede, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando o acto de liquidação impugnado, com restituição à Requerente do imposto e juros compensatórios pagos; e
b) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento até à integral restituição.
IV. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €.125.808,93 (cento e vinte e cinco mil, oitocentos e oito Euros e noventa e três cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €.3.060,00 (três mil e sessenta Euros) a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa,15 de Janeiro de 2020
O Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
O Árbitro Adjunto
(Isaque Ramos)
O Árbitro Adjunto
(Raquel Franco)