DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), Dra. Cristiana Maria Leitão Campos e Dra. Cristina Aragão Seia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18.03.2019, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
A Requerente, A... SGPS, S.A. (adiante designada por A...), com o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., com sede na ..., nº..., ..., ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) nº 2018..., datada de 16.08.2018, e na demonstração de acerto de contas nº 2018..., datada de 20.08.2018, com referência ao exercício de 2014, no montante de € 443.506,78 (doc. 1 junto com o pedido arbitral), com as demais consequências legais. Requereu, ainda, indemnização por prestação indevida de garantia.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados para integrar o Tribunal Colectivo, os signatários, que comunicaram ao Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regulamentar aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 18.03.2019.
A fundamentar o pedido, a Requerente pugna pela sua procedência, alegando, em síntese:
- a falta de fundamentação do acto tributário em crise, uma vez que o mesmo carece de qualquer base factual, o que consubstancia um vício de forma, devendo, por isso, ser anulado por violação do disposto nos artigos 62º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), 77º da Lei Geral Tributária (LGT), 125º, nº 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP);
- a errónea aplicação do regime da limitação dos gastos de financiamento líquidos previsto no artigo 67º do CIRC;
- a falta de apreciação dos factos à luz do regime da dedutibilidade dos encargos financeiros previsto no art.23º A, nº 1, alínea m) do CIRC;
- a errónea interpretação que a AT faz do art. 23º do CIRC;
- a errónea interpretação e aplicação do regime da participation exemption previsto nos arts 51º-51º - C do CIRC;
- a violação do princípio da tributação pelo rendimento real; e
- a violação do princípio da capacidade contributiva.
Pretende, assim, a Requerente, a anulação das liquidações em crise e indemnização por prestação de garantia indevida.
A AT, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se apenas por impugnação e juntando o processo administrativo, alegando, em síntese, os seguintes fundamentos:
- da análise às demonstrações financeiras individuais da B... SGPS, S.A. (adiante designada B...), sociedade dominada pela Requerente, constatou-se que foram contabilizados gastos financeiros, sem a devida correcção dos mesmos, para efeitos fiscais, na declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2014, nos termos da alínea a), do nº 1, do artigo 67º do CIRC, conjugado com o artigo 23º do mesmo diploma;
- ao contrário do entendimento da Requerente, considera-se que os gastos financeiros incorridos, estão relacionados com obtenção de “capitais alheios”, estando sujeitos ao regime de dedutibilidade fiscal estipulado no art.º 67.º do CIRC.
- pelo que se justifica a correcção ao resultado final da B..., no montante de € 1.589.925,59, correcção que se repercute na liquidação do grupo do exercício de 2014;
Por despacho de 12.05.2019 foi dispensada a reunião prevista no art. 18º do RJAT, tendo sido notificadas as Partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias, com carácter sucessivo, e fixado o dia 14 de Novembro para a prolação da Decisão Arbitral. Este prazo foi prorrogado, por dois meses, por despacho de 14 de Novembro, tendo-se fixado o dia 18 de Janeiro como data limite de prolação da Decisão Arbitral.
As partes apresentaram alegações escritas nas quais, no essencial, mantiveram as posições já expressas em sede de petição inicial e resposta.
2. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, nº 1, alínea a), e 30.º, nº 1, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, nº 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
Não se verificam excepções nem nulidades, pelo que se impõe conhecer, em seguida, do mérito do pedido.
3. MÉRITO
3.1. Matéria de facto
3.1.1. Factos provados
Julgam-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente, A..., SGPS, S.A., é uma sociedade anónima que se dedica à gestão de participações sociais das sociedades do “Grupo C...” que opera nas diferentes áreas de actividade do sector farmacêutico, partilhando recursos comuns, nomeadamente, instalações, serviços administrativo-financeiros e serviços informáticos;
b) A Requerente encontra-se enquadrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), desde 01.01.2007, sendo a sociedade dominante do grupo [p. 30 do Processo Administrativo (PA)].
c) O Grupo C... adoptou, a partir de 2011, um sistema de centralização da gestão de tesouraria (Cash pooling Zero Balance), assumindo a Requerente o papel de entidade centralizadora de tesouraria e estando as demais empresas do grupo obrigadas a canalizar os fluxos positivos e negativos de tesouraria para a primeira, uma vez terminadas as operações diárias (cfr. documento nº 6 junto com o pedido arbitral).
d) A Requerente, sociedade dominante, assegura a gestão dos fluxos financeiros correntes de todas as empresas do grupo, efectuando directamente os recebimentos e os pagamentos resultantes da actividade operacional das participadas, sendo-lhe transmitidas, na generalidade, todas as dívidas de clientes e fornecedores (cfr. p. 15 do doc. nº 6 junto com o pedido arbitral).
e) No exercício de 2014, o perímetro fiscal do grupo era constituído pela Requerente, enquanto sociedade dominante, e pelas seguintes sociedades dominadas (p. 31 do PA):
- D..., S.A. (D...);
- E..., S.A. (E...);
- F... Lda (F…, Lda);
- G..., S.A. (G...);
- B… SGPS, S.A. (B…);
- H..., S.A. (H...);
- I..., Lda. (I...); e
- J... S.A. (J...).
f) No exercício de 2014 o Grupo mantinha o sistema de centralização da gestão de tesouraria iniciado em 2011, conforme resulta do Relatório e Contas da A... (doc. nº 8, p. 21, junto com o pedido arbitral) e do da B... (doc. nº 7, p. 16, junto com o pedido arbitral), referentes ao aludido exercício.
g) A B... é uma sociedade anónima que se dedica à gestão de participações sociais da sociedade de direito brasileiro H..., Ltda. e das sociedades de direito moçambicano K..., Lda., L..., Lda. e M..., Lda.;
h) A Requerente concedeu à B... empréstimos, sob a forma de suprimentos, à taxa de 7% (doc. 8, pp. 17 e 20 e doc. 7, pp. 15 e 16; Pedido Arbitral e Alegações);
i) A coberto da ordem de serviço nº OI 2017..., foi realizado procedimento de inspecção externa à sociedade B... (cf. doc. nº 2 junto com o pedido arbitral), na sequência do qual, nos termos previstos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CIRC, conjugado com o artigo 23.º do mesmo diploma, foram desconsiderados gastos líquidos de financiamento no montante de € 1.589925,59;
j) Da análise ao balancete analítico (ver anexo fls. 2 a 5 do RIT) da sociedade B... SGPS SA, relativo ao exercício em análise, constataram os SIT que as contas SNC de gastos e perdas de financiamento e rendimentos e ganhos da mesma natureza, comportam os registos contabilísticos indicados nos seguintes quadros:
Gastos e Perdas de Financiamento
Conta Balancete Valores
6887000000 – Dif. de câmbio desfavoráveis (1) 69.553,08 €
6918300000 – Juros Intra grupo (2) 1.539.532,61 €
6988100000 – Despesas serviços bancários (3) 289,76 €
TOTAL (1+2+3) 1.609.375,45 €
Outros Rendimentos e Ganhos
Conta Balancete Valores
79188100000 – Outros juros obtidos 19.449,86 €
k) Procedendo ao seguinte cálculo para determinação dos gastos de financiamento líquidos:
Gastos de financiamento líquidos (art.º 67.º do CIRC)
a) Gastos e perdas de financiamento - 68/69 – €1.609.375,45
b) Outros rendimentos e ganhos - 79 – €19.449,86
c) Gastos de financiamento líquidos [c) = a) - b)] - €1.589.925,59
l) O montante mais expressivo, no valor de €1.539.532, 61, dos gastos financeiros mencionados correspondem a juros suportados pela B... e cobrados pela Requerente, sociedade-mãe, por força da contratualização de suprimentos (artigo 37.º do Pedido Arbitral);
m) Através de acção inspectiva interna à Requerente, realizada a coberto da OI 2018..., procederam os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) ao reflexo nos resultados do grupo das correcções efectuadas à sociedade B..., no valor €443.506,78 (cfr. doc. nº 2 junto com o pedido arbitral);
n) Em conformidade com o artigo 60.º do RCPIT, foi a Requerente notificada para o exercício do direito de audição, direito que não exerceu;
o) Pelo que foram elaborados os respectivos documentos de correcção;
p) Em virtude da falta de pagamento do imposto devido, foi instaurada a execução fiscal nº ...2018..., no âmbito da qual, a Requerente apresentou a garantia bancária nº..., emitida pelo N..., em 05.11.2018 (doc. 5 junto com o pedido arbitral).
3.1.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
3.1.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, nº 2, do CPPT e artigo 607.º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, nº 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, nº 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, nº 7 do CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
3.2. Matéria de Direito
3.2.1. Da correcção ao lucro tributável da Requerente
Como já se viu, nas inspecções realizadas às sociedades A... e B..., integrantes do grupo fiscal de que a primeira é a sociedade dominante - Grupo C... -, a AT desconsiderou, ao abrigo dos artigos 67.º e 23.º, nº 1, do CIRC, como gasto fiscal do exercício de 2014, os encargos financeiros suportados pela segunda, resultantes da contratualização de suprimentos com a sociedade dominante do grupo.
Assim, na sequência de procedimento inspectivo interno, em sede de IRC, ao resultado do grupo declarado para efeitos de IRC, relativo ao exercício de 2014, a soma algébrica dos resultados fiscais foi corrigida em € 1.589.925,59, valor correspondente à correcção efectuada no âmbito da ordem de serviço OI 2017..., da Direcção de Finanças de Lisboa, à B..., sociedade dominada.
Esta correcção, como justifica a AT no RIT (PA1) resultou de irregularidades detectadas relacionadas com a dedutibilidade dos gastos decorrentes de encargos financeiros, prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 67.º do CIRC, conjugado com o artigo 23.º do mesmo diploma.
Tratando-se de uma sociedade enquadrada, para efeitos fiscais, no RETGS, previsto no artigo 69º do CIRC, a referida correcção, que a Requerente impugna, reflecte-se no resultado do grupo, nos termos do artigo 70º e 71º do CIRC.
No RIT, que resultou do procedimento inspectivo realizado à B..., participada da Requerente, a AT defendeu que, «considerando o facto da actividade da B... se caracterizar pela gestão de participações sociais e pela ausência de uma actividade económica directa, os rendimentos principais auferidos ou a auferir com a natureza de dividendos e mais-valias relacionados com participações sociais, encontram-se, verificados os requisitos constantes da lei, excluídos de tributação pelo regime especial previsto para a tributação dos lucros e reservas distribuídos e de mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, vulgarmente designado de “Regime de Participation Exemption” (cfr. Art.ºs 14.º, 51.º, 51.º A a 51.º C, todos do CIRC)». Acrescentando ainda que «da análise realizada ao Balancete Analítico do exercício de 2014, nomeadamente às contas da “Classe 7 – Rendimentos”, verificou-se que o sujeito passivo (B...) tem relevado rendimentos nas contas 78 – Outros rendimentos e ganhos, relacionados com correcções a exercícios anteriores e indemnizações laborais. Da análise realizada concluiu-se por uma ausência de actividade económica directa desenvolvida por esta sociedade». (p. 5 do PA1).
Nessa sequência, a AT descreveu, assim, os factos e fundamentos das correcções propostas:
«III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
No decurso da acção de inspeção, realizada ao exercício de 2014, às áreas contabilístico - fiscais seleccionadas e analisadas de acordo com os métodos e procedimentos adoptados e com a profundidade considerada adequada em cada situação, foi detectada a seguinte situação, a qual despoletou a proposta de correcção ao apuramento do resultado tributável que, infra, se sistematiza e legalmente se fundamenta.
III.1 – Da análise efectuada
Foram objecto de análise os valores inscritos pelo sujeito passivo no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, bem como o registo contabilístico de ganhos e perdas, nomeadamente ganhos e perdas financeiras, não se encontrando inconformidades susceptíveis de correção, exceto quanto à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos de acordo com a alínea a) do nº 1 do art.º 67.º do CIRC, conjugado com o nº 1 do art.º 23 do mesmo diploma, que no ponto seguinte (III.2) se descreve.
III.2. – Dos gastos de financiamento líquidos
Da análise ao balancete analítico (ver anexo fls. 2 a 5) da sociedade B... SGPS SA, relativo ao exercício em análise, constata-se que as contas SNC de gastos e perdas de financiamento e rendimentos e ganhos da mesma natureza, comportam os registos contabilísticos indicados nos seguintes quadros 4 e 5.
Quadro nº 4: Gastos e Perdas de Financiamento
Conta Balancete Valores
6887000000 – Dif. de câmbio desfavoráveis (1) 69.553,08 €
6918300000 – Juros Intra- grupo (2) 1.539.532,61 €
6988100000 – Despesas serviços bancários (3) 289,76 €
TOTA L (1 +2+3) 1.609.375,45 €
Quadro nº 5: Outros Rendimentos e Ganhos
Conta Balancete Valores
79188100000 – Outros juros obtidos 19.449,86 €
III.2.1. Do cálculo dos gastos de financiamento líquidos (GFL)
No que concerne ao apuramento dos gastos de financiamento líquidos estabelece o nº 12 do art.º 67.º do CIRC:
Artigo 67.º
Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento
(…)
12 - Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.
(…)
Atento à legislação atrás citada e tendo por base os montantes relevados contabilisticamente pela B... SGPS SA, nas rubricas de perdas / gastos de financiamento e outros rendimentos e ganhos, procede-se no quadro seguinte ao cálculo para determinação dos gastos de financiamento líquidos:
Quadro nº 6: Gastos de Financiamento Líquidos (art.º 67.º do CIRC)
Gastos e Perdas de Outros Rendimentos Gastos de Financiamento
Financiamento e Ganhos Líquidos
(a) (b) (c)=(a)-(b)
68/69 – 1.609.375,45 € 79 .– 19.449,86 € 1.589.925,59€
III.2.2. Da dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos
Prevê o nº 1 do art.º 67.º do CIRC, limites à dedutibilidade relacionada com os gastos de financiamento líquidos, disposição que a seguir se transcreve:
Artigo 67.º
Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento
1(*)- Os gastos de financiamento líquidos concorrem para a determinação do lucro tributável até ao maior dos
seguintes limites:
a) (euro) 1 000 000; ou
b) 30 % do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos.
(…)
Importa referir, que o artigo 23.º, nº 1 do CIRC, na redação após Reforma do IRC, implementada através da Lei nº 2/2014) dispõe que “(…) Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”
Pelo que, encontra-se ínsito no artigo 23.º, nº 1 do CIRC, que só serão aceites como gastos
fiscais, os encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respetivo objeto social.
Resultando desta forma, que os montantes de gastos de financiamento que se encontrem dentro dos limites estipulados no nº 1 do art.º 67.º do CIRC, só são considerados fiscalmente dedutíveis, se estiverem em conformidade com as disposições contidas no art.º 23.º da mesma disposição legal.
A sociedade não exerceu a opção constante no nº 5 do art.º 67.º do C.I.R.C.
III.2.3. Dos gastos de financiamento líquidos considerados dedutíveis pela B... SGPS SA no apuramento do resultado fiscal declarado.
Da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período em questão, verifica-se que o sujeito passivo não inscreveu qualquer valor no campo 748 – Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos (art.º 67.º) do quadro 07.
Foi a B... SGPS SA notificada, para esclarecer o motivo pelo qual não procedeu a qualquer acréscimo relativo a gastos de financiamento líquidos, tendo respondido que:
“O montante de € 1.539.822,00 corresponde a juros apurados a nível interno do Grupo e não a encargos financeiros pagos a entidades terceiras, ou seja, trata-se de uma mera imputação intra-grupo, a débito numa sociedade e a crédito noutra do mesmo grupo.
Numa ótica de lucro tributável do grupo tais operações não têm impacto. Tratando-se de juros de suprimentos efetuados à B..., SGPS, S.A., a respetiva dedutibilidade não é limitada pelo disposto no artigo 67.º do Código do IRC”.
Neste contexto e atendendo ao nº 12 do referido artigo 67.º do Código do IRC que esclarece que “Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente (…) deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza”, a B... SGPS, S.A. entende que o disposto no artigo 67.º do Código do IRC não é subsumível à situação fáctica em apreço.
Com efeito, e conforme referido, o montante de € 1.539.822,00 não corresponde a gastos de financiamento incorridos com entidades terceiras.
Assim, a B... SGPS, S.A. não tinha a obrigação de reportar um acréscimo no campo 748 do quadro 07 da modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2014”.
Deste modo, a B... SGPS SA, no apuramento do resultado fiscal, considerou como dedutível o valor total de gastos financeiros contabilizados no montante de €1.539.822,37.
III.2.4. Análise aos esclarecimentos prestados pela B... SGPS SA
Relativamente aos esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo, transcritos no ponto anterior, quanto à dedutibilidade fiscal dos gastos financeiros suportados, não pode a AT concordar com tal interpretação, pelas razões que a seguir se apresentam: no que diz respeito aos meios de financiamento obtidos pelas empresas, importa distinguir, entre, aqueles que são obtidos com recurso a capitais próprios e os que são obtidos com recurso a capitais alheios. Não obstante, ambos se destinarem à concretização de um mesmo objetivo empresarial, são de diferente natureza, com reflexos ao nível do resultado do exercício.
Os capitais próprios correspondem ao património líquido da empresa, não tendo qualquer contrapartida fixa de remuneração, ou seja, regra geral, não influenciam o resultado do exercício. O financiamento através do capital próprio, pode ser obtido, entre outras formas, através de prestações suplementares de capital, criação de reservas e resultados transitados. Os capitais alheios, englobam todo o tipo de financiamento obtido junto de terceiros, com contrapartidas de remuneração associadas, nomeadamente, empréstimos bancários, descobertos bancários, bem como, os suprimentos (empréstimos dos sócios).
No caso presente, os gastos financeiros, sob a forma de juros suportados pela B... SGPS SA, são a contraprestação remuneratória relacionada com os empréstimos sob a forma de suprimentos (capitais alheios) efetuados pelo seu acionista.
Assim sendo, ao contrário da interpretação seguida pelo sujeito passivo, considera-se que os gastos financeiros incorridos, estão relacionados com obtenção de capitais alheios, estando sujeitos ao regime de dedutibilidade fiscal estipulado no art.º 67.º do C.I.R.C.
De seguida, analisar-se-á a dedutibilidade fiscal dos gastos financeiros incorridos pela B... SGPS SA, à luz do art.º 67.º, conjugado com o art.º 23.º, ambos do C.I.R.C. e tendo em conta tratar-se de uma sociedade gestora de participações sociais.
III.2.5. Da apreciação legal
Conforme se descreve no ponto III.2.2 do presente relatório, em matéria de dedutibilidade fiscal de gastos de financiamento, face à reforma operada em sede de IRC – em vigor a partir do período de 2014, foi limitado o valor aceite de gastos de financiamento dedutíveis, pelo artigo 67.º do CIRC, bem como efetuada a conjugação deste artigo com a limitação já prevista no artigo 23.º do CIRC – que versa a dedutibilidade apenas dos gastos, incluindo os de financiamento, incorridos de forma a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.
Embora, o conceito de “indispensabilidade” plasmado na antiga redação da norma tenha sido afastado, subsiste a necessidade, por parte do sujeito passivo e a obrigação por parte da AT, de verificar se existe uma ligação causal entre os gastos incorridos e a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.
Se assim não fosse, o legislador não carecia de afirmar a necessidade de os gastos serem efetuados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, deixando à discricionariedade da gestão a seleção dos gastos a incorrer pela sociedade, qualquer que fosse o benefício e/ou o objetivo desse gasto.
Para além disso a alínea c), do nº 2 do artigo 23.º do CIRC, refere que são dedutíveis os gastos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado.
(Sublinhado nosso).
Atente-se, para efeitos de apuramento da base (EBITDA) da dedução de gastos de financiamento líquidos referida na al. b) do nº 1 do artigo 67.º do CIRC, ao estipulado na al. d) do nº 13 do artigo 67.º do mesmo diploma:
“13 - Para efeitos do presente artigo, o resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos é o apurado na contabilidade, corrigido de:
a) …;. b)….; c) …..;
d) Rendimentos ou gastos relativos a partes de capital às quais seja aplicável o regime previsto nos artigos 51.º e 51.º C;”
Decorre deste normativo que o legislador afastou do conceito do EBITDA, os rendimentos e gastos relativos a partes de capital às quais seja aplicado o regime contido nos art.º s 51.º e 51.º C do C.I.R.C., vulgarmente designado por regime da participation exemption, ou seja, uma SGPS, tendo apenas resultados tributados de natureza financeira (juros) e no caso das suas participações financeiras detidas se enquadrarem no regime antes referido, e bem assim apurando-se valores de gastos de financiamento líquidos, o seu EBITDA corrigido, tenderá sempre para zero, não havendo assim, qualquer valor a deduzir relativo a gastos de financiamento líquidos apurados, estes, não geram qualquer rendimento tributável, estando a sua dedutibilidade vedada por força do disposto no nº1 do art.º 23.º do CIRC. Ora, a mesma linha de pensamento não se poderá deixar de aplicar ao limite estipulado na al. a) do nº 1 do art.º 67.º do CIRC.
Resulta da análise às normas em apreço, que só serão aceites fiscalmente os encargos financeiros relacionados com a obtenção de rendimentos tributáveis na esfera da SGPS, designadamente os decorrentes da detenção de partes de capital e da prestação de serviços no âmbito das funções que podem ser exercidas por esta sociedade (vide artigo 4.º, do Decreto – Lei nº 495/88, 30 de dezembro).
E no caso em apreço, assistimos que os rendimentos tributáveis declarados pelo sujeito passivo dizem respeito apenas a rendimentos financeiros (“conta 78”), sendo que, os relacionados com partes de capital detidas, foram deduzidos na determinação dos gastos de financiamentos líquidos (ver quadro 5 do presente relatório).
Assim, a limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento do artigo 67.º do CIRC, só pode abranger os gastos incorridos e suportados que se mostrem enquadrados pelo artigo 23.º do mesmo diploma, para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, pelo que, o valor apurado de gastos de financiamento líquidos, ou seja, os encargos financeiros relacionados com partes de capital detidas, não se enquadram nas disposições do artigo 23.º do CIRC, pelo facto, dos rendimentos por elas gerados ou a gerar futuramente (dividendos e mais / menos valias) se encontrarem excluídos de tributação por força do regime da participation exemption (art.ºs 51.º a 51.º C do CIRC).
Pelo exposto, não se detetando qualquer outro rendimento tributável relacionado com os gastos financeiros suportados (exceto os rendimentos tributáveis que já foram deduzidos na determinação do gastos de financiamento líquidos - ver quadro 6 do presente relatório) não poderá a AT, no ano em análise, aceitar como fiscalmente dedutíveis, nos termos do art.º 67.º do C.I.R.C., conjugado com o art.º 23.º do C.I.R.C., a totalidade dos gastos de financiamentos líquidos, no montante de €1.589.925,59.»
Em suma, a AT considera que os gastos financeiros, sob a forma de juros suportados pela B..., são contraprestação remuneratória relacionada com a obtenção de capitais alheios (assim qualifica os suprimentos efectuados pela Requerente), estando sujeitos ao regime de dedutibilidade fiscal estipulado no artigo 67.º do CIRC. Considera, ainda, os gastos em causa não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º, nº 1, do CIRC, que assenta na exigência de uma ligação de causalidade, ainda que indirecta, entre a realização do gasto e a obtenção do rendimento a obter, ligação cuja existência a AT, no presente caso, não reconhece. Logo, no entender desta, aqueles gastos não se poderão enquadrar nos limites estipulados pelo artigo 67.º do CIRC, porque «as regras específicas de dedutibilidade estipuladas no art.º 67.º do CIRC, só poderão ser consideradas, no caso de se encontrarem reunidos os requisitos de dedutibilidade constantes no artigo 23.º do CIRC - cláusula geral de dedutibilidade -, o que não se verifica no caso em questão.
Cumpre, assim, a este Tribunal, analisar se a correcção efectuada pela AT e que a Requerente pretende ver anulada é ou não sustentável.
Vejamos, então.
A. Quanto à aplicabilidade do artigo 23.º do CIRC
O Cash pooling é um serviço financeiro que se traduz na gestão integrada da tesouraria entre empresas em relação de grupo, utilizando os excedentes e as carências de tesouraria de cada uma dessas empresas, designadamente, através da concessão e cedência de créditos entre as empresas do grupo. Trata-se de um instrumento apto à optimização da rendibilidade e liquidez e de utilização privilegiada em contexto de crise económica.
Refere a Requerente que o Grupo C... adoptou, a partir de 2011, um sistema de centralização da gestão de tesouraria pela Requerente que nele assumiu o papel de entidade centralizadora de tesouraria, estando as demais empresas do grupo obrigadas a canalizar os fluxos positivos e negativos de tesouraria para a primeira, uma vez terminadas as operações diárias, como resulta do Relatório e Contas referente ao ano de 2011, que a Requerente juntou com o pedido arbitral como documento nº 6.
O objectivo da integração da gestão corrente de tesouraria de todas as empresas na A... é a optimização dos recursos financeiros e a simplificação das tarefas administrativas de tesouraria: a Requerente, sociedade dominante, assegura a gestão dos fluxos financeiros correntes de todas as empresas do grupo, efectuando directamente os recebimentos e os pagamentos resultantes da actividade operacional das participadas, sendo-lhe transmitidas, na generalidade, todas as dívidas de clientes e fornecedores (cf. p. 15 do doc. nº 6 junto com o pedido arbitral).
No exercício de 2014 o Grupo C... mantinha o mesmo sistema de centralização da gestão de tesouraria, iniciado em 2011, conforme resulta do Relatório e Contas da Requerente, A... (doc. 8 junto com o pedido arbitral, p. 21).
A Requerente alega tratar-se de um Cash pooling Zero Balance, uma vez que o sistema adoptado tem por base a existência de transferências efectivas de fundos entre contas bancárias de entidades do mesmo grupo. Nesta modalidade, a centralização de tesouraria é operada em conta da entidade centralizadora constituída junto do Banco, sendo titular uma das sociedades do grupo (a Requerente). Procede-se à consolidação diária dos saldos bancários de cada uma das empresas do grupo por forma a constituir-se um saldo único, global, numa conta bancária gerida pelo centro de gestão de tesouraria, à qual o Banco, em conformidade com os mecanismos anteriormente descritos, debita ou credita juros. Posteriormente, compete ao centro de gestão de tesouraria imputar juros (credores ou devedores) às contas bancárias de cada empresa do grupo em função dos saldos transferidos. A consolidação das contas é real e não apenas virtual. Em virtude desta consolidação real, todas as contas bancárias são colocadas a zero no movimento de transferência para a conta bancária agregada. Assim, diariamente os saldos credores das contas individuais dos membros do Grupo são transferidos para a conta bancária agregada e os saldos devedores dessas contas individuais, são cobertos pela transferência dos excedentes de tesouraria da conta bancária agregada.
Ora, como ensina José Fernando Abreu Rebouta , as operações de transferência de saldos entre a conta da participante ou aderente e a conta da entidade centralizadora, bem como o movimento de transferência inverso da conta agregada a favor da conta bancária devedora consubstanciam financiamentos obtidos/concedidos através da realização de operações de tesouraria, sujeitos ao imposto do selo da verba 17.1.4 da TGIS, que recai sobre o saldo devedor da conta apurado no final de cada mês.
Estas operações podem ser realizadas directamente entre os membros do grupo, sem intermediação financeira, ainda que os fundos estejam depositados em Instituição de crédito. Esta realiza transferências por ordem genérica das diversas entidades envolvidas no acordo, a entidade centralizadora e os membros do Grupo. Os juros intragrupo são calculados em função de taxas e outras condições definidas na convenção de gestão centralizada de tesouraria. Essa possibilidade resulta da alínea d) do nº 2 do art. 9º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), que excluí da aplicação desse regime as operações de tesouraria entre sociedades em relação de domínio ou grupo. Por operações de tesouraria entendem-se geralmente os adiantamentos, os empréstimos e descobertos, bem como as operações de compensação intragrupo.
No caso em apreço, a Requerente defende que o único propósito para a contratualização dos suprimentos intragrupo decorre da adopção do sistema de centralização da gestão de tesouraria (cash pooling zero balance) com o objectivo de evitar o recurso, por parte das suas participadas, a financiamento externo e optimizar os recursos financeiros existentes no seio do Grupo, não sendo aplicáveis os artigos 67.º e 23.º do CIRC.
Por sua vez, a AT invoca a existência de uma dualidade de operações no seio do Grupo, assente, por um lado em operações de gestão de tesouraria e, por outro lado, em operações de financiamento com recurso a capitais alheios.
Sustenta a Requerida, como vimos, que os gastos financeiros, sob a forma de juros suportados pela B..., são a contraprestação remuneratória relacionada com a obtenção de capitais alheios, justificando a aplicabilidade do artigo 67.º do CIRC ao caso concreto.
Neste sentido, pode ler-se no Relatório de Inspeção, que serve de fundamentação relevante para a liquidação ora impugnada, que:
“Os capitais alheios, englobam todo o tipo de financiamento obtido junto de terceiros, com contrapartidas de remuneração associadas, nomeadamente, empréstimos bancários, descobertos bancários, bem como, os suprimentos (empréstimos dos sócios).
No caso presente, os gastos financeiros, sob a forma de juros suportados pela B... SGPS SA, são a contraprestação remuneratória relacionada com os empréstimos sob a forma de suprimentos (capitais alheios) efetuados pelo seu acionista.
Assim sendo, ao contrário da interpretação seguida pelo sujeito passivo, considera-se que os gastos financeiros incorridos, estão relacionados com obtenção de capitais alheios, estando sujeitos ao regime de dedutibilidade fiscal estipulado no art.º 67.º do C.I.R.”
O n.º 12 do artigo 67.º do CIRC refere expressamente que, para efeitos da aplicação do preceito, “consideram-se gastos de financiamento líquido as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazo (…)” (sublinhado nosso).
Importa realçar que a letra do preceito não procede a qualquer classificação dos empréstimos ou negócios jurídicos em causa, antes se referindo a empréstimos em sentido amplo qualquer que seja a natureza e proveniência.
Assim sendo, considerando a letra e a ratio do preceito (estabelecer limites ao endividamento excessivo), o que importa para o caso em apreço, é que estejamos perante importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de empréstimos obtidos a curto e longo prazo, qualquer que seja a natureza ou modalidade que tal empréstimo assuma.
No conceito mencionado não podem deixar de incluir-se os suprimentos, os quais do ponto de vista substantivo são mútuos, embora regidos pela lei comercial, feitos pelos sócios à sociedade. Por outro lado, os créditos ou empréstimos feitos pelos sócios às sociedades não podem deixar de ter a natureza de capitais alheios, porquanto, a personalidade dos sócios é diferente da personalidade jurídica da sociedade. Estamos a falar de pessoas jurídicas distintas, não oferecendo dúvida que, no caso de suprimentos feitos pelo sócio à sociedade, este assume, para todos os efeitos, a posição de credor daquela.
Em suma, o que resulta dos factos provados é que, no caso em apreço, estamos perante uma concessão de crédito da Requerente à B..., pela qual lhe são cobrados juros à taxa de 7%, tal como se encontra descrito no pedido arbitral e resulta da análise dos documentos juntos pela Requerente, designadamente, dos já referidos docs. 7 e 8, bem como da análise da restante documentação que integra os relatórios das inspecções realizadas às sociedades A... e B... e que constam do processo administrativo (PA e PA1). Saliente-se, porém que já no acórdão do CAAD, proferido no proc. 277/2018-T, se afirmou que o “cash-pooling – zero balance” é «(…) pelo menos, essencialmente, um meio de financiamento (…)».
Isto posto, importa então determinar, antes demais e invertendo o iter percorrido pela Requerida, se o gasto correspondente ao pagamento de juros à Requerente, que a B... suportou, preenche os requisitos do artigo 23.º do CIRC. De facto, só fará sentido aferir da limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento se estes gastos forem considerados dedutíveis, nos termos desta mesma disposição.
No essencial afirmou-se no RIT que, «no caso em apreço, assistimos que os rendimentos tributáveis declarados pelo sujeito passivo dizem respeito apenas a rendimentos financeiros (“conta 78”), sendo que, os relacionados com partes de capital detidas, foram deduzidos na determinação dos gastos de financiamentos líquidos (ver quadro 5 do presente relatório). Assim, a limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento do artigo 67.º do CIRC só pode abranger os gastos incorridos e suportados que se mostrem enquadrados pelo artigo 23.º do mesmo diploma, para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, pelo que, o valor apurado de gastos de financiamento líquidos, ou seja, os encargos financeiros relacionados com partes de capital detidas, não se enquadram nas disposições do artigo 23.º do CIRC pelo facto, dos rendimentos por elas gerados ou a gerar futuramente (dividendos e mais / menos valias) se encontrarem excluídos de tributação por força do regime da participation exemption (art.ºs 51.º a 51.º C do CIRC)».
Importa referir, que o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção após Reforma do IRC, implementada através da Lei nº 2/2014) dispõe que “(…) Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. A Requerida esclarece ainda que, no seu entender, «encontra-se ínsito no artigo 23.º, nº 1 do CIRC, que só serão aceites como gastos fiscais, os encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social», considerando este Tribunal não ser este o caso.
O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC estabelece que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Como se explicou no acórdão do CAAD proferido no proc. 177/2019-T, na redacção anterior deste n.º 1 do artigo 23.º estabelecia-se que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora». À face desta anterior redacção do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, foi-se estabilizando o entendimento doutrinal e jurisprudencial no sentido de para ser permitida a dedutibilidade de gastos e sua indispensabilidade para obtenção de rendimentos sujeitos a imposto não era necessária uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles fossem suportados no interesse da empresa, como foi reconhecido nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21-9-2016, processo n.º 0571/13 e de 15-11-2017, processo n.º 0372/16:
I – No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.
II – No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.
À face desta jurisprudência, não tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira. Na verdade, a exigir-se na nova redacção uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, tratar-se-á de uma inovação introduzida pela Lei n.º 2/2014, pois ela não era exigida pela redacção anterior.
No entanto, no Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – 2013, não se alude a qualquer intenção de alterar o regime anteriormente previsto no artigo 23.º do CIRC quanto à desnecessidade de uma relação de causalidade entre gastos e rendimentos, antes se refere expressamente esclarecer essa desnecessidade:
Ora, na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos.
A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da actividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.
Neste contexto, entendeu a Comissão propor uma evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos. Tal proposta acolhe a linha que a doutrina e a jurisprudência vêm sustentando, e pode revelar-se um meio para incrementar o grau de certeza na aplicação concreta do princípio basilar relativo à dedutibilidade. Adicionalmente, pode ainda constituir uma via para o decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa.
Assim, o artigo 23.º do Código do IRC passa a consagrar como princípio geral de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a actividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados.
É certo, no entanto, que a formulação proposta pela Comissão para o n.º 1 do artigo 23.º e a que veio a ser adoptada são diferentes.
A Comissão propôs a seguinte redacção: «Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a actividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados».
A redacção que veio a ser adoptada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, é: «Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
Na senda do atrás citado aresto do CAAD, «a restrição da relevância fiscal dos gastos, afastando a dedutibilidade dos que não estão relacionados com a obtenção de rendimentos tributados é uma possível solução legislativa razoável, que foi mesmo explicitamente aventada no âmbito da discussão pública do projecto da Reforma do IRC de 2014, designadamente, pelo Prof. Doutor FREITAS PEREIRA, em «Aumento da competitividade fiscal, com efeitos no investimento e emprego, ou simples erosão das receitas fiscais? - Reforma do IRC» ( ): «Neste domínio, seria até coerente, face designadamente à introdução de um regime alargado de "participation exemption", restringir a aceitação fiscal dos gastos, não permitindo a dedução daqueles que estão correlacionados com a obtenção de rendimentos isentos de tributação. Mas sobre isso, nada de especial se prevê, remetendo-se quanto a gastos financeiros ligados aos mesmos para a limitação geral prevista no artº 67º do CIRC».
No entanto, se é certo que a nova redacção do artigo 23.º inclui uma referência à relação entre os gastos e os rendimentos sujeitos a IRC que não constava da proposta de Comissão, também o é que a nova fórmula não é, neste ponto, substancialmente diferente da utilizada na redacção anterior do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, pois nela já de incluía uma referência ao referir que a realização de gastos «para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», que era generalizadamente interpretada, inclusivamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, como não exigindo uma relação de causalidade entre gastos e rendimentos.
Por outro lado, esta nova fórmula (como a anterior) ao fazer referência a «rendimentos sujeitos a IRC» nem sequer abrange, no seu teor literal, a globalidade dos rendimentos que não são tributados, pois rendimentos sujeitos podem não ser tributados, caso exista isenção.
Na verdade, como esclarece o artigo 4.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), não se confundem com benefícios fiscais, designadamente isenções, as situações de não sujeição tributária.
O n.º 2 deste artigo estabelece que se consideram, genericamente, não sujeições tributárias as medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas da incidência.
Como resulta deste artigo 4.º, rendimentos não sujeitos a um imposto, são os que não se incluem no seu âmbito de incidência objectiva.
Por isso, numa interpretação que tenha em mente a unidade do sistema jurídico e a coerência dos conceitos nele definidos, não pode ver-se na referência a «rendimentos sujeitos a IRC» uma fórmula abrangente da globalidade das situações de não tributação (incluindo isenções), pois a leitura coerente é a de que se pretendem excluir os gastos relacionados com rendimentos não incluídos no âmbito de incidência do IRC, designadamente os abrangidos por delimitações negativas expressas da incidência (como é o caso das previstas nos artigos 6.º e 7.º do CIRC).
A correcção deste entendimento confirma-se pelo facto de que, quando no CIRC se pretende aludir a situações de não tributação, se aludir cumulativamente a não sujeição e isenção, como se constata abundantemente pela redacção de várias normas do CIRC de 2014:
– pelo n.º 3 do artigo 14.º ao referir «entidade residente em território português, sujeita e não isenta de IRC»;
– pelo artigo 15.º, n.º 2, subalínea 1), que refere «gastos comuns e outros imputáveis aos rendimentos sujeitos a imposto e não isentos»;
– pela alínea d) do n.º 1 do artigo 51.º ao aludir a «entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC»;
– pela alínea b) do nº 1 do artigo 51.º do CIRC ao referir «sejam distribuídos por entidades não sujeitas ou sujeitas e isentas de imposto sobre o rendimento, salvo quando provenham de rendimentos sujeitos e não isentos»;
– pelo n.º 3 do artigo 51.º-D que refere «esteja sujeita e não isenta de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC»;
– do n.º 3 do artigo 53.º do CIRC que alude a «entidades residentes em território português, sujeitas e não isentas de IRC»;
– pelo artigo 54.º que faz várias referências a «rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC», no corpo do n.º 1, nas suas alíneas a) e b), e no n.º 2;
– pelo artigo 54.º-A, n.º 1, em que se refere «lucros imputáveis a esse estabelecimento estável estejam sujeitos e não isentos»;
– pelo artigo 73.º, n.º 7, alínea a), em que se faz referência a «sociedades com sede ou direcção efectiva em território português sujeitas e não isentas de IRC»;
– pelo artigo 87.º-A, n.º 1, ao referir a «parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas»;
– pelo artigo 95.º, n.º 2, que alude a «lucros que uma sociedade residente em território português e sujeita e não isenta de IRC».
A esta luz, é manifesto que a não referência no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC a rendimentos isentos, além dos não sujeitos a IRC, foi intencional».
Ora, os rendimentos da B..., SGPS, SA, estão sujeitos a IRC, pois enquadram-se no seu âmbito de incidência, genericamente definido nos artigos 3º e 4º do CIRC, e também no artigo 20º do CIRC.
Assim, o artigo 23º, nº 1, do CIRC, na redacção de 2014, não permite afastar a dedutibilidade de gastos de financiamento sujeitos a IRC, mesmo que haja a possibilidade de vir a ser excluída a tributação por aplicação do regime dos artigos 51º e 51º-C do CIRC.
Por outro lado, em sintonia com o que entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 21-02-2018, proferido no processo n.º 0473/13, a circunstância de os financiamentos contraídos suportando encargos terem sido utilizados para a B... SGPS, SA efectuar empréstimos à sua participada, H..., Ltda, integrada no mesmo grupo de sociedades, não obsta à dedutibilidade dos encargos, «pois estes estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes. A lógica empresarial e de grupo de empresas frequentemente aconselhará que os empréstimos sejam contratualizados pela empresa dominante, tendencialmente aquela que, pela sua dimensão e prestígio, se encontra melhor posicionada para os obter junto das instituições bancárias com condições mais favoráveis. Nada na lei comercial o impede, competindo a análise desse procedimento às próprias empresas do grupo, sem que a AT se possa imiscuir em tal opção empresarial, por o direito fiscal não impor comportamento diverso».
Também no proc. 734/2014-T do CAAD se estabelecera, em relação à actividade das SGPS e à dedutibilidade dos encargos financeiros, que «De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante , posição que subscrevemos.
A participação numa sociedade considera-se forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
Por seu turno, no acórdão proferido no proc. 233/2018-T, diz-se a dado passo que «Revertendo ao caso concreto, é incontroverso, por decorrer do respectivo regime legal a que está subordinada, que a B…, enquanto SGPS, pode conceder crédito às sociedades que sejam por si dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenha participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (cfr. respectivo artigo 5.º, n.º 1, alínea c)), sendo que, neste último caso, a concessão de crédito só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento (cfr. artigo 5.º, n.º 2); por outro lado, a própria B… pode ser beneficiária de operações de tesouraria efectuadas pelas sociedades suas participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo (cfr. artigo 5.º, n.º 3).»
Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS - conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.
Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, o financiamento de tal activo e a eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.
Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.
Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade.
Conclui-se, assim, que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação o conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número.
A Requerente alega ainda, no art. 128º do seu pedido arbitral, que «nunca poderia a administração tributária ter desconsiderado como custo fiscal os juros intragrupo, no montante de € 1.539.532,61, como não podia ter desconsiderado o montante de € 289,76, respeitante a despesas com serviços bancários, e de € 69.553,08 a título de diferenças cambiais desfavoráveis». É certo que, no entendimento da AT, estes gastos registados na contabilidade da B..., constituem encargos financeiros não aceites fiscalmente, para efeitos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, uma vez que estão conexos com as participações sociais e com os rendimentos por elas gerados ou a gerar futuramente (ou seja, dividendos e mais e menos valias) que se encontram excluídos de tributação ao abrigo do regime da participation exemption (cfr. págs. 9 e 10 do doc. nº 3). No entanto, a Requerida não logrou demonstrar a existência de uma conexão entre os gastos em causa e as participações sociais e os respectivos rendimentos.
Não pode vingar, assim, o argumento da Requerida que sustenta não estarem preenchidos os pressupostos do referido artigo 23.º por entender que a B... está a endividar-se não para financiar a sua actividade, mas para financiar as suas participadas, com erosão dos seus capitais.
Em conclusão a AT incorre aqui também em erro na interpretação e aplicação do artigo 23.º do CIRC.
Por outro lado, não assiste razão à Requerente quanto a alegada falta de fundamentação, desde logo pela extensa fundamentação e defesa que apresentou revela bem que entendeu o percurso cognitivo seguido pela Requerida. Coisa diferente é poder estar em discordância com o mesmo.
B. Quanto à aplicabilidade do artigo 67.º do CIRC
Aplicando-se o artigo 23º CIRC, há que apurar se há lugar à aplicação do artigo 67º do mesmo diploma que, no que ao caso sub judice concerne, estabelece o seguinte:
Artigo 67º
Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento
1 — Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites:
a) € 1 000 000; ou
b) 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos. (…)
O artigo 67º do CIRC é uma norma introduzida com o objectivo de impedir uma prática de evasão fiscal internacional que consiste no endividamento excessivo de sociedades em relação a entidades com as quais têm relações especiais, utilizando como critério a diferença de tratamento entre juros suportados e lucros obtidos.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º prevê que sejam dedutíveis até € 1.000.000,00 de gastos de financiamento líquido, pelo que a desconsideração como gasto da totalidade dos juros suportados pela B..., que a AT realizou a coberto da acima referida Ordem de Serviço não faz sentido. Apenas deveriam ter sido desconsiderados os gastos acima do montante de € 1.000.000,00.
No que diz respeito à ratio legis do artigo 23.º, uma das funções primordiais deste normativo será o de delimitar o conceito de gasto no ordenamento jurídico-fiscal, conferindo um catálogo de despesas consideradas como fiscalmente aceites. Assim, como se disse, este normativo visa restringir a dedutibilidade de determinados gastos que não obedeçam aos requisitos por ele impostos, evitando abusos por parte dos contribuintes, sempre prezando pelo princípio da liberdade de gestão empresarial, na medida em que considera como aceites, do ponto de vista fiscal, os gastos conexos com a actividade da empresa.
Quanto à ratio do artigo 67.º, este consagra uma limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento, feita através de parâmetros numéricos, que implica que o valor de gastos de financiamento que exceda os limites estabelecidos não seja considerado dedutível. Apesar da inovação que o legislador vem conceder, ao consagrar o novo regime da limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento, não elimina o facto de, para se proceder à aplicação dos limites por ele impostos, os gastos não terem de passar, primeiramente, pelo crivo do artigo 23º. Isto significa que, a restrição à dedutibilidade de gastos de financiamento, não prejudica a aplicação dos restantes regimes: regras gerais relativas à dedutibilidade de gastos (artigo 23º), regime de limitação do montante dos juros pagos por contratos de suprimentos a sócios (artigo 23º-A, alínea m) e o regime dos preços de transferência. Desta forma, no eventual cálculo do excesso de montante de encargos financeiros imposto pelas alíneas do artigo 67.º, apenas já só podem ser considerados os gastos de financiamento aceites como fiscalmente dedutíveis.
Em suma, encontrando-se os requisitos do artigo 23.º do CIRC preenchidos, há lugar à dedutibilidade de gastos de financiamento, embora sujeita ao limite estabelecido no artigo 67.º (€ 1.000.000.00).
Nesta sequência improcede igualmente o alegado vício de ilegalidade por dupla tributação dos juros intragrupo e violação do princípio da capacidade contributiva e do princípio da tributação pelo lucro real.
C. Da natureza de cláusula anti abuso consagrada no artigo 67.º do CIRC
Alega a Requerente que constituindo o artigo 67.º do CIRC uma norma anti abuso, competia à AT demonstrar que estão reunidos os pressupostos de facto e de direito de que depende a sua aplicação, em especial, “que demonstrasse ter existido um endividamento excessivo com intuito abusivo”.
Não assiste, porém, à Requerente qualquer razão.
Com efeito, o ónus de prova do alegado intuito abusivo só é exigido no âmbito do regime jurídico da cláusula geral anti abuso tal como regulada nas disposições conjugadas constantes dos artigos 38.º, n.º2, da LGT e 63.º, n.º3, do CPPT.
Ao contrário no caso em apreço estamos a falar de uma norma através da qual o legislador visou estabelecer limites aos gastos de financiamento e fá-lo de forma objectiva através de numerário: artigo 67.º, n.º1, alínea “a) (euro) 1000 000; ou a) 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos”.
Por conseguinte, ainda que se admitisse qualificar-se de cláusula anti abuso seria sempre uma cláusula sujeita a um regime jurídico especial, cujos únicos critérios fixados pelo legislador são numéricos e, como tal, objectivos e encontram-se demonstrados nos autos.
Improcede desta forma a argumentação da Requerente.
D. Da jurisprudência do acórdão do CAAD proferido no proc. 581/2016-T
A Requerente invocou, para sustentar o seu pedido, jurisprudência do CAAD, designadamente o acórdão proferido no proc. 581/2016-T. Neste aresto, discutia-se se o encargo financeiro decorrente do funcionamento do cash pooling preenche o conceito de aquisição de participações sociais para efeitos do artigo 32º do EBF. O que estava ali em causa era saber se os juros constituíam ou não financiamento de aquisição de partes sociais, tendo-se concluído que não porque «trata-se de movimentos financeiros que não estão associados ao financiamento de aquisição de partes sociais e sim à gestão centralizada de tesouraria do grupo» (p. 12). E mais à frente afirmou-se que as «questões fiscais aqui eventualmente a suscitar seriam porventura a dos preços de transferência, para saber se as taxas de remuneração ativas e passivas respeitam o princípio da plena concorrência; e ainda se os juros passariam a tese geral da dedutibilidade constante do artigo 23º» ( p. 12).Ora é esta precisamente uma das questões essências no caso em apreço. Questão a que já se respondeu, no que ao caso sub judice concerne, em cima.
Em suma, por tudo o quanto vai exposto, não assiste razão à Requerida quanto defende a desconsideração de todos os gastos por não aplicação do artigo 23.º do CIRC e errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 67.º do CIRC. Como ficou demonstrado a correcta aplicação do direito conduz-nos à aplicação conjugada do artigo 23.º e, consequentemente, do artigo 67.º do CIRC.
Para a Requerida proceder, no caso em apreço, à desconsideração de todos os gastos teria o ónus de aplicar e dar como verificados os pressupostos da cláusula geral anti-abuso, o que não fez.
Por sua vez, no que se refere à Requerente também não lhe assiste razão quando pretende deduzir a totalidade dos gastos incorridos, admitindo-se apenas o direito a deduzir gastos de financiamento até ao montante de €1.000.000,00.
Face ao exposto, considera-se parcialmente ilegal a correcção efectuada ao lucro tributável da A..., no que se refere ao montante de € 1.589.925,59, devendo a mesma limitar-se ao que excede o montante de €1.000.000, 00, ou seja, o valor de €589.925,59.
Termos em que se julga parcialmente ilegal a correção efectuada ao lucro tributável da A..., bem como a liquidação adicional que a traduz, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito no que concerne a aplicação conjunta dos artigos 67.º e 23.º, n.º 1 do CIRC.
3.2.2. Indemnização por prestação de garantia bancária indevida
Não tendo procedido ao pagamento voluntário do imposto em causa, a Requerente foi citada para o processo de execução fiscal nº ...2018... instaurado com vista à cobrança coerciva do mesmo, tendo prestado garantia bancária no montante de € 560.678,38 para suspender a referida execução.
Nos termos do disposto no artigo 53.º, nº 1 da Lei Geral Tributária, “O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por um período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a divida garantida”. Dispõe ainda o nº 2 do mesmo preceito legal que “O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
Por entender que no caso concreto, houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, a Requerente pretende ser indemnizada, nos termos do artigo 53.º da LGT, pela garantia que indevidamente prestou com vista à suspensão do identificado processo de execução fiscal.
Cumpre apreciar.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o art. 2.º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objecto um acto em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de actos de liquidação ou de actos de fixação da matéria tributável e actos de segundo grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, actos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 97.º do CPPT.
Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se prévia a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do artigo 4.º, nº 1, do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objecto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de actos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no nº 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, nº 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no nº 2 do art. 61.º (a que corresponde o nº 4 na redacção dada pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele nº 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo nº 2 do art. 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do acima referido art. 53.º da LGT.
Ora, no caso em apreço, o acto de liquidação de IRC e respectiva demonstração de acerto de contas padecem, como já vimos, de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito designadamente quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 67º do CIRC, que invalida parcialmente os actos em crise.
Neste enquadramento, a prestação da garantia bancária, por parte da Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão do mencionado processo de execução fiscal, afigura-se parcialmente indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida parcialmente pelos prejuízos que efectivamente sofreu com a prestação daquela garantia bancária, a apurar em sede de execução de Sentença.
4. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC nº 2018 ... e da demonstração de acerto de contas nº 2018 ..., no que se refere à desconsideração por parte da Requerida de gastos dedutíveis na parte que exceda o montante de € 1.000.000,00, ou seja, o valor de €589.925,59, e, nesta sequência, anular parcialmente a liquidação impugnada, com todas as legais consequências; e,
b) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento parcial de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no valor que vier a ser fixado em execução de sentença;
c) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira e a Requerente no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respectivo decaimento.
5. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC, 97º-A, nº 1, al. a) do CPPT e 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 443.506,78.
6. CUSTAS
Nos termos do art. 22º, nº 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 2/3 a cargo da Requerida e 1/3 a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2020
(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)
(Dra. Cristiana Maria Leitão Campos)
(Dra. Cristina Aragão Seia)